terça-feira, 2 de maio de 2023

A Astrologia o Cosmos e o Homem


Razão do Cosmo, Razão Humana


“O deus descobriu-nos e deu-nos a visão para que, tendo observado no céu as revoluções do intelecto, nós as utilizássemos, relacionando-as com as revoluções do intelecto dentro de nós; essas revoluções são aparentadas, mesmo se as nossas são perturbadas enquanto as outras são isentas de perturbação. É somente depois de ter estudado a fundo os movimentos celestes, depois de ter adquirido o poder de calcular corretamente, em conformidade com o que se passa na natureza e depois de ter imitado os movimentos do deus, movimentos que nunca são errantes, que poderemos estabilizar os movimentos que não cessam de vagabundear dentro de nós”.

PLATÃO EM TIMEU


A tese fundamental na qual todo o edifício do saber astrológico se sustenta é de que há uma relação entre o cosmo e o homem. Ela parte de tal fundamento e o leva até suas últimas consequências, inferindo uma série de prognósticos a partir de determinada configuração celeste. Esta relação Cosmo-Homem marca a atmosfera intelectual de toda uma época, caracterizando uma das especificidades do pensamento que parte da Antiguidade e se estende até a Idade Média, muito embora cada pensador tenha formulado e explicado tal relação de uma maneira muito própria, havendo inclusive já quem negasse a existência dessa relação tal como a astrologia admitia.


É comum, pois, encontrar a menção de tal relação seja na obra de poetas, filósofos e astrônomos antigos, sendo, no entanto a Astrologia o saber que se apropriou de tal relação para constituir uma prática e um conhecimento naquilo que ele tem de mais específico – e isto numa época em que as fronteiras entre os saberes não estavam ainda muito demarcadas. É, pois comum encontrar na figura do homem erudito deste período uma formação que integra diversos conhecimentos, tal como explica Miguel Spinelli ao se referir especificamente à atividade que caracterizava a filosofia antiga:


“Antes de qualquer outro significado, filosofia era um nome que, a partir de Pitágoras, veio a designar todo o conjunto da atividade intelectual exercida em vários setores: no das ciências matemáticas, que compreendia a aritmética, a geometria, a meteorologia, a astrologia e a música; no das ciências do discurso (do uso e aprimoramento do lógos): a gramática, a sinonímia, a retórica e a dialética; no das ciências médicas: a terapia, a história natural, a alquimia e, inclusive, a astrologia”.


Aliás, a filosofia grega, na sua origem, era tomada em si mesma como um saber que se interessava, sobretudo pela compreensão do Cosmo, pelas coisas que se encontravam no alto e suspensas no ar, caracterizando aquilo que era chamado de meteorologia, tal como esclarece Luc Brisson:


“Mas não podemos nos interrogar-nos sobre a natureza da alma, sem nos interrogarmos sobre a natureza do todo. Isso é o que estabelece uma pesquisa lexical, tratando sobre os termos aparentados com meteorologia (…). O sufixo -ia indica uma qualidade, a de meteorológos, um composto formado, no segundo termo, de lógos, que fala de, que estuda, que se interessa por e, no primeiro termo, de metéoros. O primeiro termo, que se liga ao verbo aeíro, elevar, soerguer, manter suspenso, designa, de maneira bem geral, aquilo que se encontra no ar. Um meteorológos é, portanto, alguém que se interessa pelo que se encontra no ar. Compreende-se, então, que a meteorología seja indissociável do ouranós, do céu, em sentido amplo… (…) O interesse referente ao que se encontra no ar deve, entretanto, ultrapassar as aparências sensíveis para atingir as explicações causais que apenas interessam aos filósofos. (…). Ademais, o interesse voltado para o que se encontra no ar não apresenta somente uma função teórica; ele possui também e, sobretudo, um papel salvífico. Ele prepara a alma para a dialética e a faz conhecer a estrutura do céu, através do qual ela deve lançar-se para ir contemplar as Formas inteligíveis. Subordinando tudo à atividade filosófica considerada como a aquisição libertadora de um saber relativo ao céu, ao que ele contém e mesmo ao que se encontra para além dele, Platão conduz a suas conseqüências últimas uma idéia partilhada pela maioria das pessoas na Grécia antiga: a meterorología caracteriza a dimensão filosófica. (…) Quer se trate de Tales, dos sofistas, de Anaxágoras, de Sócrates, de Platão e dos membros da Academia, a atividade filosófica é caracterizada, para a maioria dos atenienses, desde os séculos V e IV, por um interesse pelo o que se encontra no ar…”.


A meteorología3, assim definida, caracteriza o pensamento típico dos filósofos da natureza a partir do século VI antes de nossa era4, chamados de fisiólogos (physiologoí) justamente por conta do seu interesse: o nascer (phyesthai), o crescer e a gênese de tudo, bem como o princípio a partir do qual tudo parte e se origina (archê), determinando uma investigação quase que “arqueológica” sobre a origem do cosmo, onde os elementos propriamente astronômicos se encontram entrelaçados com elementos divinos e humanos.


3 CABE LEMBRAR QUE A IMAGEM QUE SE TINHA DO FILÓSOFO COMO UM METEORÓLOGO ERA TÃO FORTE QUE O PRÓPRIO PLATÃO TEVE QUE TRATAR DE EXPLICÁ-LA E “REFORMÁ-LA”, CONFRONTANDO O SENSO COMUM DA ÉPOCA QUE TOMAVA O FILÓSOFO COMO UMA FIGURA SOCIAL EXTREMAMENTE DISTRAÍDA E INÚTIL, ISTO É, POUCO TOMADA PELAS PREOCUPAÇÕES TERRENAS VISTO QUE ESTAVA COM A SUA ATENÇÃO VOLTADA SEMPRE PARA AS COISAS DO CÉU. PARA SE TER UMA BREVE VISÃO SOBRE ESTA QUESTÃO, VIDE AS PASSAGENS 173 E 174 DE TEETETO E 18, 19 E 23 DE APOLOGIA DE SÓCRATES. ADEMAIS, PLATÃO REALIZA TAL “REFORMA” MOSTRANDO A IMPORTÂNCIA DOS ESTUDOS ASTRONÔMICOS PARA A BOA FORMAÇÃO DO FILÓSOFO E, AO MESMO TEMPO, QUE É A ESTA FIGURA QUE CABE A LEGISLAÇÃO E O GOVERNO DA CIDADE VISTO QUE SOMENTE O FILÓSOFO É CAPAZ DE RECONHECER OS PRINCÍPIOS QUE A TUDO GOVERNA E PRESIDE: O COSMOS, A CIDADE E ALMA HUMANA. POR ISSO MESMO, SÓ A ELE CABERIA A ATIVIDADE POLÍTICA – A NÃO SER, É CLARO, QUE OS GOVERNANTES ESTUDASSEM FILOSOFIA. PARA COMPREENDER COMO PLATÃO FORMULOU ESTA NOÇÃO MUITO ESPECÍFICA DE FILOSOFIA, LEIA TODA A REPÚBLICA E O TIMEU, OU CONSIDERE AS SEGUINTES PASSAGENS: 368, 369, 441, 473, 500, 529, 530 E 592 DA REPÚBLICA E 27, 28, 29, 37, 47, 88 E 90 DO TIMEU.

4 ESTA INVESTIGAÇÃO, NA REALIDADE, SEMPRE TEVE UM HORIZONTE METAFÍSICO, APESAR DE QUE AS PRIMEIRAS EXPLICAÇÕES SOBRE A ORIGEM DE TUDO TENHAM SE INSPIRADO E SE APOIADO EM ELEMENTOS FÍSICOS, ORA TOMANDO A ÁGUA COMO O PRINCÍPIO DE TUDO, ORA O FOGO, VISTO QUE OUTRAS FIGURAS MAIS “ABSTRATAS” FORAM CONSIDERADAS TAMBÉM COMO O SUPREMO PRINCÍPIO EXPLICATIVO: O CAOS, A JUSTIÇA, O INDETERMINADO, O NÚMERO, O BEM. DESSE MODO, É UM ERRO CONSIDERAR A FILOSOFIA DA NATUREZA COMO UM EQUIVALENTE DAQUILO QUE O NOSSO SENSO COMUM CONCEBE COMO FÍSICA, VISTO QUE OS FISIÓLOGOS PROCURAVAM NÃO TÃO SOMENTE UMA EXPLICAÇÃO PARA A GÊNESE DO COSMOS QUE EXCEDIA A CAUSAS NATURAIS, MAS TAMBÉM UMA FINALIDADE ÚLTIMA, ISTO É, UM PROPÓSITO PARA O FATO DO MUNDO TER SE CONSTITUÍDO DE TAL MODO E NÃO DE OUTRO.

Um grande exemplo deste tipo de investigação que procura explicar a causa primeira – senão última – do cosmo é aquela que foi elaborada por Heráclito em pleno século V antes de nossa era. Nos fragmentos de sua obra que chegaram até nós, vê-se toda uma reflexão que procura justificar este laço que une o homem ao cosmo: o logos. Mas o que é o logos? De acordo com a interpretação que Werner Jaeger faz de Heráclito, o universo inteiro tem sua lei: ele é dotado de logos que é nada mais e nada menos do que o seu próprio espírito, contendo um sentido que não só é buscado pelos homens, mas também compartilhado por estes:


“Tal como a polis, também o universo inteiro tem sua lei. É a primeira vez que aparece esta ideia tipicamente grega. Aparece nela, com a máxima força, a educação política e a sabedoria dos legisladores gregos. Só o logos contém a lei a que Heráclito chama divina, aquela onde todas as leis humanas podem ir beber. O logos de Heráclito é o espírito, enquanto órgão de sentido do cosmo. O que já existia em germe na concepção de mundo de Anaximandro desabrocha, na consciência de Heráclito, na concepção de um logos que conhece a si próprio e conhece a sua ação e o seu lugar na ordem do mundo. Vive e pensa nele o mesmo fogo que impregna e penetra o cosmo como vida e pensamento. Pela sua origem divina, encontra-se apto a penetrar na intimidade divina da natureza, de onde procede. Assim, na nova ordem do mundo formulada por Heráclito, o Homem conquista uma posição como ser cósmico, dentro do cosmo descoberto pela filosofia anterior. Para viver como tal, é preciso orientar a vida nesse sentido, é preciso que se conheçam e sigam as leis e normas cósmicas. (…) A doutrina de Heráclito surge como a primeira antropologia filosófica, em face dos filósofos primitivos. A sua filosofia do Homem é, por assim dizer, o mais interior de três círculos concêntricos pelos quais a sua filosofia se pode representar. O círculo antropológico está no interior do cosmológico e do teológico; estes círculos não podem, contudo, separar-se. De modo nenhum se pode conceber o antropológico independentemente do cosmológico e do teológico. O Homem de Heráclito é uma parte do cosmo. Nessa condição, está igualmente submetido às leis do cosmo, tal como as suas demais partes. Quando, porém, ganha consciência de que traz no seu próprio espírito a lei eterna da vida do todo, adquire a capacidade de participar da mais alta sabedoria, cujos decretos procedem da lei divina”.


Sob esta perspectiva, o espírito do cosmo e o espírito do homem estão interligados porque ambos comungam de uma mesma razão, de um mesmo princípio, de uma mesma inteligência, de um mesmo discurso – que são modos variados para se traduzir o fato de que ambos comungam do mesmo logos. Aliás, ao analisar os fragmentos de Heráclito, Gianni Micheli aponta para o fato de que a razão humana só se realiza plenamente em função da razão oculta da natureza que ela própria procura e encontra:


“A aquisição e clarificação do conceito de cosmo atinge com Heráclito o máximo de abstração: a noção da ordem do mundo não nasce de fato de uma generalização de ideias e dados, mas de uma análise dos próprios momentos constitutivos do processo de harmonização das coisas. A racionalidade substancial e profunda da natureza oculta-se por detrás da variedade e da multiplicidade inexaurível da formas em perene contraste: a razão humana, apreendendo-a, graças à intuição, funda o conhecimento e, confundindo-se com ele, realiza-se a si própria”.


Desse modo, a razão humana só se assemelha à razão da natureza em função daquilo que o cosmo tem de mais racional: a sua intrínseca organização e, neste sentido, o fundamento mesmo da razão humana aparece alicerçado na razão do cosmo. Aliás, essa semelhança entre a razão humana e a razão do cosmo já havia sido mencionada no século III da nossa era pelo filósofo Sexto Empírico:


“Os pitagóricos dizem que guia é a razão, não a razão em geral, mas a que retira que a razão, ao contemplar a natureza do universo, tem uma certa afinidade com aquela, de acordo com o princípio de que o semelhante atrai o semelhante”.


Seja como for, esta ideia de que há uma interconexão entre o cosmo e o homem – fundamento próprio da astrologia – era corrente e presente na atmosfera intelectual da Antiguidade e da Idade Média, como disse; mas ela sofreu um colapso gradual a partir da Renascença e do advento da chamada “revolução científica”, costumeiramente demarcada pelo momento em que Galileu apontou a sua luneta para a lua e descobriu que ela era feita da mesma matéria que a Terra e não de um quinto elemento de natureza estranha aos 4 elementos conhecidos9. Isto, sem sombra de dúvida, constituiu um golpe em toda e qualquer investigação de natureza metafísica que procurava vislumbrar um sentido maior para o modo como as coisas se encontravam constituídas, e determinou o rumo das novas investigações que passaram a se interessar pelos princípios e pelas causas que regiam restritamente o mundo físico.


9 APESAR DE UMA CERTA TRADIÇÃO ASTROLÓGICA CONSIDERAR A QUALIDADE FÍSICA E MATERIAL DOS PLANETAS, HÁ DE SE LEMBRAR QUE A ORDEM E A ESTRUTURA FORMADA POR ELES PERMANECE IMUTÁVEL. NO ENTANTO, ESTE ASPECTO IMUTÁVEL DO COSMOS, NO QUAL A ASTROLOGIA TAMBÉM SE FUNDAMENTA, ACABOU SENDO DESCONSIDERADO EM FUNÇÃO DE SE TER DESCOBERTO O ASPECTO PROPRIAMENTE FÍSICO, MUTÁVEL E CORRUPTÍVEL DE UM DOS ELEMENTOS DE QUE SE COMPÕE O COSMOS: OS PLANETAS.

Isto constituiu, sobretudo, um divórcio entre o aspecto físico e metafísico que caracterizava a investigação e a especulação que até então vigorava – e não é a toa que a ideia da relação cosmo-homem soe aos nossos ouvidos modernos como excêntrica, ou como um curioso resíduo arqueológico da forma como o homem havia pensado o cosmo num passado remoto, repleto de mitos e crendices que, frente à razão tecnicista e científica dos últimos séculos, soa por demais risível. Risível e digna da mais profunda comiseração por conta de um suposto estado de ingenuidade infantil pelo qual a humanidade passou, mas que, a partir da Renascença, sofreu uma reviravolta, pois a partir daí concebe-se que acordamos de um longo período de trevas e finalmente progredimos, amadurecendo nossa inteligência10.


10 TAIS CONSIDERAÇÕES MERECEM A DEVIDA EXPLICAÇÃO MAS SE ASSIM PROCEDESSE, ALONGARIA POR DEMAIS ESTE ARTIGO, ME DESVIANDO DO OBJETIVO PROPOSTO. POR ISSO, PARA OBTER UM MAIOR ENTENDIMENTO SOBRE O ASSUNTO, RECOMENDO A LEITURA DAS SEGUINTES OBRAS: INDIVÍDUO E COSMOS NA FILOSOFIA DO RENASCIMENTO, DE ERNST CASSIRER; IDADE MÉDIA E RENASCIMENTO, DE EUGÉNIO GARIN; A CRISE DO MUNDO MODERNO, DE RENÉ GUÉNON E O HOMEM E A NATUREZA, DE SEYYED HOSSEIN NASR.

Não é a toa que a astrologia não encontre respeito e legitimidade frente à atmosfera intelectual que caracteriza a modernidade: seu fundamento foi golpeado, e a sua sustentação teórica se tornou impossível, senão ridícula. No entanto, não podemos fazer vista grossa ao fato de que a geografia e a ecologia, em plena modernidade, demonstram o quanto o homem e o seu ambiente estão intimamente ligados, de modo que a vida humana e o próprio homem se constituem em função do ambiente e vice-versa. A geografia, bem como a ecologia, apontam para o palco onde se desenrola o script da história humana: a Terra. Quando a orbe desta investigação se expandir e vier a incluir todo o sistema solar no seu escopo, quem sabe a relação cosmo-homem seja retomada e o raciocínio astrológico seja renovado, e isto de tal modo que ela, a astrologia, talvez passe a ser vista como uma espécie de ecologia cósmica.


Enquanto isto não acontece dentro das condições e dos parâmetros que a inteligência moderna exige, cabe talvez retomar o espírito que movia o interesse dos antigos e continuar se perguntado sobre um sentido maior do cosmo, ou melhor, se há mesmo algum sentido neste espaço que habitamos, e se ele de algum modo determina a natureza dos seus habitantes. Empreendimento difícil, sobretudo porque “semelhante visão das realidades físicas como axiologicamente neutras é desde há muito evidente”, como pontua Rémi Brague, querendo dizer com isso que não se pode subentender nenhum valor no espaço, não havendo nenhum sentido e nenhum significado maior neste.


Entretanto, no mesmo livro de onde o trecho acima foi retirado, o autor explica o propósito que animou sua investigação:


“Qual é o sentido da vida? Ora, a maneira como põe a questão não é indiferente. Proponho-me tomá-la a sério, e ao pé da letra. Ela implica que a vida humana seja definida a partir de um fato físico, que não seja somente uma presença num mundo indeterminado, mas sim num local preciso deste, local que é definido por referência a outros elementos de um mesmo todo. No caso presente, na Terra, e não na Lua, ou flutuando no ar tépido como o célebre homem voador de Avicena. Numa primeira abordagem, isso significa simplesmente que estamos vivos, e não sete palmos debaixo da terra, ou num inferno qualquer. Mas é significativo que a vida humana apareça localizada imediatamente, e enquanto tal. É neste horizonte que desejo estudar aqui a cosmologia de um período determinado na história do pensamento, o da Antiguidade que finda e dos seus prolongamentos medievais nos três ramos do pensamento circum-mediterrânico. (…) Ora, eu afirmo que, durante um grande período do pensamento antigo e medieval (supondo que os possamos distinguir aqui), a atitude que se considera ter permitido que o homem atingisse a plenitude da humanidade era concebida, pelo menos por uma tradição do pensamento dominante, como estando ligada à cosmologia. A sabedoria por meio da qual o homem é ou deve ser o que é era uma sabedoria do mundo. (…) Uma cosmologia deve justificar a sua possibilidade e, desde logo, a primeira condição da sua existência, a saber, a presença no mundo de um sujeito capaz de experimentá-lo como tal – o homem. Uma cosmologia tem, pois, de implicar necessariamente qualquer coisa como uma antropologia. (…) Mas será preciso distinguir aqui: situar o homem em relação ao universo físico é uma coisa; outra é procurar explicar a humanidade do homem a partir de considerações que tem a ver com a estrutura do universo. No primeiro caso, tomamos o homem como um dado de base, que não tem de ser explicado. No segundo, interrogamo-nos sobre o que é e o que deve ser o homem”.


O palco, pois onde a espécie humana atua é a Terra – e parece que, para a boa compreensão deste espetáculo, o ator não pode ser concebido sem um palco, bem como o palco não pode ser compreendido sem seu ator. Considerando o espetáculo como um todo, não se pode excluir nem o ator e nem o palco, sob o prejuízo de não se compreender nem a história que se desenrola, nem qualquer narrativa se faça. Salvatori Natoli, aliás, define que o papel mesmo da filosofia é um eterno interrogar sobre o estar no mundo, e explica que o homem talvez jamais procurasse descobrir as leis ocultas da natureza se este empreendimento ao mesmo tempo não implicasse no conhecimento do homem:


“Filósofo significa, como é sabido, amigo da sabedoria. O exercício da filosofia consiste propriamente nisso: é busca de sabedoria, tensão em direção a ela. Entretanto, sophia não se refere a este ou àquele aspecto da vida, mas diz respeito à vida inteira, coincide com a capacidade de dar sentido às coisas, de orientar-se no mundo. Com efeito, existir significa estar no mundo e por isso nenhuma existência pode chegar à compreensão de si se não se capta no interior daquele horizonte inclusivo no qual todas as coisas ganham existência e subsistem. (…) A filosofia é, portanto, em primeiro lugar, uma interrogação sobre o mundo e sobre o estar no mundo, sobre o modo de se relacionar com a natureza – porque somos natureza -, consigo mesmo, com os outros. O ser humano nada compreenderia de si se não penetrasse a natureza das coisas, se não buscasse indagar aquela phýsis que, como disse Heráclito, ama esconder-se: krúptesthài phílei. O fragmento de Heráclito, pelo menos à primeira vista e tomado no seu significado literal, acentua o empenho humano e o esforço pessoal necessário para arrancar o véu com o qual a natureza se oculta. É então plausível – pelo menos não abusivo – assinalar uma ligação entre esse fragmento e o fragmento 101, que diz: Interroguei a mim mesmo (edizésamen emeáuton), como se estivesse a indicar que, para resolver os enigmas da natureza, é preciso interrogar-se, e somente arrancando à natureza os seus segredos se pode chegar ao esclarecimento de si. (…) De fato, nenhum ser humano seria motivado a essa pesquisa se o ocultamento da natureza não constituísse para ele um problema, se a natureza no seu ocultar-se não escondesse o próprio ser humano”.


Se assim for, parece que a indagação sobre o espaço, isto é, sobre o seu real significado e valor contém a promessa de responder alguma indagação a respeito da natureza humana – e só por isso uma reflexão profunda sobre o tema pode em muito ajudar a compreender a relação cosmo-homem na qual a astrologia se sustenta.


Espaço: Sua Direção Implica um Sentido?


Também esse pequeno fragmento que representas, ó homem mesquinho, tem a sua íntima relação com o cosmo e uma orientação para ele, embora não pareça que tu percebas que toda a vida surge para o Todo e para a feliz condição da harmonia universal. De fato, não é para ti que essa vida se desenvolve; antes, és gerado para a vida cósmica.


PLATÃO EM AS LEIS

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O espaço e o tempo, de acordo com Ernst Cassirer, constituem a estrutura na qual toda a realidade está contida e, por isso mesmo, nada poderia ser concebido desconsiderando as condições temporais e espaciais. Isto significa que tudo aquilo a que chamamos de “realidade” é o que é em função do espaço e do tempo, e que o seu perfil e sua topologia mesma só se definem em função das condições impostas por estas duas entidades. Por isso é que, para Cassirer, descrever e analisar o caráter específico que o espaço e o tempo assumem na experiência humana se torna uma das tarefas mais atraentes e importantes para a antropologia filosófica.


Aliás, desde a Antiguidade, o tempo e o espaço constituíam a fonte das maiores perplexidades e indagações, sendo vistos como as grandes forças misteriosas que a tudo governava e regia jamais esvaziados de significado e sentido visto que a articulação e o entrecruzamento que se dava entre eles já engendrava para o homem um sistema muito singular de orientação:


“Também aqui a expressão das relações de tempo singulares se desenvolve primeiramente na expressão das relações de espaço. A princípio, entre ambas não existe uma distinção clara. Toda orientação no tempo pressupõe a orientação no espaço – e somente na medida em que esta última tenha êxito e crie para si determinados meios de expressão espirituais, as determinações de tempo singulares se diferenciam entre si também para o sentimento imediato e para a consciência intelectual. É em uma e mesma intuição fundamental e concreta, na alternância de luz e escuridão, dia e noite – é nisso que se baseia a intuição primária do espaço, assim como a articulação primária do tempo. E da mesma forma, é o mesmo esquema de orientação, a mesma diferença – a princípio puramente sentida – entre as regiões e direções do céu que domina a divisão do espaço, assim como a do tempo, em seções singulares determinadas. Assim como as relações espaciais mais simples, como esquerda e direita, adiante e atrás se diferenciam porque uma linha de base, a linha leste-oeste, é determinada pelo curso do astro do dia, e esta é então cortada perpendicularmente por uma segunda, a linha norte-sul, assim também todas apreensão de seções temporais remonta a esse corte e a esse cruzamento. Para os povos que elevaram esse sistema à suprema clareza e à perfeição espiritual, essa referência ressoa frequentemente também na expressão verbal mais universal que cunham para o tempo. A palavra latina tempus, que corresponde ao grego témenos, surgiu da ideia e da designação do Templum. As palavras de base témenos, templum não significavam senão corte, cruzamento: dois caibros ou vigas que se cruzam constituem, posteriormente na linguagem da carpintaria, um templum; no progresso natural, daí se desenvolveu o significado de espaço dividido dessa forma; quanto a tempus, uma seção do céu (por exemplo, leste), passou a ser uma hora do dia (por exemplo, de manhã) e, depois, passou a ser genericamente tempo. A cisão do espaço em direções e regiões singulares ocorre paralelamente à cisão do tempo em fases singulares – ambas tem o papel apenas de dois momentos diversos naquele processo de iluminação paulatina do espírito, que tem início na intuição do fenômeno físico primordial da luz”.


Esta concepção a respeito da determinação do espaço sobre o tempo e, simultaneamente, do tempo sobre espaço aponta para um momento em que estas duas entidades ainda se encontravam indiferenciadas mas de tal modo entrecruzadas que, à maneira do eixo de uma roda, acabavam interceptando e abarcando tudo aquilo que se movia e transcorria numa determinada dimensão a que ora veio se dar o nome de cosmo, ora de mundo, ora de realidade. Vistas sob esta perspectiva, as categorias do tempo e do espaço acabam assumindo uma condição muito curiosa: elas estabelecem coordenadas num meio que até então era tomado como indiferenciado e, neste sentido, tempo e espaço criam e determinam a diferença para aquilo que até então não tinha fisionomia e identidade próprias, se transformando nas pedras angulares com que o próprio mundo é edificado e fundado. Ou seja: sem tempo e sem espaço, não haveria aquilo a que chamamos de mundo: haveria o nada.


Esta noção do nada aparecendo em contraponto ao surgimento do mundo é, digamos, clássica, e já encontra expressa por Hesíodo na Teogonia. Jean-Pierre Vernant, ao comentar este poema escrito no século VII em que se narra como tudo veio a ser em função de uma origem primeira (archê), observa que o quê nele se encontra descrito em termos filosóficos é a relação entre o que é e o que não é, ou seja, entre tudo o que existe e o nada, o vazio:


“É certo que, se quisermos traduzir em termos filosóficos o problema que imaginamos subjacente ao discurso cosmogônico de Hesíodo, deveremos formulá-lo, como H. Fraenkel, da forma seguinte: Tudo o que é existe pelo fato segundo o qual, espacial, temporal e logicamente repousa sobre um vazio que não é; ele é determinado pelo que não é, ao se definir contra o que não é: o vazio. Assim, a totalidade do mundo e todas as coisas do mundo, cada qual em seu lugar, tem limites em que se choca contra o vazio”.


“O termo caos está ligado, do ponto de vista etimológico, a kháskõ, khandánõ, bocejar, abrir-se. A Abertura que nasce antes de todas as coisas não tem fundo como não tem pico: é ausência de estabilidade, ausência de forma, ausência de densidade, ausência de cheio. Enquanto cavidade, é menos um lugar abstrato – o vazio – do que um abismo, um turbilhão de vertigem que se abre indefinidamente sem direção, sem orientação”.


O vazio e o nada parecem representar assim, na figura do Caos, ausência – aquele espaço indefinido sem direção e orientação que os deuses vieram a formatar e organizar:


“as potências divinas agem como princípios inteligentes de diferenciação: fazem surgir direções precisas e diversificadas; com efeito, traçam as vias por onde o sol poderá, ao caminhar, trazer a luz do dia, e as estrelas desenhar no céu noturno as rotas luminosas das constelações. O mundo ordena-se na medida em que, pelo traçado visível dos movimentos celestes, pela sinalização clara das diversas partes do horizonte, a escuridão confusa de uma massa líquida dá lugar a uma extensão organizada, delimitada, orientada, na qual o homem, em vez de se perder, encontra o contexto e os pontos de referência para observar, conjecturar, analisar, prever, em suma, situar-se no lugar conveniente. (…) A narrativa hesiódica, assim, é indissoluvelmente uma teogonia que expõe a sequência das gerações divinas e um amplo mito de soberania, relatando de que forma, por que combates, contra que inimigos, por que meios e com que aliados Zeus conseguiu estabelecer sobre todo o universo uma supremacia de realeza que fundamenta a ordem presente do mundo e que assegura sua permanência”.


Desse modo, toda ordem do mundo parece se estabelecer em função das potências divinas e do compasso regular dos astros no céu, dando algum sentido de orientação para o homem que até então se encontrava perdido, permitindo que ele se situe. De acordo com Vernant, os deuses e os objetos celestes figuram como pontos de referências magnos que traçam sentidos e direções numa região que até então se encontrava indiferenciada. Os deuses e o astros, ao mesmo tempo em que mapeiam a realidade, determinam-na.


Raciocínio semelhante é empregado por Mircea Eliade, para quem o estudo das experiências religiosas das tribos ditas primitivas tem muito a ensinar ao homem moderno, cuja vida é marcada por uma ausência ou orfandade quase que absoluta em relação ao Sagrado. Para Eliade, o ser humano toma conhecimento do sagrado porque este literalmente se manifesta – e a esta manifestação ele dá o nome de hierofania. Ao se manifestar através de uma hierofania, o sagrado reveste o espaço não só com suas qualidades mas também demarca a divisa entre o que se tornou sagrado e o que permaneceu profano. Por isso, todo espaço sagrado implica numa hierofania: uma irrupção do sagrado que teve como resultado destacar um território do espaço profano que até então existia, tornando-o qualitativamente diferente. Esta diferença se dá porque é justamente a experiência do sagrado quem determina um centro em torno do qual a vida da comunidade passará a orbitar (um templo, um totem, uma praça), circunscrevendo direções num espaço que até então se apresentava de maneira uniforme, homogênea e indiferenciada, dando-lhe não tão somente organização e fisionomia citadina mas, sobretudo, um sentido de direção. É a experiência do sagrado, pois, quem parece fundar um sentido naquilo que até então não apresentava sentido algum:


“A manifestação do sagrado funda ontologicamente o mundo. Na extensão homogênea e infinita onde não é possível nenhum ponto de referência, e onde, portanto, nenhuma orientação pode efetuar-se, a hierofania revela um ponto fixo absoluto, um Centro… Para viver no Mundo é preciso fundá-lo – e nenhum mundo pode nascer no caos da homogeneidade e da relatividade do espaço profano. A descoberta ou a projeção de um ponto fixo – o Centro – equivale à Criação do Mundo”.


“Essa necessidade religiosa exprime uma inextinguível sede ontológica. O homem religioso é sedento do ser. O terror diante do “Caos” que envolve seu mundo habitado corresponde ao seu terror diante do nada. O espaço desconhecido que se estende para além do seu “mundo”, espaço não cosmizado porque não consagrado, simples extensão amorfa onde nenhuma orientatio foi ainda projetada e, portanto, nenhuma estrutura se esclareceu ainda – este espaço profano representa para o homem religioso o não ser absoluto”.


Vê-se, assim, que a experiência religiosa também introduz um elemento absoluto e ordenador no cenário humano, pondo fim à relatividade e à confusão reinante. Qualquer coisa que “não pertence a este mundo se manifestou” e, ao se manifestar-se, deu-lhe novo sentido e propósito, apontando não tão somente a direção em torno da qual o espaço urbano passará a se estruturar mas também uma direção para a qual se voltará a aspiração dos homens: para cima e para o alto, que não são nada mais e nada menos do que variações e sinônimos deste Centro Absoluto.


Aliás, vários, filósofos, antropólogos e estudiosos de religião comparada lembram veementemente que toda arquitetura antiga, todos os ritos e festas religiosas tinham o propósito de conectar os homens a este Centro Absoluto, permitindo que eles recuperassem periodicamente o prumo e o rumo de uma vida que, deixada a si mesma, se desequilibrava e desandava. Acostumado como estava a uma vida caracterizada pela geração e pela corrupção, pelo devir, pelas oscilações e variações e por toda a relatividade que o desnorteava, o ser humano necessitava de alguma referência estável e permanente que lhe indicasse uma direção e um sentido – e só encontrava isso em função de uma totalidade que o englobasse e o incluísse e que, por isso mesmo, acabava determinando a parte que lhe cabia neste conjunto. E essa totalidade, como se percebe, sempre se encontrou prefigurada no espaço cósmico.


 Para Georges Gusdorf, o espaço cósmico tem a grandeza e a dimensão necessárias para que o homem possa compreender qualquer coisa que pertença àquilo a que chama de “mundo”. Ao considerar o cosmo em suas especulações, seja de modo mítico ou racional, o homem acaba formulando um parâmetro que torna toda a realidade compreensível, e isto de tal modo que a realidade e a compreensão obtida formam, juntas, uma grande enciclopédia:


“O espaço, dimensão do mundo e do pensamento, afirma pois uma das dimensões fundamentais do nosso comportamento categorial: abstração do mundo ou invenção do espírito, é em todo o caso uma norma privilegiada para a manipulação da realidade, e a tal ponto privilegiada que somos levados a substancializá-la, a fazer da mesma um suporte das coisas, um modo de continente, um denominador comum, fator de ordem, de classificação etc., uma talagarça, esboço universal no qual intervêm os fenômenos e se sucedem os acontecimentos. Deste modo, de resto, o espaço assim visto pela razão, desempenha o papel de elemento racionalizador da diversidade das coisas. É um fator de inteligibilidade para tudo quanto nele se afirma. Situar um fato através de suas coordenadas espaciais, dar a medida exata de suas dimensões já é compreendê-lo e muito, reduzindo assim o que ele podia encerrar de insólito. (…) No espaço de estrutura, cada colocação particular traz em si a assinatura da totalidade. A localização não é uma simples cifra, um coeficiente que viria afetar o objeto pelo exterior sem deixar-lhe nenhuma outra marca. Ela designa um elemento intrínseco e constitutivo da coisa ou do acontecimento, uma configuração.(…) Há pois uma coalescência do homem e do seu contorno. É o homem, sim, que impõe sentido à paisagem, mas também só a paisagem é que assegura a completa realidade do homem. A realidade humana é vivida diretamente como presença e aderência a um mundo muito exatamente localizado. (…) A consciência mítica tem necessidade de uma representação global da extensão que ela ocupa. É-lhe necessário repartir e classificar no espaço a realidade humana no seu conjunto, nela inscrevendo de certo modo a enciclopédia da comunidade. Daí nasce um novo espaço, em extensão, de natureza cosmológica: o grupo humano decifra nele o sentido integral do seu ser no mundo. (…) Assim, estabelece uma espécie de correspondência figurativa, que se estende ao macrocosmo todo. O universo apresenta-se como uma sucessão de horizontes concêntricos, encaixados uns nos outros, mas cuja estrutura é sempre a mesma, pois permanece idêntica a intenção de assegurar a expansão da realidade humana. (…) De sorte que o agrupamento humano exprime uma enciclopédia e uma filosofia da natureza”.


No entanto, se considerarmos a observação feita no primeiro parágrafo do trecho recolhido acima, veremos que Gusdorf salienta que o espaço cósmico pode ser tomado ou como uma abstração ou como uma invenção do nosso espírito de tal modo privilegiada que acabamos por substancializá-lo, tomando-o como o próprio suporte das coisas existentes. Visto sob este ângulo, o espaço aparece como algo que não existe em si mesmo; ele aparece como fruto e construção da inteligência humana, perdendo, pois, o seu caráter próprio de substância, tal como o compreendiam os filósofos antigos.


Julius Evola já adverte que o espaço, hoje em dia, é considerado como um campo que simplesmente contém os corpos e seus movimentos e que estes são indiferentes entre si justamente porque ele, o espaço, é considerado homogêneo. Desse modo, qualquer uma de suas regiões é igual à outra e, por isso, o fato de uma coisa se encontrar ou acontecer num ponto específico do espaço não confere nenhuma qualidade particular à natureza desta coisa ou deste acontecimento. No entanto, para o homem que ainda se mantinha filiado às grandes tradições espirituais, o espaço não é homogêneo: ele é heterogêneo, sobretudo em função da luz que, distribuída de maneira variada, fazia com que cada lugar tivesse uma qualidade muito própria. Com efeito, houve uma verdadeira “geografia sacra”, não arbitrária e instituída pelo homem mas, sim, instituída pela própria qualidade do espaço a que remonta, por exemplo, a construção das catedrais na Europa até o final da Idade Média. Neste espaço – que é vivo e saturado de qualidades – cada gesto tem seu valor, cada sinal e cada palavra também, e cada operação realizada recebe um sentido de inevitabilidade e se transforma numa espécie de decreto em relação ao imponderável.


René Guénon também procura esclarecer o que é o espaço qualificado e, para tal, faz uma série de observações, sobretudo no que se refere à diferença entre essência e substância e que, para ele, é o correlato do que os escolásticos chamaram de forma e matéria. De acordo com esta forma de pensar, tudo o que existe é um composto de forma e matéria, de modo que toda a realidade é a resultante da conjugação destes dois princípios, ou seja, da ação exercida pelo princípio ativo (a forma ou essência) sobre o princípio passivo (a matéria ou substância). A substância (sub stare) é literalmente o que fica embaixo, configurando o suporte e o substrato necessário sobre o qual se incidirá a ação diferenciadora da essência e, por isso, a substância não é nada mais do que uma potencialidade absolutamente indistinta e indiferenciada, o único princípio do qual se pode dizer propriamente que é ininteligível, não porque sejamos incapazes de conhecê-lo mas, sim, porque não há nada efetivamente nele que possa ser reconhecido, até pelo menos que a essência venha lhe dar forma e diferenciação.


Por isso, a substância é a matéria-prima que, na sua indistinção absoluta, não pode ser medida de nenhum modo, nem servir para medir o que quer que seja. Mas se a substância ou matéria pode ser medida, é porque já há nela um princípio de diferenciação: uma forma que acaba expondo as qualidades sensíveis de um todo que até então se encontrava indiferenciado. Para Guénon, aliás, este é o erro da física moderna: ela considera as qualidades sensíveis próprias e inerentes à matéria quando, na realidade, elas já são fruto da ação da forma sobre esta. Guénon se utiliza inclusive de um exemplo geométrico para demonstrar o quanto a forma é o elemento soberano que imprime diferença e qualidade à própria grandeza e extensão espacial:


“Mas na geometria mais elementar, não há só a considerar a grandeza das figuras, há também a forma; ora, ousaria o geômetra mais embrenhado nas concepções modernas sustentar que, por exemplo, um triângulo e um quadrado de superfícies iguais são uma e a mesma coisa? A única coisa que admitirá é que as suas figuras são equivalentes, subentendendo evidentemente em relação à grandeza; mas, por outro lado, será forçado a reconhecer que, noutra relação, a da forma, há qualquer coisa que as diferencia e, se a equivalência da grandeza não acarreta a semelhança da forma, é porque esta não se deixa reduzir à quantidade”.


Desse modo, Guénon tenta demonstrar que o espaço não é meramente quantitativo e que, se ele o é, é porque já foi impresso nele alguma qualidade. E, se o espaço tem qualidades, e se ele apresenta diferenças, jamais ele poderia ser considerado como homogêneo. E se o espaço é heterogêneo, ele jamais poderia ser compreendido somente pelo seu aspecto quantitativo visto que há um aspecto qualitativo em jogo que deve ser levado em consideração.


Mas que aspecto é este? De acordo com Guénon, são as próprias direções do espaço que lhe dão uma qualidade. Afinal, se nos perguntarmos o que é essencialmente uma “forma”, seja esta espacial ou não, perceberemos que ela constitui um conjunto de forças, ou melhor, um conjunto de tendências que se somam e que se integram numa mesma em direção. A noção de direção, pois, representa realmente o verdadeiro elemento qualitativo inerente à natureza própria das coisas e do espaço, assim como a noção de grandeza e extensão representam o seu elemento quantitativo. É o espaço, não homogêneo – mas determinado e diferenciado pelas suas direções – que podemos chamar de espaço qualificado.


Desse modo, não só do ponto de vista geométrico, como também do ponto de vista físico, é o espaço qualificado que constitui o verdadeiro espaço; com efeito, o espaço homogêneo a bem dizer não tem existência, porque não passa de uma potencialidade indistinta e indiferenciada. Para poder ser efetivamente o que é e para poder ser medido, o espaço tem necessariamente que se definir em função de um conjunto de forças e direções que se integram. Assim sendo, o espaço cósmico se constitui em função das direções e das coordenadas que o integram, qualificando tudo que ele engloba e abarca, inclusive a vida humana. As direções do espaço parecem imprimir assim um sentido e um significado muito próprio a tudo aquilo de que ele se constitui.


É claro que todas estas considerações podem soar muito estranhas ao ouvido moderno, ou formarem um preâmbulo muito extenso para a compreensão de uma das bases da astrologia: o espaço, e a relação intrínseca que este mantém com o homem. No entanto, mesmo soando estranhas ou sendo extensas, elas não são de nenhum modo desnecessárias, sobretudo pelo fato das casas astrológicas desenhadas em um mapa representarem justamente as direções espaciais: enquanto o ascendente e o descendente representam o leste e o oeste, configurando o horizonte do observador, o meio e o fundo do céu representam o “em cima” e o “em baixo”, a altura e a profundidade, o zênite e o nadir astronômicos. Haveria, pois, uma qualidade inerente a estas regiões espaciais, considerando que o desenho de um mapa astrológico é a representação exata de determinada configuração astronômica? A altura e profundidade espaciais, bem como a região em que o sol aponta e se coloca a nossa frente para depois ir se por lá do outro lado, configurariam algum significado em particular para cada ser humano, visto que cada um nasceu num determinado momento e lugar? A altura espacial poderia implicar num modo muito próprio de determinado ser humano viver “a experiência da altura”, tal como acontece, por exemplo, numa hierarquia de poder? A profundidade espacial poderia implicar num modo muito próprio de determinado ser humano viver “a experiência da profundidade”, tal como acontece, por exemplo, quando ele se coloca perante a sua própria alma?25


25 CITO ESTES EXEMPLOS JUSTAMENTE PORQUE A CASA X E A CASA IV DE UM MAPA ASTROLÓGICO REPRESENTAM, RESPECTIVAMENTE, A ALTURA E A PROFUNDIDADE ESPACIAL, E PORQUE APARECEM CARREGADAS DE UM SIGNIFICADO SOCIAL E EMOCIONAL, TAMBÉM RESPECTIVAMENTE.

Estas são considerações importantes, sobretudo porque elas incidem diretamente sobre o significado que a astrologia atribui a certas casas astrológicas, isto é, ao significado inerente às direções espaciais. Por isso, uma boa compreensão de tudo aquilo que envolve o espaço, bem como o tempo e o número, só pode – e deve – contribuir para a compreensão do fenômeno astrológico. Afinal, quando se calcula um mapa astrológico, é necessário saber o lugar e a hora que a pessoa nasceu visto que, em posse destes dados, é possível obter um diagnóstico de sua identidade, ou seja, daquilo que a caracteriza como um ser único. Mas o que são o lugar e a hora de nascimento senão o entrecruzamento ou o enfeixamento do espaço e do tempo que qualifica e determina tudo como uma unidade diferenciada? O lugar e a hora de nascimento exigidos na confecção de um mapa astrológico só podem dar um diagnóstico de uma identidade justamente porque é o entrecruzamento do tempo e do espaço que determina as diferenças em meio a tanta indistinção – mas isto, é claro, se levarmos em consideração tudo o que até então foi exposto, e que é por demais excêntrico, senão questionável, para a mentalidade do homem moderno.


Seja como for, se o tempo e o espaço constituem, tal como admite Cassirer, a estrutura na qual toda a realidade está contida e se o homem faz parte desta realidade, o seu estudo e a sua compreensão se tornam uma das tarefas mais atraentes e importantes não só para a antropologia filosófica mas, também, para a astrologia.


Sentido da Vida: Implica uma Direção?

Eu sou eu e minha circunstância.

ORTEGA Y GASSET


Julián Marías, ao tentar explicar o que é o mundo, retoma o mesmo raciocínio que ata de modo indissociável o homem ao cosmo. Para ele, o mundo não é uma coisa, nem uma soma ou conjunto de coisas: é o âmbito ou o “onde” em que as coisas estão e em que o homem está. Mas, para este filósofo, o mais fundamental é que esta “mundanidade” só existe e se delineia perspectivamente, isto é, em função de perspectivas que se abrem entre o sujeito e o mundo que o circunda. Desse modo, por ser mundo, as coisas só existem perspectivamente: o aqui, o ali, o aí; o presente e o ausente, o patente e o latente. Por isso, para Marías, é um erro interpretar o mundo como um tipo de realidade ou de natureza: ele é uma função que demonstra a reciprocidade existente entre o homem e a circunstância, tal como já havia declarado seu colega e professor Ortega Y Gasset.


Para ambos, de maneira geral, a característica da circunstância consiste em circunstar e por isto mesmo determinar o sujeito, muito embora seja este quem se posiciona e por isto mesmo define o seu circum ou arredor. A determinação pois que se dá entre esses dois domínios é recíproca, de modo que aquilo que consideramos uma identidade é fruto do jogo de forças entre o ser e a circunstância. Desse modo, o eu que existe e pensa e anda – e que por isso mesmo tem identidade própria – é resultado da combinação e do casamento entre o ser e a circunstância. Por isso, o fenômeno do mundo como tal, a mundanidade, é algo muito mais radical do que se pensa para estes dois filósofos.


Ademais, a mundanidade é o resultado da combinação de dois atos humanos, daquilo que Marías define como instalação e projeção visto que o homem se instala numa determinada circunstância para com ela projetar a si e a sua vida adiante – o que equivale àquilo que ele chama de estrutura biográfica do estar:


“A circunstancialidade da vida humana remete inexoravelmente ao estar, que está incluído no stare da circunstância; minha vida é o âmbito ou o onde em que estou. (…) Ora, o estar, quando vamos além do puramente fático e acidental, tem uma estrutura; mas esta não é originariamente estática, por exemplo espacial, e sim biográfica. (…) Por isto não basta o conceito de localização, ou ainda o meramente biográfico da situação: esta se refere à vida concreta entendida faticamente; antes de tudo, à vida individual….. No momento em que nos interessa a estrutura biográfica do estar, isto é, quando consideramos o estar de maneira ao mesmo tempo biográfica e estrutural, chegamos a um conceito imprescindível em uma teoria do homem como estrutura empírica da vida, em uma antropologia no sentido rigoroso da palavra: o de instalação”.


Vê-se, assim, que o estar instalado numa circunstância implica numa condição ao mesmo tempo dinâmica, particular e concreta, visto que cada um está instalado na vida de uma maneira muito individual; no entanto, por mais que esta instalação varie e por maior que seja o repertório desta instalação, ela configura uma estrutura que permite a sua análise. Por isso, a vida humana tem um aspecto que sem dúvida é dinâmico e circunstancial e que compõe a sua dimensão biográfica; mas ela tem também um aspecto mais fixo e mais geral que nem sempre estamos dispostos a reconhecer, e que compõe a sua dimensão estrutural. Para Marías, para se conhecer uma vida humana qualquer se torna sumamente importante reconhecer a estrutura biográfica do estar, ou seja, as condições gerais sob as quais o homem procura se instalar. A estrutura biográfica do estar constitui assim a teoria com a qual se pode procurar entender o transcurso de uma vida humana naquilo que ela tem de mais particular, isto é, no modo como o homem procura se instalar e se projetar:


“Por isso, tem sentido uma expressão que a filosofia contemporânea vem usando muito, receio que sem clareza nem rigor suficiente: encontrar-se. Eu me encontro no sentido de que ao descobrir-me já estava, já estava ali, já estava fazendo algo, e ao mesmo tempo sendo alguém. Só posso projetar – e isto quer dizer projetar-me – a partir disso que já estava fazendo, a partir daquilo em que já estava. Poderíamos dizer que nenhum projeto humano é primeiro ou inicial, ou com outras palavras, que a vida humana nunca começa em zero. Chamo a isso instalação. (…) A instalação é unitária mas não é simples; é pluridimensional, articula-se em vários níveis e direções; por isso é uma estrutura. E por isso se pode analisar; em grande parte, a vida consiste na análise desta instalação. (…) A instalação está atuando ou se está exercendo na medida em que me é presente, o que não quer dizer forçosamente que tenha consciência à parte de cada um de seus ingredientes. Ao projetar e executar meus projetos – e sobretudo o projeto unitário que em cada momento sou eu -, estou me apoiando nessa instalação, estou pondo em jogo os ingredientes que integram sua estrutura na forma precisa em que a integram”.


Para Marías, estes são os dois componentes fundamentais de que se compõe uma vida humana: a instalação e a projeção. Para viver, o homem precisa instalar-se e projetar-se – e ambos articulam-se em vários níveis e direções, compondo uma estrutura:


“A instalação é o que propriamente faz com que eu possa projetar-me e não, simplesmente, esteja lançado. A imagem da flecha é justa, mas não completa; a rigor, é todo arco com sua tensão para trás, de onde a flecha recebe impulso, e o alvo para o qual se orienta, o símbolo adequado da vida humana. Tomando-se porém esta imagem a sério, deve-se completá-la ainda mais. Esse alvo, para que o seja, precisa ser procurado, e portanto é sempre um entre vários possíveis; apontar é orientar-se para vários pontos, para eles projetar-se, depois disparar em direção a um que só tem sentido no contexto dos demais. A flecha é, a rigor, um feixe ou molho de flechas, cada uma das quais se orienta em uma direção, sendo uma a privilegiada”.


E aqui chegamos àquilo que Marías chama, em várias de suas obras, do componente mais misterioso da alma humana: o seu sentido de direção que constitui, por sua vez, aquilo que ele intitula de “futuridade” visto que, dentro de um feixe de futuros possíveis, o ser humano acaba elegendo e escolhendo um para o qual dirige toda a sua vida – e através do qual ela própria ganha sentido. A vida, pois, parece só ter ou ganhar sentido se for orientada numa certa direção, escolhida livremente pelo sujeito. Por isso, tudo aquilo que envolve o objetivo e o propósito de vida de alguém pode ser representado pela imagem de uma flecha ou pode ser visto sob o signo de um vetor que se compõe de intensidade e direção:


“Intensidade e direção definem um vetor. Uma magnitude orientada é um vetor matemático. (…) O caráter a um tempo dinâmico, plural e necessariamente orientado de toda ação vital justifica o uso deste conceito para compreender sua realidade. A flecha, símbolo do vetor, símbolo da ação vital, adquire assim uma significação mais rica e precisa. E isto dá seu sentido biográfico e portanto humano a um conceito que permitiu a intelecção da vida biológica. (…) O homem necessita de muitas coisas para viver, e a elas está referido mediante um sistema de projetos, tensões, lembranças, antecipações, privações, que tem intensidade e duração, isto é, um caráter vetorial. Dentro de cada vida, as coisas se ordenam em uma perspectiva rigorosa e mutante, assumem diversas funções ou papéis, ordenam-se em uma hierarquia precisa, cujo princípio é interno a esta vida e não coincide com a que uma consideração exterior suporia. Estes dois conceitos de intensidade e orientação, próprios do vetor, biograficamente se convertem em importância e significação, ou preferindo-se, sentido. As coisas me levam segundo sua importância, e em um sentido determinado que para mim tem, por sua significação – por isso a vida é interpretação de si mesma e de seus conteúdos”.


Vê-se, assim, que a vida humana pode ser concebida surpreendentemente como uma magnitude orientada, cuja intensidade e direção acabam trançando os elementos que permitem que ela seja analisada. Desse modo, a vida só pode ser compreendida em função da intensidade e da direção que ela própria toma – o que pode ser representado por um vetor que indica e aponta a importância e a significação que certas coisas têm pra nós, dentre várias. Por isso, a vida humana não só se estrutura e adquire fisionomia em função das intensidades e das direções que as coisas têm para nós como também são estes os fatores que a transformam definitivamente numa narrativa, num argumento, permitindo que ela seja contada e, ao mesmo tempo, compreendida:


“A vida humana sempre se organiza a partir de um pressuposto determinado, a partir de uma expectativa, e isto significa em uma direção que lhe dá argumento. As coisas da vida vão vindo, saem ao nosso encontro, e são acolhidas e recebidas por nós dentro de uma orientação vital sumamente precisa. Por isso as coisas têm uma feição. A linguagem emprega amiúde a expressão ‘as coisas mudaram de feição’, porque só ao tomarem-na, isto é, ao adquirirem uma nova mudando a anterior, nos damos conta dela; porém, é claro que antes de tomarem uma feição tinham outra. Essa inclinação ou fisionomia que a vida mostra vem precisamente de nossas inclinações, que impõem uma feição a tudo o que nela encontramos. (…) A ideia da feição – nunca usada, que eu saiba, pela filosofia e mais importante do que parece – é a contrapartida dessas orientações. É o que permite que a vida tenha, em seu trato com as coisas, argumento. A feição é o modo de ser das coisas quando são realidades vividas a partir de uma estrutura vetorial… isto é, a maneira que tem de se tornarem quando a perspectiva em que as encontramos não é simplesmente perspectiva, relação intencional ou visual, e sim pressão ativa e orientada, comportamento executivo a seu respeito. As coisas tomam uma feição – sempre dramática – quando se lhes disparam as flechas vetoriais dos projetos biográficos”.


Considerada deste modo, a vida só assume uma feição e uma fisionomia por causa das perspectivas que o sujeito nutre em relação a algumas coisas do mundo ao seu redor, ou seja, por causa das direções que ela própria toma, se orientando em função daquelas coisas que lhe têm significação e sentido, dentre as várias coisas que existem e compõem o mundo. No entanto, por mais que estas perspectivas sejam intencionais e determinem uma direção, elas não são suficientes ainda para esculpirem a fisionomia e os contornos de uma vida visto que está só se define à medida que o sujeito vai efetivamente seguindo numa direção. Por isso, parece que o sentido da vida só é descoberto à medida que vamos efetivamente cavando um caminho em determinada direção. Antes disso, a vida é só perspectiva, ou melhor, só um projeto, cuja realização se torna o maior empreendimento de um ser humano – o que vem propriamente a dar feição e fisionomia a sua vida.


Considerando tudo isso, parece que um dos ingredientes fundamentais de que se compõe a vida humana é o seu sentido de direção. Aliás, se lembrarmos de tudo que foi admitido, mesmo que a titulo de hipótese, nos dois capítulos anteriores, veremos que o espaço se constitui como tal por possuir também o mesmo ingrediente: direção. Isto significa que tanto a vida quanto o espaço se constituem como tais à medida que são compostos por direção: sem esta, parece que a vida e o espaço não têm fisionomia própria, e não são nada. O espaço se define e se qualifica como tal justamente por ter direção, tal como a vida se define e se qualifica por possuir a mesma propriedade. O espaço, bem como a vida, se definem por possuírem, ambos, direção, e é isto que de certo modo os iguala, visto que compartilham de um mesmo atributo.


Mas isto seria suficiente para admitirmos que a direção biográfica ou existencial implica na direção espacial, ou que a estrutura própria do espaço implica na estrutura própria da vida? Se a vida e o espaço compartilham de uma mesma propriedade, isto seria suficiente para tomá-los como semelhantes, visto que há um elemento em comum que os iguala?


Suficiente, não. No entanto, se pudéssemos admitir isto, mesmo que a título de hipótese, vislumbraríamos uma explicação possível para o fato da vida humana se encontrar entrelaçada e determinada pelo espaço cósmico, tal com a astrologia admite: é que a direção define tanto a vida quanto o espaço, constituindo propriamente o elemento que une e enlaça o homem ao cosmos. Aliás, se considerássemos tudo que foi dito, veríamos que, sem direção, não compreenderíamos nem a vida e nem o espaço – e, por isso, nem mesmo uma possível relação de parentesco existente entre eles.


A direção típica do espaço, bem como a direção típica da vida, constituem um elemento que talvez jogue alguma luz na obscura relação que a astrologia diz haver entre o cosmo e o homem.


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O Hermetismo e Astrologia


O termo Cosmologia possui múltiplos significados. Seu sentido será determinado  de acordo com a época em que é dito. Para os estudiosos modernos, Cosmologia refere-se ao estudo da origem e evolução do universo visível, e seu possível fim. Uma área da Física e da Astronomia. Porém, do ponto de vista das antigas tradições o termo não tem exatamente tal conotação: Refere-se a algo mais subjetivo e um tanto integrativo.


O sentido do termo Cosmologia sob a ótica tradicional refere-se sim a origem do Universo, sua origem desenvolvimento e fim, mas, sobretudo o fará integrando o Universo e a Vida como um fenômeno único e indivisível.  A lógica da Ordem, ou o sentido dos mecanismos de repetição gerados pela estabilidade do Sol.


Sob este tecido, a vida do Universo se manifesta. A cosmologia seria então um conjunto de princípios gerais que se pode dar conta, estando por toda a parte. Ela não é uma idéia insólita ou uma teoria, e sim um pilar mestre do conhecimento. Os estudos de Schuon, Lubicz, Guénon, Eliade e Pichón, algumas autoridades reconhecidas mundialmente por seus estudos, atestam a idéia das Tradições Antigas do Oriente Extremo e Médio, afetarem de forma substancial os pensamentos dos Gregos que destilaram tais conhecimentos Cosmológicos em reflexões filosóficas e paradigmas que se estendem até nossos dias. Parece inverossímil, mas o fato é: As Tradições entraram com a Pinga e os gregos com o Alambique.


Isto significa que se herdamos tal cultura e se tal fato é incontestável, a menos que tenhamos de supor que os Gregos dormiram cegos e acordaram sábios dominadores de ciência, as inventando do éter metafísico de Platão. As tradições não são, entretanto, os feitos recentes das ciências modernas, mas a base de seus postulados. A tradição não inventou o quindim, mas sempre foi os ovos.


A Astrologia chega à Grécia


A Astrologia em um formato mais limitado ao que conhecemos hoje chega a Grécia por volta do Século V. a.c.. De certa maneira, ela era em tal época ainda uma ciência, mas já parcialmente deteriorada pela ação dos milênios. Todos sabemos como o tempo, a areia e as dificuldades de documentação atrapalharam a evolução das ideias sobre a natureza na antiga Mesopotâmia. Para se possuir um parâmetro simples, é só deter-se um instante na Astrologia da Babilônia, uma das últimas cidades da Mesopotâmia. Ela era já um conjunto de frases sem muito sentido, aliadas a um misticismo galopante e decadente.


A Astrologia não precisava de repintes e sim de um restauro. Sua cosmologia havia se perdido se não de forma total, tem se que admitir parcialmente, e por isto, tornara-se um conjunto de regras e aforismos confusos.


A vocação dos Gregos para o restauro é notável. Sabiam eles que a Astrologia era uma forma extraordinária de mapear os ciclos do meio ambiente e o melhor: havia funcionado por milênios orientando toda uma grande civilização, que estava a ser encoberta pelas poeiras do deserto juntamente com seus cuneiformes. O privilegiado ambiente Grego, propício ao desenvolvimento da ciência, por sua vocação cosmopolita onde múltiplos povos se acotovelavam, acabava por tornar possível uma grande operação: A transfusão do sangue cosmológico entre as várias culturas, visando o ressuscitar de algumas antigas ciências. A Astrologia não escaparia a tal operação, pois era valiosa demais.


Se o calendário da vida era uma verdade, qual seu sentido? Onde estariam as bases de seu movimento? Em que verdades universais se apoiariam? Muitos pensadores sofriam de uma obsessiva insônia de verdade. Entre as culturas estudas, a dos Egípcios parecia ser a mais preocupada e eficiente na preservação de seus estudos. Seus monumentos dão prova até hoje disto. Sua Cosmologia ainda parecia estar gozando de boa saúde, e tornou-se uma referência nesta ação sã de enfermagem.


Esta Teologia-Ciência que no Egito refere-se a Thot e na Grécia sob o nome de Hermes Trismegistos, encerra certamente os restos alterados mais infinitamente preciosos desta Cosmologia.  Os dias atuais, revelam estes ensinos em alguns textos legítimos como o Caibalion, sem autor, o Corpus Hermeticum de formulação Egípcia é um conteúdo eclético (Pitagórico-Heracliteano-Platônico), principalmente na tradução do filósofo Ficcino, e os “Fragmentos” uma coletânea de papiros gregos antigos. Hermes não foi exatamente alguém, e sim um nome genérico como Manu, ou Buda, querendo significar uma Casta ou um Deus em forma de conhecimento. Não foi provavelmente um único homem. Os Hermetistas Gregos eram portanto, estudiosos do pensamento cosmológico do Egito.


O Caibalion, nome latinizado de “Kybalion” significa “um preceito manifestado por um ente de cima” ou simplesmente “Tradição”.  Outra bela variável de sentido e não de etiologia, seria “Conhecimento sem autor”.


Em seus preceitos pode-se de forma didática, começar a tatear o sentido cosmológico dos Egípcios, agora em uma visão mais didática. Mais que um livro, eu o considero uma das mais importantes obras da História da Astrologia e do conhecimento.


Ele se estrutura em sete pressupostos básicos:


1. Ritmo

2. Vibração

3. Polaridade

4. Mentalismo

5. Causa e efeito

6. Gênero

7. Correspondência


Em realidade não são sete e sim apenas uma lei. Elas se inter-relacionam e se apoiam, como as faces de um sólido platônico, e não se dispõem em raias fragmentadas. As tradições são sempre apresentadas assim: sem costuras.


Neste ensaio irei expor dentro dos limites possíveis,  seus sentidos mais abrangentes e de superfície, salientando alguns contornos, mas sem a pretensão de verticalizar.


Ritmo


Tudo dentro do Universo possui um ritmo. Tudo nasce, cresce, se desenvolve e morre. Toda manifestação de movimento implica em uma tendência à ordem. Os ritmos lentos dominam os rápidos. O imutável controla o mutável. Toda e qualquer transição cíclica se dá de forma natural e lenta. A transição implicada em um conceito de sucessão gera a ideia cognitiva de realidade transitória. O fenômeno cíclico permite a previsão dos mecanismos de repetição em níveis análogos, tornando possível seu mapeamento.


– É a fonte do sentido do Zodíaco, Elementos e Ritmos: cardeal, fixo e mutável.


Progressões, Trânsitos e técnicas de Previsões podem ser também incluídas.


Vibração


Tudo no Universo é feito de vibrações, desde as mais grotescas percebidas pelos sentidos às de nível mais refinado e não conscientes. As ondas e vibrações estão por toda a parte, não se podendo escapar a elas. A vibração é a base da existência do mundo dos sentidos. A luz é apenas uma, mas refrata-se em vários níveis de frequência. O mesmo se pode dizer do som e suas escalas cromáticas. Na natureza nada se perde, e as mesmas partes tornam-se outras dependendo de sua posição em uma cadeia ou de estado momentâneo.


Este princípio está na base do entendimento de como as transmissões de nível subquântico e sonoro, bem como os de espectro luminoso, afetam os seres vivos incluindo-se o homem, interligando todo o Universo.


– Ela irá mostrar como estruturas zodiacais de mesma natureza se diferem, por exemplo: o princípio do fogo, da terra, do ar e da água. Os aspectos astrológicos encontram aqui um sentido muito especial na lei acústica de ressonância.


Polaridade


Tudo tem dois polos. O todo fabrica universos aos pares indivisíveis e autossustentáveis. Em seu âmago, um polo possui seu gêmeo oposto, que lhe dá sentido e significado. Os opostos são em realidade a mesma essência em si, mas refratados diante do Universo manifesto. Os extremos se tocam e confundem.


– Projetam a interpretação cognitiva de que existem apenas seis eixos de movimento e não exatamente doze signos. Por isto, Áries e Libra partilham do senso de justiça (pela força ou pelos tratados) e Leão e Aquário tentam buscar destaque, mas em formatos diferentes (Ditadores ou revolucionários).


Os depressivos com alta carga de elemento fogo também são bons exemplos de polarização. Ideal para explicar alguns paradoxos astrológicos.


Mentalismo


O todo é mente. Nenhuma realidade absoluta pode ser observada. Toda e qualquer descrição do Universo, baseia-se no espectro de nossos sentidos e, portanto, o Universo é uma representação parcial da realidade absoluta. O mundo subjetivo na qual nossa personalidade se encontra é determinado em grande parte de como aparentemente o mundo é filtrado por nossos sensores cerebrais. Temos a sensação aparente de realidade da qual nos colocamos como o zero demarcador.


– Este princípio é a base de como interpretamos as estruturas cíclicas como a Lua em seu curso extremamente repetitivo aos sentidos, isso nos dá a sensação de trivialidade e adaptação, ou no conceito “daquilo que é muito bem conhecido desde a infância”. Urano, por exemplo, completa um único ciclo (84 anos) perante o tempo de uma vida Humana, e ele nos parece “Imprevisível”, ou “Inesperado”. Este princípio fundamenta os conflitos observados em sinastria.


Causa e Efeito


As mecânicas do Universo implicam-se em conceitos de causalidade parcial. O Universo e o Cosmos possuem uma intenção. Deus não joga aos dados. O Universo é constituído de uma ordem onde efeitos e causas se interligam.


– Este princípio é o que explica a ideia de que astros (planetas) não fazem desportistas, e sim, inclinam pessoas a táticas de competição. Os estudos de Gauquelin só confirmaram tal premissa. Alguns fatos da vida humana podem ter efeitos alterados dependendo da forma como se posiciona o indivíduo.


Gênero


O fenômeno vida manifesta-se através de dois princípios: O ativo e o passivo. A vida é na realidade o casamento de princípios de vida ativos e catalisadores. O Sol é apenas a contraparte ativa do fenômeno vida, sendo a umidade seu catalisador. O princípio ativo não é melhor nem pior que o passivo. O efeito astrológico dá-se em função de princípios ativos (Astros) e passivos (Homens) . Ver Tomás de Aquino.


– Este senso fundamenta, a ideia de quem interfere em quem em uma hierarquia planetária e zodiacal, por exemplo. Seu domínio implica no natural senso de interatividade entre o meio e o indivíduo. Isto explica por exemplo a sensação de “ter de influenciar” encontrada nos agentes ativos de fogo, geralmente a contraparte de vida ativa, por exemplo.


Correspondência


O Universo é construído sob as mesmas bases desde as mais simples às mais complexas. O simples e o complexo são separados apenas pelo tempo e o espaço. O universo é indivisível. O que está em níveis complexos é análogo ao que está em níveis menos complexos. O que está em cima é análogo ao que está em baixo.


– Esse princípio é o fundamento do Universo interligado e, portanto, interferente em suas múltiplas partes. O princípio muito próximo ao das holografias de Pribram e o Universo Dobrado e Explícito de Bohn. Ele fundamenta a analogia (transporte cognitivo de significâncias de realidade) entre casas e os signos bem como as regências dos signos por exemplo.


Veredito


Não serei leviano; tentarei dentro do possível, explicar os desdobramentos que irão fundamentar cosmologicamente a Astrologia em futuros artigos. É bom lembrar que muitos destes princípios são a base daquilo que fazemos dentro da Medicina, Física, Geometria, Biologia, Neurociências e Psicologia entre tantas.


A Cosmologia é a água de um Jardim. Sem ela, o discurso interpretativo torna-se árido, desconexo e sem articulação. Daí o problema da maioria dos estudantes não saberem “juntar” os significados. Com a mutilação deste importante item, a Astrologia resume-se a um punhado de curiosas engrenagens soltas e não um instrumento de leitura do Universo.


Não se pode fazer milagres. Quando se estuda algo muito antigo é no mínimo de bom senso possuir um orientador consciente. A velha Esfinge que significa entre outras interpretações os mistérios do Universo, nos devora quando não temos capacidade de enfrentá-la. Em outras palavras, não se deve tentar decifrar um mistério de forma leviana. Acabamos por afirmar distorções e ruídos de verdades, e nos perdemos totalmente.


As leis herméticas não são a cura para as nossas bobagens pessoais, mas com certeza são um grande antídoto contra a miopia provocada pela fragmentação atual do conhecimento humano.


BIBLOGRAFIA

O CAIBALION – TRÊS INICIADOS

CORPUS HERMETICUM – HERMES TRISMEGISTOS

SUMA TEOLÓGICA – AQUINO, SÃO THOMAS

SACRED SCIENCE – LUBICZ, S.

SOBRE OS MUNDOS ANTIGOS – SCHUON, F.

O SAGRADO E O PROFANO – ELIADE, M.

A COSMOPSICOLOGIA – GAUQUELIN, M.

ASTROLOGIA E RELIGIÃO NO MUNDO GRECO-ROMANO – CUMMONT, F.


A Divina Astrologia


Dante Alighieri e a Divina Astrologia


O maior poeta medieval, Dante Alighieri nasceu em Florença (Itália) em 1265 d.c. em meio um fervilhar político e cultural de proporções ainda não totalmente entendidas pelos historiadores. Aquela foi a época de grandes amores e grandes ódios, onde a fé exaltada e a compaixão cristã conviviam com os gênios em profusão. Tal espírito de coisas influenciou profundamente o pensar de Dante. Seu interesse pelo estado das coisas logo se manifestara, em seu interesse pelo direito. Dante ocupou importantes cargos públicos em Florença. Era um homem do governo. Tornou-se Bacharel pela Universidade de Paris, tornando-se posteriormente chefe da embaixada Romana. Como político, foi muito perseguido. Sua destituição em 1302,  tornou-se  um pesadelo para ele. Foi perseguido por toda e Europa, percorrendo Itália e França finalmente se refugiando em Ravena. Foi perdoado e  novamente condenado, bem ao estilo do período medieval, onde as contradições absurdas tiveram sua morada.


Dante foi discípulo do poeta italiano Bruneto Latini que lhe ensinou os primeiros passos da arte dos versos. Entre seus vários trabalhos poéticos destaca-se “A Comédia” que narra a viajem do poeta tendo como itinerário o inferno, o purgatório, e finalmente seu repouso no céu. Esta grandiosa obra posteriormente chamada de “Divina Comédia” por Bocaccio em 1555, devido ao seu aspecto de “maravilhosa obra prima” (Divino! no sentido poético e não religioso), reúne o divino e o profano, o trivial e o sagrado, o amor e a paixão.


Sua estrutura contém em aproximadamente 4.700 versos para cada degrau (Inferno-Purgatório-Céu) totalizando-se a grandiosa soma de 14.233 versos.


Muitas versões surgiram então sobre o significado desta obra. Uns a julgam uma obra de puro esoterismo, afirmando que Dante realmente fizera tal viajem insólita pelos degraus do universo espiritual. Existem pelo menos quatro aspectos básicos de sua construção: o histórico, o moral, o filosófico e o místico.


Para sua viagem, Dante convida três personagens de seu imaginário: o poeta Virgílio, (Inferno e Purgatório) Beatriz, seu grande amor platônico (Céu) e São Bernardo (Empirium – Deus). A trajetória prevê nove círculos infernais e um anti-inferno, sete purgatórios, dois antipurgatórios e o paraíso terrestre, culminando nos sete céus planetários, a esfera das estrelas, o primum móbile e o empíreo.


Sua partida: a Quinta feira da semana santa de 1300 d.c..


Sua narrativa é curiosa, assustadora, e acima de tudo singular. Dante mistura-se a um complexo conjunto de sentimentos, impressões, crenças e conhecimento cultural para desenvolver seu edifício literário. O primeiro conceito nitidamente observável é a concepção geocêntrico-astronômico de Cláudio Ptolomeu de Alexandria.  As disposições Astronômicas são exatamente aquelas encontradas no Tetrabiblos e Almagesto do mesmo Cláudio Ptolomeu.


Outro aspecto fundamental em sua narrativa é a “Teoria da Imortalidade” de Platão, que supunha a viajem da alma humana após sua morte, aos céus específicos de onde vieram (para cada planeta). Assim, se uma pessoa era amável e gentil, de certo descera de Vênus e daí, se conservasse estas virtudes, poderia ser tragada pelas forças divinas e elevada aos céus para sua eterna morada. No período medieval, estes conceitos foram reinterpretados: As pessoas do povo iriam para a Lua (onde morava também nossa senhora), os intelectuais para Mercúrio, os artistas sacros e as virgens à Vênus. O Sol destinado a ser a imagem do Cristo, e a casa dos teólogos, Marte aos mártires que faleceram nas cruzadas em nome da Igreja, em Júpiter os Políticos que legislaram de acordo com a lei de Deus (Igreja) e em Saturno os desapegados dos bens materiais e sábios.


Esta corrupção do modelo metafísico de Platão tornou o céu um lugar negociável, onde o jogo das conveniências era muito natural. Encontraremos Dante narrando várias vezes de seu imaginário, ícones distorcidos pela percepção religiosa de seu tempo.


Quanto a Beatriz sua musa inspiradora, não se sabe muito. Na realidade Dante a conhecera já desposada por outro homem, e sua paixão platônica por ela o perseguiu por toda vida. Muitas  vezes, grandes paixões são marcadas pela dor. Beatriz morrera em tenra idade, deixando o poeta  profundamente deprimido. Dante chega a casar-se, mas jamais escrevera se quer um verso para sua mulher, tornando-se conhecido como o maior adúltero literário da História da poesia.


Para ter-se uma ideia dos sentimentos de Dante por Beatriz, ele a cita 64 vezes na Divina Comédia, sendo o Cristo citado apenas 40. Beatriz só perde para Deus, muito provavelmente invocado quando em sua estadia no inferno.


Dante não esconde em seus versos sua opinião sobre as coisas. De posse das chaves do universo, Dante brinca de Deus, e coloca no inferno todos aqueles que odiara e que o perseguiram durante a vida. Lá estavam também todos os que eram convenientes ao pensar teológico. Desta maneira, Dante se vinga de todos aqueles com os quais lutara em vida, glorifica todos os seus amigos e amores, os elevando às alturas celestiais.


De forma geral, o espírito de contradição irá aparecer, destacando-se nesta narrativa o fato dos astrólogos aparecerem no inferno, mas a Astrologia no céu.


Inferno


Partindo-se do mais profundo inferno Dantesco, teremos os seguintes patamares por ordem de distancia das divinas potestades espirituais. Assim, quanto mais baixo o número, mais longe de Deus estavam as almas, e obscuros e tenebrosos eram os lugares.


Eis os dez infernos.


1. Local onde morava o demônio.

2. Traidores da família, da pátria, dos amigos e benfeitores.

3. Malebolge: sedutores, aduladores, vendedores das coisas santas, fraudulentos, hipócritas, ladrões, mau conselheiros, fundadores de seitas, falsários e os astrólogos.

4. Violentos: com os outros, com si mesmos (suicidas) e com Deus.

5. Hereges e incrédulos.

6. Os irados.

7. Os avarentos.

8. Os gulosos.

9. Os sensuais.

10. O anti-inferno: Almas nem aceitas por Deus nem pelo demônio. Os não batizados.


De acordo com a teologia da época, os sábios do passado estavam confinados aos últimos degraus. Dante e Virgílio encontram ali, nada menos que: Platão, Sócrates, Anaxágoras, Tales, Empédocles, Euclides o geômetra, Ptolomeu de Alexandria, Hipócrates (pai da medicina). A lista é grande. Apesar de Dante utilizar-se da cosmologia de Ptolomeu para o plano poético, o catolicismo do poeta não poderia colocar um astrólogo em outro lugar menos infeliz.


Encontra-se também no canto XX do Inferno, o astrólogo Guido Bonatus (1235 – 1300? d.c.) astrólogo de Forli, responsável por muitos atos do conde de  Montefeltro, com os quais Dante se desentendera em vida. Também ali no infernal Malebolge, Michael Scott (1175?- 1232?) o astrólogo escocês da corte de Frederico II da Sicília.


Outro peculiar aspecto de suas paragens no inferno é o fato de encontrar seu mestre: Bruneto Latini. Dante zomba de sua condição aflitiva entre as inúmeras almas que venderam a sagrada arte da poesia pelo dinheiro, e não pelo sacrum oficium, cobrando assim cada vintém gasto em suas aulas.


Purgatório


O purgatorium era o lugar de limpeza das almas. Nesta lavanderia sideral, passava-se pelos mesmos planos de níveis inferiores (mais densos, escuros, e pecaminosos) aos sutis estados da alma.


11. Os excomungados pela Igreja.

12. Negligentes.

13. Purificantes da Soberba.

14. Purificantes da Inveja.

15. Purificantes da Cólera.

16. Purificantes da Preguiça.

17. Purificantes da Avareza.

18. Purificantes da Gula.

19. Purificantes da Luxúria.

20. Paraíso terrestre.


Neste já distante mundo das meras atividades humanas, purgavam-se as almas que por piedade de Deus ali se recuperavam dos deslizes mundanos.


Dante vê o cruzeiro do sul ao sair do inferno às portas do mundo intermediário e o descreve em rodopios dados pela esfera celeste. Cita o ponto vernal, (zero graus de Áries do zodíaco trópico) discute a liberdade humana e as interferências cósmicas, fala do Touro que domina o meridiano, enquanto o Escorpião se encontra no Nadir, deixando uma pista de seu conhecimento astronômico-Astrológico.


Ao final de sua jornada, nosso viajante se despede de Virgílio, e é salvo por Beatriz que o recebe no primeiro céu.


O Céu


O céu segundo Platão não era feito de matéria, e sim de uma substancia sutil chamada de éter. Esta concepção começa a ser demolida na trilogia científica de Copérnico-Kepler-Galileo.


No céu, portanto, movimentavam-se astros feitos de éter e luz. Daí talvez a gênese do termo “espírito de luz” associado a “céu”.


Para os estudos históricos de Astrologia este é o mais interessante de toda a obra. Dante irá descrever céu a céu de acordo com as características astrológicas, ou seja, dos efeitos observados pelos antigos Caldeus, e teorizados por Platão em sua teoria de imortalidade o efeito astrológico mesmo que distorcido.


21. Esfera da Lua: Almas do povo. Almas ainda apegadas ao mundo, mas boas.  Ali se encontra Maria de Nazareth. As mães do mundo encontravam ali sua morada  divina. A iconografia das virgens sempre sobre a lua (comum nas imagens de santas) e com vestes azuis com adornos estrelados são alusões e esta metafísica cristã.


22. Esfera de Mercúrio: É ali que Dante se instrui sobre os efeitos dos astros.


Nesta morada, permaneciam as almas boas, mas que em troca de algo praticaram boas ações. Estes mercenários siderais também usaram suas inteligências para fazer progredir as ciências, mas tornaram-se orgulhosos de seu saber.


“ Os céus continuamente giram, e enviam influxos aos mortais, sem cuidar de  qual a casa em que venha baixar esta ou aquela essência.”


“Os filhos resultariam sempre iguais aos seus genitores não fora mais forte que aqueles o influxo celestial. Creio agora estar claro para ti o que antes permanecia Obscuro”.


“Nota como deste ponto parte a linha oblíqua (eclíptica) – o zodíaco – que contém os planetas e se alonga , comprimindo neste ponto os reclamos do mundo, que reclama benefícios dos astros”.


“Se os mandatários do mundo indagassem a cada criatura qual a sua natural inclinação (segundo os astros), encontrar-se-iam sempre artesãos afeitos ao seu ofício”¹.


1 ACONSELHA-SE A TRADUÇÃO DO SIGNIFICADO E NÃO A TRADUÇÃO POÉTICA DA OBRA DE DANTE ALIGHIERI.

Percebe-se nitidamente por seus versos, que Dante conheceu a Astrologia e seu significado.


As falas são muitas e impossíveis de serem descritas neste texto. Porem, a inclusão da Astrologia nas divinas artes é aqui exposta de forma inequívoca. Astrologia na visão de Dante é divina, mas os Astrólogos devem arder no sinistro Malebolge. Seu razoável bom senso astrológico pressupõe uma formação grega clássica, além de tornar-se um precursor da astrologia vocacional e das políticas de reengenharia.


23. Esfera de Vênus: Almas dos que muito amaram. Os que amaram em Cristo. As virgens e as prostitutas redimidas.


Nesta esfera Dante encontra Cunizza um trovador e amigo, e Raab a prostituta redimida de Jericó.


24. Esfera do Sol: As potestades, os sábios teólogos, imagem refletida de Cristo.


Alberto Magno, São Thomas (defensor da Astrologia como meio de entender a Deus) ali estão. É o lugar dos patriarcas e fundadores das leis de Deus. O mais sacro dos lugares sob o primum móbile.


Torna-se completa aqui, a segunda principal icnografia celeste teológica cristã: Cristo o Sol. A personificação do Cristo no “Sunday” ou na vitória do “Solis Invictus” em 25 de Dezembro. Esta personificação é comum em catedrais góticas.


25. Esfera de Marte: Almas de elevada virtude e caráter. Militantes da fé.


Encontram-se aqui, os cristão que morreram nas cruzadas em nome da igreja.


A coragem de defender a Deus derramando o sangue se necessário, aqui é exultada. Dante encontra inúmeras famílias de nobres que se aniquilaram nas “Guerras Santas”.


26. Esfera de Júpiter: Gozam ali os espíritos dos justos. Os que souberam legislar com sabedoria e em nome de Deus. Príncipes que legislaram com dignidade.


Aqui Dante exulta os políticos que acreditara, mesmo que muitas vezes em causa própria. Júpiter é citado várias vezes para exemplificar seus efeitos sobre as virtudes e éticas humanas.


27. Esfera de Saturno: Céu dos espíritos contemplativos e donos dos tronos do mundo. É o céu dos obedientes, dos sábios pela idade, e os desapegados dos bens do mundo.


28. Esfera das Estrelas: As mais puras deidades. A visão maior de Cristo. As almas imortais. Espíritos que nunca desceram a Terra.


29. Primum Móbile: A Primeira esfera em poder. A mais importante em termos de influxo. Comandada diretamente por Deus.


30. Empíreo: A visão de Deus.


Seria impossível descrever este tratado em poucas linhas, da mesma forma que solicitar a imparcialidade de Alighieri. Dante foi-se. Deixou seus versos, seu desprezo pelo mundo, sua frustração sem Beatriz, seu ódio e ausência de perdão para com seus detratores. A Astrologia é divina em sua concepção. Se astrólogos irão arder ou não no inferno não sabemos. Em meu caso, pagarei a pena com satisfação. Conhecê-la, é entender um pouco mais deste tão misterioso lugar chamado universo.


A Astronomia e Astrologia


Astrologia e Astronomia estão segundo as leis jurídicas do Século XXI divorciadas. Isto não significa que o amor tenha acabado de ambas as partes, e sim que existe entre elas um relacionamento de aparências.  Astrólogos sempre procuram estudar Astronomia e são ávidos frequentadores de planetários e Astrônomos acabam sempre por dar aquelas olhadelas nos livros de Astrologia nas boas livrarias, mesmo quando argumentam que o fazem por mera diversão. Sempre sabem eles também seus signos solares também.


Na antiguidade, o termo “Astronomia” não existia. O termo usado para o estudo dos movimentos dos corpos celestes era “Astrologia”. A realidade, entretanto, é que em função das necessidades de sobrevivência, o homem sentiu-se obrigado a relacionar os movimentos do céu e seus ciclos aos eventos da natureza que o envolvia, e dos quais dependia. A Astronomia-Astrologia, portanto, não nasceu como alguns acreditam, do imaginário de pessoas crédulas e despreparadas cientificamente, e sim de pesquisadores que se ocupavam em criar calendários e prever o clima de médio e longo prazo, colecionando observações e as comparando como demonstram os cuneiformes mesopotâmios.


Com isto, o aperfeiçoamento dos cálculos tornou-se necessário em função da precisão que se desejava obter nos processos preditivos de sobrevivência agrícola, cuja importância capital na época, superava o simples deleite intelectual matemático-mecânico. Para o corpo, o cérebro é o segundo órgão mais adorado depois do estômago.


Por outro lado, o zodíaco nada mais é que um rico diagrama de mutações ambientais dotado da capacidade de contar várias histórias com as mesmas imagens em sequencia. Uma espécie de holograma filosófico ou para simplificar um calendário dos movimentos de vida. A Astronomia e a Astrologia trilharam caminhos comuns durante aproximadamente  7.300 anos de História desde os Sumérios ao advento das chamadas novas ciências. Aristóteles, Ptolomeu de Alexandria, Kepler, Tycho Brahe, são grandes exemplos de idealizadores de mecânicas para o universo que se ocupavam da arte de prever o futuro através de uma ciência que estuda a relação do orgânico com o inorgânico, chamada Astrologia.


Como o pensamento humano resolveu separar o mundo em dois universos, o orgânico e o inorgânico, ou seja os fenômenos de vida dos fenômenos físicos no século XVII, o termo “Astronomia” precisou ser cunhado para designar a ciência que se ocupava dos movimentos e dos estudos dos astros em si, não procurando focar-se em um possível diálogo com o meio ambiente no qual estamos imersos.


A grande realidade, é que a Astronomia se desenvolveu muito a partir deste divórcio, e em seu caminho solitário, ajudou em muito a difícil tarefa de calcular efemérides e posições astronômicas. A Astronomia precisava de um tempo.


As brilhantes descobertas de Urano, Netuno e o pequeno Plutão, foram capitais para uma reformulação complexa que se estabeleceu na Astrologia nos séculos XVIII, XIX, e XX. Sem dúvida, Astrólogos devem muito à Astronomia e não faz sentido algum voltar às costas a ela. Astrólogos devem utilizar-se de informações astronômicas, procurando sempre se atualizar, se não desejam cometer o mesmo erro às avessas: o esquecimento da realidade do movimento.


O contrário também é verdadeiro. Se não fossem as necessidades de adaptação ao meio, e o advento da Astrologia, nenhuma hipótese sobre movimentos de corpos celestes existiria. A gravidade poderia ser uma grande desconhecida.


Hora ou outra, vê-se, trocas de farpas entre Astrônomos e Astrólogos, como um casal em crise. Qual seria a gênese deste abismo cultural criado por ambos?


A grande realidade é que se muitos Astrônomos desconhecem os fundamentos da Astrologia, o contrário também é verdadeiro. Existem muitos Astrólogos usando planetas hipotéticos, e outros inventado movimentos não encontrados na natureza. Astrólogos muitas vezes odeiam cálculos e fundamentos, e adoram falar mais de psicologia.


Para um diálogo e respeito mútuo, se tornam necessários dois movimentos básicos: Astrônomos começarem a entender os fundamentos da Astrologia, e os Astrólogos estudarem melhor as questões Astronômicas com as quais a Astrologia lida.


O Zodíaco


É de fundamental importância que se entenda o que seja o zodíaco. Astrônomos acreditam que o zodíaco tem seu fundamento  nas constelações. Para eles esta palavra “zodíaco” refere-se a agrupamentos de estrelas do ponto de vista aparente. Com isto acreditam que os astrólogos estão a calcular  posições equivocadamente com um signo de erro. A confusão torna-se maior, quando um astrólogo menos instruído ainda tenta explicar assim: “O zodíaco é uma jornada simbólica de transformações arquetípicas e transpessoais que serve para ajudar o homem a transmutar-se”. Isto poderia ser dito de outra maneira.


Pode-se dizer assim: O zodíaco é pilotado sobre a Eclíptica (Caminho aparente do Sol na Esfera Celeste) a partir do ponto vernal (ponto formado pela Interseção entre os planos da Eclíptica e o Equador Celeste quando o Sol se desloca do hemisfério Sul Celeste para o Norte Celeste), independente de onde esteja este ponto orientado no espaço. Á partir deste ponto e não de nenhuma constelação, divide-se esta trajetória em  12 setores iguais de 30 graus cada. Portanto, não se deve confundir “Constelações” com “signos Astrológicos”. O zodíaco astrológico encontra seu fundamento no sistema eclíptico de referências astronômicas ensinado em qualquer livro básico de Astronomia Esférica.


Esta definição está na bíblia dos astrólogos o “Tetrabiblos” do também Astrônomo Cláudio Ptolomeu (séc. II d.c.). Portanto, nenhum signo mudou. Tudo nasce de uma tremenda confusão semântica.


É como confundir, “Carlos Magno” com “Alberto Magno”. Se astrônomos precisam entender esta confusão por um lado, os Astrólogos tem por obrigação entenderem os fundamentos do que estudam. É como ser um cozinheiro italiano, e não saber de que é feito o Macarrão.


Ascendente


Um ponto muito falado mais pouco conhecido.


A mesma confusão acaba acontecendo. Astrônomos querem entender o que é isto afinal. Existem dois sistemas de coordenadas astronômicas, um o Horizontal e outro o eclíptico. Quando eles se relacionam se movimentando um sobre o outro, a eclíptica (onde está o zodíaco) toca a esfera local em muitos pontos. O do lado leste refere-se à ascensão dos objetos celestes e daí o termo “ascendente”. Ele seria a interseção do plano da eclíptica com o horizonte astronômico do lado do leste. Para a Astrologia é de fundamental importância entender-se isto, pois como a eclíptica se projeta muitas vezes em ângulos inclinados, um determinado signo ascendente irá ser mais comum no ascendente que outros para determinadas latitudes por exemplo. Isto poderá afetar cálculos estatísticos por exemplo.


Meio do Céu


O Meio do céu em astronomia é o “Zenith” ou seja o polo do sistema horizontal de referências. Grosso modo, um ponto imediatamente sobre a cabeça do observador. Em Astrologia o mesmo nome é entendido como “A interseção da eclíptica com o plano do meridiano diurno” (acima do horizonte). São dois pontos distintos, mas com significados parecidos que podem ser confundidos.


Trânsitos


Nunca se refira a um Astrônomo com a palavra “Trânsitos” sem explicar o que você quer dizer com isto. Para a Astronomia , trânsito significa “Passagem de um astro de dimensão menor aparente sobre outro astro de dimensão maior aparente”. Por exemplo, Mercúrio passando sobre o disco solar. Outro significado para transito na Astronomia seria a passagem de um astro pelo meridiano. Para um astrólogo, trânsitos são comparações entre posições astronômicas de um determinado dia, com as posições dos astros para um determinado mapa a estudar. Veja a confusão se um astrólogo interpreta um mapa de um Astrônomo ou ele lê em um artigo que diga: “Urano está transitando sobre seu Sol em Touro”. Isto é impossível para a Astronomia, pois para que um astro passe sobre o disco solar do ponto de vista da terra, ele terá de ter órbita inferior a órbita da Terra, que não é o caso de Urano. Portanto, ele irá achar que Astrólogos falam absurdos astronômicos. Uma questão de terminologia apenas.


A Gramática sempre fez parte das artes Universitárias do Trivium Medieval. Ela existe para ajudar a ciência, mas às vezes ela é exatamente o motivo de terríveis litígios. Astrólogos tem por obrigação estudar o mínimo possível de Astronomia para entender o que estão fazendo e possuir senso crítico para o que leem. Uma vez que se conhece o fato de que Vênus retrograda apenas 8% do tempo, é natural que em cada 100 pessoas só aproximadamente 8 delas o tenham retrógrado. Não se pode culpar a retrogradação de Vênus pelas pessoas serem infelizes em termos afetivos, pois se assim o fosse, enxergaríamos uma quantidade ínfima de clientes com problemas afetivos.


Por outro lado, julgar o que não se conhece é no mínimo insensato. Astrônomos não são más pessoas e sim pessoas que querem como nós, entender o mundo que nos cerca. Eles querem explicações, que de preferência consigam entender. Se eles tem medo de descobrir que estavam equivocados em julgar alguns pontos técnicos da Astrologia, ai já há um problema para psicanalistas e nada se poderá fazer.


Estas duas ciências podem conviver pacificamente. Como diz Cláudio Ptolomeu, “A Astronomia estuda a Anatomia do Universo e a Astrologia tenta descrever sua fisiologia”, como um ser vivo na concepção de Ervin Laszlo.


Diferenças à parte, ambas se bem praticadas, elevam o nível de entendimento deste tão vasto lugar chamado Universo, mesmo que por vezes o nariz das ciências gêmeas ponha tudo a perder.