O homem, como sabemos, vive normalmente em três mundos: o físico, o emocional e o mental, e é colocado em contato com cada um desses mundos através de um corpo fornecido por esse tipo de matéria. E atua em cada um desses mundos por meio de um corpo apropriado. Portanto, ele cria resultados em cada um desses corpos, de acordo com as respectivas leis e poderes, e todos eles estão dentro dos limites da lei do karma que tudo abrange. Durante sua vida diária, quando acordado, o homem está criando “karma”, isto é, resultados, nesses três mundos, a que chega pela ação, pelo desejo e pelo pensamento. Quando seu corpo físico está adormecido, o homem está criando karma em dois mundos – o emocional e o mental – e a quantidade de karma então criado por ele depende do estágio de sua evolução.
Podemos nos restringir a esses três mundos, porque os que estão acima deles não são habitados conscientemente pelo homem comum; mas devemos, apesar disso, lembrarmo-nos de que somos como árvores, cujas raízes estão fixadas em mundos mais altos e cujos galhos espalham-se para os mundos inferiores em que vivem os nossos corpos mortais, e nos quais nosso discernimento está trabalhando.
As leis trabalham dentro de seus próprios mundos, e devem ser estudadas como se sua atuação fosse independente. Tal como cada ciência estuda as leis que funcionam dentro do seu departamento, mas não esquece o trabalho mais amplo de condições de maior alcance, o homem, quando está trabalhando em três departamentos – o físico, o emocional e o mental – lembra-se da extensão da lei que inclui todos eles dentro da sua área de atividade. Em todos os departamentos as leis são invioláveis, imutáveis, e cada uma delas produz seus efeitos totais, embora o resultado final da sua interação seja a força eficiente que permanece quando todo o equilíbrio de forças opositoras foi alcançado. Tudo quanto é verdade no que se refere às leis em geral é verdade para o karma, a grande lei. Estando pre- sente a causa, os acontecimentos devem seguir-se. Retirando ou acrescentando causas, entretanto, eles podem modificar-se.
Uma pessoa se embriaga. Acaso poderá dizer: “Meu karma é embriagar-me”?
Essa pessoa embriagase devido a certas tendências que tem, por causa da presença de companheiros libertinos e graças a um ambiente onde a bebida é vendida. Suponhamos que essa pessoa deseje dominar esse hábito pernicioso. Ela conhece as três condições que a levaram à embriaguez. Pode dizer: “Não sou forte o bastante para resistir às minhas tendências quando estou na presença da bebida e na companhia de libertinos. Não irei mais a lugares onde há bebidas, nem andarei mais com homens que me estimulem a beber.” Ela muda as condições, eliminando duas delas, embora não consiga eliminar imediatamente a terceira, e o novo resultado é que ela não se embriaga mais. Ela não estará “interferindo em seu karma”, mas confiando nele, e um amigo seu estará “interferindo no karma dela” se a convencer a se manter distante de companheiros de farra. Não há ordem kármica para que um homem se embriague; o que existe é apenas a presença de certas condições em cujo meio ele certamente irá embriagar-se. Há, na verdade, uma outra forma de modificar essas condições: o desenvolvimento de uma vigorosa força de vontade. Isso também introduz uma condição nova, que modificará o resultado – por adição, e não por eliminação.
No único sentido em que um homem pode “interferir” com as leis da natureza ele tem completa liberdade para fazer isso, tanto quanto quiser e puder. Ele pode inibir a gravidade através de um esforço muscular. Nesse sentido, ele pode interferir no karma tanto quanto quiser, e deve interferir quando os resultados forem contestáveis. Esta expressão, entretanto, não é feliz, sendo possível que seja mal compreendida.
A lei é a seguinte: determinadas causas trazem determinados resultados. A lei é imutável, mas o jogo dos fenômenos está sempre mudando. A causa mais poderosa entre todas as causas é a vontade e a razão humanas, que, apesar disso, são omitidas, na maior parte das vezes, quando as pessoas falam em karma. Nós somos causas, porque somos a vontade divina, unos com Deus no nosso ser essencial, embora prejudicados pela ignorância e trabalhando através de matéria grosseira, que emperra a nossa ação, até que consigamos conquistá-la e espiritualizá-la. A imutabilidade do karma não é a imutabilidade dos efeitos, mas da lei, e é isso que nos torna livres. Seríamos escravos de verdade num mundo onde tudo acontece por acaso. Nossa liberdade e segurança dependem do conhecimento que temos desse mundo regido por leis. Na Idade Média, os alquimistas de forma alguma eram livres para chegar aos resultados que desejavam, mas tinham de aceitar os resultados como quer que viessem, imprevistos e, na maioria deles, indesejados, mesmo que isso representasse os seus mais sérios prejuízos.
O resultado da experiência poderia ser um produto útil, ou reduzir o experimentador a fragmentos. Roger Bacon colocou em ação causas que lhe custaram um olho e um dedo, e, em certa ocasião, essas causas atiraram-no ao chão da sua cela, desacordado. Fora daquilo que conhecemos estamos sempre em perigo, e qualquer causa que ponhamos em ação pode nos desgraçar, porque, a maioria de nós, nos mundos mental e moral, somos Rogers Bacons. Dentro do nosso conhecimento podemos ter movimentos livres e seguros, tal como os bem treinados químicos modernos. Em todos os três mundos nos quais vivemos é igual- mente verdade que, quanto mais sabemos, mais podemos prever e controlar. Visto que a lei é inviolável e imutável, o conhecimento é uma condição indispensável para a liberdade. Estudemos, então, o karma, e usemos o nosso conhecimento na orientação da nossa vida. São muitas as pessoas que dizem: “Oh! Como eu gostaria de ser boa!”, e não usam a lei para criar as causas que têm como resultado a bondade. É como se um químico dissesse: “Oh! Como eu desejo ter água!”, e não fosse em busca das condições que produzissem essa água tão desejada.
Devemos recordar, novamente, que cada força atua em sua linha específica, e que quando certo número de forças se intrometem num ponto específico, a força resultante é a consequência de todas elas. Em nossos dias de escola, aprendemos como se constrói um paralelograma de forças e assim descobrimos a resultante da sua composição; o mesmo se dá com o karma, quando podemos entender o conflito de forças e sua composição para obter um único resultado. Ouvimos pessoas perguntando por que um homem bom fracassa nos negócios, enquanto um mau homem obtém sucesso. Não há, entretanto, uma conexão causal entre bondade e ganho de dinheiro. Bem, poderíamos dizer: “Sou um homem muito bom, por que não posso voar pelos ares?” A bondade não é causa para o voo, nem para trazer dinheiro. Tennyson tocou numa grande lei, em seu poema “Salário”, quando declarou que o salário da virtude não era o “pó”, nem o repouso, nem o prazer, mas a glória de uma imortalidade ativa. “A virtude é a sua própria recompensa”, no mais alto sentido dessas palavras. Se você for autêntico, sua recompensa está no fato de a sua natureza tornarse mais verdadeira; isso acontece, sucessivamente, com cada virtude. Os resultados kármicos só podem ser da mesma natureza das suas causas. Eles não são arbitrários, como as recompensas humanas.