quarta-feira, 5 de setembro de 2018

Vitória sobre o desejo (Annie Besant)


Podemos modificar os desejos pelo pensamento. O desejo-natureza com o qual nascemos é bom, ou indiferente, e segue o seu próprio caminho durante a infância. Logo depois, nós o examinamos, e achamos certos desejos bons e outros inúteis, ou mesmo nocivos. Fazemos, então, uma imagem mental do desejonatureza que seria útil e nobre e, deliberadamente, começamos a trabalhar para criá-lo pelo poder do pensamento. Há alguns desejos físicos que, segundo observamos, trarão doença se não forem controlados: comer em demasia para agradar o paladar; beber bebidas alcoólicas porque estimulam e animam; ceder aos prazeres do sexo. 
Vemos, em outras pessoas, que essas coisas causam obesidade, abalam os nervos e levam à exaustão prematura. Resolvemos não ceder a elas; freamos os cavalos dos sentidos e, deliberadamente, os mantemos assim, embora eles se rebelem; se forem muito indóceis, recorreremos à imagem do glutão, do bêbado, do libertino alquebrado, e assim criaremos repulsa pelas causas que os levaram a ser o que agora são. É assim com todos os outros desejos. Escolha e encoraje, deliberadamente, os que o levam a prazeres primorosos e inspiradores, e rejeite os que resultem no embrutecimento do corpo e da mente. Haverá falhas na sua resistência, mas, apesar das falhas, persista. De início, você cederá ao desejo e apenas tarde demais irá lembrar-se de que tinha resolvido abster-se; persevere. Em breve, o desejo e a lembrança da boa resolução surgirão juntos, e haverá um período de luta – seu Kurukshetra¹ –; às vezes você terá sucesso, outras vezes falhará; persevere. Então, os desejos morrerão e você os observará, ao lado da sua sepultura, receando que estejam apenas em estado de letargia, e revivam. Finalmente, você se verá livre para sempre dessa forma de desejo. Trabalhou com a lei e obteve a vitória. 

1. Kurukshetra – Cidade e região consideradas sagradas pelos hindus, onde existe um tanque sagrado, que dizem ter sido construído por Raja Kuru, ancestral dos Kurava e Pandavas, imortalizados no épico Mahabharata. 

Dois pontos mais 

1.  Às vezes os estudantes se perturbam porque cedem em sonho a um vício que consideravam dominado, ou sentem o despertar de um desejo que já acreditavam extinto. O conhecimento destruirá o problema. Num sonho, o homem está em seu corpo astral, e um despertar do desejo, fraco demais para causar vibração material, física, causará uma vibração na massa astral; se o sonhador resistir, como depressa o fará se se determinar a fazê-lo, o desejo cessará. Mais tarde, ele deveria se lembrar que esse desejo terá deixado por algum tempo exausto o corpo astral, que antes fora usado no momento em que o desejo surgiu, mas que agora, pelo desuso, está em processo de desintegração. Pode acontecer que o corpo astral seja temporariamente vivificado por uma formadesejo passageira, causando, assim, vibração artificial. 
É coisa que pode acontecer a qualquer homem, esteja ele dormindo ou acordado. Trata-se apenas do movimento artificial de um cadáver. Que esse homem o repudie: “Você não vem de mim. Saia daqui”, e a vibração cessará. 
2.  O guerreiro que está combatendo o desejo não deve deixar que sua mente se fixe em objetos que despertem esse desejo. Nisso também o pensamento é criativo. O pensamento acenderá o desejo, e o transformará em vigorosa atividade. Do homem que se abstinha da ação, mas gozava o pensamento, Shri Krishna disse, severamente: “Esse homem iludido é o que se chama de hipócrita.” Alimentados pelos pensamentos, os desejos não podem morrer. 
Irão tornar-se mais fortes pela repressão física, quando alimentados pelo pensamento. É melhor não lutar contra o desejo, é preferível fugir dele. Se aparecer, volte a mente para alguma outra coisa, para um livro, para um jogo, que seja, ao mesmo tempo, atrativo e puro. Combatendo-o, a mente se apega a ele, e assim alimenta-o e fortalece-o. Se você perceber que o desejo tende a acordar, tenha algo à mão a que possa recorrer imediatamente. 
Assim, ele entrará em inanição, já que não terá alimento por parte de qualquer ação ou pensamento. 

Nunca devemos nos esquecer de que os objetos são desejáveis por causa da imanência de Deus. “Nada, que se mova ou não, pode existir privado de Mim.” Num certo estágio da evolução, a atração que os desejos exercem se volta para o progresso. Só mais tarde eles são substituídos. A criança brinca com uma boneca, e isso é bom: desperta seu amor materno em germinação. Mas uma mulher adulta brincando com uma boneca seria lamentável. Objetos de desejo atraem emoções que ajudam a desenvolver e a estimular a atividade intelectual. Deixam de ser úteis quando os transcendemos e, deixando de ser úteis, tornam-se prejudiciais. 
O efeito de tudo isso sobre o karma se evidencia por si mesmo. Desde que o desejo nos leva a criar oportunidades, e põe ao nosso alcance os objetos do desejo, nossos desejos planejam minuciosamente nossas oportunidades e possibilidades futuras. Abrigando apenas desejos puros e não desejando nada que não possa ser usado para servir, garantimos um futuro de oportunidades para ajudar nossos semelhantes, e de qualidades que serão consagradas ao trabalho do Mestre.