quarta-feira, 5 de setembro de 2018

A compreensão da verdade (Annie Besant)


Isso parece óbvio. De onde, então, surge o instinto geral de que a bondade, na vida, deve ser seguida de sucesso? Podemos combater um erro com êxito apenasquando compreendemos a verdade que está no cerne desse erro, dando-lhe vitalidade e levando-o à sua expansão e persistência. A verdade, nesse caso, é que, colocando-se de acordo com a lei divina, o homem terá a felicidade, como resultado dessa harmonia. O erro está em identificar o sucesso mundano com a felicidade, pondo de lado o elemento tempo. Um homem que vai entrar no ramo dos negócios resolve ser honesto, resolve não procurar tirar vantagens injustas dos outros. Ele vê os que são desleais e inescrupulosos passarem à sua frente; se for fraco, sentir-se-á desencorajado e, talvez, se resolva a imitá-los. Se for forte, dirá: “Trabalharei em harmonia com a lei divina, não importa quais sejam os resultados terrenos.” Daí por diante, a paz interior e a felicidade estarão com ele, mas ele não terá sucesso. Apesar disso, com o correr do tempo, até isso pode acontecer com ele, porque o que ele perde em dinheiro ganha em confiança, entretanto o homem que trai uma vez, pode trair novamente a qualquer tempo, e ninguém mais confiará nele. Numa sociedade competitiva, a falta de escrúpulos traz sucesso imediato, enquanto numa sociedade cooperativa a consciência “valerá a pena”. Dar salários de fome aos trabalhadores forçados pela competição a aceitá-lo pode levar a um sucesso imediato sobre os rivais nos negócios, e o homem que paga salários decentes para os empregados pode ver-se ultrapassado na corrida para a riqueza, mas com o tempo terá melhor rendimento de trabalho e, no futuro, contará com uma colheita de felicidade, pois para isso lançou a semente. Temos de decidir sobre a nossa conduta e aceitar seus resultados, sem reconhecer nem o dinheiro, nem a injustiça como pagamento da bondade, enquanto a astúcia inescrupulosa obtém aquilo que busca. 
Uma história hindu, instrutiva, se não agradável, fala sobre um homem que tinha prejudicado a outro. O prejudicado foi pedir justiça ao rei. Quando lhe foi dito que ele próprio deveria escolher a punição a ser dada ao seu inimigo, o homem pediu ao rei que enriquecesse aquele que o prejudicara. Quando lhe perguntaram a razão do seu estranho comportamento, com um riso sardônico ele disse que a fortuna e a prosperidade terrena dariam àquele homem a oportunidade de fazer o mal, e assim acarretariam para ele amargo sofrimento na vida após a morte. O pior inimigo da virtude costuma ser uma situação material folgada, e essa situação, que é vista como um bom karma, muitas vezes é, ao contrário, um mau karma em seus resultados. Muitas pessoas que vivem razoavelmente na adversidade, desmandam-se na prosperidade, e se intoxicam com os deleites terrenos. 
Vamos considerar de que forma um homem afeta o seu ambiente, ou, para usar uma frase científica, de que forma um organismo atua no seu ambiente. 
O homem afeta o seu ambiente de inúmeras maneiras, que podem, todas, ser classificadas em três formas de autoexpressão: afeta-o pela Vontade, pelo Pensamento e pela Ação. 
O homem evoluído tem a possibilidade de reunir energias e de fundi-las numa única, pronta para destacar-se dele e causar ação. Essa concentração das suas energias numa força única, mantida em suspenso no seu interior, presa e pronta para extroverter-se, é a Vontade, que é uma concentração interior, uma forma da tríplice autoexpressão. Nos reinos subumanos e nas divisões mais inferiores do humano, os objetos que dão prazer e os que infligem dores em torno da criatura viva sugam suas energias, e chamamos essas energias multifárias, vindas à tona pelos objetos externos, de seus desejos, sejam de atração ou de repulsão. Só quando todas essas energias são atraídas, unidas e dirigem sua mira para um único fim é que podemos chamar essa energia, pronta para manifestar-se, de Vontade. Essa Vontade é a Autoexpressão, isto é, a expressão dirigida pelo Eu superior. 
O Eu superior determina a linha a ser tomada, baseando sua determinação na experiência própria. Nos mundos humanos, sejam subumanos, sejam inferiores, os desejos são fatores importantes do karma, dando nascimento aos resultados mais variados; no mundo superior, a Vontade é a causa kármica mais vigorosa e, à medida que o homem transforma desejos em Vontade, ele “governa as estrelas”. 
A forma de Autoexpressão chamada Pensamento pertence ao aspecto do Eu superior pelo qual o homem se torna ciente do mundo exterior, o aspecto da Cognição. Com ele, o homem obtém conhecimento, e a atuação do Eu superior sobre o conhecimento obtido e o Pensamento. Isso, repito, é um importante fator no karma, pois é criativo, e, como sabemos, constrói o caráter. 
A forma de Autoexpressão que afeta diretamente o ambiente, a energia que emana do Eu superior, é Atividade, a ação do Eu superior sobre o Não Eu superior. 
O poder de concentrar todas as energias numa só Vontade, o poder de se tornar ciente do mundo exterior é a Cognição; o poder de afetar o mundo exterior é a Atividade. Essa atividade, ou ação, é inevitavelmente seguida por uma reação vinda do mundo exterior – o karma. A causa interior da reação é a Vontade; a natureza da reação é devida à Cognição; o provocador imediato da reação é a Atividade. Essas três coisas tecem os fios da corrente kármica.