terça-feira, 13 de março de 2018

Adolescência: Começo da Magia


O Nascimento de
FRATER PERDURABO.
0○ = 0□ a 4○ = 7□

Tendo obtido sua liberdade, ele foi bastante sensato para não perder tempo em gozá-la. Durante os anos de sua infância e adolescência fora privado de toda a literatura inglesa, com exceção da Bíblia; e assim empregou seus três anos em Cambridge na reparação deste defeito. Estava também se preparando para o Serviço Diplomático, pois o falecido Lord Salisbury e o falecido Lord Ritchie haviam se interessado pela carreira dele, e lhe prometido nomeações. Em outubro de 1897 sua percepção dos males da assim chamada “religião” vigente foi-lhe bruscamente relembrada, e ele experimentou um trance em que percebeu a completa tolice de toda ambição humana. A fama de um embaixador raramente dura mais de um século. A de um poeta é quase tão efêmera. A terra mesma deve algum dia perecer. Ele tinha, portanto, que construir usando algum material mais permanente. Esta percepção o impeliu ao estudo da Alquimia e da Magia. Escreveu ao ator de O Livro da Magia Negra e dos Pactos, um americano pomposo chamado Arthur Waite, notório pelas afetações e obscuridades do seu estilo, e pelo sentimentalismo confuso do seu misticismo. Mr. Waite recomendou ao seu correspondente que lesse um livro chamado A Nuvem sobre o Santuário.
Seu gosto pelo alpinismo se tornara uma poderosa paixão, e ele estava escalando na Cumberlândia quando conheceu Oscar Eckenstein, talvez o maior alpinista de seu tempo, com o qual ele estava destinado a praticar escaladas até 1902 e.v.

No verão, um grupo foi formado para acampar na Geleira Schömbul, ao pé do Dent Blanche, como treino para uma planejada futura expedição ao Himalaia. Durante as semanas na geleira, onde o mau tempo era contínuo, estudou assiduamente a tradução, por S. L. Mathers, de três livros que formam parte da Kabbalah Denudata de von Rosenroth. Em uma de suas descidas a Zermatt, encontrou um farmacêutico ilustre, Julian L. Baker, que estudara Alquimia. Perseguiu esta pista através do vale, e fez Baker prometer que se encontraria com ele em Londres no fim da estação, e o apresentaria a outras pessoas interessadas em ocultismo. Isto ocorreu em setembro; através de Baker, entrou em contato com outro farmacêutico, chamado George Cecil Jones, que o apresentou à Ordem Hermética da Aurora Dourada. Progrediu rapidamente nesta Ordem, e na primavera de 1900 e.v. era o seu chefe na Inglaterra . Os detalhes deste período devem ser estudados em O Templo do Rei Salomão, onde se encontra uma descrição circunstanciada da Ordem. Nesta Ordem conheceu um certo Allan Bennett, Frater Iehi Aour. Jones e Bennett eram ambos verdadeiros Adeptos de alto grau . Bennett veio viver com ele em seu apartamento, e juntos executaram muitas operações de magia cerimonial. Allan Bennett sofria de asma, e transferiu-se para o clima mais clemente do Ceilão no fim de 1899 e.v. Foi ao ingressar nesta Ordem que nosso biografado assumiu o moto de “Perdurabo” – “perdurarei até o fim”.

Em julho de 1900 e.v. foi para o México, e lá dedicou seu tempo inteiramente a uma prática contínua de Magia, no que obteve extraordinário sucesso.

E então Oscar Eckenstein, ao chegar ao México, onde ia praticar escaladas com o biografado, encontrou-o num estado de grande desalento. O rapaz alcançara os resultados mais satisfatórios. Era capaz de se comunicar com as forças divinas, e operações como a invisibilidade e a evocação haviam sido dominadas. No entanto, com tudo isto sentia certo dissabor. O sucesso não lhe dera tudo o que esperara. Expôs a situação a seu companheiro, mais para aclarar sua própria mente do que esperando qualquer auxílio, pois suponha ser Eckenstein totalmente ignorante destes assuntos, aos quais habitualmente tratava com desagrado e desprezo. Imagine-se sua surpresa, então, ao descobrir nesta pessoa pouco promissora um mensageiro da Grande Fraternidade Branca! Seu companheiro lhe disse que abandonasse todo trabalho mágico.

“A Tarefa”, disse Eckeinstein, “necessita do controle da mente. Tua mente divaga demais”.

Isto foi indignamente negado.

“Experimenta”, disse o Mestre.

Um curto experimento foi conclusivo. Era impossível ao rapaz manter sua mente fixa em qualquer objeto único, mesmo durante alguns segundos. A mente, se bem que perfeitamente estável em movimento, era incapaz de descansar; tal como um giroscópio cai quando para de girar. Um curso inteiramente novo de exercícios foi, portanto, encetado. Meia hora de manhã e pela noite foi dedicada às tentativas de controlar a mente pelo simples processo de imaginar um objeto bem familiar, e tentar permanecer concentrado sobre este.

Logo se tornou suficientemente perito nesta prática inicial para passar à concentração em objetos em movimento regular, como um pêndulo, e finalmente à concentração de objetos vivos. Outra série de experimentos lidou com outros sentidos. Ele tentou imaginar e reter o gosto de chocolate ou de quinino, o cheiro de diversos perfumes que lhe eram familiares, o som de sinos, de quedas d’água, etc., e o toque de substâncias como o veludo, a seda, peles, areia e aço.
Na primavera de 1901 e.v. ele partiu do México para San Francisco, daí para Honolulu, Japão, China e Ceilão, sempre continuando seus novos exercícios. Seu Mestre não lhe disse aonde estas práticas o levariam por fim. No Ceilão ele encontrou Frater I.A. (Allan Bennett), com quem foi para Kandy, onde alugou um bangalô chamado Marlborough, com vista para o lago.

I.A. estivera se desenvolvendo em linhas similares sob a orientação de P. Ramanathan, o Solicitador-geral do Ceilão, conhecido dos ocultistas sob o nome de Shri Parananda. I.A. disse ao jovem que, a fim de se concentrar, ele primeiro deveria assegurar que nenhuma interrupção lhe atingisse a mente vinda do corpo, e aconselhou a adoção de Asana, uma posição única do corpo, em que todo movimento externo deve ser suprimido. Além disto, ele deveria praticar Pranayama, ou controle do alento, que tem um efeito análogo, reduzindo ao mínimo possível os movimentos internos do corpo.

Durante os meses de estadia em Kandy ele praticou tudo isto. Obteve sucesso em Asana: a dor intensa nas práticas foi conquistada, e mudada em um senso de conforto e bem-estar físico indescritíveis.

Em Pranayama, ele passou pelo primeiro estágio, que é caracterizado por uma profusa transpiração de um tipo peculiar; pelo segundo, que é acompanhado de rigidez corporal; e pelo terceiro, em que o corpo inconscientemente saltita pelo chão, sem de forma alguma perturbar o Asana.

Entre fins de agosto e meados de setembro, tornou suas práticas contínuas dia e noite, a fim de produzir na mente ritmo semelhante àquele que Pranayama produz no corpo. Adotou um Mantra, ou sentença sagrada, o qual por constante repetição se tornou automático em seu cérebro, de maneira que perdurava durante o sono, e ele já acordava repetindo mentalmente as palavras. O próprio sono também foi dividido em curtos períodos de um sono muito leve, de tipo peculiar, em que a consciência quase não é perdida, se bem que o corpo obtém perfeito descanso. Estas práticas continuaram assim até outubro, e no princípio deste mês atingiu o estado de Dhyana, uma tremenda experiência espiritual, em que o sujeito e o objeto da meditação se unem com extrema violência, brilho ofuscante, e música tal que a harmonia terrena não oferece qualquer paralelo.

Isto, porém, causou uma satisfação tão intensa com seu progresso que ele parou de trabalhar. Ele então visitou Anuradhapura e outras das cidades soterradas do Ceilão. Em novembro ele viajou para a Índia, e em janeiro visitou I.A. em Akyab, Burma, onde o Adepto estava vivendo em um mosteiro, com a intenção de se preparar para assumir o Robe Amarelo do Sangha Budista. O verão de 1902 e.v. inteiro foi dedicado à planejada expedição a Chogo-Ri no Himalaia. Durante esta expedição ele não executou quase nenhum trabalho oculto.

Novembro de 1902 e.v. encontrou-o em Paris, onde ele permaneceu quase constantemente até a primavera de 1903 e.v., quando regressou a sua casa na Escócia.

Devemos agora retroceder no passado, para tomarmos um fio que ocorrera através de todo o seu trabalho; um fio tão importante que exige um capítulo à parte: ‒No outono de 1898 e.v. George Cecil Jones chamara a atenção de Frater Perdurabo para um livro intitulado O Livro da Magia Sagrada de Abramelin o Mago. A essência deste livro resume-se no que se segue:

O aspirante deve possuir uma casa livre de espionagem ou interferência. Nesta deve haver um oratório, com uma janela para o Oriente e uma porta ao Norte abrindo para um terraço, do outro lado do qual deve haver um quiosque ou cabana. O aspirante deve possuir um Robe, uma Coroa, uma Baqueta, um Altar, Incenso, Óleo de Unção, e uma Lâmina de Prata. O terraço e o quiosque ou cabana devem ter pavimento coberto de areia fina. O aspirante gradualmente se retira do contato humano, para se dedicar mais e mais à oração durante o espaço de quatro meses. Deve então passar os dois meses seguintes em oração quase contínua, falando o mínimo possível com quem quer que seja. Ao fim deste período, invoca um ente descrito como o Sagrado Anjo Guardião, que lhe aparece (ou a uma criança que ele emprega), e que escreve em orvalho sobre a Lâmina, que é colocada sobre o Altar.

O Oratório se enche de um Divino Perfume sem intervenção por parte do aspirante.

Após um período de comunhão com o Anjo, o aspirante evoca os Quatro Grandes Príncipes do Mundo Demoníaco, e os força a jurarem obediência.

No dia seguinte ele chama e subjuga os Oito Sub-Príncipes; e no dia após, os muitos Espíritos que servem a estes Sub-Príncipes. Estes Dæmons inferiores, dos quais quatro agem como espíritos familiares, então operam uma coleção de talismãs para diversos propósitos. Tal é um breve relato da Operação descrita no livro.

Esta Operação atraiu fortemente o nosso estudante. Imediatamente começou a procurar uma casa apropriada, e arranjar todo o necessário para a operação. Tudo estava preparado para começar no princípio da Páscoa de 1900 e.v. (deve ser mencionado que só o trabalho preliminar é tão vasto que uma longa história poderia ser escrita quanto aos acontecimentos desses 18 meses de preparação). A Operação mesma nunca foi encetada. Duas semanas, mais ou menos, antes da data estabelecida para seu início, ele recebeu um urgente apelo de seu Mestre para que o salvasse, e à Ordem, da destruição. Nosso biografado abandonou seus prospectos de avanço pessoal sem hesitação, e foi às pressas para Paris.

Que o Mestre provou não ser Mestre, e a Ordem nenhuma Ordem, mas a encarnação da Desordem, não influenciou o bom Carma gerado por esta renúncia a um projeto ao qual ele aspirara por tanto tempo.

No México, permaneceu em vigília durante várias noites no Templo da Ordem da Lâmpada da Luz Invisível, uma Ordem cujo Alto Sacerdote está jurado a manter uma Lâmpada Secreta e Eterna sempre acesa. Neste sacrário recebeu um prenúncio da Visão do Sagrado Anjo Guardião, e daquela dos Quatro Grandes Príncipes; ali, também, ele renovou o Juramento da Operação.

(A sua carreira mágica inteira é melhor interpretada como a execução desta Operação. Não devemos supor que a Iniciação seja formal, seguindo as “unidades” do drama grego, como a iniciação maçônica, por exemplo. A vida inteira do Iniciando está envolvida no processo, que impregna a personalidade inteira; o título oficial da consecução é apenas um sinal daquilo que ocorreu.)

Ao retornar à Escócia em 1903 e.v. ele encontrou em sua casa ampla evidência da presença das forças da Operação; mas agora, tendo concebido a Obra de uma maneira mais sutil, e decidido a executá-la no Templo de seu próprio corpo, tendo encarado a Magia, em suma, mais ou menos como ela é encarada nas Partes II e III deste Livro Quatro, ele estava habilitado a descartar as condições materiais externas desta Operação.

Nós devemos agora passar por alto em alguns anos, e tratar do acabamento da Operação, se bem que isto é, num senso, irrelevante ao propósito deste Livro.

Durante o inverno de 1905-6 ele estava viajando através da China. Chegara à fase de conquista da mente, e a sua própria desmoronara. Viu que a mente humana é por natureza evanescente, porque sua natureza não é unidade, e sim dualidade. A verdade é relativa. Todas as coisas terminam em mistério. Em tais frases os filósofos do passado formularam esta proposição, anunciando a bancarrota intelectual que ele, com maior franqueza, descreve como insanidade.

Passando por isto, tornou-se ele como uma criancinha, e alcançando a Unidade além da mente descobriu o propósito de sua vida formulado nestas palavras: A Obtenção do Conhecimento e Conversação do Sagrado Anjo Guardião.

Percebeu-se então, tendo destruído todo outro Carma, perfeitamente livre para encetar este trabalho único. Realizou, pois, os seis meses de Invocação prescritos no Livro da Magia Sagrada, e foi recompensado em outubro de 1906 e.v. por um completo sucesso.

Ele passou a seguir à evocação e conquista dos Quatro Grandes Príncipes e dos Inferiores destes, um trabalho cujos resultados devem ser estudados à luz de sua carreira subsequente.

Terminamos agora de dizer todo o necessário sobre ele, pois o relato de algumas de suas Consecuções seguintes é dado por completo em Liber CDXVIII, “A Visão e a Voz”. Também no Equinox, Vol. I, no 10, “O Templo do Rei Salomão”, onde os resultados inesperados da Comunhão do Sagrado Anjo Guardião estão descritos por uma simbologia que mal poderá ser compreendida sem referência aos acontecimentos do ano de 1904 e.v., que são agora completamente pertinentes a este Ensaio.

Os Resultados da Recessão

O mais sábio dos papas, ao lhe serem mostrados alguns milagres, recusou-se a se impressionar, dizendo não crer neles, por haver visto demasiados. O resultado das práticas de Meditação e seus efeitos, e, a seguir, daqueles da Magia, deu ao nosso estudante uma concepção puramente mental do Universo. Tudo era um fenômeno na mente. Ele não percebera ainda que esta concepção é autodestrutiva; mas ela o tornou cético, e indiferente a qualquer acontecimento. Você não pode se impressionar de verdade com qualquer coisa que saiba não ser mais que seus próprios pensamentos. Qualquer ocorrência pode ser interpretada como um pensamento, ou como uma relação entre dois pensamentos. Na prática, isto leva a uma profunda indiferença, pois os milagres já se tornaram rotina. Mas qual não seria o espanto do padre que, colocando a hóstia sobre a língua, sentisse sua boca cheia de carne sangrenta! Neste momento em que escrevemos, é-nos evidente o propósito para o qual nosso estudante fora conduzido a este estado de alma. Não era ao Magista, nem ao Místico: era a um Membro Militante da Associação da Imprensa Racionalista que a grande revelação seria feita. Era necessário provar-lhe que há na realidade um Santuário, que existe realmente um Corpo de Adeptos. Não importa se estes Adeptos estão encarnados ou desencarnados, se são humanos ou divinos. Importa é que haja Seres conscientes, possuidores dos mais profundos segredos da Natureza, dedicados a elevar a humanidade; cheios de Verdade, Sabedoria e Compreensão. É inútil provar a existência de indivíduos cujo conhecimento e poder, se bem que incompletos (pois a natureza de Conhecimento e Poder é tal que eles nunca podem ser completos – mesmo a ideia de Conhecimento e Poder, em si, inclui imperfeições), são no entanto enormemente mais desenvolvidos do que tudo que o resto da humanidade conhece.

Era a respeito de tal corpo de Adeptos que nosso estudante lera em “A Nuvem Sobre o Santuário”; a admissão a esse corpo fora a esperança que lhe guiara a vida. Sua consecução prévia enfraquecera, em vez de fortalecer, sua crença na existência de tal organização. Não havia ainda ponderado os eventos de sua vida, não adivinhara ainda a serena direção e o firme propósito velados sob o curso aparentemente errático daqueles eventos. Poderia ter sido por acaso que, quando quer que alguma dificuldade se lhe confrontara, a pessoa exata instantaneamente aparecera para resolver o problema, quer nos vales da Suíça, nas montanhas do México, ou nos jangais do Oriente.

Neste período de sua vida, teria rejeitado a ideia como fantástica. Tinha ainda que aprender que a história de Balaão e seu asno profético pode ser literalmente verdadeira. Pois a grande Mensagem que lhe veio, veio não através da boca de alguma pessoa com quaisquer pretensões a conhecimento, quer oculto, quer de qualquer outro tipo: mas através da cabeça oca de uma fútil mulher da sociedade.

Notas
O nome místico de um Adepto deste grau não é divulgado sem motivo especial para isto.
Veja Equinox, “O Templo de Salomão, o Rei”, para um relato razoavelmente circunstanciado destes vários assuntos. O “Mestre” era o falecido S.L. Mathers.
Um relato parcial destes assuntos pode ser encontrado no Equinox, vol. I, no 7, e no seu próprio poema “Aha!”
N.T.: Eckenstein, que já faleceu, fora encarregado de equilibrar o treino de Crowley por atividades físicas, evitando nestas ocasiões que o jovem iniciado se preocupasse com assuntos de ocultismo. Eckenstein só se revelou a Crowley quando este chegou ao estágio em que uma intervenção direta era necessária.
Veja a Parte I deste Livro 4 para uma descrição desta prática, e uma explicação da dificuldade da tarefa, mesmo no caso de uma pessoa cujos poderes de atenção concentrada, no senso ordinário da frase, estão muito desenvolvidos.
Este é o autor de comentários sobre os Evangelhos de Mateus e João, que explica como contendo muitos dos aforismos de Yoga.
Veja Parte I deste Livro 4. Equinox vol. I, no 4 contém alguns dos relatórios de Frater Perdurabo quanto a estas práticas.
N.T.: Isto é um dos possíveis efeitos da prática intensiva.
Veja Parte I deste Livro 4, e Equinox vol. I, no 4.
N.T.: Este é o grande perigo dos trances iniciais, quer de Magia ou de Misticismo. A alegria do estudante é tanta que ele perde controle da energia acumulada, a qual se descarrega numa espécie de “curto-circuito”, após o que a consciência dele retorna ao normal, em vez de fortificar sua posição no plano mais elevado cuja “abertura”, por assim dizer, foi o Dhyana. Veja AL, II, 69-72 para os remédios contra isso.
Um relato da expedição é dado em Six mois dans l’Himalaya, pelo Dr. Jacot-Guillarmod. A versão do nosso biografado pode ser encontrada em O Espírito da Solidão (As Confissões de Aleister Crowley), vol. II.
N.T.: Os leitores observarão que nosso jovem se movimentava com a facilidade de um homem de posses. Ele herdara uma razoável fortuna de seu pai, a qual mais tarde ele despendeu totalmente em publicações da Lei de Thelema.
Este gosmento empresário, apresentado uma Ísis asmática na Ópera “Bull-Frogs”, insinuara em seu prefácio que conhecia certos santuários ocultos onde a Verdade e a Sabedoria eram ciosamente guardadas por um corpo de Iniciados, para serem concedidas apenas ao postulante que se provasse digno de partilhar dos privilégios destes.
N.T.: Nomeado pelo então chefe internacional, S.L. Mathers; mas violentamente oposto pelos outros membros, invejosos de sua promoção rápida, e rebelados contra Mathers. Veja Liber LXI, “A Lição de História”, pág. 7-22.
N.T.: O Motto de Jones como Adeptus Exemptus foi D.D.S.
Veja-se Equinox I, No 3, para um relato resumido desse período. Podemos mencionar de passagem que ele invocou certos Deuses, Deusas e Espíritos a aparição visível, aprendeu como curar doenças físicas e morais, como se tornar invisível, como obter comunicações de fontes espirituais, como controlar outras mentes, etc.

Sobre a Educação das Crianças por Aleister Crowley


Cada criança deve desenvolver a sua própria Individualidade e Vontade, desconsiderando Ideais alheios.

Na Abadia de Thelema em Céfalu os seus recursos e sua originalidade são confrontados com diversos ambientes.

Ela é confrontada com problemas tais como natação, escalada, trabalho de casa, e lhe é permitido resolvê-los do seu próprio jeito.

Seu subconsciente é impressionado pela leitura de obras primas da literatura, que se permitem infiltrar na sua mente automaticamente, sem estresse seletivo e sem exigir compreensão consciente.

Nada é ensinado, exceto Como pensar por si mesmo.

Ela é tratada como um ser responsável e independente, encorajada na autossuficiência e é respeitada na sua autoafirmação.

II

Educação é ajudar uma alma a se expressar por si mesma. Toda criança deve ser confrontada com todos os problemas possíveis e lhe deve ser permitido fixar mentalmente as suas próprias reações; deve-se fazer com que ela enfrente todas as contingências uma após a outra até que ela supere a cada uma com sucesso.

Sua mente não deve ser influenciada, somente lhe devem ser oferecidos todos os tipos de nutrição. Suas qualidades inatas a capacitarão a selecionar o alimento adequado à sua natureza.

Respeite a sua individualidade! Submeta toda a vida para sua apreciação, sem comentários.

A verdade ensina a compreensão, a liberdade desenvolve a vontade, a experiência confere desenvoltura, a independência inspira autoconfiança. Assim o sucesso será garantido.

III

Toda criança é o Deus do seu próprio Universo. A educação desenvolve o controle sobre este.

Nada deve ser ensinado exceto como controlar o seu meio ambiente. A verdade é a primeira condição; ela deve observar todos os fatos cientificamente.

Coragem, a segunda; ela deve abordar todos os fatos resolutamente.

Organização, a terceira; ela deve integrar impressões e ordem.

Deve ser permitida a ela autoridade absoluta sobre suas reações, porém a sua tendência em se iludir ou evadir realmente devem ser cauterizadas através do confronto insistente com as realidades repugnantes.

Ela deve conhecer claramente, ousar sem temor, querer integralmente e silenciar completamente.

IV

A educação prepara os indivíduos para enfrentar as circunstâncias.

Desde a infância as crianças devem encarar os fatos, não adulterados por explicações.

Que elas pensem e ajam por si mesmas; que a sua integridade inata se manifeste!

Faça-as explorar todos os mistérios da vida, superar todos os seus perigos.

Falsidade e medo são os seus únicos inimigos.

Que elas presenciem nascimento, casamento, morte; que elas ouçam poesia, filosofia, história; force o entendimento, mas não a sua expressão articulada. Faça-as enfrentar penhascos, as ondas do mar, animais, descobrindo a sua própria fórmula de conquista.

Imponha a Verdade a elas incansavelmente, tomando cuidado apenas para fazer com que seu alcance seja totalmente abrangente; deixe a seu encargo o uso dela.

V

Que as crianças se eduquem para serem elas mesmas. Aqueles que as treinam para os padrões as mutilam e deformam. Os ideais alheios impõe perversões parasitárias.

Toda criança é uma Esfinge; ninguém conhece seu segredo a não ser ela mesma; tem a presunção Ignorante de iniciar Isis?

Que a Esfinge medite sobre o seu segredo até a sua hora; pode-se ajudá-la apenas deixando-a contemplar a existência. Que ela observe todas as coisas na Terra e no Céu.

Proteja-a contra a violação; fortaleça-a com lutas sucessivas. Que ela seja onisciente, onipotente, aperfeiçoada pela sua própria Virtude para servir aos seus próprios propósitos — individual, independente, iniciada — Ela mesma!

VI

Professores Procrustianos, supondo a Si Mesmos como sendo a “Medida da Humanidade”, deformam as crianças deliberadamente através de Ideais.

Os jardineiros nunca tratam papoulas como tomates; eles nutrem cada planta conforme o seu próprio modo de ser, buscando a excelência nas suas características particulares.

Mesmo a educação elementar deve ser adaptada aos indivíduos; cada mente tem as suas próprias peculiaridades. Por que não colocar os corpos dos garotos em moldes de gesso de “Perfeição”?

Toda pressão sobre material plástico é perniciosa, impedindo as suas verdadeiras tendências, e pervertendo as suas proporções. Crescimentos disformes compensam as compressões.

A educação deve acostumar a mente a enfrentar todas as eventualidades, interpretando, julgando e reagindo conforme a sua necessidade individual exigir.

VII

A maioria das pessoas corrompe as crianças propositadamente, alegando a necessidade de protegê-las. A falsidade confunde as concepções corretas; o cérebro, aturdido, logo encontra evidência conflitante. A contradição entre os fatos observados e o ensinamento revolta a sua integridade.

As crianças desconfiam do Universo; a inteligência se revolta; anos de dolorosa incerteza se vingam da decepção original. As crianças também são treinadas para falsificar, sofisticar, negar ou esquecer os fatos; proibidas de encará-los.

Empunhando as armas erradas, elas se defrontam com inimigos desconhecidos ou desorientados.

A natureza se torna traidora; elas desconfiam de si mesmas; como o trapaceiro do bilhar de Gilbert, eles jogam “sobre um pano falso com um taco retorcido e bolas de bilhar ovais”.

VIII

Na Abadia de Thelema em Céfalu as crianças são como adultos. As realidades são seu direito; elas observam sem paixão e agem com responsabilidade. Elas são induzidas a se desenredar de emergências progressivas. Elas se exercitam, nadam, escalam, jogam, exploram sozinhas a cidade ou o campo; elas ouvem palavras confiáveis. Elas usam as suas mentes adequadamente, nunca de maneira forçada.

Elas aprendem a enxergar a verdade, ter coragem, cortesia e independência; a se preocupar com seus próprios assuntos, respeitando os direitos dos outros, e ao mesmo tempo se ressentem com interferências.

Compreendendo as realidades com exatidão e agindo adequadamente sobre estas, ao invés de chorar, se apegar, se diminuir, e “fingir”, elas controlam a si mesmas e ao ambiente.

IX

Os cérebros jovens armazenam impressões sensoriais sem necessariamente julgá-los. As faculdades mentais superiores se desenvolvem gradualmente.

É um ato criminoso forçar o crescimento, especialmente em direções dogmáticas. Reflexão, classificação, coordenação são instrumentos da mente em crescimento para lidar com acúmulos de detalhes. A educação deve simplesmente fornecer os fatos, inteligíveis ou não, de toda ordem. Evite comentário, explicação, julgamento moral; a mente infantil deve administrar o seu material.

A verdade deve ser ensinada como condição de relação correta, e a coragem como a de reação correta.

O indivíduo igual ao seu ambiente se desenvolve com perfeição. Crianças assim educadas são absolutamente elas mesmas, ajustadas para compreender e agir através de evolução autônoma.

X

A evolução exige indivíduos excepcionais, mais adaptados ao seu meio ambiente do que seus pares. A espécie prospera ao imitar os excêntricos competentes.

A mediocridade, a pretensa moralidade, protegem o inapto, mas evitam o progresso, desencorajam a adaptabilidade e garantem a completa ruína para a raça.

Padrões de educação, ideais de Certo-e-Errado, convenções, credos, códigos, Humanidade estagnada. Estimule indivíduos originais. Cuidado para não desajustar a Pedra Angular, ou jogá-la no meio do entulho!

A mediocridade queria que Keats fosse boticário, Gaugin um banqueiro, Clive um balconista, Maomé um condutor de camelo!

A natureza necessita de nobreza.
A vitalidade reivindica variedade.
A eminência conquista o progresso.
A superioridade garante a sobrevivência.
A excentricidade evita a atrofia.
Uma ninhada para Behemoth!

XI

Toda criança é absoluta.
Não ouse influenciá-la ou restringi-la!
Dê à semente condições de germinar!
Na maturidade, a sua mente
Aprimorará seu fruto adequado,
Autodeterminado, autodesignado!

Ousas tu desviar aquela sensibilidade
Para as tuas fantasias ou teorias?
Quem ordenou a ti para avaliar
Maravilhas ocultas aos teus olhos?
Intrometido, enlameado! A tua conjetura
Garante a mais prodigiosa sabedoria?

Que ela conheça e avalie as coisas,
Compare-se com elas, cruze
Com segurança o abismo—A terra canta:
“Se você sabe e quer, você pode!”

Notas de Rodapé   
A Abadia de Thelema era uma pequena casa situada em Céfalu, uma comuna italiana da religião da Sicília, província de Palermo. Essa abadia foi fundada em meados de 1920 e.v. por Aleister Crowley, juntamente com Leah Hirsig. A abadia foi usada para conduzir diversos tipos de experiências com foco no Novo Æon. Mussolini expulsou Crowley da Itália na primavera de 1923 e.v. e com isso o projeto da Abadia de Thelema foi abandonado. 
Procrustes – (mitologia grega) Um gigante mítico que era ladrão e assassino; ele capturava os viajantes e os amarrava numa cama de ferro, esticando-os ou cortando suas pernas para fazer com que ficassem do tamanho certo; foi morto por Teseu. 
Gilbert e Sullivan, O Mikado, ou A Cidade de Titipu (1885). John Keats (1795–1821), o pintor Paul Gaugin (1848–1903), o Barão Robert Clive de Plassey (1725–1774) estabeleceu o regime colonial Britânico na Índia, Maomé (570–632), o profeta e fundador do Islã, era originalmente um condutor de camelos. 
Behemoth é o nome de uma criatura descrita na Bíblia. Em Hebreu é transcrito como בהמות, Bəhēmôth, Behemot, B’hemot; em Árabe بهيموث (Bahīmūth) ou بهموت (Bahamūt). Behemoth é o monstro da terra por excelência, em oposição a Leviathan, o monstro do mar, e Ziz, o monstro do ar. Diz uma lenda judaica que Behemoth e Leviathan se enfrentarão no final dos tempos, matando-se um ao outro; então, sua carne será servida em banquete aos humanos que sobreviverem. 


A Vida de Aleister Crowley


"Uma rosa vermelha absorve todas as cores, menos a vermelha; 
Vermelha, portanto, é a única cor que ela nao é.
Essa Lei, Razão, Tempo e Espaço, 
toda Limitação, cega-nos à Verdade. 
Tudo o que sabemos sobre o Homem,
Natureza, Deus,é apenas aquilo que eles não são; 
é aquilo que rejeitam como repugnante."

(Aleister Crowley, Liber CCCXXXIII, Cap. 40)

Na última hora do dia 12 de outubro de 1875, em 
Leamington Spa, Warwickshire, Inglaterra, nascia Edward 
Alexander Crowley.

Sua infância esteve marcada por rígidos padrões de 
comportamento impostos por seus pais, Edward Crowley e 
Emily Bishop, ativos membros de uma extremada seita 
Cristã chamada Irmandade de Plymonth (fundada por John N. 
Darby). Seu pai, um rico cervejeiro aposentado, e 
fanático Irmão de Plymonth, fez com que Crowley, ainda 
criança, freqüentasse a sua seita, forçando-o a diversas 
leituras da Bíblia Cristã e acostumando-o à vida 
religiosa da Irmandade. Este fato, muito embora viesse 
ser de grande valia bem mais tarde, quando da compreensão 
dos Mistérios com os quais esteve em contato, naquele 
momento apenas fez nascer na criança que se formava, uma 
intensa repulsa quanto a dogmas, em espécie aqueles de 
natureza "cristã". Outro fator que, certamente, muito 
contribuiu para a formação moral de Crowley, não só em 
sua infância como também na juventude, teria sido aquele 
bem conhecido e tradicional jeito de vida inglês da época 
vitoriana.

Em 1886, com o falecimento de seu pai, Crowley fica sob 
os cuidados de seu tio e tutor Tom Bishop. Tamanha era a 
crueldade de seu tio, que Crowley referiu-se a este 
período de sua vida como "A Infância no Inferno".

Em sua adolescência, a busca por aventuras o conduziu ao 
alpinismo. Praticou com afinco esse esporte, chegando a 
destacar-se no mesmo. Sua carreira de alpinista chegou ao 
ápice nos anos de 1902 e 1905, quando participou das 
primeiras tentativas de escalar o Chogo Ri (K2) e o 
Kanchenchunga, duas das maiores montanhas do mundo, 
situadas no Himalaia.

Estudou, destacando-se em todas as disciplinas, em 
Trinity College, Cambridge, onde ficou no período de 1895 
a 1898. Nesta época, Crowley, leitor voraz, estudou 
intensamente, incluindo tudo de importante que havia da 
literatura inglesa, francesa, além de diversas outras 
obras em Latim e Grego clássicos, inclusive filosofia e 
alquimia; se dedicou a canoagem, ciclismo, montanhismo e 
xadrez, atividade esta em que ganhou notoriedade e que 
exerceu por toda sua vida. Praticando o montanhismo, 
Crowley viria a conhecer um homem o qual passou a admirar 
profundamente: Oscar Eckenstein. Eckenstein, que, segundo 
Crowley, era um singular exemplo, sem igual em dignidade 
e nobreza, ensinou-lhe (por hora) o alpinismo. Alguns 
anos depois, Eckenstein demonstraria que seu conhecimento 
não se limitava apenas à conquista de elevadas montanhas.

Em Cambridge, seu espírito, como era bem próprio à 
natureza da Besta, ansiando por um volume maior de 
conhecimento e aventuras, encontrava-se perturbado com a 
insubstancial perspectiva futura. Em 1898, antes de sua 
graduação, Crowley abandona os estudos para se dedicar a 
algo não comum e de maior profundidade do que o oferecido 
por uma promissora carreira acadêmica.

Mas o que exatamente seria este algo mais profundo? 
Por volta de 1896, Crowley havia iniciado a leitura de 
alguns livros sobre magia e misticismo. Algo começava a 
tomar forma dentro de seu inquieto ser; porém a leitura 
de Nuvem sobre o Santuário , obra lhe recomendada por 
Waite, é que faz com que Crowley decida dedicar sua vida 
ao estudo do Ocultismo e da Magia, e empenhar-se com 
afinco no sentido de encontrar a Grande Fraternidade 
Branca mencionada no inspirador livro de Eckhartshausen.

E aqui começa a carreira mágica de Aleister Crowley.

Em 1898, através de dois amigos, Julian Baker e George 
Cecil Jones (respectivamente Frati D.A. e Volo Noscere, 
ambos membros da G.'.D.'.), Crowley é apresentado a 
Samuel Liddell "MacGregor" Mathers (1854-1918), Frater 
D.D.C.F. (Deo Duce Comite Ferro), um dos lideres da Ordem 
Hermética da Aurora Dourada (The Hermetic Order of the 
Golden Dawn, mais conhecida pela sigla G.'.D.'.), uma das 
mais influentes Ordens do final do século passado, que 
proporcionou a Crowley sua primeva Iniciação e o contato 
com os primeiros mistérios mágicos que tanto procurava.

A G.'.D.'. fora fundada pelo próprio Mathers, junto com 
William Winn Westcott (1848-1925), Frater Non Omnis 
Moriar, e William Robert Woodman (1828-1891), Frater 
Vincit Omnia Veritas, em 1887. Segundo seus fundadores, a 
existência da G.'.D.'. era devida à orientação e à ordem 
de uma alta iniciada alemã chamada Anna Sprengel (Soror 
S.D.A., Sapiens Donabitur Astris), que autorizara a 
abertura de uma Loja na Inglaterra que representasse a 
suposta Ordem ancestral a qual pertencia. Diga-se de 
passagem que, a G.'.D.'., mesmo levando em conta o 
possível conciliábulo de sua criação, constitui uma das 
mais importantes Ordens jamais inventadas pelo espírito 
humano, conseguindo reunir em seu corpo de iniciados a 
nata da intelectualidade inglesa e européia da época.

Nomes como o prêmio Nobel de Literatura em 1923, Willian 
Butler Yeats, além de Gustav Meyrink, Florence Farr, A. 
E.. Waite, Sax Homer, Bram Stocker, F. L. Gardner, Arthur 
Machen, o próprio Crowley e tantos outros, pertenceram a 
esta notável organização.

Crowley, iniciado por Mathers em 18 de novembro de 1898, 
ao Grau de Neophytus (0o=0), tomava, como Mote Mágico, o 
nome de Perdurabo (eu perdurarei até o fim), iniciando, 
assim, seus estudos na G.'.D.'., tendo como primeiro 
Instrutor Frater Volo Noscere (Jones). Em dezembro do 
mesmo ano, Crowley atinge o Grau de Zelator (1o=10). 
Sua capacidade de assimilação de conhecimento e sua 
dedicação ao estudo e a prática do Ocultismo o 
conduziram, agora sob a instrução de Frater Iehi Aour 
(Allan Bennett), a ascender rapidamente aos Graus 
subsequentes da G.'.D.'.; assim, respectivamente em 
janeiro, fevereiro e maio do ano seguinte, em 1899, 
Crowley conquistou os Graus de Theoricus (2o=9), 
Practicus (3o=8) e Philosophus (4o=7). Bennett, 
considerado por Crowley um autêntico Guru, o ensinou 
várias técnicas mágicas oferecidas pela G.'.D.'., 
técnicas como Cabala e Magia Cerimonial, consagração de 
Talismãs, evocação de Espíritos, etc.

Este período de sua vida foi fortemente marcado por duas 
atividades principais.. Quando Frater Perdurabo não estava 
estudando ou praticando, Crowley, sob o pseudônimo de 
Conde Vladmir Svareff ou Aleister MacGregor, custeava as 
edições de seus escritos (normalmente algum tipo de 
pornografia ou poesia), além de cultivar uma intensa vida 
sexual, a qual escandalizou alguns membros da G.'.D.'..

Sua grande atividade e principal preocupação, no entanto, 
continuava a ser a Magia.

Entretanto, e isto deveu-se menos aos escândalos 
promovidos por Frater Perdurabo do que ao ciúme e inveja 
de certos Adeptos londrinos, e mesmo Crowley tendo 
demonstrado capacidade e talento em magia, sua iniciação 
à Segunda Ordem fora negada, em fins de 1899, pelos 
chefes da seção inglesa da G.'.D.'.. Nesta época, 
Mathers, agora único líder da Ordem, residia em Paris. 
Mesmo contrariando a opinião dos líderes londrinos, em 16 
janeiro de 1900, em Paris, Mathers, fazendo valer sua 
autoridade dentro da Ordem, inicia Crowley ao Grau de 
Adeptus Minor (5o=6), sob o Mote Parzival. Talvez aqui 
tenha sido o inicio da ruína da G.'.D.'.. Pouco antes de 
sua iniciação, seu grande amigo e Instrutor, Allan 
Bennett, decide partir para Ceilão, e tornar-se monge 
Budista.

A insatisfação dos membros da G.'.D.'. com Mathers já era 
mais que um fato nessa época. Provavelmente o caso 
Crowley tenha servido como impulso e álibi necessários 
para o grupo londrino, liderado por Yeats, entre outros 
menos conhecidos, declarar-se independente de seu mentor 
e líder, MacGregor Mathers.

O que se seguiu após a rebeldia londrina resultou em 
histórias fantásticas de ataques mágicos envolvendo 
Crowley e uns demônios versus Yeats e, é claro, mais 
demônios. Depois o próprio Mathers teria entrado na 
briga, junto, evidentemente, com uma outra legião de 
encapetados amiguinhos. Mas essa estória não escapa nem a 
mais tola crítica. O fato é que Crowley e Mathers ficaram 
praticamente sozinhos, e a outrora grande G.'.D.'., agora 
conduzida pelos auto-proclamados novos chefes, ia 
progressivamente implodindo, ou se esfacelando, 
resultando num sem número de Ordens Cristianizadas, sem o 
élan da G.'.D.'. original.

Crowley, que abandonara um importante trabalho mágico 
para ajudar Mathers, vê-se só. Parte para Nova York e 
depois vai para o México.

A estadia no México constituiu um período bem produtivo a 
Crowley. Além de Tannhauser, escrito em ininterruptas 67 
horas, conseqüência de uma bem sucedida opera Sexualis, 
esse período na América Central representou uma decisiva 
conquista no magista que se formava.

Foi apresentado a Don Jesus Medina, um dos altos chefes 
da Maçonaria local, Rito Escocês, que, de tão 
impressionado por aquele singular figura, não tardou em 
convidar Crowley para iniciar-se em sua Loja. Como 
hábito, Crowley rapidamente galgaria os graus Maçônicos, 
alcançando, por graça, o mais alto Grau do Rito.

Mas a chegada de seu amigo e mentor, Oscar Eckenstein, é 
que daria novos rumos a seu aprendizado. Eckenstein, 
revelando-se, para a surpresa de seu pupilo, um grande 
instrutor, demonstrou que Crowley não tinha controle 
sobre seus próprios pensamentos, qualificando sua atitude 
para com a magia como apenas mera fascinação romântica. A 
partir daí, Crowley decide dar um tom científico a seus 
experimentos, estudando com Eckenstein, uma série de 
métodos de controle mental.

Após algum tempo de escaladas e treino mental, Crowley 
parte para o Oriente, para se encontrar com Bennett, seu 
antigo instrutor, no Ceilão. Antes, entretanto, combina, 
com Eckenstein, a escalada do K2, no Himalaia, aventura a 
se realizar na primavera de 1902.

Bennett, agora Bhikku Ananda Meteya, que aprendera Yoga e 
Budismo, instrui Crowley nestas disciplinas.

No outono de 1902, após a expedição ao K2, Crowley 
retorna a Paris. Seu novo encontro com Mathers o 
decepciona a tal ponto que só lhe restou a boêmia vida 
parisiense. Retorna a Boleskine em 1903 e então, 
procurando algo suficientemente prosaico para si, 
intitula-se Lorde Boleskine. Neste mesmo ano, casa-se com 
Rose Kelly.

Mas o ano seguinte revelaria a Crowley o mistério que o 
acompanharia até seu último momento: A Lei de Thelema. 
Casado com Rose Kelly, de acordo com Crowley, "uma da 
mais brilhantes e inteligentes mulheres do mundo", viaja 
pela Europa e Egito. E no Cairo, após uma série de 
Rituais e Invocações, um ser, identificando-se como 
Aiwass, transmite a Crowley, nos dias 8, 9 e 10 de abril, 
o Liber Al vel Legis ou, como passaria a ser conhecido, O 
Livro da Lei. Àqueles que conhecem todo esse processo, é 
significativo saber que esse extraordinário livro foi o 
primeiro escrito de Crowley, de cunho místico-mágico. 
Entre tantos significados, Liber Al vel Legis proclama o 
fim de uma era, ou Eon, marcada pelo sofrimento, pela 
intermediacão entre Deus e o homem, pelo deus 
sacrificado, etc. Em seu lugar, nascia a época do deus de 
alegria, onde o homem teria a liberdade de realização de 
sua própria vontade. A epígrafe "Faze o que tu queres 
deverá de ser o todo da Lei", contida em Liber Al e 
utilizada nos escritos de natureza thelêmica, sintetiza a 
própria regra de conduta a ser tomada como tônica do Eon 
nascido.

Essa experiência, levou Crowley a assumir o Grau de 
Adeptus Major, 6o=5 da G.'.D.'., sob o novo Mote de 
O.S.V...

De volta a Boleskine, Crowley imediatamente trata de 
expor sua experiência a Mathers, revelando ter, 
finalmente, feito contato com os Mestres Secretos que 
tanto havia procurado. Como costume, Mathers não aceita a 
revelação. Conseqüentemente, o mundo do esoterismo 
novamente, é palco para ataques mágicos de Mathers a 
Crowley e vice-versa. Mas o incontestável fato é que isso 
era o fim da convivência entre os dois magos. 
Em 1905, mais uma expedição ao Himalaia: desta vez o alvo 
era o Kanchenchunga.

Cansado de suas birras com a G.'.D.'., em 1907, Crowley 
funda a A.'.A.'.; a Argenteum Astrum, Ordem da Estrela de 
Prata, que - segundo Frater O.S.V. - substituirira a 
G.'.D.'., herdando sua estrutura de graduação. Entre 
tantos significados possíveis, particularmente um 
inspirou Crowley na escolha desse nome para a Ordem. 
Segundo ele, o dourado amanhecer (Golden Dawn) é o que 
precede a Estrela Dalva (Vênus, ou Lúcifer), a prateada 
estrela da manhã que "anuncia" o Sol. Crowley, em 1909, 
dá início ao primeiro período aberto a Probacionistas a 
sua A.'.A.'. e, com a publicação da série The 
Equinox, "destrói" magicamente a G.'.D.'..

No período de 1907-1911, Crowley, consagrando seu tempo 
ao estudo, a prática e a escrita, publicaria cerca de uma 
dúzia de livros de cunho poético-mágico (excluindo a 
série The Equinox). Neste período também, após a morte de 
sua filha em 1906, Crowley separa-se de sua esposa, Rose 
Kelly, em 1909. Nesse mesmo ano, Crowley assume o Grau 
Adeptus Exemptus 7o=4(, agora da A.'.A.'., com o Mote OU 
MH. Em 3 de dezembro de 1909, durante uma a Visão do 14o 
Aethyr, toma o Grau de Magister Templi, sob o Mote 
V.V.V.V.V., 8o=3 da Ordem da Estrela de Prata [19]. Em 
1911 Crowley escreve Liber CCCXXXIII, O Falsamente 
chamado Livro das Mentiras, que publicaria mais tarde, em 
1913.

Em 1912 porém, outro acontecimento daria novo rumo a sua 
vida.

Crowley, com o seu Livro das Mentiras, curiosamente, 
mesmo antes de sua publicação em 1913, chamaria a atenção 
de, nada mais nada menos, Theodor Reuss, membro do 
serviço secreto germânico, maçom e ocultista, Frater 
Merlin Peregrinus Xo, então O.H.O. da Ordo Templi 
Orientis (O.T.O.). Reuss, tendo lido Liber CCCXXXIII, 
para seu espanto, lá identificara o segredo central da 
O.T.O..

A O.T.O. era uma organização de cunho maçônico, místico e 
mágico, fundada por Karl Kellner, em 1902. Kellner, 
segundo a lenda, teria viajado pelo oriente onde havia 
sido iniciado por um faquir árabe, chamado Solimam ben 
Aifha, e pelos yoguis hindus Bhima Shen Pratap e Sri 
Mahatma Aganya Guru Paramahansa, recebendo os mistérios 
da Filosofia e do Yoga da Mão Esquerda, a Magia Sexual. 
A O.T.O., que reivindicara para si a detenção do 
conhecimento outrora pertencido aos lendários Cavaleiros 
do Templo, assim como ocorreu com a G.'.D.'.., reuniu 
entre seus Adeptos vários eminentes maçons e ocultistas 
da época, alguns dos quais, a partir dos fundamentes 
adquiridos nessa Ordem, ou fundaram ou em muito 
colaboraram em outros movimentos da época. A título de 
exemplo temos: Rudolf Steiner, fundador da Antroposofia; 
Franz Hartmann, um dos mais importantes colaboradores do 
movimento Teosófico; Krumm-Heller, responsável pela 
expansão da Fraternitas Rosacruciana Antiqua (F.R.A.); 
Gerald Gardner, considerado como o "pai" da Wicca; Karl 
Germer, sucessor de Crowley como líder da O.T.O.; Kenneth 
Grant, que depois lideraria um variação da Ordem na 
Inglaterra; H. Spencer Lewis, fundador de um bem 
conhecido movimento neo-rosacruciano denominado AMORC; 
além do próprio Crowley.

O bizarro encontro entre Reuss e Crowley, 
definitivamente, marcaria o destino da Ordem alemã. 
Crowley, após ter sido acusado de divulgar abertamente 
este segredo, expõe a Reuss que este teria sido aprendido 
por ele quando de sua viagem ao Oriente e que já o 
praticava há muito; sendo-lhe impossível saber ser este o 
mesmo Santo Segredo cultivado pela O.T.O.

O desenvolvimento da conversa entre os dois Iniciados 
deixou Reuss tão bem impressionado que este nomearia 
Crowley líder da O.T.O. para os países da língua Inglesa. 
Essa tarefa foi exercida por Crowley através do Mote 
Baphomet.

Crowley então, passaria a escrever (e também reescrever) 
os Rituais da O.T.O. sob a luz de seu Liber Legis. Em 
1914, acompanhado de Mary d'Esté Sturges (Soror Virakam), 
escreve seu famoso Book Four.

Em 12 de Outubro de 1915, em seu quadragéssimo 
aniversário, Aleister Crowley toma o Mote de TO MEGA 
THERION, 666, para o 9o=2, o Grau de Magus da A.'.A.'.. 
E, como 666, Crowley concebe uma das mais belas páginas 
da literatura esotérica, Liber Aleph, The Book of Wisdow 
or Folly, uma Epístola de 666 a seu Filho 777 (Frater 
Achad, Charles S. Jones). Em 1919, publica o primeiro 
número do terceiro volume do The Equinox.

Um dos mais curiosos feitos da Besta, teve lugar com a 
fundação, em 2 de abril de 1920, da Abadia de Thelema, em 
Cefalu, Sicília, Itália. Depois, Crowley, em secreto 
juramento, assume, em maio de 1921, o Grau de 10o=1 
A.'.A.'., Ipississimus. A Abadia funcionou até 1923, 
quando Crowley foi expulso da Itália por Mussolini. 
Mas, em 1925, com o falecimento de Theodor Reuss, Crowley 
é convocado para uma reunião internacional da O.T.O., 
onde os rumos dessa Ordem seriam traçados. Crowley é 
convidado a ser o Chefe Internacional da Ordo Templi 
Orientis. Aceita e toma o Santo Mote de Deus est Homo. 
Durante os anos seguintes, Crowley viveu alternadamente 
na França, Alemanha e Norte da África. Nesta época ele 
viria a conhecer duas pessoas que, além de serem 
discípulos e amigos, seriam depois importantes 
personagens dentro da história de Thelema: Karl Germer e 
Israel Regardie. Expulso da França em 1929 sob acusação 
de ser agente alemão, Crowley retorna à Inglaterra.

A publicação de suas Confissões, em 1930, proporcionou a 
Crowley um interessante encontro com um dos maiores 
gênios da literatura portuguesa. Estamos falando de 
Fernando Pessoa (1888-1935). Pessoa, que além de célebre 
poeta era um competente astrólogo, fascinado pelas 
ciências esotéricas, envia, neste mesmo ano, uma carta a 
Crowley, indicando erros em seu mapa natal.. Crowley, 
entusiasmado com o conhecimento do poeta lusitano, 
contesta sua carta, dando-lhe razão, e expressa seu 
desejo de conhecê-lo.

Pessoa, mesmo incomodado e receando tal encontro, recebe- 
o no porto de Lisboa. A lenda diz-nos que estranhos 
acontecimento tiveram vez naquela tarde, como um 
inexplicado nevoeiro que, descendo na cidade de Lisboa, 
atrasou o barco que conduzia a Besta ao encontro do 
criador de Álvaro de Campos. E tanto foi a admiração e 
fascínio de Pessoa para com o pior homem do mundo, que, 
no famoso caso da Boca do Inferno, onde Crowley simulou 
um trágico suicídio, Pessoa testemunhara, confirmando o 
que supostamente teria ocorrido a seu novo amigo.

Pessoa, que vira naquele estranho inglês um irmão nos 
Mistérios, a partir do encontro e da amizade com Crowley, 
em muito mudou o tom de sua poesia. Adentrou-se no estudo 
do simbolismo, publicando obras de notável valor, até sua 
prematura morte, aos 47 anos, em 1935.

Crowley segue e, entre casos amorosos, drogas, e causas 
judiciais, publica nos anos 30 uma série de ensaios e 
instruções que comporiam os números subseqüentes de The 
Equinox, iniciado em 1919. The Equinox of the Gods, 
relatando suas experiência no Cairo e a escritura de 
Liber Legis, é publicado em 1937.

Trabalhando com Lady Frieda Harris, Crowley, ao longo de 
cerca de cinco anos, concebe um Tarot de modo que a 
imagem do Eon fique registrada. O resultado final é o 
maravilhoso The Book of Thoth, onde a principal mensagem 
de sua obra está apresentada de forma sintética. Durante 
esse trabalho com Lady Harris, em 1942, na forma de um 
manifesto da O.T.O., Crowley publica Liber OZ, a Carta 
dos Deveres e Direitos dos homens e das mulheres. Algo 
muito parecido seria elaborado alguns anos depois pela 
ONU.

Seus últimos anos, a partir de 1945, são vividos em 
Hastings, onde uma série de novos discípulos continuam 
recebendo instruções. E, assim, Kenneth Grant, John 
Symonds, Grady McMurty, conhecem a Besta. Desta época, 
vem sua última obra, consistindo numa coletânea de cartas 
dirigidas a uma jovem discípula, que foram publicadas bem 
mais tarde, após a sua morte, como Magick Without Tears.

No primeiro dia de dezembro de 1947, aos 72 anos, 
Aleister Crowley, serenamente segundo alguns, exultante 
segundo outros, e ainda perplexo, segundo terceiros, 
falece, vítima de bronquite crônica e complicações 
cardíacas.

Quatro dias depois, no crematório de Brighton, assistido 
por um reduzido número de admiradores e discípulos, é 
realizada a cerimônia que ficou conhecida como "O Último 
Ritual", com a leitura de trechos da Missa Gnóstica, e de 
seu maravilhoso Hino a Pã.

Realizara-se, assim, a última vontade da Besta.

(Texto retirado da Revista Safira Estrela - Março de 1995)

Autor:  Carlos Raposo

A Infância de Aleister Crowley


Em Clarendom Square, número 36, na cidade de Leamington, condado de Warwickshire, na Inglaterra, às 22h 50m do décimo segundo dia de outubro do ano de mil oitocentos e setenta e cinco da era vulgar, nasceu a pessoa cuja história vai ser contada.

Seu pai chamava-se Edward Crowley; sua mãe, Emily Bertha, nascida Bishop. Edward Crowley era um Irmão Exclusivo da Irmandade Plymouth 1) o mais respeitado chefe daquela seita. Este ramo da família de Crowley se estabelecera na Inglaterra desde a época de Tudors, mas a sua origem é celta, pois Crowley é um clã de Kerry e de outros condados do sudoeste da Irlanda, do mesmo sangue que os “de Queroauille” ou “de Kerval” bretões, que deram uma Duquesa de Portsmouth à Inglaterra. Supõe-se que o ramo inglês – os ancestrais diretos de Edward Alexander Crowley – veio para a Inglaterra com o Duque de Richmond, e se estabeleceu em Bosworth.

Em 1882 Edward Crowley foi viver em “The Grange”, na cidade de Redhill, condado de Surrey. Em 1884, o menino, que até então fora educado por governantas e tutores, foi mandado para uma escola em St. Leonard, mantida por certos evangelistas 2) extremistas chamados Hebershon. Um ano mais tarde foi transferido para outra escola, esta em Cambridge e sob a responsabilidade de um Irmão de Plymouth chamado Champney 3).

Em 5 de Março de 1887 e.v., Edward Crowley morreu. Dois anos mais tarde o menino foi retirado da escola. Esses dois anos foram de incrível tortura, cujos detalhes foram mencionados no prefácio ao seu poema “A Tragédia do Mundo”. Esta tortura minou-lhe seriamente a saúde. Durante dois anos ele viajou com seus tutores, na maior parte por Gales e pela Escócia. Em 1890, tendo sua mãe se mudado para Streatham, a fim de estar mais próxima do irmão, Tom Bond Bishop, um evangelista de mente extremamente estreita, foi o menino mandado, por pouco tempo, para uma escola situada neste lugar, mantida por um homem chamado Yarrow. Isto preparou o adolescente para Malvern, onde ingressou no verão de 1891. Ali permaneceu durante um termo apenas, pois sua saúde ainda era delicada. No outono foi matriculado no Colégio de Tonbridge, mas adoeceu seriamente, e teve que ser removido. O ano de 1893 ele passou com seus tutores, principalmente em Gales, no norte da Escócia, e em Eastbourne. Em 1895 completou seus estudos de química em King’s College, London, e em outubro daquele ano entrou para Trinity College, Cambridge.

Com isto finda o primeiro período de sua vida. É apenas necessário declararmos que seu cérebro se desenvolveu cedo. Aos quatro anos de idade era capaz de ler a Bíblia em voz alta, demonstrando uma grande predileção pelas listas de longos nomes, a única parte da Bíblia não deturpada por teólogos 4). Também era ele um enxadrista suficientemente forte para derrotar o amador médio, e, se bem que jogasse continuamente, nunca perdeu um jogo até 1895 e.v. 5) O xadrez foi-lhe ensinado por um alfaiate que havia sido chamado a sua casa a fim de medir roupas para seu pai, e que foi tratado como um hóspede porque era também um “irmão Plymouth”. Derrotou seu professor invariavelmente após o primeiro jogo: deveria ter uns seis ou sete anos de idade na época.

Começou a escrever poesia em 1886, se não mais cedo. Veja “Oráculos”.

Após a morte de seu pai, que era um homem de grande bom-senso, e nunca permitiu que sua religião interferisse com sua afeição natural, o menino caiu nas mãos de gente de uma disposição totalmente diversa. Sua atitude mental logo se concentrou em ódio à religião que ensinavam, e sua vontade, em revolta contra as opressões dessa religião. Seu principal alívio era o alpinismo, que o deixava a sós com a natureza, longe dos tiranos.

Os anos compreendidos entre março de 1887, até sua entrada no Trinity College, Cambridge, em outubro de 1895, representaram uma luta contínua pela liberdade. Em Cambridge ele se sentiu seu próprio mestre, recusou-se a ir à Capela, aulas ou conferências, e seu tutor, o falecido Dr. A. W. Verrall, foi sábio o bastante para deixar que seu tutelado trabalhasse à sua maneira.

Devemos mencionar que possuía a habilidade intelectual em grau extraordinário. Sua faculdade de memória, principalmente de memória verbal, tinha uma espantosa perfeição.

Quando menino podia encontrar quase qualquer versículo da Bíblia em poucos minutos de busca. Em 1900 foi testado em seus conhecimentos das obras de Shakespeare, Shelly, Swinburne (1a Série de Poemas e Baladas), Browning, e da A Pedra da Lua, de Willcie Collins. Foi capaz de identificar a posição exata de qualquer frase em qualquer desses livros, e de recitar quase sempre o resto da passagem da qual a frase fazia parte.

Demonstrou notável habilidade para absorver os elementos do latim, grego antigo, francês, matemática e ciência. Aprendeu “little Roscoe” 6), quase que de cor, por iniciativa própria. Quando em Malvern, tirou o sexto lugar da escola no exame anual sobre Shakespeare, se bem que houvesse levado apenas dois dias a se preparar para a prova 7). Em certa ocasião, quando o professor de matemática quis dedicar uma aula a uma sabatina dos alunos mais avançados, e deu à classe uma série de equações do segundo grau para resolver, o rapaz se levantou ao fim de quarenta minutos para perguntar o que deveria fazer a seguir, entregando a série de 63 equações, todas com as soluções corretas.

Ele passou com honras em todos os exames, tanto nas escolas quanto na universidade, e bem que consistentemente se recusasse a se preparar para esses exames 8).

Por outro lado, não era possível persuadi-lo ou constrangê-lo a se aplicar a qualquer assunto que não lhe agradasse. Demonstrava intensa repugnância pela história, pela geografia e pela botânica, entre outras matérias, e nunca pode aprender a escrever latinos ou gregos, possivelmente porque as regras de metrificação nesses idiomas lhe pareciam arbitrárias e formais.

Também era-lhe impossível interessar-se por qualquer coisa desde o momento em que já tivesse absorvido os princípios de “como a coisa era ou podia ser feita”. Este traço o impedia de pôr retoques finais em tudo que encetava.

Por exemplo, ele se recusou a se apresentar para a segunda parte do exame final do diploma de Bacharel em Artes, simplesmente porque sabia que tinha o domínio absoluto da matéria 9)!

Esta característica se estendia aos seus prazeres físicos. Ele era de uma abjeta incompetência na prática fácil de escalar rochedos, porque sabia que podia fazê-lo. Parecia incrível aos alpinistas que excursionavam com ele que tal completo preguiçoso pudesse ser o mais ousado e o mais destro montanhista da sua geração, como demonstrava ser quando quer que o precipício fosse um que ninguém tivesse conseguido escalar antes 10). Da mesma forma, uma vez que tivesse elaborado teoricamente um método de escalar uma montanha, estava perfeitamente disposto a confiar a outros o segredo, e a deixar que eles se apropriassem da glória da descoberta para si mesmos. (A primeira ascensão do Dent de Géant, partindo de Montanvers, é um exemplo.) Pouco lhe importava que fosse ele a pessoa a fazer alguma coisa; o que lhe importava é que a coisa fosse feita.

Este altruísmo quase inumano não era incompatível com uma ambição pessoal consumidora e insaciável. A chave do enigma provavelmente era esta: ele queria ser alguma coisa que ninguém jamais tivesse ou pudesse ter sido antes dele. Perdeu interesse pelo xadrez tão logo que se provou, para sua própria satisfação (aos 22 anos de idade), mestre do jogo, tendo vencido os mais fortes amadores da Inglaterra e mesmo um ou dois “mestres” profissionais 11). Trocou a poesia pela pintura, quase por completo, tão logo tornou evidente ser o maior poeta de seu tempo. Mesmo em Magia, tendo se tornado a Palavra do Æon, e assim assumido seu lugar com os outros Sete Magi conhecidos pela história, inteiramente além da possibilidade de qualquer competição 12), começou a negligenciar o assunto. Só é capaz de se devotar à Magia como faz por haver eliminado toda ideia pessoal de sua Obra; ela se tornou tão automática quanto à respiração.

Devemos também registrar aqui seus extraordinários poderes em certas esferas pouco usuais. Ele pode rememorar o mínimo detalhe de uma escalada, após anos de ausência. Pode retraçar seu percurso em qualquer caminho que tenha algum dia atravessado, por pior que seja o tempo ou por mais escura que seja a noite. Pode adivinhar a única passagem possível através da geleira mais complexa e perigosa 13).

Possui um senso de direção independente de qualquer método físico para identificarmos nossa posição em algum lugar; e este senso funciona tanto em cidades que lhe são estranhas quanto em montanhas ou desertos. Ele pode farejar a presença de água, de neve, e de outras substâncias supostamente inodoras. Sua resistência física é excepcional. Já escreveu durante 67 horas consecutivas: seu Tannhäuser foi redigido desta forma em 1900 e.v. Já percorreu mais de 160 quilômetros em dois dias e meio, no deserto, como ocorreu no inverno de 1910 e.v. Já fez estágios frequentes de mais de 36 horas em montanhas, sob as condições mais adversas. Retém o recorde mundial do maior número de dias passados sobre uma geleira – 65 dias no Baltoro em 1902 e.v.; também, o recorde para a mais rápida subida íngreme acima de 5000 metros de altitude: 1300 metros em 1h 23m, no Iztaccihuati em 1900 e.v.; o recorde do mais alto pico (primeira ascensão por um só alpinista) – o Nevado de Toluca em 1901 e.v.; e numerosos outros 14).

No entanto, sente-se completamente exausto à mera ideia de uma caminhada de algumas centenas de metros, se não lhe interessa, ou se não lhe excita a imaginação; e é só com o máximo esforço que ele pode escrever algumas linhas se, em vez de desejar escrevê-las, ele apenas sabe que elas devem ser escritas!

Este relato foi considerado necessário para explicar como é que um homem cujas excepcionais qualidades chegaram a torná-lo mundialmente famoso em tantas e tão diversas esferas de ação pode ser tão grotescamente incapaz de utilizar suas faculdades, ou mesmo suas consecuções, em qualquer dos campos usuais da atividade humana; incapaz de consolidar sua proeminência pessoal, ou mesmo de assegurar a sua posição do ponto de vista social e econômico.

Notas
1) N.T.: A Irmandade de Plymouth foi uma das mais puritanas seitas protestantes inglesas.
2) N.T.: Outra das mais fanáticas seitas protestantes inglesas.
3) As datas neste parágrafo possivelmente não são exatas. Não temos evidência documentária a nosso dispor no momento presente. – Ed.
4) Este traço curioso pode ser interpretador como evidência do senso poético dele, da sua paixão pelo bizarro e pelo misterioso, ou mesmo de sua aptidão para a Cabala Hebraica. Também pode ser interpretado como uma indicação da sua ancestralidade mágica.
5) O primeiro homem a derrotá-lo foi H.E. Atkins, campeão amador de xadrez da Inglaterra durante muitos anos.
6) N.T.: um compêndio popular nos colégios ingleses da época.
7) N.T.: Ele não menciona que esperava tirar primeiro lugar; se soubesse que tiraria sexto, teria se preparado durante uma semana…
8) N.T.: O aluno que tem que “se preparar” para um exame final não estudou durante o ano.
9) Similarmente, Swinburne recusou ser examinado nos clássicos em Oxford, declarando que sabia mais que os examinadores.
10) Também em xadrez tem derrotado muitos mestres internacionais, e no Continente é considerado um Mestre Menor. Mas não se pode ter certeza de que vencerá um jogador de segunda classe num torneio interno de clube.
11) N.T.: Seu último contato sério com o jogo foi quando se apresentou para competir num campeonato. A atmosfera de ânsia de resultado era tão patética entre os jogadores que ele se retirou e nunca mais se candidatou em tais competições.
12) N.T.: É impossível “destronar” um Mago. O máximo que se pode fazer é sucedê-lo – quando é tempo!
13) Exemplos, o Vulbez séraes em 1897 e.v.; o Mer de Glace, centro-direita, em 1899 e.v.
14) Isto foi escrito em 1920 e.v.; estes recordes podem não mais ser válidos.