quarta-feira, 8 de abril de 2020

Caminho da Alquimia


A alquimia é a arte de terminar algo que a natureza não realiza sem ajuda do homem. Então, torna-se muito saboroso o pão do trigo, muito delicioso o vinho da videira e um bom professor estimula o desenvolvimento dos germes da alma de seus alunos.

Aprendemos na arte da alquimia hermética que a fórmula original da vida é como um germe unigênito em toda criatura e em todo objeto que, no curso do processo da eterna evolução, se realiza de degrau em degrau. “Deus dorme na pedra, respira na planta, sonha no animal e desperta no homem.” É a tarefa do homem sábio liberar essa semente divina do escuro abraço da matéria. Paracelso diz: “Santo é o espírito que acende a luz da natureza.” Na “Voz do Silêncio”, de H.P. Blavatsky, lemos: “Ajudai a natureza, trabalhai em conjunto com ela, e a natureza vos terá como seu criador e vos obedecerá.” Alexander von Bernus, o alquimista e poeta do século 20, escreveu em palavras alegóricas: “A luz está adormecida no sal e a meta da alquimia é despertar de novo essa luz encantada”.

A visão “vertical” do Mundo

A frase núcleo da alquimia foi enunciada por Hermes Trismegisto: “Assim como é em cima, também é embaixo.” Essa verdade se encontra nos três pilares da cultura da humanidade: a religião, a ciência e a arte… Oramos: “Assim no céu, como na terra” (Pai Nosso). Paracelso nos lembra: “Como o cosmo, também o homem.” Ou seja, como o macrocosmo, assim o microcosmo.  C. G. Jung afirma: “Como a imaginação, assim a obra”. O neo-gnóstico físico conclui: “Como o elétron, assim o universo.” E a filosofia quântica sabe: “De acordo com a consciência do observador é o resultado do experimento.” A arte da alquimia, que é uma ciência espiritual universal, prova que a mesma fórmula original da vida é ativa de modo sincrônico em todos os níveis, material, anímico e espiritual. Então, para a arte da alquimia, a partir dessa visão “vertical” do mundo, se explicam todos os fenômenos da vida, do mais alto espírito até o menor grão de poeira.

Ora, sabemos todos e aprendemos diariamente que a nossa realidade humana de hoje pune a desobediência do axioma hermético. Então, porque o homem não age mais de acordo com as leis celestiais, o seu mundo não é mais paradisíaco. Assim, ele vive em uma realidade fragmentada, porque ele projeta no mundo as formas-pensamento de seu ego. Mas, a fórmula original divina ainda vive dentro dele, e também em seu mundo caído da Unidade. Lemos no Bhagavad Gita: “Brahma – sublime acima de todas as criaturas, mora, todavia, em todos. Ele não está fragmentado nas criaturas, mas age em todas.”

Agora é a obra da arte da alquimia reconduzir essa lei à sua realidade. Por isso, sublinha Paracelso: “A alquimia é uma arte proveniente de Deus e a correta arte da natureza”, para que a lei da unidade entre o macrocosmo e o microcosmo seja restabelecida novamente. Ela é um auxílio do Criador para os filhos da luz decaídos.

Os três princípios da alquimia

Os três níveis, do espírito, da alma e do corpo, encontramos em todos os lugares na arte hermética e, portanto, em sua filha, a alquimia. Lá o enxofre simboliza o nível espiritual, ele como elemento é de fogo e volátil. Na linguagem hermética consta: “O espírito usa o mais rápido dos elementos, o fogo.” O nível da alma é representado por mercúrio. Mercúrio, como elemento, tem duas naturezas, ele é gasoso e líquido. O mercúrio simboliza a mente do homem, a sua alma. Ele tem uma forma baixa de consciência, o pensamento, e uma forma mais elevada, o conhecimento direto, a iluminação. Por isso, os alquimistas falam de duplo mercúrio e compreendem a sua missão central de preparar o “Mercúrio de Mercúrio”. Isso significa: Elevar a mente do transitório para o eterno, e abrir a razão para a iluminação divina. Portanto, o mercúrio é o princípio central da Opus alquímica. O nível da forma material é representado pelo sal. Sal simboliza a matéria, os metais, e também o homem físico.

Paracelso fala de uma alquimia menor e uma alquimia superior. A alquimia menor é a obra engenhosa realizada, em laboratório, em dedicação incansável, com paciência e firmeza. No entanto, antes de qualquer trabalho em laboratório, o alquimista realiza o Invocatio Dei, a invocação do Altíssimo. Este ora et labora acompanha o trabalho dos verdadeiros alquimistas por toda a vida, unindo a alquimia menor com a superior. Assim, é simultâneo o trabalho de transmutação do verdadeiro alquimista em sua retorta e em seu microcosmo. O trabalho complexo e sutil é descrito com as palavras: “Solve et Coagula”.

Nesse processo algo também vai ser dissolvido, purificado de todas as escórias inúteis, para depois se tornar uma nova criação. No trabalho de dissolução deve ser liberada a “Quinta Essência”. O quinto elemento de base é a “Semente da Luz” que está presa à matéria. É uma força que atrai tudo que tem vida, livre de toda impureza e separada de todos os elementos. É o Spiritus Vitae, o “Espírito da Vida”, a sua essência. O Espírito da vida de todas as coisas (“Lebensgeist des Dinges”)

A matéria em si é composta de forças e características dos quatro elementos — do fogo, ar, água e terra. O processo de “Solve et Coagula” é repetido até que todos os elementos de base estejam em sua perfeição e a escória material, como Caput Mortuum, como um corvo negro ou um crânio, seja repelida.  O objetivo desse trabalho interior e exterior era a recuperação da “Pedra Filosofal”, o elixir pelo qual todas as coisas não nobres podem ser convertidas em perfeição e tudo o que é doente pode ser curado. A preparação dessa pedra Lapis philosophorum no homem se realiza pelo renascimento da Água e do Espírito, dessa realidade mais elevada da grande Opus alquímica.

Os sete metais planetários como pontes intercósmicas

Por que os metais tem uma posição chave na grande obra da alquimia? Os metais são ligados de três maneiras com a obra. No plano material, os metais formam substâncias resistentes, cujo germe de luz não morre quando são retirados fora de seus minérios. Quando se colhem plantas, elas morrem e, nesse caso, a quinta essência escapa rapidamente.  Portanto, os metais são, desde os tempos antigos, as substâncias mais adequadas para a Opus alquímica menor e essa é a razão pela qual a metalurgia já era bem desenvolvida nos primórdios da civilização.

Mas os metais têm também uma função-chave para a Opus superior da alquimia. São germes que os planetas semearam na Terra para acompanhar e estimular o desenvolvimento dela. Eles ligam o superior do mundo planetário com a terra mais baixa. Penetram todos os reinos da natureza e catalisam com oligoelementos todos os processos metabólicos dos seres vivos. Mas, além disso, os metais também determinam as disposições da alma do homem e formam as suas antenas internas através das quais as forças espirituais dos planetas se tornam ativas. Rudolf Steiner confirmou esse conhecimento quando disse: “O Homem é uma metalidade sétupla”.

Essa relação íntima do homem com os metais possibilita compreender os processos transmutativos síncronos dos metais em laboratório e a transformação da alma do adepto, a Opus no laboratório como uma metáfora visual de um processo espiritual de converter o chumbo da matéria em ouro do espírito. O “Martírio dos Metais” no laboratório, de que os alquimistas falam, se assemelha ao padecimento do adepto em seu caminho espiritual. Na realidade, ambos os aspectos, a alquimia inferior e a superior são idênticas; elas se condicionam e se possibilitam reciprocamente. Por isso, um texto alquímico diz: “O Alquimista somente pode encontrar a pedra filosofal quando antes a houver encontrado em si mesmo”.

A Magnum Opus alquímica, nos dois níveis, é o trabalho de uma vida, pois que, em última instância, a meta é o conhecimento. Alexander von Bernus expressa essa ideia em palavras poéticas, quando escreve: “Esta é a alquimia, ela é sem tempo, antiquíssima, gradualmente proporciona a elevação, em conhecimento, aos mundos cósmicos, até a sua origem, até a árvore da vida”.

A Tabula Smaragdina, a chave para a alquimia

O “Livro Sagrado” da alquimia baseia-se na Tabula Smaragdina de Hermes Trismegisto. De um lado do painel verde, uma imagem aponta simbolicamente para a Opus Magnum, do outro lado, podemos encontrar a missão de Hermes. Ela é criptografada (cifrada) três vezes. É possível deduzir no nível mais baixo uma instrução para dois processos sucessivos no laboratório, a produção de sulfato ferroso e de ácido sulfúrico, o “vitriolo verde” como Paul Chevallier realizou em laboratório. Mas, ao mesmo tempo, pode ser encontrada no texto pictórico: A “pequena obra”, a purificação da alma até a sua prima matéria, sua prontidão virginal; e a “grande obra”, que mostra o caminho para a realização do homem perfeito, ressuscitado no microcosmo. Apresentamos aqui o texto da Tabula Smaragdina, para que você possa assimilar de novo o seu ensinamento:

É verdade! É certo! É a verdade toda! 
O que está embaixo é como o que está em cima,
o que está em cima é como o que está embaixo,
para que os milagres do Uno se realizem.
E assim como todas as coisas se fizeram do Uno
através de uma mediação,
todas elas nasceram desse Uno por transmissão.
O seu pai é o sol,
a sua mãe é a lua,
o ar as teve em seu regaço,
e a sua ama foi a terra.
O pai de todos os talismãs é onipresente no mundo inteiro. 
Sua força permanece imaculada quando é usada na terra. 
Separa, com grande amor e profunda visão interna e sabedoria,
a terra do fogo, o que é delicado do que é duro, denso e solidificado. 
Da terra sobe ao céu, e de lá desce novamente à terra, adquirindo,
assim, para si a força do que está em cima e do que está embaixo. 
Assim possuirás a glória do mundo todo,
e por isso toda a treva fugirá de ti.
Essa é a força mais poderosa de todas as forças,
porque vencerá tudo o que é mole
e penetrará tudo o que é duro.
Assim o mundo foi criado. E dele se originarão, do mesmo modo,
criações maravilhosas. Por isso fui chamado Hermes,
o três vezes grande, porque possuo os três aspectos da
doutrina de sabedoria do mundo inteiro.
Completo está o que eu disse com referência à preparação do ouro.

Passamos agora para os sete degraus ou estágios de toda a Opus alquímica – e nos surpreende como os passos de purificação da alma e a revelação espiritual da nova criatura imortal estão em relação íntima com o mistério iniciático cristão; por isso não tem que se admirar que precisamente os místicos cristãos identificaram-no tão intimamente com o caminho interior da alquimia. Os primeiros degraus da Opus referem-se à purificação da alma que é uma condição necessária para garantir que a grande obra espiritual se realize. O objetivo do trabalho interior é de novo reconduzir a alma ao seu estado original em que ela começou a sua jornada no mundo da matéria. Uma frase básica da alquimia diz mesmo: ”Os corpos não podem ser transformados, mas retornarem a sua primeira matéria” (Eduard Kelly). Também os metais devem ser devolvidos à sua matéria original, antes de serem transformados (transmutados e transfigurados).

A “Prima Matéria”, o segredo da alquimia

A prima matéria é o desmedido mar primordial de maneira inominável. É o caos antes da obra do espírito de criação do mundo, a infantil inocência. É a essência, a semente de todas as coisas, a natureza eterna de Deus, a ideia que é a base da existência. Quando uma forma morre, a prima matéria sempre retorna outra vez para uma nova realização.

A representação anímica da prima matéria é o estado inocente da alma, o “aspecto-Eva” antes de ela ter provado do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal e, assim, ter se tornada culpada. Mas, através da vontade de divisão – do homem do paraíso, cresceu, ao mesmo tempo, a oportunidade de se desenvolver a consciência individual no caminho da experiência no mundo bipolar de espaço e de tempo.  Por esse caminho, então, a alma humana se envolveu e se ligou cada vez mais com o mundo da materialidade e acabou sendo capturada inteiramente e incluída no campo terrestre, onde ela espera a sua salvação. Bem, este Opus da alquimia interna prepara esta salvação via a força da alma do mundo, o espírito de Cristo.

Na alquimia é dito: “A prima matéria deve ser gerada do estado final do chumbo material satúrnico”. No nível da alma, isso significa: Nesse processo, o homem de hoje estando no estado individual e consciente, passo a passo, é enobrecido ao estado de alma pura, como simboliza a virgem Maria que esmaga a cabeça da serpente da tentação, prepara-se para a recepção do Espírito Santo e traz para o nascimento o filho da Luz. 

Os sete passos da “Opus Magnum”

Vamos olhar para as sete etapas por que passam os metais na retorta; e o homem em seu microcosmo antes de estar maduro para esse novo nascimento.

A Calcinatio 
Essa é a operação do fogo.

No laboratório se realiza a calcinatio quando um material é durante muito tempo aquecido até se transformar em pó fino e branco. Análogo a esse evento, a alma é nesse fogo da calcinatio livre de todas as escórias de origem terrena. O “Arcano” – a  nova alma, deve ser puro de elementos materiais brutos; Indestrutível pela dúvida e não passível de ser queimado com o fogo de paixão. A calcinatio pode ser realizada – ou pelos movimentos do destino, ou pelo homem que se tornou razoável e livremente se submete a este processo. Uma alma que não se movimenta, não pode também ser erguida e ficará petrificada. O inferno dos cristãos, que Dante na Divina Comedia também relatou, é uma calcinatio projetada no além. O fogo é a chave de toda a opus magnum. Assim, é importante fazer a sutil distinção entre as diversas qualidades do fogo e a sua origem. Há também o princípio do em cima e do embaixo. Para o nosso caminho interior, a alquimia superior, a qualidade do fogo superior é crucial. Há novamente três aspectos:

O primeiro aspecto é o mais alto poder do fogo, o divino arqui-fogo central que vive, como uma centelha do mar de Luz da divindade, no coração de nosso microcosmo. Essa centelha de fogo é a semente da vida eterna, livre do ouro terreno e vaidoso, e do amor-próprio no lótus do coração.

O segundo aspecto é o fogo Luz de Cristo, o fogo do amor, em cujo poder a purificação da alma pode ser concluída.

O terceiro aspecto do fogo, por fim, é o fogo de vida etérico, o Arqueus, como é chamado por Paracelso, que circula no corpo etérico e, por intermédio dos sete chacras, servirá como fonte de força ao homem material.

Os três aspectos do fogo inferior são:

O fogo natural interno, inato, a natureza de Arqueus, a semente universal latente da matéria;
O fogo natural gerado na retorta do alquimista, portanto, que decorre da separação realizada quimicamente dos princípios de enxofre, mercúrio e sal; e
O fogo elementar externo que é consumido no processo. Para manejá-lo, o alquimista precisa de grande experiência, prática e paciência.

Com isso, apenas temos descrito diferentes qualidades do fogo que é para que se possa entender que a verdadeira calcinatio acontece a partir do fogo superior, o amor radiação de Cristo que vive como a rosa das rosas em nossos corações, e ela não pode ser uma ação forçada da vontade do ego, o qual, pelo contrário, muitas vezes faz com que a flama interior fique asfixiada.

Cristo fala para os seus discípulos: “Sem mim nada podeis”. Nesse fogo interior, a nossa alma será tocada, completamente purificada e sempre de novo erguida, para um dia ser bem-vinda na casa do Pai.

E no evangelho de Tomé ele diz: “Aquele que está perto de mim, está perto do fogo, e aquele que está distante de mim, está distante da casa do Pai”.

As diferenças na qualidade do fogo superior que purifica e do fogo inferior que consome revelam-se muito impressionantes na figura de duas árvores de fogo – do místico Jacob Boheme. Ele diz: “A árvore da vida era acesa como fogo do Espírito Santo e a sua qualidade era queimada na inescrutável Luz e claridade. E a árvore da qualidade sombria, que é a outra parte da natureza, era acesa e queimada na ira de Deus”.

O “punitivo” aspecto do fogo inferior consumidor é manifestado nos símbolos cristãos do inferno e do julgamento. Devemos entender que o fogo infernal é um fogo autocriado, cuja alimentação provém de nossas próprias faltas. A vontade desenfreada e a ira devem ser queimadas. Esse é um processo doloroso, necessário para remover a raiz do mal. Ele faz sangrar o coração e faz gritar a natureza torturada.

O fogo divinal torna-se a inspiração para a alma purificada. Com perplexidade, vemos o milagre de Pentecoste, em que o Espirito Santo, na forma de línguas de fogo, desce sobre os apóstolos que o esperavam. O segredo pelo qual podemos acender o fogo interior é a flama do anseio de salvação.

Em um Yantra de fogo indiano, de Sri Poonja, podemos sentir a força de atração da saudade que “queima”: ”Se você tem um desejo ardente de liberdade, você tem tudo que precisa. Todo o universo é queimado por este desejo, também o seu ego e a sua identificação com o corpo. Abana as flamas de seu desejo e, se alguma coisa restar, jogue-a imediatamente de novo no fogo”.


O solutio
              Essa é a operação da água.

No solutio, a substância desaparece e se transforma em líquido; a matéria diferenciada retorna a um estado não-diferenciado primordial. A partir da analogia do que acontece no laboratório, somos rapidamente introduzidos no sentido interior do processo. Heráclito diz: ”Para as almas da natureza é morte se tornar água.” Essa dissolução completa na retorta conduz a um escurecimento do vaso. Mas como podemos ver a partir do tratado ”Aureus Hermetis” essa morte não é realmente o fim. Nele se afirma mesmo: ”Bendita é a fôrma da fonte de água que dissolve os elementos. Então o dia da elevação esta lá, então fogem as trevas e a morte e, lá em frente, a sabedoria progride”. E o rei ”eu” está se afogando para que um rei renovado possa ascender das águas do lago da vida.

No batismo cristão temos um símbolo do solutio. O batizando é submergido em uma energia transcendente, purificadora e rejuvenescedora, que o envolve como um manto protetor e lhe tira das limitações polares individuais e o leva de volta para o nível da prima matéria. A linguagem de Paulo é clara quando diz: “Para quantos fostes batizados em Cristo, atraindo o Cristo, não há homem nem mulher, pois todos vós sois um em Cristo”.

O dilúvio é um solutio mandado por Deus. Todo o velho foi dissolvido e o mundo foi reduzido na Prima Materia, por uma troca para uma nova-realização. Os alquimistas dizem: ”Cada coisa resulta naquilo em que deve ser diluída de novo”. Um grupo gnóstico antigo fala, em conexão com o processo do solutio, do “mar vermelho”. O mar vermelho devorou os egípcios (os ignorantes); no entanto, para os conscientes, pelo contrário, é um símbolo da água batismal de renascimento.

Então agora entendemos a profundidade do processo alquímico do solutio para alma: o verdadeiro eu deve mergulhar no mar vermelho dos contrários impulsos sanguíneos para emergir de lá renovado. O solutio significa a dissolução voluntária do ego no verdadeiro eu, o afogamento do ego na alma do mundo. Por isso, os Rosacruzes clássicos disseram: ”In Jesu morimur” – em Jesus morremos.

No final desta reflexão sobre o solutio, gostaríamos de citar uma palavra de João que nos liga diretamente com o núcleo do solutio bem sucedido:

“Aquele que bebe da água que eu (Jesus) lhe der nunca terá sede, porque a água que eu lhe der será para ele de uma fonte borbulhante cuja água dá a vida eterna.”

O Coagulatio
           Esta é a operação da terra

Aqui, a parte superior, o volátil, torna-se “fixo”, isto é, ligado com a parte inferior.

No laboratório, por arrefecimento ou por evaporação, forma-se uma substância tal como, na nossa cozinha, o processo de aquecimento coalha o branco do ovo. Algo será concretizado em um molde transformado em “terra”, mas sem a solidificação final total.

Nos Upanishads, é nos dada uma imagem clara: ”Como a manteiga escondida no leite assim a pura consciência habita em cada ser”.

O processo de coagulação é promovido por meio de ação. Para assentar o espírito é necessária a coagulação; colocar uma idéia fugaz expressa em uma palavra significa um processo de coagulação. A analogia é por si já uma coagulação para o entendimento. O processo de encarnação é uma coagulação – o espírito será ligado à individualidade.

Em um texto neoplatônico lemos: ”Assim como a alma, do pico mais alto e da Luz eterna, olha para baixo e pondera com o desejo secreto a tendência instintiva do corpo; desce, gradualmente, por seus meros pensamentos terrenos para um mundo inferior”.

Em cada esfera particular ela recebe uma capa etérica, a fim de que, assim, passo a passo, possa entrar em comunhão com vestuário terrestre. E assim “ela chega por tantas mortes, pela travessia das esferas, nesta chamada vida na terra”.

Que bela é a parábola da canção da pérola dos atos apócrifos de Tomé, em que o filho do rei deixa o palácio celestial de seus pais, tira o seu vestido de raios, desce para o Egito e veste as roupas do povo que vive lá. Sua missão era conquistar a pérola escondida no mar – a semente da Luz aprisionada, que era guardada por um dragão, e trazê-la para a sua casa. Isto se torna possível apenas com o auxilio de seus pais celestiais. Após o seu retorno, depois de receber o seu vestido de raios com o emblema de vencedor, ele é levado ao trono do rei dos reis. Reconhecemos nesta lenda antiga uma relação interior com a parábola cristã do filho pródigo. O desejo da vida na matéria provoca a encarnação e está sempre associada com a culpa.

Buda diz: ”Você somente é livre para o Nirvana quando a sua fome por vida estiver totalmente silenciada”.

Embora o processo do coagulatio seja conectado com o tornar-se culpado, ele contém o seu próprio poder para salvação. Se a pressão do cativeiro na matéria se transformar em nostalgia e arrependimento, a salvação torna-se possível. Sem se tornar culpado por coagulação na carne, não podemos desenvolver a consciência individual e não nos tornamos aptos para a salvação. Por isso se diz em um antigo ritual cristão: ”O feliz falso passo de Adão foi quem nos possibilitou o salvador Cristo.” A coagulação que salva é a encarnação do Verbo, cuja meta é a salvação da raça humana.

O ritual mais sublime da coagulação é a Ceia do Senhor. A força imortal da alma do mundo – Cristo, coagula no pão e liga o homem com o corpo celestial do Cristo. ”E o pão que darei é a minha carne, que darei pela vida do mundo.”

É a tarefa para alma humana em sua opus magnum realizar o nascimento da Luz no vaso terrestre do próprio microcosmo, o Verbo eterno no próprio sistema permite se tornar carne.

O sublimatio
         Esta á a operação do ar

Na sublimação transforma-se um estado sólido em estado gasoso. Há uma operação de elevação. Aqui vemos a inversão da coagulação: o inferior, o sólido, torna-se volátil.

O Sublimatio libera o espírito que está oculto na matéria, a quinta essência, ele separa o baixo do alto, o sutil do denso. No nível da alma, isso significa um avanço consciente para o plano das ideias puras para contemplar as leis da vida divinal e, em seguida, com a seriedade do recolhimento interior, realizá-las na própria personalidade.

Temos muitos símbolos mitológicos para a sublimação:

Hércules se levanta da sua fogueira diretamente para o céu.
Elias foi sublimado pelo fogo. Sua ascensão foi fruto de seu fervor religioso.
Cristo levou 40 dias, após a sua ressurreição, para se elevar ao céu.
A escada para o céu é um símbolo da sublimação. A alma se levanta e sobe degrau a degrau até o céu. Na divina comédia de Dante, encontramos uma bela imagem desta subida.
A sublimação significa um arrebatamento final na eternidade, que a alma realizou no tempo. A sublimação é intimamente ligada com a coagulação. Um texto alquímico diz: ”Sublima o corpo e coagula o espírito”. O movimento ascendente da circulação imortaliza, enquanto o movimento descendente personaliza-se na consciência.

A Tabula Smaragdina diz: “Da terra sobe ao céu, e de lá desce novamente à terra, adquirindo, assim, para si, a força do que está em cima e do que está embaixo. Assim possuirás a glória do mundo todo, e por isso toda a treva fugirá de ti”.

A atenção do verdadeiro alquimista não é direcionada para a sua própria salvação, mas para a libertação de Deus da escuridão da matéria.

O Mortificatio ou o Putrefactio
       Este é um processo de decomposição pela putrefação

O mortificatio vem após o coagulatio porque na morte se realiza a verdadeira dissolução dos corpos. O que se fez carne deve morrer. Na alquimia é dito: ”A decomposição antecede a produção de uma nova forma.” A instrução direta é: ”Conhecei, filhos da sabedoria, que vós deveis deixar o composto se decompor durante 40 dias”. Mais uma vez estamos diante de uma analogia com o mito da iniciação cristã: 40 dias os israelitas marcharam pelo deserto; Elias jejuou 40 dias no deserto; 40 dias Jesus ficou no deserto e foi tentado; 40 dias decorrem entre a ressurreição e a ascensão.

A mortificação está ligada ao medo. A confrontação com a sua própria mortalidade provoca o medo, mas ao mesmo tempo possibilita a consciência. ”O temor ao Senhor” é o início do conhecimento, diz Paulo. No evangelho de João há uma bela parábola do mortificatio: ”Se o grão de trigo não cai na terra e morre, ele permanece grão, mas se morre dá muitos frutos.” Paulo mostrou de uma forma impressionante o processo alquímico da transformação interna da mortificação com as seguintes palavras: ”Semeia-se em corrupção e renasce em incorrupção, semeia-se um corpo natural e ressuscita um corpo espiritual”.

O mortificatio será experimentado na personalidade como uma tragédia – de uma derrota e fracasso, então, ao medo é dado espaço. Na paixão de Jesus, experimentamos também esse medo de morrer: ”Pai se possível afasta de mim este cálice”. ”Pai, por que me abandonaste?” Como um vencedor da cruz da natureza ele transmite a seus sucessores: ”Quem quiser ser meu discípulo, negue a si mesmo e siga-me. Pois quem quiser salvar a sua vida a perderá, mas quem perde a sua vida por minha causa acha-la-á”.

O mortificatio é o processo do eterno “morrer e devir”, da aceitação da diária morte na cruz da natureza. O segredo desta cruz da natureza é o segredo do fracasso. Nossos pecados originais, pelos quais podemos falhar de novo e de novo, são também ao mesmo tempo as deformações das sete funções dos metais em nossa existência:

O pecado original do chumbo de saturno é a avareza,

Do estanho de Júpiter é a avidez,

Do ferro marciano é a raiva,

Do ouro do sol é a arrogância,

Do cobre de Vênus é a luxúria,

Do mercúrio de Mercúrio é a inveja e

Da prata da Lua é a indolência.

É o Cristo quem transmuda esses nossos pecados-raízes em frutos do espírito, e Deus quem transforma, em seu filho, as nossas derrotas em sua vitória. Assim, os metais em nós finalmente serão transmutados em talismãs, como Apollonius de Tyana experimentou e descreveu em seu livro “O Nuctemeron”.

O separatio
Ela será alcançada por destilação, sublimação e evaporação.

É a ultima grande provação antes da perfeição. Trata-se da separação dos componentes que estão ligados e em parcial oposição em um composto. Dentro deste processo, por meio de repetidas destilações, serão separados, um do outro, os princípios enxofre, mercúrio e sal. Da confusão e da mistura, cria-se ordem. Vemos este processo na historia da criação que é repetida simbolicamente no laboratório. Deus separa a luz das trevas, o céu da terra, o mar da terra. O agente da separação era o Logos, que moldou a si mesmo como matriz onipresente no processo de separação e, portanto, representa o conjunto coeso que prevalece sobre tudo que é separado.

A experiência dos opostos possibilita uma consciência crescente. Por isso, o primeiro homem decidiu comer da árvore do conhecimento do bem e do mal. Mas, com essa decisão, ele realizou um segundo separatio muito incisivo. Ele, o portador de uma alma imortal, mergulhou no mundo efêmero do espaço e tempo. Assim, ele se tornou um cidadão de dois mundos. Ele criou ao mesmo tempo o seu mundo, que é isolado da unidade, e realizou a ruptura entre o superior e o inferior. Por isso, ele deve reverter a decisão de sua vontade e, com ajuda do grande opus da transmutação, reconduzir para o estado da prima matéria a si mesmo, os seus metais, caídos em si mesmo, e, finalmente, todo o mundo, para que a verdade do “em cima como em baixo” seja restaurada.

Mestre Eckhart experimentou esse conhecimento em uma visão mística e a concentrou nas seguintes palavras: ”A pureza da alma depende de que ela seja purificada de uma vida que é dividida, entrando em uma vida que é unidade”.

O processo de separatio repetido sempre no laboratório, através de muitas destilações que freqüentemente duram semanas inteiras, executa uma clara separação de todas as misturas. Para o processo de transmutação da alma, isso significa que a joia do discernimento deve ser sempre de novo desenvolvida com muito cuidado. Por isso, a primeira condição é o conhecimento de o próprio ser e a percepção crescente das duas ordens de natureza em o próprio ser. ”Decompõe a terra do fogo, o sutil do denso, suavemente e com muito cuidado”. O retorno final à unidade consiste em adquirir agudeza de consciência do poder de distinção, para que a separação final do eu e do não-eu se realize. Deve ser realizada a distinção clara do mundo divino, do único bom, e do mundo terrestre espaço-temporal, em que dirigem as forças gêmeas “bem e mal” e seu jogo da confusão. No livro “A voz do silêncio”, de H.P. Blavatsky, lemos: ”Saiba distinguir o falso do verdadeiro, o sempre em movimento do eterno ser, antes de dar o primeiro passo em seu caminho”.

O juízo final é um ato de separatio, mas ao mesmo tempo um ato de justiça compensador. No evangelho de João é dito: ”O filho do homem separará as ovelhas dos carneiros, os perfeitos dos imperfeitos”.

Os imperfeitos serão lançados no fogo de uma nova calcinação. Dessa perspectiva, o separatio não é a ultima etapa no grande Opus, mas vai adiante do conjuntio, assim como no laboratório alquímico. ”Limpa o marido e a mulher, separadamente, de modo que eles se unam mais intimamente, porque se você não os limpa, não podem amar um ao outro”.

O separatio é a ultima operação de limpeza, sobre a qual Johann Valentin Andreae, em seu “Casamento Alquímico do Christian Rosenkreuz”, escreveu uma rima:

“Hoje, hoje, hoje

            É o casamento do Rei…

            Cuida!

            Observa a ti mesmo.

            Se não tomares banho,

            O casamento poderá fazer mal a ti”

O conjunctio
É a culminação do Opus Magnum

No laboratório, temos uma parábola impressionante: Sulfur e Mercurius, enxofre e mercúrio, se ligam e produzem Zinnober (Zinabre), uma nova substância com novas qualidades. Há um menor conjunctio quando a limpeza das duas substâncias ainda não está totalmente realizada; aqui deve seguir novamente o mortificatio.

Uma bela parábola diz: ”Mas este casamento começa com a expressão da felicidade e tem por conseqüência a amargura da tristeza”. Essa amargura é produzida sempre quando “a alma prefere o casamento com o corpo, ao casamento com o espírito”, como lemos no Corpus Hermeticum. Assim, o aspecto de Vênus de amor terreno é uma boa alegoria e uma tentativa de aproximar em harmonia as forças gêmeas da natureza em sua própria alma; é uma virtude especial, mas apenas o primeiro degrau para o grande conjunctio. No processo da transmutação no laboratório, será realizado o refinamento até alcançar o degrau da prata pura.

No grande conjunctio, trata-se da preparação para o casamento alquímico entre a alma purificada e o espírito, o Pymander. A alma que de novo se tornou a água da prima matéria, ”mercúrio do mercúrio”, se casa com o espírito. O estado do início, quando o espírito pairava sobre as águas, é alcançado. É a realização do “nascer de novo da água e do espírito” do mistério de iniciação crístico. Dessa união, nasce uma nova criatura – a partir do poder do Santo Espírito. A alma renascida, a transmutada personalidade do homem e o espírito se tornaram em uma unidade perfeita no vaso microcósmico. Esta nova criatura, este filho da sabedoria, tornou-se para si mesmo em pedra filosofal. Ele personifica o puro ouro do espírito e pode estimular a todos os seres vivos a atingir a perfeição por meio do poder de seu amor e curar todos os doentes, como o ouro purificado transforma no laboratório todos os metais comuns (não nobres) em ouro.

Na alquimia, então, esse é o significado universal de ”multiplicatio”, o aumento maravilhoso que alimenta tudo para o enobrecimento. Alquimia é a arte de enobrecimento, como dissemos no inicio. No nível mais alto da alquimia, a visão de Paulo, para uma manifestação do Espírito, será para nós o que confirma essa lei interior:

Ele escreve na primeira carta aos Coríntios, capítulo 15: ”O primeiro Adão era uma alma vivente, o último Adão será um espírito vivificante”

Aqui você encontrará a arte hermética em plena realização. A forma mais pura de conjunctio é o se tornar Um, do Filho com o Pai Divino. Lembramos as palavras bíblicas: ”o Pai e Eu somos Um”. Então, o filho de luz pródigo, agora filius sapientiae, retorna à casa do Pai. Assim, “em verdade, certamente e sem dúvidas o baixo é o mesmo do alto, e o alto se assemelha ao baixo, para que se realizem os milagres de uma única coisa”.

A atemporal Arte da Alquimia

A alquimia é uma mestra no tear do tempo, que tem à disposição, sem parar, a sua capacidade de transformar. Nestes dias, da era de aquário, em que se trocou uma física mecanicista para uma oitava superior de uma filosofia quântica, uma “Al-física”, encontramos de modo atual uma oportunidade que nos traz de volta para o limiar da Prima Matéria, para a onipotência não manifestada.

Esta porta, aberta pela percepção da presença consciente, ante o mar das infinitas possibilidades e da onipresença, fica franqueada diante de nós. Nesta terra de ninguém, entre o ontem incorrido e o ainda não nascido amanhã, está uma folha não escrita em nosso livro da vida, o Eterno Agora. No espaço da plenitude não-manifestada, nosso eu, que é o do espaço e do tempo, não tem entrada e somos de novo ligados com a nossa fonte interior criadora, o cintilar divino na arca de nosso coração. Nossa consciência associada com esta Fonte se torna um criador que chama da indefinida matriz universal uma nova manifestação.

Assim, podemos, agora e imediatamente, nos tornar verdadeiros alquimistas, alguém que, no processo de transmutação para a perfeição, colabora.