Eliphas
Levi Zahed é tradução hebraica de Alphonse Louis Constant, abade francês,
nascido no dia 8 de fevereiro de 1810 em Paris. Era filho de um modesto
sapateiro, Jean Joseph Constant e de Jeanne-Agnès Beaupurt, de afazeres
domésticos. Sua irmã Paulina-Louise era quatro anos mais velha que ele. Como
desde menino Eliphas demonstrava uma clara aptidão para o desenho, seus pais
acharam por bem direcioná-lo para o ensinamento religioso.
Aos
dez anos de idade, ingressou no presbitério da Igreja de Saint-Louis em L´Île,
onde aprendeu o catecismo com o abade Hubault. Devido ao seu brilhantismo e
dedicação ao sacerdócio, foi encaminhado ao seminário de Saint-Nicolas du
Chardonnet, e começou a se aprofundar nos estudos lingüísticos de forma tão
notável que logo lia a Bíblia em sua versão original. Em 1830, foi cursar
filosofia no seminário de Issy. Mais tarde, ingressou em Saint-Sulpice para
estudar teologia.
Terminado
o curso de teologia, Eliphas ascendeu na hierarquia da Igreja e foi aceito nas
ordens maiores, ordenando-se subdiácono. Começou a lecionar em um colégio para
moças e, seguindo com dedicação a carreira eclesiástica e seus estudos
religiosos, escreveu uma peça bíblica (Nimrod) e vários poemas religiosos que
projetaram sua imagem dentro da Igreja.
Contudo,
o jovem Alphonse conheceu uma jovem, pobre, tímida e retraída que os outros
padres haviam se recusado a atender e preparar para a comunhão. Ele aceitou a
tarefa e foi tomado por um forte sentimento: Alphonse disse que havia encontrado
nela as qualidades da Virgem, e ficou tão impressionado que a visão dessa jovem
o marcou pelo resto da vida.
Em
1835, Eliphas Levi foi ordenado diácono, mas em 1836, quando estava para
atingir o cargo de sacerdote, confessou ao seu superior o que havia sentido com
relação à jovem, anos antes. Desse momento em diante, as portas da carreira
eclesiástica se fecharam brutalmente para ele, o que lhe causou uma grande
consternação e abalou sua visão de Deus e do mundo religioso.
Assim,
com a idade de vinte e seis anos, deixou o seminário e deu início à sua jornada
no mundo exterior. Mas a tragédia apenas começara: ao saber do ocorrido, sua
mãe se suicidou. Mais uma vez, ficou profundamente abalado, e o evento foi
agravado pelos boatos que começaram a circular a respeito dos eventos no
seminário, denegrindo sua imagem: dizia-se que ele havia sido expulso por se
envolver com a jovem, o que era uma mentira estimulada pelos inimigos de
Eliphas no clero.Ele percorreu grande parte da França, trabalhou algum tempo
num circo e, em Paris, trabalhou como pintor e jornalista, atividades que o
levaram a conhecer um grande número de intelectuais e estudiosos.
Para
grande parte dos ocultistas modernos, Eliphas Levi é um dos mestres do
renascimento da magia pelo qual o mundo passou a partir do século 19. Seus
livros são chaves que servem aos adeptos e iniciados para abrir portas, a
partir das quais se pode acessar o mundo espiritual, principalmente para os que
já utilizam a kabbalah.
O Retorno ao Caminho
Apesar
de tudo, o jovem Alphonse não perdera a inclinação para a vida religiosa. Em
1839, ele encontrou um local no qual entraria em contato com o oculto e as
leituras consideradas proibidas e perigosas para os cristãos. Na cidade de
Solesmes, havia um convento dirigido por um abade que não seguia as regras
oficiais da Igreja e que tinha em seu acervo de documentos grande e uma enorme
quantidade de livros e textos gnósticos, muitos deles ligados à magia e aos
seres de outros planos. De imediato, isso chamou a atenção de Eliphas que,
estimulado pelos acontecimentos em sua vida, procurava entender as relações
entre Deus, o homem, o pecado e o inferno, como seria de se esperar de um
Neófito.
A
biblioteca do convento tinha milhares de volumes, que eram devorados pelo jovem
com afinco. Lia os mais diversos autores em busca das respostas e, um dia, ele
chegou a uma conclusão surpreendente acerca da natureza de Deus: para ele, o
Mal não poderia durar para sempre, pois isso iria contra a própria natureza
infinita de Deus. Como poderia o Mal ser infinito como o próprio Deus? Isso
levaria à conclusão de que o próprio Deus seria o Mal. Daí, ele conclui que
todos os homens poderiam ser salvos; afinal, o Mal e o pecado poderiam ser
vencidos pela fé e pelo conhecimento de Deus. Tal visão iria nortear sua vida
dali por diante.
Com
essa descoberta em mente, Eliphas partiu novamente, sem rumo, e sempre
perseguido pelo clero, que continuava espalhando mentiras e maledicências sobre
ele e os eventos que o levaram a abandonar a vida eclesiástica. Levi teve uma
vida itinerante, sem se fixar em emprego algum, e começou a escrever e divulgar
suas descobertas místicas, que iam diretamente contra as idéias oficiais da
Igreja. Também entrou em contato com os escritos do místico sueco Emmanuel
Swedenborg (1688 - 1772), que Levi dizia serem capazes de conduzir o neófito
pelo caminho real.
Depois
da publicação de sua Bíblia da Liberdade, Levi foi preso e teve de pagar uma
multa considerável para a época. Ao sair da prisão, procurou conhecer as obras
dos grandes magos da Idade Média, como Guillaume PosteI, Raymond Lulle e Henry
Corneille Agrippa. Em 1845, aos trinta e cinco anos de idade, escreveu O Livro
das Lágrimas, ou O Cristo Consolador, e aprofundou-se ainda mais nas técnicas
que envolviam a magia cerimonial e os contatos com as forças dos planos
espirituais.
Mas
sua vida ainda iria sofrer mais uma série de reveses, tomando-se um labirinto
que o levaria novamente à prisão. Tudo teve início em 1846, quando ele se casou
com Marie Noémie Cadiot, com quem ficou durante sete anos. Instigado pela
mulher, escreveu panfletos políticos incitando o povo contra o governo e a
ordem vigente. Foi condenado a um ano de prisão e ao pagamento de mil francos
de multa, acusado de estimular o povo ao ódio e ao desprezo do governo
imperial; cumpriu seis meses da pena, graças à interferência de Noémie junto ao
governo.
Em
1847, sua esposa deu à luz uma menina, a quem Eliphas adorava. Era uma criança
muito doente e, por várias vezes, esteve próxima da morte.
Numa
dessas ocasiões, ele usou seu conhecimento dos sacramentos e das artes mágicas
e dizem que ele “reviveu” a menina, numa cerimônia semelhante ao batismo
cristão. Mas ela tinha a saúde frágil demais e, para desespero do pai, não
resistiu, falecendo em 1854. Essa perda o marcou profundamente e influenciou a
forma como seu casamento se desenrolou nos anos seguintes.
O Chamado da Senda
Os
estudos ocultistas de Eliphas Levi começaram no mosteiro, mas sua iniciação é
envolta em mistérios e informações desencontradas.
Sabe-se
que ele colaborou e foi amigo do iniciador do famoso mago Papus. No entanto,
tudo leva a crer que o ocultista Hoene Wronski tenha sido o introdutor de
Eliphas na Senda, ou Caminho.
Quando
Wronski faleceu em 1853, deixou para Eliphas um conjunto de manuscritos,
enquanto outros foram doados à Biblioteca Nacional de Paris. Relatos de várias
pessoas na época falam sobre a inquietação que o acometeu ao receber as obras
de Wronski, como se algo estivesse próximo a acontecer.
Em
seguida, Levi foi para Londres, onde teve contato com vários ocultistas que
queriam ver os prodígios e milagres que ele era capaz de realizar.
Aparentemente, esses praticantes viam na magia mais um circo do que um caminho
para o ocultismo. Isso fez com que Eliphas rapidamente se afastasse deles e
tomasse a decisão de se aplicar ao estudo da Alta Cabala, dedicação que
renderia frutos, uma vez que lhe abririam ainda mais sua percepção mágica.
Nessa
época, ele encontrou o que se chama de Grande Adepto (uma pessoa que atingiu um
dos Grandes Graus dentro das Ordens da Senda Real e da “realização”
espiritual), que se tomaria seu grande amigo: Bulwer Lytton, autor de Zanoni -
considerado o grande romance esotérico do mundo no século 19 - Os Últimos Dias
de Pompéia, A Raça Futura, e outros clássicos da literatura ocultista. Os dois
Mestres teriam trocado informações iniciáticas sobre as sociedades ocultistas,
das quais certamente eram os grandes expoentes. Inclusive, consta que teriam
realizado trabalhos espirituais em conjunto, indo desde invocações a contatos
com espíritos. As anotações que comprovam esses fatos foram parar nas mãos de
Papus, e publicadas posteriormente.
Nesse
material, existem registros sobre três visões de Levi e Lytton: de São João, de
Jesus e de Apolônio de Tiana (na qual Apolônio é descrito como um velho).
Nessas invocações e visões, teriam entrado em contato com “forças” que Ihes
revelaram os mistérios dos Sete Selos do Apocalipse - que seria a base para a
compreensão da Cabala Mágica. Conheceram eventos futuros sobre a vida de ambos
e sobre a humanidade; conheceram a Magia Celeste, como o contato com a hoste
angelical; souberam as chaves dos milagres e de todos os prodígios mágicos; e,
parte mais difícil da busca mágica, como manter e honrar os saberes conquistados
na Senda.
Ainda
em Londres, a situação matrimonial de Eliphas Levi se degradou a um ponto sem
retorno, e ele se separou de Noémie. Retornando a Paris, iniciou uma nova e
fascinante etapa em sua vida, longe das agitações que marcaram a fase anterior
- embora ainda retomasse ao cárcere por escrever contra o imperador Napoleão IV
-, e voltou a se dedicar ao mundo dos estudos e das descobertas mágicas.
Em
1855, ele começou a publicar a Revista Filosófica e Religiosa, e vários artigos
seriam posteriormente utilizados em seu livro A Chave dos Grandes Mistérios.
Nesse mesmo ano, publicou sua obra mais conhecida: Dogma e Ritual da Alta
Magia, na qual desvenda as várias faces do saber mágico.
Em
1859, publicou História da Magia, em que relata o desenvolvimento do saber
mágico ao longo da história, e que compõe, com os dois livros anteriores, o
conjunto de livros ocultistas tidos como uma "bíblia" por seus
discípulos e por todos os que vieram a estudá-los posteriormente.
Um Encontro Misterioso
Eliphas Levi estava sempre cercado por grande número de amigos e discípulos e muitos estavam ligados às várias linhas mágicas e sociedades esotéricas que existiam na Europa do século 19. Alguns deles seriam considerados a elite cultural parisiense e do pensamento místico da época.
Em
1862, publicou aquela que, segundo ele próprio, era sua obra mais elaborada:
Fábulas e Símbolos. Consta que o livro não contou apenas com a erudição de
Levi, mas que ele estava inspirado por “forças maiores”, que um grande
“espírito de luz” entrou em contato com sua alma.
Segundo
explicou posteriormente, ele sabia de antemão o resultado final do livro, o que
seria escrito, pois tal "espírito" apresentava o trabalho em sua
mente, mostrando como a obra seria realizada. As idéias, disse, simplesmente
nasciam, parecendo que a própria “Vontade Divina” agia, movendo suas mãos. Ele
se sentia em extrema comunhão com a “luz” que envolvia seu trabalho. Todavia,
quando tudo transcorria calmamente, uma visita mudou a pacata vida de Eliphas
Levi.
Suas
obras eram conhecidas no mundo todo, e não havia ocultista que não quisesse
conhecer o autor. Um dia, surgiu um jovem que bateu sete vezes à sua porta. Era
um rapaz bem vestido, com um leve sorriso no rosto e que, em tom jocoso,
cumprimentou Eliphas formalmente, entrando em sua casa como se fosse sua
própria.
Eliphas
ficou estupefato e, prontamente, procurou descobrir quem era aquela pessoa, que
não se deixou afetar pela pergunta. O jovem disse ao estudioso que, embora não
o conhecesse, ele sabia tudo sobre sua vida, tanto seu passado quanto seu
futuro, e descreveu vários eventos, citando corretamente o ano em que se deram.
Até aí, nada de extraordinário; afinal, uma pesquisa da vida de Eliphas teria
fornecido esses dados ao jovem.
Continuando,
o rapaz descreveu os eventos que ocorreram na Inglaterra, as pesquisas de
Eliphas e ainda disse que o Apolônio de Tiana que Levi havia visto nada mais
era do que a visão do próprio Levi (como um duplo etérico, representando o
operador). Ainda sem parar de falar, diante de um Levi paralisado, vaticinou
que ele poderia falecer devido a um acidente, em 1875, mas que se tudo corresse
corretamente naquele ano, ele viveria apenas até 1885.
Dito
isso, riu-se e incitou Levi com ambições e alusões à sua grande capacidade
mágica e erudição. Além disso, durante todo o tempo, mostrou desprezo pela
figura de Cristo e igualou sua própria figura à de Deus.
Perguntado
quem era, finalmente disse ser ninguém menos que o próprio Deus e Satã,
lembrando que Eliphas, anos antes, havia negado a existência dele. Dito isso,
partiu sem deixar quaisquer vestígios que pudessem negar ou comprovar sua
história.
Em
1865, com a publicação do livro Ciência dos Espíritos, a reputação de Eliphas
Levi atingiu seu clímax, consolidando ainda mais o seu nome entre os grandes
ocultistas de seu tempo.
E,
como havia sido predito pelo jovem, em 31 de maio de 1875, Eliphas Levi
faleceu. Sua morte transcorreu sem agitações. Deixou poucos bens materiais,
pois sempre viveu como um humilde. Em seu testamento, deixou apenas manuscritos
e algumas obras de arte em nome de pessoas próximas, e também algo para a
caridade.