segunda-feira, 1 de janeiro de 2018

As Festas Gnósticas: EPIFANIA


As grandes tradições religiosas possuem cada qual um calendário de comemorações anuais nas quais celebram a memória de fatos notáveis ou ilustres personalidades. Na tradição Gnóstica Moderna, expressada neste plano pela instituição da Santa Igreja Gnóstica, não é diferente, exceto pelo fato de que, em nossa Igreja, celebramos não os fatos externos em si, mas sim, por meio destes, os significados internos de cada comemoração.

Não desprezamos a importância histórica de determinados acontecimentos, pelo contrário, reconhecemos a grandiosa realidade daqueles momentos que marcaram a história de nossa humanidade, alimentando nossa fé na certeza de que os gloriosos símbolos da presença Divina no mundo tornam-se carne viva nos preciosos e recorrentes momentos que celebramos em nosso calendário litúrgico. Contudo, cada momento histórico, sabemos, é a manifestação de realidades internas que podem ser alcançadas por todos aqueles que se lançam no caminho da verdadeira Fé, de acordo com a vontade do Pai e as graças da Mãe, independentemente de confissão religiosa.

Em acréscimo, nossas celebrações, por manifestarem a alegria pela encarnação de símbolos eternos, prestam culto não somente a fatos passados, mas prenunciam, educam e nos preparam para novos adventos de tais realidades nos tempos vindouros – realidades para as quais nos preparamos, mediante a disciplina iniciática, para encarnar.

A Santa Igreja Gnóstica, reestabelecida neste plano físico por homens que, desta forma, encarnaram em si a realidade última de cada uma das festas que celebramos, reconhece a grandiosidade de todas as grandes datas litúrgicas dos tradicionais calendários religiosos de nossa humanidade, pois estas ocultam verdades únicas a todas as religiões. Sabemos que a religião do futuro será uma religião holística, síntese das grandes correntes que alimentam a fé da humanidade; mais propriamente, sabemos que a religião do futuro será baseada especialmente na essência daquilo que hoje chamamos de Budismo e daquilo que hoje chamamos de Cristianismo. É importante alertar, contudo, que as igrejas e instituições populares que hoje adotam tais designações encontram-se, nestes tempos tenebrosos, bem longe do que são, em essência, os ensinamentos destas duas correntes cujas raízes verdadeiras avançam para muito além das vidas do Bendito Buddha Siddharta e do Venerável Mestre Jesus.

Em nossa Igreja Gnóstica celebramos as vidas destes e de muitos outros gloriosos Cristos, Mestres, Buddhas, Santos, Avatares e Missionários. Fixamo-nos, contudo, na lembrança destes Benditos Seres, de seus exemplos e de seus ensinamentos, e não em um culto vazio às suas personalidades. Para além disto reconhecemos as verdades ocultas nos símbolos encarnados nas passagens históricas das vidas destes, também manifestados na carne da experiência de cada Iniciado, célebre ou não para a história comum.

Podemos dizer, de outra forma, que a Santa Igreja Gnóstica celebra, acima de tudo, a realidade do Cristo vivo, universal e não sectário. Seus fiéis comungam em sua memória, em honra ao Verbo que a tudo sustenta e faz crescer. São os símbolos do Cristo vivo que adquirem carne na história e que celebramos em cada data de nosso calendário litúrgico.

Imbuídos deste espírito e cientes de tais realidades é que nós gnósticos celebramos a data da Epifania.

O termo “epifania” deriva da palavra grega ephifaneia, que significa “manifestação”, “aparição” (EDUCACIONAL; LIMA, Luciano José et alli). Era uma expressão utilizada pelos antigos para designar a chegada de um rei ou imperador. Com o advento do Cristo Jesus o termo passa a assumir a conotação de manifestação do divino ao mundo, de maneira semelhante ao termo “teofania”, utilizado nas antigas escrituras.

Diz-nos o Venerável Mestre Samael Aun Weor, patriarca da Santa Igreja Gnóstica, que a “Epifania” é a “ascensão das forças crísticas no homem” (SAMAEL AUN WEOR, in Apuntes Secretos de un Gurú). Desvela-nos, desta forma, a realidade interna deste antigo símbolo cristão.

Nas confissões cristãs populares a Epifania do Senhor era uma festa que se celebrava no dia 6 de janeiro, ou seja, doze dias após a celebração do Natal (WIKIPEDIA, “Ciclo do Natal”). Este antigo ciclo de doze dias (Christmatide) é significativo: dizem as tradições ocultas que tudo aquilo que é criado pelo Três é organizado pelo Sete e se mantém em manifestação pelo Doze. O número doze é sagrado e profundamente significativo, pois representa a manifestação do Interno neste mundo pelas forças que sustentam e operam tudo aquilo que vemos. Doze são as tribos de Israel, doze são os apóstolos e doze são os cavaleiros da távola redonda. Também no Sagrado Tarot o número doze nos revela a manifestação, pois o sacrifício se dá na cruz do mundo manifesto, e o apostolado, o “sacro-ofício”, se materializa através da operação destas mesmas forças. Doze ao redor de Um é um esquema cósmico necessário à ação, que se repete em todas as estruturas manifestas, através do qual algo oculto se revela e atua neste mundo, como o Sol oculto por meio de doze signos zodiacais, que possuem também seus correspondentes internos no corpo humano.

Contudo, quando as instituições populares se afastam do espírito do ensinamento resta a letra morta, que não consegue resistir ao “pragmatismo” da liturgia externa: desde recente reforma de seu calendário litúrgico a igreja de Roma celebra a Epifania no segundo domingo após o Natal (WIKIPEDIA, “Epifania”), e não mais no dia 6 de janeiro, uma vez que em muitos países esta data não é considerada feriado nacional. A celebração no dia 6 persiste, contudo, em confissões cristãs ortodoxas e gnósticas modernas.

Neste ponto, cabe aprofundarmos mais a questão e rememorarmos as origens históricas desta efeméride, ligadas a comemorações pagãs e cristãs primitivas, presentes especialmente nas comunidades do cristianismo oriental e gnóstico antigos. Ao explorarmos tais origens recuperaremos seu sentido oculto, guiados pelas chaves reveladas por nosso Venerável Patriarca Samael Aun Weor.

Quando nos ocupamos de suas origens descobrimos, desta maneira, que a celebração da Manifestação do Senhor surgiu logo nos primeiros séculos da era Cristã, nas igrejas do oriente, com raízes pagãs e gnósticas. Um dos primeiros registros de uma festa Cristã de Epifania é o da comemoração do ano de 361, feito pelo historiador romano Amiano Marcelino (c. 325/330 – c. 391) (WIKIPEDIA, “Epiphany”). Mas a data já era conhecida, e comemorada, desde muito antes. Para os pagãos as festas de comemoração do solstício do inverno no hemisfério norte incluíam a celebração do aumento gradual da jornada solar (ACIDIGITAL, “Epifania”, cit. EPIFANIO DE SALAMINA), e culminavam, em regiões como a do Egito e a da Arábia, no dia 6 de janeiro do calendário gregoriano. Vemos aqui o como um mesmo mistério subjaz às festas do Natal e da Epifania, desde os seus primórdios. Foram estas, portanto, as festas cristianizadas pelos cristãos primitivos logo nos primeiros anos da nova fé, razão pela qual uma das denominações desta festa no oriente é Hagia Phota (Santa Luz) (ACIDIGITAL, “Epifania”).

Estes cristãos primitivos incluíam todos aqueles grupos que vieram a dar origem às modernas confissões cristãs, bem como todos aqueles grupos que com o passar dos séculos deixaram de existir publicamente, e que hoje denominamos genericamente de “gnósticos” (ou “gnósticos históricos”, para diferenciá-los dos modernos gnósticos). Em um destes grupos, o dos seguidores do Mestre Gnóstico Basilides (séc. II d.C.), já entre os anos de 120 e 140 celebrava-se esta data sagrada da Epifania, associando-a ao Batismo de Jesus. Clemente de Alexandria (?-215) em seu Stromata (Livro I, cap. 21) observa que estes seguidores de Basilides festejavam o Batismo do Senhor, comemorando-o com a leitura de textos na noite de sua véspera. Registra também que alguns destes diziam que tal data caía no 15º dia do mês de Tubi do 15º ano de Tiberius Caesar, e que outros diziam que caía no 11º dia (respectivamente 10 e 6 de janeiro do calendário gregoriano). É inegável, portanto, a realidade histórica da conexão entre a festividade da Epifania e a celebração do Batismo de Jesus. Mais além, a persistência de diversas tradições populares que relacionam a Epifania ao Batismo, especialmente nas igrejas do oriente, nos revela que esta é a principal associação histórica feita a esta data.

A principal, mas não a única.

Veremos que a comemoração da Epifania reúne em si a memória de diversos fatos, amarrados por uma única verdade, que é a da ascensão das forças crísticas no homem, segundo nos revela o Mestre Samael Aun Weor. O primeiro destes fatos, vimos, nos é revelado por meio dos ensinamentos do gnosticismo basilidiano e das tradições da antiga igreja, que é o da Manifestação da Divindade do Mestre Jesus quando de seu batismo no Rio Jordão pelo Bendito Avatar João Batista. Este momento, que marca o início da missão pública do Venerável Mestre Jesus, é de profunda significação oculta, e relaciona-se claramente ao conceito de manifestação da divindade na humanidade. Resta-nos compreender no entanto qual o verdadeiro significado oculto do Batismo, e para tanto resgataremos antes um segundo momento que a festa da Epifania nos faz recordar, o das Bodas de Caná.

Registra Epifanio de Salamina (c.315-403) em seu Panarion, que a data de 6 de janeiro corresponderia à hemera genethlion toutestin epiphanion (“O aniversário de Cristo; isto é, Sua Epifania”) (WIKIPEDIA, “Epiphany”). De fato, a data de 6 de janeiro é também uma comemoração do nascimento de Cristo para muitas tradições cristãs, uma vez que, como vimos acima, as festividades do Natal e da Epifania possuem raízes comuns (a data de 25 de dezembro, também comemorada como a do nascimento de Jesus, só é fixada tardiamente pela igreja de Roma, que separa desta a comemoração de Seu Batismo). Entretanto, e este é o fato que mais nos interessa, o mesmo Epifanio registra que o milagre em Caná teria ocorrido nesta mesma data, isto é, em 6 de janeiro do atual calendário gregoriano.

Uma mesma data para celebrar um nascimento, um batismo e um matrimônio. Mais uma vez é nosso Venerável Patriarca que nos aponta a chave oculta deste fato:

“Na Igreja do Oriente, o Batismo no dia da Epifania está associado às Bodas de Caná. Na Igreja Ocidental, considerando a Epifania, associa-se o Batismo ao Matrimônio de Jesús com a Igreja. De maneira que tanto no Oriente o Batismo está associado ao Sexo, como no Ocidente; em ambos os casos relaciona-se com o Matrimônio”.

(SAMAEL AUN WEOR, in La Piedra Filosofal o El secreto de los Alquimistas).

No segundo capítulo do Evangelho de João encontra-se o relato deste matrimônio ocorrido na cidade de Caná da Galiléia, onde o Mestre Jesus realiza o milagre de transmutar água em vinho. Segundo a tradição este teria sido o primeiro dos milagres em seu ministério público: “Foi assim, em Caná da Galiléia, que Jesus começou seus sinais. Ele manifestou a sua glória, e seus discípulos acreditaram nele” (João II, 11).

Profundamente significativo é este momento. Ocorrido em um casamento onde estavam presentes seus discípulos e, a pedido de sua Mãe, o abençoado Mestre transmuta as águas, símbolo universal das forças criadoras, em vinho, símbolo destas mesmas forças transformadas pela vontade e pela santa castidade. O suco de uva também, como o vinho, representa e armazena as forças solares contidas na uva, e é utilizado na Santa Unção Gnóstica. Diz o Venerável Mestre Samael Aun Weor acerca disto:

“Dado o grão o restante morre. Dentro deste poder do trigo encontra-se toda a substância Cristo, a qual vem dar a vida a todo o nosso organismo, pois se não fosse por essa substância Crística em nós, seria impossível viver. O Sol é a base de tudo.

“O mesmo acontece com o vinho, uma vez que na uva está encerrada a vida do Cristo-Sol, que trazemos ao nosso corpo com a Santa Unção.

“’Epifania’ significa a manifestação ou revelação, ou a ascensão de Cristo em nós. Isto alcançamos com a Santa Unção e com a Magia Sexual”.

(SAMAEL AUN WEOR, in El Matrimonio Perfecto o La puerta de entrada a la Iniciación).

Compreendemos desta maneira o profundo significado alquímico das Bodas de Caná, e sua relação com as mesmas águas batismais, que nos mistérios sexuais simbolizam as forças criadoras e a promessa do trabalho nas águas da vida, prenúncio de um Matrimônio Perfeito e do ofício no Sagrado Arcano AZF.

Cumpre alertar, neste ponto, que a promessa do Batismo só possue valor se é concretizada pelo sacramento do Matrimônio:

“É necessário compreender o que é o BATISMO em si mesmo. Obviamente, o  Batismo é um PACTO DE MAGIA SEXUAL. Vamos batizar um menino, com muito gosto! Se ele cumpre com este pacto mais tarde, o batismo terá lhe servido; se não cumpre com esse pacto, então, de que serve? Na Igreja do Oriente o Batismo (no dia da Epifania) está associado às Bodas de Caná. Na Igreja Ocidental (considerando a Epifania) se associa o Batismo ao matrimônio de Jesus com sua Igreja. De forma que tanto no Oriente como no Ocidente o Batismo está associado ao sexo; em ambos os casos se relaciona com o Matrimônio. É portanto o Batismo um pacto de Magia Sexual. Se é cumprido, o Batismo serve para algo, se não se cumpre o Batismo, então não serve para nada. Essa é a crua realidade dos fatos! … Esclareço-vos sobre tudo isto para que compreendam a transcendência esotérica do Batismo. A PIA BATISMAL, por exemplo, nas Igrejas Cristãs, representa precisamente a PEDRA FILOSOFAL, ou os órgãos criadores. Enquanto que as ÁGUAS MAGNETIZADAS ou ÁGUAS LUSTRAIS contidas na Pedra representam, indubitavelmente, o ESPERMA SAGRADO. De outra maneira diríamos que a água é o Mercúrio da Filosofia Secreta e que o fogo das velas representa o ENXOFRE da Alquimia; somente mediante o Mercúrio (ou seja, a entidade do Sêmen) e o Enxofre (ou seja, a entidade do Fogo), é possível alcançar o Segundo Nascimento”.

(SAMAEL AUN WEOR, in “Implicaciones Sexuales del Bautismo”, El quinto Evangelio – Vol. 5: Tratados de Alquimia y Sexologia).

Na Epifania celebramos portanto este mistério da manifestação da Divindade em nós, por meio do trabalho com as águas sagradas. Esta é a promessa do Batismo que se concretiza por meio do Matrimônio Sagrado e o trabalho no Grande Arcano. Somente desta maneira poderemos fazer nascer, em nós, o Cristo. Preparamo-nos para tanto mediante uma vida de santidade, castidade e mística, e reunimos forças para este trabalho na Santa Unção Gnóstica, celebrada em memória do Cristo Adorado, onde realizamos em nós o prenúncio deste mistério.

Por fim, também celebramos na Epifania a própria revelação desta Boa Nova – o advento do Cristo, que é revelada a todos os homens por meio do sacrifício de nosso Adorável Salvador. Popularmente dizemos que o Cristo se manifesta ao seu povo quando os pastores das cercanias vêm adorá-Lo à manjedoura e dizemos que Ele se revela ao mundo quando três reis magos vêm saudá-lo. O dia 6 de janeiro é também popularmente conhecido como “Dia de Reis”, pois nele celebramos, também, a visita dos sábios Gaspar, Melquior e Baltazar, símbolos deste mistério revelado e da expectativa de sua concretização dentro de cada um de nós:

“Melchor, o rei da luz (de Melech, rei, e de aour, luz), que oferece ouro; Baltasar, o grande pontífice, cujo nome em sírio quer dizer ‘guardião do tesouro’, e em hebraico ‘paz profunda’, que oferece incenso e, por último, Gaspar ou Gasphar, o crente, homem do povo, o pecador reabilitado, o filho de Cam reconciliado, o etíope negro que oferece mirra, remédio para a corrupção, emblema da penitência e perfume da morte”.

(ELIPHAS LEVI, in Curso de Filosofia Oculta).

Estes três magos do Oriente, que exotericamente representam os povos do mundo, vêm para adorar o Cristo infante, guiados por uma estrela de brilho imenso. Esta estrela é aquela que sempre resplandesce em todo novo Iniciado, e que, como diz o sábio Eliphas Levi, “é a estrela do Absoluto e da síntese universal” (ELIPHAS LEVI, in Curso de Filosofia Oculta). Ainda segundo Levi, esta estrela da Epifania não é outra que não o Pentagrama, e a Epifania é, em síntese, a manifestação da luz: Lumen ad revelationem gentium.

Na celebração gnóstica da Epifania são estes os mistérios que comemoramos, e é por sua transcendência que o Venerável Mestre Samael Aun Weor estabeleceu a comemoração desta data em nossa liturgia:

“… Por todos estes motivos, vamos estabelecer, em nossos R[itos] Gnósticos, o dia da Epifania. Constará da L[iturgia], porque é profundamente Alquimista. EPIFANIA é a ASCENSÃO DO CHRESTOS CÓSMICO em nós, por isso é formidável a Epifania. Mas não poderia o Chrestos ascender em nós se realmente não cumprirmos com os Sacramentos do Batismo e do Matrimônio Gnóstico. […] Todos nós, em realidade, estamos cheios de múltiplos ‘elementos indesejáveis’, que lamentavelmente carregamos em nossa Psique. Somos espantosamente débeis, por isso necessitamos obrigatoriamente da ASSISTÊNCIA CRÍSTICA. […] A CARNE do Cristo é o MERCÚRIO dos Sábios e o SANGUE, repito, é o VINHO, o ENXOFRE. O sangue do Cordeiro Imolado que limpa os pecados do mundo, é o Fogo, é o Enxofre que arde dentro das entranhas da Terra…”.

(SAMAEL AUN WEOR, in “Implicaciones Sexuales del Bautismo”, El quinto Evangelio – Vol. 5: Tratados de Alquimia y Sexologia).
Que esta Luz possa se manifestar em cada um de nós.
Paz Inverencial.
Autor: Monsenhor Ricardo Bianca de Mello