“A Gnose é a plenitude do conhecimento, na qual culminam a Fé e a Filosofia. Querer chegar à Gnose sem Filosofia, sem dialética e sem o estudo da natureza é pretender colher as uvas sem cultivar a vinha. Para chegar até ela há que ascender, mediante a Fé, penetrar os segredos das Escrituras encobertas debaixo do véu das alegorias e conhecer os ensinamentos secretos do Senhor, transmitidos pela Tradição aos Apóstolos, especialmente a Pedro, Santiago, João e Paulo, e, destes aos demais.
Seu objeto é o conhecimento de Deus, que é a causa mais além de todas as causas, e do Logos que é a verdade por essência. É um conhecimento eminente, esotérico, reservado a uma minoria muito seleta, contraposto ao conhecimento exotérico que está destinado ao comum dos fiéis. É uma iluminação, uma compreensão, um estado habitual de contemplação, conhecimento intuitivo e afetivo da causa suprema de todas as coisas, que produz uma certeza absoluta. É a perfeição da caridade, própria do Novo Testamento.
Para se chegar a esta contemplação é necessário uma dupla preparação. Uma purificação moral, mediante a prática das virtudes, e uma preparação intelectual semelhante à uma iluminação. Depois vem os ‘pequenos mistérios’ com seus ensinamentos próprios e finalmente ‘os grandes mistérios’, nos quais se contempla o Logos. Quando se chega a este grau, a alma gnóstica é uma imagem do Logos, e intui a Deus face a face, ainda que a contemplação perfeita só se consiga depois da morte.
Gnóstico é o que vive unido a Deus pela Caridade e pelo Conhecimento, e que dominou suas paixões conseguindo um equilíbrio e uma imperturbabilidade absolutos. Assim se chega a apatia, que consiste na imunidade de toda paixão que possa perturbar a paz e tranqüilidade da alma.
O gnóstico compreende o que aos demais parece incompreensível. Não há nada obscuro para ele. Tudo sabe, e por isso pode também ensinar. Muitos escutam a palavra divina, que é a refeição da alma, mas nem todos compreendem a grandeza da Gnose, e menos ainda são os que obram segundo a vontade do Senhor, que é a água da vida gnóstica. O gnóstico contempla a luz e a verdade. Quanto mais simples são seus desejos, tanto maior é sua união com Deus. O gnóstico imita a Deus e serve seus próximos com caridade.
As características do gnóstico são três: conhecer o Logos; agir segundo o Logos; e ensinar os demais as coisas ocultas acerca da verdade. ”
Autor: Clemente de Alexandria
Ex Stromata. Op. Cit. Guillermo Fraile, O. P. Historia de la Filosofia Cristiana.