terça-feira, 2 de maio de 2023

A Divina Astrologia


Dante Alighieri e a Divina Astrologia


O maior poeta medieval, Dante Alighieri nasceu em Florença (Itália) em 1265 d.c. em meio um fervilhar político e cultural de proporções ainda não totalmente entendidas pelos historiadores. Aquela foi a época de grandes amores e grandes ódios, onde a fé exaltada e a compaixão cristã conviviam com os gênios em profusão. Tal espírito de coisas influenciou profundamente o pensar de Dante. Seu interesse pelo estado das coisas logo se manifestara, em seu interesse pelo direito. Dante ocupou importantes cargos públicos em Florença. Era um homem do governo. Tornou-se Bacharel pela Universidade de Paris, tornando-se posteriormente chefe da embaixada Romana. Como político, foi muito perseguido. Sua destituição em 1302,  tornou-se  um pesadelo para ele. Foi perseguido por toda e Europa, percorrendo Itália e França finalmente se refugiando em Ravena. Foi perdoado e  novamente condenado, bem ao estilo do período medieval, onde as contradições absurdas tiveram sua morada.


Dante foi discípulo do poeta italiano Bruneto Latini que lhe ensinou os primeiros passos da arte dos versos. Entre seus vários trabalhos poéticos destaca-se “A Comédia” que narra a viajem do poeta tendo como itinerário o inferno, o purgatório, e finalmente seu repouso no céu. Esta grandiosa obra posteriormente chamada de “Divina Comédia” por Bocaccio em 1555, devido ao seu aspecto de “maravilhosa obra prima” (Divino! no sentido poético e não religioso), reúne o divino e o profano, o trivial e o sagrado, o amor e a paixão.


Sua estrutura contém em aproximadamente 4.700 versos para cada degrau (Inferno-Purgatório-Céu) totalizando-se a grandiosa soma de 14.233 versos.


Muitas versões surgiram então sobre o significado desta obra. Uns a julgam uma obra de puro esoterismo, afirmando que Dante realmente fizera tal viajem insólita pelos degraus do universo espiritual. Existem pelo menos quatro aspectos básicos de sua construção: o histórico, o moral, o filosófico e o místico.


Para sua viagem, Dante convida três personagens de seu imaginário: o poeta Virgílio, (Inferno e Purgatório) Beatriz, seu grande amor platônico (Céu) e São Bernardo (Empirium – Deus). A trajetória prevê nove círculos infernais e um anti-inferno, sete purgatórios, dois antipurgatórios e o paraíso terrestre, culminando nos sete céus planetários, a esfera das estrelas, o primum móbile e o empíreo.


Sua partida: a Quinta feira da semana santa de 1300 d.c..


Sua narrativa é curiosa, assustadora, e acima de tudo singular. Dante mistura-se a um complexo conjunto de sentimentos, impressões, crenças e conhecimento cultural para desenvolver seu edifício literário. O primeiro conceito nitidamente observável é a concepção geocêntrico-astronômico de Cláudio Ptolomeu de Alexandria.  As disposições Astronômicas são exatamente aquelas encontradas no Tetrabiblos e Almagesto do mesmo Cláudio Ptolomeu.


Outro aspecto fundamental em sua narrativa é a “Teoria da Imortalidade” de Platão, que supunha a viajem da alma humana após sua morte, aos céus específicos de onde vieram (para cada planeta). Assim, se uma pessoa era amável e gentil, de certo descera de Vênus e daí, se conservasse estas virtudes, poderia ser tragada pelas forças divinas e elevada aos céus para sua eterna morada. No período medieval, estes conceitos foram reinterpretados: As pessoas do povo iriam para a Lua (onde morava também nossa senhora), os intelectuais para Mercúrio, os artistas sacros e as virgens à Vênus. O Sol destinado a ser a imagem do Cristo, e a casa dos teólogos, Marte aos mártires que faleceram nas cruzadas em nome da Igreja, em Júpiter os Políticos que legislaram de acordo com a lei de Deus (Igreja) e em Saturno os desapegados dos bens materiais e sábios.


Esta corrupção do modelo metafísico de Platão tornou o céu um lugar negociável, onde o jogo das conveniências era muito natural. Encontraremos Dante narrando várias vezes de seu imaginário, ícones distorcidos pela percepção religiosa de seu tempo.


Quanto a Beatriz sua musa inspiradora, não se sabe muito. Na realidade Dante a conhecera já desposada por outro homem, e sua paixão platônica por ela o perseguiu por toda vida. Muitas  vezes, grandes paixões são marcadas pela dor. Beatriz morrera em tenra idade, deixando o poeta  profundamente deprimido. Dante chega a casar-se, mas jamais escrevera se quer um verso para sua mulher, tornando-se conhecido como o maior adúltero literário da História da poesia.


Para ter-se uma ideia dos sentimentos de Dante por Beatriz, ele a cita 64 vezes na Divina Comédia, sendo o Cristo citado apenas 40. Beatriz só perde para Deus, muito provavelmente invocado quando em sua estadia no inferno.


Dante não esconde em seus versos sua opinião sobre as coisas. De posse das chaves do universo, Dante brinca de Deus, e coloca no inferno todos aqueles que odiara e que o perseguiram durante a vida. Lá estavam também todos os que eram convenientes ao pensar teológico. Desta maneira, Dante se vinga de todos aqueles com os quais lutara em vida, glorifica todos os seus amigos e amores, os elevando às alturas celestiais.


De forma geral, o espírito de contradição irá aparecer, destacando-se nesta narrativa o fato dos astrólogos aparecerem no inferno, mas a Astrologia no céu.


Inferno


Partindo-se do mais profundo inferno Dantesco, teremos os seguintes patamares por ordem de distancia das divinas potestades espirituais. Assim, quanto mais baixo o número, mais longe de Deus estavam as almas, e obscuros e tenebrosos eram os lugares.


Eis os dez infernos.


1. Local onde morava o demônio.

2. Traidores da família, da pátria, dos amigos e benfeitores.

3. Malebolge: sedutores, aduladores, vendedores das coisas santas, fraudulentos, hipócritas, ladrões, mau conselheiros, fundadores de seitas, falsários e os astrólogos.

4. Violentos: com os outros, com si mesmos (suicidas) e com Deus.

5. Hereges e incrédulos.

6. Os irados.

7. Os avarentos.

8. Os gulosos.

9. Os sensuais.

10. O anti-inferno: Almas nem aceitas por Deus nem pelo demônio. Os não batizados.


De acordo com a teologia da época, os sábios do passado estavam confinados aos últimos degraus. Dante e Virgílio encontram ali, nada menos que: Platão, Sócrates, Anaxágoras, Tales, Empédocles, Euclides o geômetra, Ptolomeu de Alexandria, Hipócrates (pai da medicina). A lista é grande. Apesar de Dante utilizar-se da cosmologia de Ptolomeu para o plano poético, o catolicismo do poeta não poderia colocar um astrólogo em outro lugar menos infeliz.


Encontra-se também no canto XX do Inferno, o astrólogo Guido Bonatus (1235 – 1300? d.c.) astrólogo de Forli, responsável por muitos atos do conde de  Montefeltro, com os quais Dante se desentendera em vida. Também ali no infernal Malebolge, Michael Scott (1175?- 1232?) o astrólogo escocês da corte de Frederico II da Sicília.


Outro peculiar aspecto de suas paragens no inferno é o fato de encontrar seu mestre: Bruneto Latini. Dante zomba de sua condição aflitiva entre as inúmeras almas que venderam a sagrada arte da poesia pelo dinheiro, e não pelo sacrum oficium, cobrando assim cada vintém gasto em suas aulas.


Purgatório


O purgatorium era o lugar de limpeza das almas. Nesta lavanderia sideral, passava-se pelos mesmos planos de níveis inferiores (mais densos, escuros, e pecaminosos) aos sutis estados da alma.


11. Os excomungados pela Igreja.

12. Negligentes.

13. Purificantes da Soberba.

14. Purificantes da Inveja.

15. Purificantes da Cólera.

16. Purificantes da Preguiça.

17. Purificantes da Avareza.

18. Purificantes da Gula.

19. Purificantes da Luxúria.

20. Paraíso terrestre.


Neste já distante mundo das meras atividades humanas, purgavam-se as almas que por piedade de Deus ali se recuperavam dos deslizes mundanos.


Dante vê o cruzeiro do sul ao sair do inferno às portas do mundo intermediário e o descreve em rodopios dados pela esfera celeste. Cita o ponto vernal, (zero graus de Áries do zodíaco trópico) discute a liberdade humana e as interferências cósmicas, fala do Touro que domina o meridiano, enquanto o Escorpião se encontra no Nadir, deixando uma pista de seu conhecimento astronômico-Astrológico.


Ao final de sua jornada, nosso viajante se despede de Virgílio, e é salvo por Beatriz que o recebe no primeiro céu.


O Céu


O céu segundo Platão não era feito de matéria, e sim de uma substancia sutil chamada de éter. Esta concepção começa a ser demolida na trilogia científica de Copérnico-Kepler-Galileo.


No céu, portanto, movimentavam-se astros feitos de éter e luz. Daí talvez a gênese do termo “espírito de luz” associado a “céu”.


Para os estudos históricos de Astrologia este é o mais interessante de toda a obra. Dante irá descrever céu a céu de acordo com as características astrológicas, ou seja, dos efeitos observados pelos antigos Caldeus, e teorizados por Platão em sua teoria de imortalidade o efeito astrológico mesmo que distorcido.


21. Esfera da Lua: Almas do povo. Almas ainda apegadas ao mundo, mas boas.  Ali se encontra Maria de Nazareth. As mães do mundo encontravam ali sua morada  divina. A iconografia das virgens sempre sobre a lua (comum nas imagens de santas) e com vestes azuis com adornos estrelados são alusões e esta metafísica cristã.


22. Esfera de Mercúrio: É ali que Dante se instrui sobre os efeitos dos astros.


Nesta morada, permaneciam as almas boas, mas que em troca de algo praticaram boas ações. Estes mercenários siderais também usaram suas inteligências para fazer progredir as ciências, mas tornaram-se orgulhosos de seu saber.


“ Os céus continuamente giram, e enviam influxos aos mortais, sem cuidar de  qual a casa em que venha baixar esta ou aquela essência.”


“Os filhos resultariam sempre iguais aos seus genitores não fora mais forte que aqueles o influxo celestial. Creio agora estar claro para ti o que antes permanecia Obscuro”.


“Nota como deste ponto parte a linha oblíqua (eclíptica) – o zodíaco – que contém os planetas e se alonga , comprimindo neste ponto os reclamos do mundo, que reclama benefícios dos astros”.


“Se os mandatários do mundo indagassem a cada criatura qual a sua natural inclinação (segundo os astros), encontrar-se-iam sempre artesãos afeitos ao seu ofício”¹.


1 ACONSELHA-SE A TRADUÇÃO DO SIGNIFICADO E NÃO A TRADUÇÃO POÉTICA DA OBRA DE DANTE ALIGHIERI.

Percebe-se nitidamente por seus versos, que Dante conheceu a Astrologia e seu significado.


As falas são muitas e impossíveis de serem descritas neste texto. Porem, a inclusão da Astrologia nas divinas artes é aqui exposta de forma inequívoca. Astrologia na visão de Dante é divina, mas os Astrólogos devem arder no sinistro Malebolge. Seu razoável bom senso astrológico pressupõe uma formação grega clássica, além de tornar-se um precursor da astrologia vocacional e das políticas de reengenharia.


23. Esfera de Vênus: Almas dos que muito amaram. Os que amaram em Cristo. As virgens e as prostitutas redimidas.


Nesta esfera Dante encontra Cunizza um trovador e amigo, e Raab a prostituta redimida de Jericó.


24. Esfera do Sol: As potestades, os sábios teólogos, imagem refletida de Cristo.


Alberto Magno, São Thomas (defensor da Astrologia como meio de entender a Deus) ali estão. É o lugar dos patriarcas e fundadores das leis de Deus. O mais sacro dos lugares sob o primum móbile.


Torna-se completa aqui, a segunda principal icnografia celeste teológica cristã: Cristo o Sol. A personificação do Cristo no “Sunday” ou na vitória do “Solis Invictus” em 25 de Dezembro. Esta personificação é comum em catedrais góticas.


25. Esfera de Marte: Almas de elevada virtude e caráter. Militantes da fé.


Encontram-se aqui, os cristão que morreram nas cruzadas em nome da igreja.


A coragem de defender a Deus derramando o sangue se necessário, aqui é exultada. Dante encontra inúmeras famílias de nobres que se aniquilaram nas “Guerras Santas”.


26. Esfera de Júpiter: Gozam ali os espíritos dos justos. Os que souberam legislar com sabedoria e em nome de Deus. Príncipes que legislaram com dignidade.


Aqui Dante exulta os políticos que acreditara, mesmo que muitas vezes em causa própria. Júpiter é citado várias vezes para exemplificar seus efeitos sobre as virtudes e éticas humanas.


27. Esfera de Saturno: Céu dos espíritos contemplativos e donos dos tronos do mundo. É o céu dos obedientes, dos sábios pela idade, e os desapegados dos bens do mundo.


28. Esfera das Estrelas: As mais puras deidades. A visão maior de Cristo. As almas imortais. Espíritos que nunca desceram a Terra.


29. Primum Móbile: A Primeira esfera em poder. A mais importante em termos de influxo. Comandada diretamente por Deus.


30. Empíreo: A visão de Deus.


Seria impossível descrever este tratado em poucas linhas, da mesma forma que solicitar a imparcialidade de Alighieri. Dante foi-se. Deixou seus versos, seu desprezo pelo mundo, sua frustração sem Beatriz, seu ódio e ausência de perdão para com seus detratores. A Astrologia é divina em sua concepção. Se astrólogos irão arder ou não no inferno não sabemos. Em meu caso, pagarei a pena com satisfação. Conhecê-la, é entender um pouco mais deste tão misterioso lugar chamado universo.


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