terça-feira, 17 de agosto de 2021

Hipóstase


Hipóstase (em grego clássico: ὑπόστᾰσις - hypostasis, "substância") é um termo grego que pode se referir à natureza de algo, ou a uma instância em particular daquela natureza. Durante as controvérsias cristológicas e trinitárias nos séculos III e IV, o segundo significado prevaleceu no uso da doutrina. O termo passou a ser um sinônimo da palavra latina persona, o indivíduo de uma natureza racional. A partir do século IV passou a ser contrastado com o termo ousia como significando 'realidade individual' nos contextos cristológicos e trinitários.

O termo ainda é utilizado em grego moderno com o significado de "existência", juntamente com o termo ὕπαρξις (hýparxis) e τρόπος ὑπάρξεως (tropos hypárxeos), este último significando "existência individual".


Teologia Cristã


Nos concílios ecumênicos, a terminologia do termo foi clarificada e padronizada para que a fórmula "Três hipóstases em uma ousia (essência)" fosse aceita como a epítome da doutrina ortodoxa sobre a Trindade: de que o Pai, o Filho e o Espírito Santo são três diferentes hipóstases em uma única divindade. A palavra também é utilizada para se referir à divindade de Cristo, na chamada união hipostática de suas naturezas - divina e humana - em uma única hipóstase.

A palavra em si foi tema de grande controvérsia e confusão ao longo dos anos, especialmente no debate entre os críticos da doutrina da Trindade e seus defensores.


Cristianismo Primitivo


Nas obras do cristianismo primitivo, o termo é utilizado para denotar o "ser" ou a "realidade substantiva" e nem sempre é possível distinguir seu significado da palavras ousia (essência). Ele foi utilizado desta forma por Tatiano, Orígenes e no anátema anexo ao Credo de Niceia (325).


Concílios Ecumênicos


Foi principalmente sob a influência dos Padres Capadócios que a terminologia foi padronizada para ser utilizada na definição ortodoxa da Trindade. Este consenso, porém, não foi conquistado facilmente. Os teólogos no ocidente traduziam "hypo-stasis" como "sub-stantia" (substância) e entendiam que os teólogos orientais, quando falavam em "três hipóstases" na divindade estariam falando de três "substâncias", gerando confusão e acusações de triteísmo. A partir de meados do século IV em diante, a palavra passou a ser contrastada com ousia e utilizada para significar "realidade individual", especialmente nos contextos trinitários e cristológicos.


Filosofia


Na filosofia de Plotino, Deus se deriva em três hipóstases - uno, nous (inteligência) e alma -, que ele comparava, respectivamente, à luz, ao sol e à lua. Mas o termo foi utilizada por diferentes tradições filosóficas com significados totalmente diferentes daquele adotado por Plotino. Também é encontrado entre os gnósticos. Um dos livros da biblioteca de Nag Hammadi se chama "A Hipóstase dos Arcontes".

No artigo Questões de Método, que serve de Introdução ao livro Crítica da Razão Dialética, do filósofo francês Jean-Paul Sartre, podemos obter um bom exemplo do emprego contemporâneo do termo hipóstase:


Para alguns, a Filosofia aparece como um meio homogêneo: os pensamentos nascem e morrem nele, os sistemas nele se edificam para nele desmoronar. Outros consideram-na como uma certa atitude cuja adoção estaria sempre ao alcance de nossa liberdade. Ainda para outros, é vista como determinado setor da cultura. Em nossa opinião, a Filosofia não existe; sob qualquer forma que seja considerada, essa sombra da ciência, essa eminência parada da humanidade não passa de uma abstração hipostasiada. De fato, existem várias filosofias. Ou melhor - porque nunca encontrareis, em determinado momento mais do que uma que seja viva -, em certas circunstâncias bem definidas, uma filosofia se constitui para dar expressão ao movimento geral da sociedade; e, enquanto vive, é ela que serve de meio cultural aos contemporâneos. Esse objeto desconcertante apresenta-se, simultaneamente sob aspectos profundamente distintos, cuja unificação opera constantemente.

 

— Crítica da Razão Dialética, Jean-Paul Sartre.


Nesse parágrafo, Sartre demonstra como a ideia de uma Filosofia, normalmente designada por nós como a Filosofia, na verdade, só existe em nossa mente. O que a história demonstra é que cada período possui a sua filosofia, não podendo unificar tudo isso ao nome de a Filosofia.

Apoteose

 


A apoteose consiste em elevar alguém ao estatuto de divindade, ou seja, endeusar ou deificar uma pessoa devido a alguma circunstância excepcional. No mundo antigo esta circunstância era geralmente considerada para os heróis.

Por extensão, utiliza-se o termo apoteose quando se atribui exageradamente a alguém honrarias ou qualidades. No teatro, a apoteose corresponde ao ponto final de uma cena que decorre de maneira espetacular.

O termo apoteose remete para o tema da divindade e tem duas acepções principais: uma ligada à civilização romana ou civilizações anteriores, e outra que constituiu o seu prolongamento para o domínio da história da arte.

Para as religiões de mistérios da antiguidade, apoteose constituía o momento ritualístico da união com divino (Uno), ou mesmo, "tornar-se deus".


Apoteose Antiga

Antigo Egito


Antes do período helenístico, o culto imperial era exercido no Antigo Egito (aos faraós) e na Mesopotâmia. A partir do Império Novo, todos os faraós falecidos foram deificados como Osíris.


Grécia Antiga


Na Grécia Antiga, e pelo menos desde o chamado período geométrico no século IX a.C. os heróis há muito falecidos estavam ligados a mitos fundadores das cidades gregas sendo-lhes prestados cultos ctónicos nos seus heroon, os templos dedicados aos heróis.

No mundo grego, o primeiro líder a dar a si próprio honras divinas foi Filipe II da Macedónia, que era um príncipe, quando os gregos já tinham afastado as monarquias, e que tinha extensas ligações económicas e militares, embora por vezes antagonísticas, com a Pérsia Aqueménida, onde os reis eram divinos. No seu quinto casamento, a imagem de Filipe entronizado foi levada em procissão entre os deus do Olimpo. "O seu exemplo em Aigai tornou-se um hábito, passado aos reis da Macedónia que mais tarde seriam venerados na Ásia Grega e daí para Júlio César e para os imperadores de Roma"

Estes líderes helenísticos poderiam ser elevados a um estatuto igual ao dos deuses antes da sua morte (como, por exemplo, Alexandre, o Grande) ou depois (por exemplo, os membros da dinastia ptolemaica). O culto aos heróis similar à apoteose era também uma honra concedida a alguns artistas do passado distante, como Homero.


Roma Antiga


A apoteose na Roma Antiga era um rito funerário da religião romana, porventura o mais honorífico, e que elevava o defunto à categoria dos deuses. A apoteose era marcada pelo voo de uma águia desde o leito fúnebre até à morada celeste dos deuses. O defunto recebia o qualificativo de divinus (divino). Júlio César foi o primeiro a receber a apoteose segundo a decisão do senado. Mais tarde, o senado decidiu aplicar a apoteose para a maior parte dos seus sucessores, incluindo Constantino I e o seu filho Constâncio II.


Antiga China


A obra Investidura dos Deuses, épico da dinastia Ming, inclui muitas lendas de deificação. Vários mortais foram deificados no panteão daoista, tais como Guan Yu, Iron-crutch Li e Fan Kuai. O general Yue Fei, da época da dinastia Song, foi deificado durante a dinastia Ming e é considerado ser um dos três generais de mais alto posto no exército celestial.


No cristianismo


A teologia cristã tradicionalmente faz uma distinção entre teose (ou Theósis) e apoteose. A fé ortodoxa vê Jesus como uma deidade pré-existente que tomou existência mortal, e não como um mortal que atingiu a divindade (ver arianismo). Em relação aos seres humanos, a teologia mística da Igreja Ortodoxa descreve a situação como "theosis": os seres humanos entram na vida divina da Trindade através de Jesus Cristo.


Tema artístico

Pintura e escultura


A apoteose na história da arte constitui um tema iconográfico (usado na escultura e também na pintura) onde é representada a recepção de uma personagem principal entre os deuses, no domínio celestial ou no panteão da civilização em que se enquadre.

Na arte a matéria é prática: a elevação da figura humana ao divino segue determinadas convenções. Assim é de modo que o tema existe na arte cristã e em muitas outras. As entidades da apoteose podem ser vistas como sujeitos que enfatizam a divindade de Cristo (Transfiguração, Ascensão, Cristo Pantocrator) e figuram pessoas santas "in gloria" - ou seja, nos seus papéis de "revelados por Deus".

A apoteose é a suprema glorificação para a figura representada. Enquanto encenação do poder político, o Palazzo Vecchio de Florença apresenta uma impressionante apoteose do seu soberano, o Grão-Duque de Médici, na Sala dos Quinhentos, no tecto; o tondo central representa-o em majestade com todos os brasões das cidades conquistadas, e as armas heráldicas da família Médici; um anjo entrega-lhe o seu ceptro, e outro coloca-lhe uma coroa sobre a cabeça.

O visitante deve levantar a cabeça para o alto para ver esta pintura que está mais de oito metros acima de si: é a apoteose do grão-duque.

Os Sforza quiseram igualmente inscrever a sua majestade com uma estátua equestre que relembrasse o gesto de Alexandre, o Grande e pediram a Leonardo da Vinci, que fizesse os planos para essa estátua, mas esta nunca foi construída.

Artistas mais recentes usaram o conceito por motivos que vão desde o simples e sincero respeito pelos falecidos (Constantino Brumidi tem um fresco "A Apoteose de Washington" na cúpula do Capitólio em Washington, D.C.), ao enquadramento artístico (Salvador Dalí usou muitas apoteoses e Jean-Auguste Dominique Ingres pintou uma "Apoteose de Homero"), e mesmo ao efeito cómico.

Muitos líderes modernos exploraram as imagens artísticas se não mesmo a teologia apoteótica. Exemplos disto são as figurações de Jaime VI da Escócia e I de Inglaterra por Rubens na "Banqueting House" (uma expressão do divino direito dos reis) ou de Henrique IV de França, ou Appiani e a sua apoteose de Napoleão Bonaparte. O termo é usado figurativamente para se referir à elevação de um líder morto, frequentemente assassinado ou martirizado para o estatuto de figura super-humana carismática e à remoção de todas as faltas ou controvérsias que estiveram a si ligadas em vida - por exemplo, Abraham Lincoln nos Estados Unidos, Yitzchak Rabin em Israel, ou, num plano diferente, Kim Jong-il e Kim Il-sung na Coreia do Norte.


Música


O termo apoteose na música refere-se ao surgimento de um tema de forma majestosa ou exaltada. Representa o equivalente musical do género apoteótico nas artes visuais, especialmente onde o tema está ligado de algum modo a personagens históricas ou caracteres dramáticos. Ao coroar uma cena musical a apoteose funciona como uma peroração, ou seja, a utilização de um desfecho forte para impressionar o auditório, seguindo uma analogia com a arte da retórica.

Os momentos de apoteose são abundantes na música, e a própria palavra surge por vezes. Hector Berlioz usou-a como título para o andamento final da sua Grande symphonie funèbre et triomphale, um trabalho composto em 1846 para a dedicação do monumento aos mortos da França nas guerras. O compositor checo Karel Husa, preocupado em 1970 com a proliferação de armas e a deterioração do meio ambiente, chamou ao seu responso musical Apoteose desta Terra. Maurice Ravel fez o mesmo com a peça Ma Mère L'oye, cujo último movimento - Le jardin féerique, é uma apoteose.


Literatura


Joseph Campbell, no seu livro The Hero With a Thousand Faces, escreve que o Herói Universal do monomito deverá passar por um estado de apoteose. De acordo com Campbell, a apoteose é a expansão da consciência de que o herói terá experiência após derrotar o seu inimigo.

Arthur C Clarke, em Childhood's End, colocou os overlords a referirem-se à "apoteose" da Humanidade.

Stephen King, no primeiro livro de The Dark Tower (The Gunslinger) inclui a frase The desert was the apotheosis of all deserts.

Theosis

 


Na teologia cristã, particularmente na teologia da igreja ortodoxa, teósis ou theosis (também escrito: theiosis, theopoiesis, theōsis; grego:Θέωσις, significa divinização, deificação ou criação divina) é o processo de transformação de um crente que está pondo em prática (chamada praxis) os ensinos espirituais de Jesus Cristo e seu Evangelho. Em particular, theosis refere-se à realização de semelhança a ou união com Deus, que é o estágio final do processo de transformação e, como tal, o objetivo da vida espiritual. Theosis é o terceiro de três estágios; o primeiro é a purificação (katharsis) e o segundo iluminação (theoria). Por meio da purificação uma pessoa alcança a iluminação e então a santidade. Santidade é a participação da pessoa na vida de Deus. Conforme esta doutrina, a santa vida de Deus dada em Jesus Cristo ao crente através do Espírito Santo, é expressada através de três estágios de theosis, começando nas lutas da vida, que aumenta na experiência do crente através do conhecimento de Deus, e é posteriormente consumada na ressurreição do crente, quando o poder do pecado e da morte, tenha sido completamente vencido pela expiação de Jesus, perderá o domínio sobre o crente para sempre. Essa concepção de salvação é historicamente fundamental para a compreensão cristã, tanto no Oriente como no Ocidente.

sábado, 14 de agosto de 2021

O Santo Graal

Santo Graal ( ou Sangraal ) é uma expressão medieval que designa normalmente o cálice usado por Jesus Cristo na Última Ceia. Ele está presente nas lendas arturianas, sendo o objetivo da busca dos cavaleiros da Távola Redonda, único objeto com capacidade para devolver a paz ao reino de Artur. No entanto, em outra interpretação, ele designa a descendência de Jesus ( o sangraal ou sangue real ), segundo a lenda, ligada à dinastia Merovíngia. Finalmente, também há uma interpretação em que ele é a representação do corpo de Maria Madalena, a suposta esposa de Jesus e sua herdeira na condução da nova religião.


O SIMBOLISMO DO GRAAL

O símbolo do cálice sagrado, enquanto motivo de poder e fonte de milagres, é tão antigo quanto a História. O SANTO GRAAL teve múltiplos precursores e apareceu sob variadas formas antes de ter sido identificado com o cálice do ritual usado na missa católica. Muitas vezes o GRAAL foi descrito não como um cálice, mas como uma pedra. Neste sentido o símbolo é profundamente alquímico, ou seja – a conciliação dos opostos mediante a harmonia entre o céu e a terra. A etimologia da palavra Graal é controvertida. Costuma-se considerá-la como oriunda do latim "gradais" - cálice. Outros dizem que "Graal" vem de outra palavra latina - 'graduale' que significa 'gradual" um livro de orações e cânticos místicos.

Os celtas se referiam ao Graal como um caldeirão e a lenda em torno de um cálice sagrado pode ter relação com a importância que os celtas davam ao caldeirão, onde os druidas preparavam suas poções mágicas.

Esse conceito popular lembrava-lhes abundância e renascimento. Muitos personagens míticos dos celtas estavam envolvidos com esse símbolo: Nasciens, foi transportado por mãos invisíveis para uma ilha onde lhe apareceu um caldeirão mágico; Dagda fortalecia os guerreiros com o alimento do caldeirão. Outro caldeirão célebre foi o pertencente à deusa Caridween, que preparou uma poção para infundir sabedoria em seu filho.

Os recipientes, como a taça, o caldeirão e os vasos, são símbolos do útero, a matriz da vida e a espada o órgão masculino fecundador. É no vazio que acontece o ciclo permanente de nascimento, morte e renascimento. Os cálices são oferendas ao espírito desconhecido que preside determinado tempo e local, uma oração que se eleva a Deus, pedindo que seu Espírito desça à terra. Este é o significado sagrado da missa católica: dois movimentos de direções opostas – o cálice voltado para o céu e o espírito projetando-se sobre ele – formam o ciclo de dar e receber, o eixo entre o superior e o inferior.


A LENDA ORIGINAL

Antes do século VII, a tradição e a Bíblia propiciaram o desenvolvimento de uma lenda intrigante sobre o cálice sagrado. Diz essa lenda que, antes da criação do homem, houve uma grande batalha no céu. O Arcanjo Miguel e seus anjos guerrearam contra Lúcifer. O adversário e seus anjos combateram ferozmente, diz a Bíblia; "todavia não venceram, nem acharam mais seu lugar no céu. E a antiga serpente, o Grande Dragão chamado demônio ou satanás foi expulso de lá sendo atirado para a terra com seus anjos". Diz a lenda que Lúcifer trazia um pedra colada na testa, uma esmeralda que funcionava como um terceiro olho. Quando Lúcifer foi atirado pelo Arcanjo Miguel à terra, a esmeralda partiu-se e sua visão ficou prejudicada. Um pedaço permaneceu em sua testa dando-lhe uma visão distorcida de sua situação como anjo caído; o outro fragmento foi guardado pelos anjos. Mais tarde, o Graal foi esculpido neste segundo pedaço.


AS LENDAS DO CÁLICE SAGRADO

Parece que durante sua presença na terra, o GRAAL necessitou de um abrigo e, dado ao seu caráter espiritual, essa habitação deveria ser um templo especialmente projetado para esse fim e oculto da visão dos profanos.

Mesmo se encararmos o GRAAL como um tema pertencente aos planos inexplorados da alma, restam-nos alguns enigmas históricos relacionados com a figura de Jesus Cristo, José de Arimatéia, o Rei Arthur e, mais tarde, com os estranhos acontecimentos que marcaram a vida e agonia dos Cátaros na região do Languedoc, no sul da França.

Esses episódios, custaram a vida de milhares de pessoas e permanecem até hoje como indicadores da provável existência física de um Rei e Sacerdote do Santo Graal. Seria esse o Rei, eterno e onipresente Sacerdote da Távola Redonda, uma versão medieval inglesa relacionada à mesa da Última Ceia, sob a proteção de Arthur ? Ou seria essa Mesa Redonda uma forma de os místicos simbolizarem os círculos do infinito celeste e a egrégora da Grande Fraternidade Branca?

Conta uma antiga lenda cristã, que José de Arimatéia teria recolhido no cálice, usado na Última Ceia, o sangue que jorrou de Cristo quando ele recebeu o golpe de misericórdia, dado pelo soldado romano Longinus, usando uma lança, depois da crucificação.

Em outra versão, teria sido a própria Maria Madalena, segundo a Bíblia a única mulher além de Maria (a mãe de Jesus) presente na crucificação de Jesus, que teria ficado com a guarda do cálice e o teria levado para a França, onde passou o resto de sua vida.

A lenda tornou-se popular na Europa nos séculos XII e XIII por meio dos romances de Chrétien de Troyes, particularmente através do livro "Le Conte du Graal" publicado por volta de 1190, e que conta a busca de Sir Percival pelo cálice.

Mais tarde, o poeta francês Robert de Boron publicou Roman de L'Estoire du Graal, escrito entre 1200 e 1210, e que tornou-se a versão mais popular da história, e já tem todos os elementos da lenda como a conhecemos hoje.

Finalmente, o poeta Wolfram von Eschenbach criou a mais inventiva e surpreendente versão para a história do Graal, em sua obra "Parsifal", escrita entre os anos de 1210 e 1220. Ele supõe o Graal anterior a Cristo. O Graal teria sido, não um cálice, mas uma pedra enviada a Terra há muito tempo atrás por espíritos celestiais. O Graal teria sido guardado por uma misteriosa irmandade de cavaleiros, chamados templáisen.

Na literatura medieval, a procura do Graal representava a tentativa por parte do cavaleiro de alcançar a perfeição. Em torno dele criou-se um complexo conjunto de histórias relacionadas com o reinado de Artur na Inglaterra, e da busca que os cavaleiros da Távola Redonda fizeram para obtê-lo e devolver a paz ao reino. Nas histórias misturam-se elementos cristãos e pagãos relacionados com a cultura celta.

Segundo algumas histórias, o Santo Graal teria ficado sob a tutela da Ordem dos Pobres Cavaleiros de Cristo e do Templo de Salomão, também conhecida como Ordem do Templo, ou simplesmente "Templários". Instituição militar-religiosa criada para defender as conquistas nas Cruzadas e os peregrinos na Terra Santa. Alguns associam os templários a irmandade que Wolfram cita em "Parsifal".

Segundo uma das versões da lenda, os templários teriam levado o cálice para a aldeia francesa de Rennes-Le-Château. Em outra versão, o cálice teria sido levado de Constantinopla para Troyes, na França, onde ele desapareceu durante a Revolução francesa.

Os cátaros, acreditavam que este mundo é o verdadeiro inferno; que a encarnação do Espírito do Cristo foi o verdadeiro sacrifício simbolizado na cruz do calvário. A Igreja Romana via o catarismo como um movimento reformista. No início do século XIII uma armada de cavaleiros do norte desceu pelo Languedoc para exterminar a heresia cátara e requisitar para si os ricos espólios da região.

Conta-se que durante o assalto das tropas às fortalezas albigenses, apareceu no alto da muralha uma figura coberta por uma armadura branca. Os soldados recuaram, temendo ser um guardião do Santo Graal. Mas, prevendo a derrota, os cátaros, ocultaram o Santo Graal num dos numerosos subterrâneos onde estaria até hoje.

Nesse contexto histórico poderiam ser explicados os mistérios do Messias e as verdades que a Igreja proibiu sobre a "dinastia do cálice", a matança dos cátaros, as cruzadas e a história do abade Berenger Saunière em Rennes-le-Château, no Languedoc.


A DINASTIA MEROVINGIA

Segundo algumas lendas, a descendência de Jesus era de sangue real, ele próprio herdeiro do trono de Jerusalém por ser descendente do Rei Davi, e migrou para a Europa, particularmente para a França e fundou a dinastia merovíngia, cuja posição, mais tarde, foi usurpada pelos carolíngios e pela Igreja Católica. Neste caso, o sangraal ou sangue real seria a própria descendência de Jesus, os merovíngios.

Os merovíngios se diziam descendentes de reis de Tróia, e isto justifica tantas localidades na França que possuem um nome que lembra Tróia, inclusive a cidade natal de Chrétien de Troyes, autor das primeiras histórias sobre o Graal.

Histórias revelam a existência de uma sociedade secreta, chamada Priorado de Sião, que se dedica a defender a descendência Merovíngia e seu direito ao trono na Europa. Segundo algumas fontes, o Priorado do Sião justifica este direito pela descendência direta de Jesus e do Rei Davi.


MARIA MADALENA

Além destas lendas, existem também outras histórias paralelas, como a que conta que o Santo Graal, na verdade, é o corpo de Maria Madalena.

Ela seria a esposa de Cristo e deveria ser a herdeira da nova religião.

A história também diz que junto ao cadáver desta, estariam preciosos pergaminhos e documentos escritos pelos apóstolos de Jesus e pelo próprio Cristo. Tais pergaminhos segundo a lenda, são extremamente contraditórios com a Bíblia e portanto um verdadeiro tesouro sobre o legado de Cristo na Terra.

Em 1948, na localidade de Nag Hammadi, foram encontrados pergaminhos que continham evangelhos apócrifos, e cujo conjunto de textos foi chamado de biblioteca de Nag Hammadi.

As cópias destes evangelhos supunham-se perdidas, pois haviam sido proibidas e queimadas pela Igreja após o concílio de Nicéia.

Entre estes documentos antigos encontra-se o "Evangelho de Maria Madalena", que apresenta inconsistências com os quatro evangelhos aceitos pela Igreja. Um dos pontos é que entre os seus discípulos, Maria Madalena é a preferida, e é ela que transmite os ensinamentos de Jesus aos outros.

Em outro documento da biblioteca de Nag Hammadi, o "Evangelho de Filipe", faz-se referência ao fato que Jesus a ama mais que aos outros discípulos e a beija com frequência.

Tudo isto fortalece a hipótese do casamento entre ambos, e que seja Maria Madalena e sua descendência os verdadeiros herdeiros da religião fundada por Jesus.

Um grande argumento em favor desta união, é a de que era impensável que um judeu, naquela época, chegasse aos 30 anos sem estar casado.


A BUSCA DO GRAAL

Do ponto de vista místico, a busca do Graal representa a busca por uma vida superior, por progresso espiritual. Nas lendas arturianas, só é possivel às pessoas de coração puro e isentas de pecado ver e tocar o cálice.

Para o iniciado, o caminho do GRAAL está indissoluvelmente unido à idéia de um sacrifício e de uma viagem cheia de perigos para alcançar a iluminação, o renascimento ou a "vida eterna" segundo os cristãos. O início e o final da Busca do SANTO GRAAL são, por isso mesmo, momentos cruciais, pois é uma busca que não termina. O GRAAL tem que ser constantemente buscado no coração, na mente e no espírito; sua revelação final representa aquele ideal de subida aos planos superiores de existência, objetivo máximo de todos os místicos. Ao entrar em comunhão consigo mesmo, o místico descobre não uma melancolia - a cor negra, "nigredo" para os alquimistas - mas um parceiro interno, uma relação que se assemelha à alegria de um amor secreto. Este estágio da vida iniciática é representado pela primavera oculta, onde as sementes brotam da terra nua, trazendo as promessas de futuras colheitas.


Non Nobis Domine, Non Nobis, Sed Nomini Tuo, da Gloriam!

( Não por nós Senhor, não por nós, mas para a glória de Teu nome! )

Anima Mundi

 



Anima mundi (do latim, "alma do mundo", em grego clássico: ψυχή τοῦ παντός psychḗ tou pantós) é um conceito cosmológico de uma alma compartilhada ou força regente do universo pela qual o pensamento divino pode se manisfestar em leis que afetam a matéria, ou ainda, a hipótese de uma força imaterial, inseparável da matéria, mas que a provê de forma e movimento. O termo foi cunhado por Platão nas obras A República, Timeu (34 b 3-37 c 5) e no livro X de Leis (896 d 10-898 c 8).:1 A doutrina não endossada explicitamente por Aristóteles — exceto por implicações de sua teoria de intelecto ativo descrito em De Anima — recebeu considerável ênfase filosófica das escolas estoicas e neoplatônicas que modificaram essencialmente seu conceito de acordo com suas respectivas instituições.


Origens

A história da teoria anima mundi remonta aos pré-socráticos e esteve presente nas filosofias de Platão, Plotino, Plutarco, Virgílio, Cícero e outros, sendo considerada tão antiga quanto a própria filosofia ocidental. A Escola de Alexandria aderiu aos pontos de vista de Platão e reconheceu a Inteligência e a Divindade como superiores à alma do mundo, o que no sistema dos estoicos usurpa o lugar do próprio Deus e até mesmo o seu nome, os estoicos consideravam a anima mundi o princípio fundamental da vida e a única força vital, de modo que a alma não teria individualidade separada dela, por esse motivo também não produziram uma doutrina de imortalidade.


Definições na Antiguidade

Considerada por Platão como o princípio do cosmos e fonte de todas as almas individuais, o termo também aparece em Leis onde Platão examina a possibilidade hipotética de que a alma do mundo pode produzir o mal, ou mesmo que há duas almas do mundo, uma que produz o bem e outra que produz o mal - a alma boa, ordenou os movimentos celestes que portanto, são descritos matematicamente, enquanto que a alma do mundo má só poderia produzir o caos, sendo assim, a alma do mundo que gerencia todo o universo é por natureza benévola.  Já em Político, ele sugere que o universo se submete a uma alternância de ordem e desordem, quando a alma do mundo se encontra sob a influência direta do deus, isto é, do nous, ela é boa, ao passo que ela se torna má a medida que se afastar. Em todo o caso, Platão afirma categoricamente que a alma é a causa de todo o bem e mal do mundo fenomenal.


A definição de Platão para o gênesis da alma do mundo é que o demiurgo coloca essa alma junto de, essencialmente, o Ser ou Substância (em grego clássico: oὐσία ousia), o Igual e o Diferente, através de um processo de duas etapas: primeiro o Ser é preparado a partir da mistura dos tipos de substâncias Indivisíveis e Divisíveis, do resultado desta composição, o deus então forma dois círculos, um que pertence ao Igual e o outro ao Diferente. A substância material do mundo é colocada, subsequentemente, dentro dos dois círculos então eles penetram e cobrem a partir de fora do mundo. A alma do mundo é então tudo o que está dentro do mundo, mas ao mesmo tempo entrelaçado com ele. Ainda assim, continua a ser cronologicamente e hierarquicamente superior, autossuficiente e a princípio auto-idêntico. A alma do mundo então começa uma incessante e racional ou inteligente vida ao se mover inicialmente com harmonia e por sua própria força. A alma do mundo de Platão possui não apenas faculdade sensíveis vegetativas, mas também capacidade racional, assim sendo uma das coisas de maior excelência a existir e que é mutável. A alma humana não é deduzida da alma do mundo, como se fosse uma parte dela ou uma emanação, ambas têm os mesmos ingredientes, mas em porções menores e têm em comum o fato de terem sido criadas pelo demiurgo; e ambas serem o princípio do movimento e vida.


Plotino define a alma do mundo como a terceira hipóstase que procede do poder criador, contemplando o Uno, o nous gera a alma do mundo, esta, contemplando o nous, multiplica-se em todos os entes particulares do mundo sensível, sem dividir-se. A par da alma do mundo, existem as almas individuais. Na alma estão as matrizes de todos os entes, dela procedem as almas e todas as formas dos seres sensíveis, desde sempre, desde a planta até o homem, tudo constituindo em harmonia e beleza. À maneira dos estoicos, Plotino professa que tudo forma uma harmonia universal.

Plutarco defendeu a hipótese de duas almas do mundo, uma organizada e boa e outra irracional e má para explicar o movimento desordenado que agita a khóra, antes da intervenção da razão demiúrgica e que subsiste mesmo depois.


Definições na Idade Média

Thomas Berry listou os pensadores que mantiveram viva a noção de anima mundi: Ficino, Pico della Mirandola e Giordano Bruno em seus ensinamentos herméticos, os platonistas de Cambridge, os vitalistas alemães Angelus Silesius, Goethe e Schelling e aqueles que influenciaram incluindo Bergson e através dele Vladimir Vernadsky e Teilhard de Chardin.

Ficino discute a distinção entre a alma do mundo e um eventual "pneuma da alma do mundo", considerado como um elo entre a matéria e sua imaginação. Para Ficino, a alma do mundo possui muitas "razões seminais" assim como as ideias na mente divina. A matéria têm suas formas a partir dessas razões da alma e quando a matéria se degrada ela pode ser recriada através de "sementes de alma", cujo processo pode ser alcançado por formas materiais onde os dons da alma do mundo foram armazenados.


Em seu livro De vita libri tres, ele diz:

Além disso, a alma do mundo possui o poder divino precisamente como muitas razões seminais das coisas, como ideias da mente divina. Por essas razões seminais, ela cria o mesmo número de espécies materialmente. É por isso que cada única espécie corresponde através da própria razão seminal à própria ideia e através desta razão pode facilmente receber algo desta ideia - desde que realmente fora criada através da razão da ideia. É por isso que, se em algum momento, a espécie se degenera de sua forma apropriada, ela pode ser formada novamente através da razão como seu intermédio próximo e através da ideia como intermediário para então se reformar.

— Marsilio Ficino, De vita libri tres


Giordano Bruno definiu funções específicas para a alma do mundo como prover vida vegetativa, capacidades sensíveis assim como a beleza e o mundo como um todo:[4]:334


Se, então, o espírito, a vida são encontrados em todas as coisas e preenche toda a matéria em vários graus, então eles são o ato real e a real forma de todas as coisas. Portanto, a alma do mundo é o princípio constitutivo formal do universo, e de qualquer coisa que o universo inclua; quero dizer, se a vida é encontrada em todas as coisas, então a alma é a forma de todas as coisas; é o que controla a matéria em todos os aspectos e predomina nos compostos, opera a composição e a consistência das partes.

— Giordano Bruno, De la causa, principio e uno, diálogos II e III; De l’infinito universo e mondi,1584, diálogo I


Bruno dá um proeminente papel à alma do mundo ao explicar os princípios e a causa do mundo em um posição próxima do panteísmo naturalista do estoicismo.


Agostinho de Hipona menciona sobre o conceito de anima mundi em muitas de suas obras como De immotalitate animae, 15, 24; De quantitate animae, 32, 69; De ordine II, 11, 30; De vera religione 18; Retractaciones I, 11,4; De Genesi ad litteram, liber imperfectus 4,17; De consensu evangelistarum I, 23, 35 e Retractiones I, 11, 14.


Tomás de Aquino refutou o conceito de alma do mundo ao criticar a aceitação de Agostinho de Hipona, em sua Suma teológica I:

Alguns afirmam que Deus é a alma do mundo como diz Agostinho em Cidade de Deus, e a isto se reduz o que alguns dizem, isto é, que Deus é a alma do primeiro céu. (...) Mas tudo isso é falso, porque não é possível que Deus de algum modo se encontre na composição de algo, seja como princípio formal ou como princípio material.

— Tomás de Aquino, Suma teológica I, Artigo 8


Idade Moderna

A hipótese do anima mundi não foi aceita pelos filósofos escolásticos mas reapareceu sob o nome de Archeus no sistema de Paracelso, ou quintessentia para Heinrich Cornelius Agrippa von Nettesheim e Van Helmont, enquanto Henry More reconheceu um principium hylarchicum. O Platonista de Cambridge, Ralph Cudworth cunhou o termo "natureza plástica", um agente universal que considera os fenômenos físicos a causa de todas as formas de organização e a mola de todos os movimentos da matéria, mas ainda de acordo com Cudworth, a natureza plástica é distinta de Deus, sendo um "instrumento subordinado".


Schelling assumiu o termo "alma do mundo" e ainda fez dele o tema de seu livro Da Alma do Mundo (1798) (em alemão: Von der Weltseele: eine Hypothese der höhern Physik zur Erklärung des allgemeinen Organismus). No entanto, o termo foi usado apenas como uma metáfora para um princípio de organização onde a natureza orgânica e inorgânica se conectam de forma contínua e assim liga toda a natureza em um só organismo geral.


Hegel trata a Alma Natural como a anima mundi: uma alma universal que está dividida como as almas individuais do seres viventes; Hegel refere-se à alma como como "uma totalidade imediata e inconsciente", como "um sono do espírito". A teoria de Hegel de Alma Natural é uma consequência direta de seu tratamento da Terra como uma organismo vivo. Para desconsiderar a existência de alma no mundo, Hegel justifica que "sendo o indivíduo terrestre um todo como sem atividade e a atividade terrestre uma atividade que não é a do todo, não é possível então falar, nesse nível do organismo geológico, da presença de uma totalidade tomada em suas exterioridades a si, a subjetividade imanente a uma estrutura. Não há alma no mundo".

Noética

A noética (do grego nous: mente) é uma disciplina que estuda os fenômenos subjetivos da consciência, da mente, do espírito e da vida a partir do ponto de vista da ciência. Como conceito filosófico, em linhas gerais define a dimensão espiritual do homem.


Na filosofia

Apesar de ser uma disciplina de formulação recente, seu objeto e as metas que persegue já foram estudados por várias correntes de filosofia e fazem parte de todas as tradições esotéricas das religiões do mundo. No oriente Buda disse que o mundo é criado por nossos pensamentos, que a consciência está em toda parte e que a realidade e a vida são uma só, estando todos os seus elementos constituintes inextrincavelmente ligados por teias de interdependência. Diversos povos indígenas ao redor do mundo compartilham dessa visão em alguma medida.

Na tradição ocidental, a noética foi fortemente influenciada pelas teorias dos filósofos da Grécia Antiga a respeito da consciência, do conhecimento e do eu. Deriva dos termos gregos nous, a mente, a alma racional, a inteligência; noema, o objeto ou foco de nous, e noesis, que significa estritamente o ato de pensar em si, e também uma compreensão global, completa e instantânea de qualquer questão sem o intermédio da articulação pela linguagem, equivalente ao insight moderno ou ao conceito de intuição. Noesis contrasta com o significado de dianoia, que remete ao conhecimento racional discursivo ou dialético. Para Platão noesis era superior à dianoia, sendo a mais elevada atividade mental possível, habitando a esfera do Bem e da Harmonia divinos, e trabalhando com axiomas e princípios, ideias, formas e causas primordiais. É o que possibilita o acesso ao mundo divino, transcendente, absoluto, além do raciocínio humano comum.

Aristóteles dizia que o nous compreende tanto a capacidade humana de questionamento acerca do fundamento do ser, como esse próprio fundamento, que é experienciado como o motor orientador das questões: "Acentuemos que toda a substância vem a ser a partir de algo com o mesmo nome". Da parte do nous humano, o conhecimento questionante, isto é, o ato noético, é a compreensão da sua participação no fundamento do ser, possível em virtude da participação do nous divino no nous humano, sendo a noesis a capacidade perceptiva ou cognoscente do homem que o distingue dos animais. Ainda para ele a experiência noética é aquela que transforma o cosmos primordial - onde todas as coisas são consubstanciadas numa unidade transcendente - no fundamento do ser e no mundo objetivo, múltiplo e diferenciado, chamando esse conjunto de ousia, tudo o que é "convincentemente real". Tanto para Platão como para Aristóteles, nous expressava a irrupção do divino no processo da busca pelo conhecimento. A partir da definição clássica, o elemento noético foi absorvido pela doutrina judaica. Fílon escreveu que o cosmos noético não é nada mais que o logos de Deus em sua atividade criativa, justificando sua tese a partir do que consta no Gênesis. Dali o conceito passou para os primeiros filósofos cristãos. Basílio e Gregório Magno se referiram ao noético como o mundo espiritual, ontologicamente superior ao mundo em que vive o homem, definição que foi adotada por seus sucessores.


Outras definições

Segundo as definições de Viktor Frankl, fundador da Logoterapia

"Homem e animais são constituídos por uma dimensão biológica, uma dimensão psicológica e uma dimensão social, contudo, o homem se difere deles porque faz parte de seu ser a dimensão noética. Em nenhum momento o homem deixa as demais dimensões, mas a essência de sua existência está na dimensão espiritual. Assim, a existência propriamente humana é existência espiritual. Neste sentido, a dimensão noética é considerada superior às demais, sendo também mais compreensiva porque inclui as dimensões inferiores, sem negá-las - o que garante a totalidade do homem".

A dimensão noética seria, então, uma dimensão não-determinada, mas determinante; a dimensão da unicidade, da identidade mais profunda do ser humano, implicando também a transcendência livre, criativa e responsável das limitações. Frankl assinala que ela é necessariamente inconsciente, pois impulsiona a pessoa para fora e para além de si mesmo, onde a consciência do eu deixa de existir e todo o interesse se volta para o outro. A dimensão noética pode se manifestar de várias formas - no trabalho e no amor altruístas, na intuição verdadeira e na experiência religiosa. Para Husserl, a noética, além de ser a dimensão espiritual, é o fator determinante na atribuição de significado à experiência. Ao animar o elemento material, entrelaçando-se em sínteses e continuidades múltiplo-unitárias, dá lugar à consciência de algo, de modo que em tal consciência pode "anunciar-se, demonstrar-se e determinar-se racionalmente a unidade da objetividade". Também afirmou que somente a subjetividade transcendental possui um verdadeiro sentido, e que o mundo objetivo está na sua dependência. Voegelin disse que o elemento noético aparece quando a consciência procura tornar-se explícita para si mesma e interpretar o seu próprio logos.

Segundo Tulving, noética é uma das três formas de consciência: anoética, com uma atenção simples a estímulos externos; noética, que envolve atenção de representações simbólicas do mundo, e autonoética, que envolve a atenção do self e a experiência pessoal estendida no tempo. Ronai da Rocha definiu como noético tudo que pertence ao intelecto ou mente humana: crenças, ideias, pensamentos e conceitos, e esta é uma das definições do termo para a Psicologia moderna, centrando sua atenção no aspecto cognitivo e sendo o elemento de contato do indivíduo com o mundo real exterior, possibilitando a formulação de juízos, abstrações, figurações e raciocínios coerentes e significativos.

Para Marc Halévy a noética é essencialmente a ciência do conhecimento. Não somente dos valores da epistemologia, dos mecanismos mentais e neurobiológicos descritos pelas ciências cognitivas, mas de maneira muito mais ampla, é o estudo de todos os aspectos do conhecer, da sua produção (criatividade), formulação (semiologia e metalinguagem), estruturação (teoria dos sistemas, paradigmas e ideologias), validação (critérios de pertinência, epistemologia) e proliferação de ideias (processos de apropriação e normalização) em seu sentido mais lato. Estuda também a dinâmica e os ciclos da vida, das ideias e das teorias, das condições de sua emergência, desenvolvimento, apogeu, decadência e extinção. Segundo Stratton, noética se refere a uma estrutura individual de conceitos, sendo o somatório de ideias, crenças e opiniões de cada um, e a forma pela qual tais conceitos se relacionam entre si e com o mundo externo.


A noética como ciência

História

A noética moderna teve um precursor na figura de Charles Darwin, que procurou estudar a evolução das espécies numa perspectiva global e sintética, mas foi primeiro definida pelo psicólogo norte-americano William James, dizendo que ela descreve "estados de insight em verdades profundas inalcançadas pelo intelecto discursivo. Estes insights seriam revelações e iluminações cheias de significado, mas todas inarticuladas; como regra, elas trazem consigo um curioso senso de autoridade". Ele foi um dos pioneiros da valorização do potencial da transcendência humana no terreno do estudo científico da consciência, enquanto que mais ou menos ao mesmo tempo, na Europa, neurologistas como Jean-Martin Charcot e Pierre Janet definiam a hipótese psicogênica para sintomas físicos. Esta hipótese foi levada adiante por psicanalistas e médicos da escola de Viena como Freud e Jung, e por outros norte-americanos, desenvolvendo uma complexa teoria de psicologia dinâmica do inconsciente para demonstrar que os sintomas das doenças muitas vezes são simbólicos de causas de origem física e/ou psíquica, lançando as bases em torno de 1930 da moderna psicossomática.

Outras contribuições foram as descobertas da Física a respeito da natureza última da matéria, que levaram Niels Bohr a dizer que em se tratando do comportamento do átomo, só se pode usar a linguagem de uma forma poética, e resultaram na formulação da Mecânica Quântica por vários cientistas, e na Teoria da Relatividade por Albert Einstein, colocando por terra a concepção mecanicista do universo estabelecida por Isaac Newton e seus antecessores. É interessante assinalar que Einstein observou que "a maior experiência que se pode ter é a do misterioso, que é a fonte de toda a beleza e do insight verdadeiros", e que Bohr foi aparentemente inspirado pela pintura cubista e sua visão múltipla do espaço. Outros cientistas como Robert Oppenheimer, Wilhelm Reich e Thomas Edison, foram influenciados pelos escritos teosóficos de Helena Blavatsky. Aliás a Teosofia teve um papel em nada desprezível no desenvolvimento da noética ao traçar um painel comparativo entre as várias religiões do mundo, antigas e modernas, aproximando o oriente do ocidente, e demonstrando que muito da filosofia e religião antigas tinham bases científicas e antecipavam descobertas da ciência moderna ocidental. Teilhard de Chardin, ao descrever a evolução da vida, cunhou o termo noosfera, a esfera do pensamento e do espírito humano, um nível abstrato formado pelo conhecimento autônomo e organizado numa rede de conexões infinitas, uma boa previsão do fenômeno da internet e da noética contemporânea. Novos dados para a estruturação da noética vieram do filósofo Henri Bergson, líder da escola intuicionista, atribuindo à intuição um papel superior na aquisição de verdadeiro conhecimento.

Também a arte moderna ofereceu novas pistas para o entendimento da consciência e dos processos psicológicos. O recém-citado Cubismo, o Dadaísmo, o Surrealismo, a Action painting nas artes plásticas, o "fluxo de consciência" da literatura de James Joyce, o teatro do absurdo de Antonin Artaud, Alfred Jarry e outros, foram alguns dos elementos que delinearam formas alternativas de aproximação, descrição e interpretação da subjetividade e da realidade objetiva, subvertendo hierarquias consagradas e lançando novos paradigmas estéticos onde a negação do império do racionalismo era uma tônica.

Entretanto, com a ascensão da escola behaviorista de psicologia, com o progresso exponencial das ciências materiais e com a revolução tecnológica na medicina ao longo do século XX, a pesquisa da subjetividade caiu em relativo descrédito, e somente na década de 1960, com o surgimento dos movimentos de contracultura, foi que um estudo mais sistemático da noética começou a ganhar novo impulso. Parte dessa recuperação se deveu a estudos clínicos a respeito da influência de alucinógenos sobre a consciência, e à comprovação de benefícios obtidos por doentes que praticavam a meditação transcendental ou recebiam terapêuticas que incluíam a autossugestão, a visualização e a hipnose. Na década de 1970 outros passos foram dados quando Robert Ader provou que o sistema imunológico de animais podia ser manipulado experimentalmente através de métodos de condicionamento comportamental, e quando David Spiegel documentou que pacientes de câncer tinham maior sobrevida quando participavam de grupos de apoio psicológico. Também nessa época foi provado que as plantas possuem uma espécie de consciência, responsiva tanto a estímulos ambientais quanto a pensamentos humanos. Outros experimentos acusaram uma capacidade de leucócitos retirados de doadores e mantidos separados em laboratório de responderem da mesma forma que seus doadores que eram submetidos a estímulos definidos, sugerindo a existência de um elo invisível entre ambos, numa forma de biocomunicação à distância em nível celular que foi atestada para outros tecidos e organismos.

Nesta mesma década o Instituto de Ciências Noéticas (IONS) nos Estados Unidos iniciou suas atividades com um modesto programa de pesquisa sobre os mecanismos internos da resposta curativa, aceitando a premissa de que a consciência desempenha um papel importante nos processos de cura e na manutenção da saúde, numa época em que tal premissa era rejeitada pela larga maioria dos pesquisadores das áreas biomédicas.[2] Desde então a abordagem noética tem sido aplicada a uma grande variedade de tópicos de pesquisa, com resultados que desafiam as concepções do mundo mantidas pela ciência moderna ortodoxa. A própria ciência, elaborando sobre as descobertas da Física no início do século XX, chegou ao ponto de descrever a realidade através de quantificações relativas, redes de relações, infinitudes, intercâmbios matéria-energia, dimensões múltiplas e uma série de outros conceitos dificilmente definíveis pela lógica padrão, em muitos casos se valendo de metáforas para ilustrar ideias que são em essência intuitivas e caem fora do alcance da linguagem discursiva. Na opinião de O'Nuallaín parece que a Física moderna já não pode ser entendida sem o recurso a atos mentais remotos e autorreferentes, e assim não surpreende que muitos físicos apareçam como visionários ou semi-místicos. É bem conhecido o caso de Fritjof Capra, autor de vários best-sellers, que traçou paralelos entre a visão científica do mundo e a filosofia oriental, sendo uma referência para a escola do Pensamento sistêmico.

A noética é uma disciplina científica ainda pouco divulgada, não possui ainda uma estrutura ou um corpo de conceitos básicos bem definidos, sequer seu nome é reconhecido em larga escala - ainda que sua abordagem integradora e multirreferenciada já esteja em uso por muitos pesquisadores treinados na ciência convencional, que não se autodefinem como "noéticos" - e enfrenta ainda muita resistência de setores conservadores, mas, por contemplar uma multiplicidade de pontos de vista simultaneamente, tem crescido rápido. Seu desenvolvimento acelerado é também fruto dos grandes avanços na tecnologia da informação, que ao obrigar a uma reestruturação das formas de armazenamento e distribuição de informação, tornou indispensável uma reflexão profunda a respeito da natureza, estrutura e procedimentos do próprio conhecimento em geral. Recentemente a noética ganhou um destaque especial ao ser colocada como um dos temas principais do best-seller O Símbolo Perdido, de Dan Brown, que vendeu um milhão de cópias apenas no dia de seu lançamento. Desde o seu lançamento, o website do Instituto de Ciências Noéticas registrou um aumento de 1200% no número de acessos, e o número de associados cresceu em 300% em comparação ao mesmo período do ano passado. Contudo, como observou João Queiroz,

"Há uma explosão sem precedentes de estudos sobre consciência. Pesquisadores de muitas áreas — Computação, Etologia, Física e Matemática, Antropologia, Psicologia, Ciências e Neurociências Cognitivas, Filosofia, Linguística, etc. — organizam simpósios, periódicos, volumes e antologias, sites e cursos sobre o tema. Este parece, entretanto, ser o objeto de convergência pluri e interdisciplinar que mais produz divergência na recente História das Ciências. Multiplicam-se questões sobre definições e demarcações conceituais e terminológicas, sobre teorias, métodos, modelos, protocolos de investigação. Divergem, num mesmo departamento, visões gerais (general frameworks) sobre problemas básicos: como definir consciência?"

Colin Allen corroborou essa impressão dizendo que "a despeito da recente invasão de trabalhos filosóficos e neuropsicológicos sobre a consciência, muito permanece confuso sobre sua noção, incluindo, mesmo, se há tão somente uma única noção". Para Anthony Atkinson, "o conceito de consciência é notoriamente difícil de definir (…) porque se refere a um fenômeno heterogêneo."

Edgar Douglas Adrian, neurocientista agraciado pelo Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina diz em seu famoso livro “A base da sensação":

"O problema da conexão entre o cérebro e o espírito é tão enigmático para o fisiólogo quanto o é para o filósofo. Talvez uma profunda revisão de nossos sistemas de conhecimento possa explicar como um esquema de impulsos nervosos pode causar um pensamento, ou demonstrar que ambos fenômenos são, na realidade, a mesma coisa contemplada de diferente ponto de vista. Se tal revisão se levar a cabo, só espero ser capaz de entendê-la."


Elementos centrais

Os pressupostos essenciais da noética são os conceitos, encontrados em várias tradições filosóficas e religiosas, de que o homem é o criador de sua própria vida, que a consciência impregna toda a realidade, que o homem tem outros meios de contactar a realidade além de seus cinco sentidos tradicionais, e também que muito do assim chamado "conhecimento objetivo" não tem nada de objetivo, mas é fruto apenas do consenso coletivo e se baseia em boa medida na subjetividade. Muitos psicólogos, desde que Jung trabalhou a questão dos mitos e arquétipos, abrindo a seara transcendental na Psicologia, reconhecem que o desejo pelo Absoluto, pela unidade transcendente com toda a vida e o universo, é uma das forças mais constantes e poderosas da psique humana, podendo-se documentá-lo através de inumeráveis registros históricos e artísticos desde que o homem apareceu sobre a Terra. Bynum disse que esse desejo, que chamou de noético, é tão central à própria natureza humana que boa parte das principais perturbações mentais se deve à sua frustração ou deformação por quaisquer tipos de circunstâncias, e saudou os esforços recentes no sentido de se reconhecer esse impulso profundo e suas manifestações como um objeto digno da investigação científica, da mesma forma que todos os outros grandes processos vitais, históricos e sociais do ser humano têm sido analisados com esse rigor e seriedade. Disse também que essa investigação se torna ainda mais autorizada quando lembramos que muitos dos grandes cientistas da história, tanto antiga como recente, têm se aproximado da religião e do misticismo em busca de inspiração para a solução de problemas científicos. Lembrou ainda que muitos casos de crises psíquicas, classificados no ocidente como neuroses ou psicoses, são descritos em culturas não-ocidentais como sinais saudáveis da emergência da dimensão espiritual na vida da pessoa.


Entre os objetivos da ciência noética estão:


Estabelecer uma validação para os fenômenos subjetivos da mente através do uso de um instrumental e de um método científico;

Estabelecer um corpo interdisciplinar de conhecimento verificável e acessível ao público, e evitar sua degenerescência em formas de cultismo ou ocultismo sob o domínio de seitas, religiões institucionalizadas ou outros grupos dogmáticos e exclusivos.

Dissolver a antiga oposição ciência-fé evidenciando seus pontos de identidade e a semelhança da sua busca para uma explicação do mundo e da vida humana, ainda que ambas usem métodos diversos e tenham pressupostos também distintos;

Criar uma nova e mais abrangente teoria da consciência;

Expandir a visão de como o mundo objetivo e os fenômenos subjetivos se inter-relacionam;

Enfatizar as implicações eminentemente humanas na pesquisa científica tradicional.

Pesquisar a hipótese de que nenhuma ciência pode ser realizada ou validada desconsiderando-se a influência da consciência que a dirige.

Estudar os fenômenos ditos paranormais.

Determinar o que há de verdade verificável nas tradições do folclore e da religião dos vários países do mundo.

Para isso incorpora a contribuição de estudos interdisciplinares da mente, da consciência e de diversos modos de conhecimento, com foco especial na ciência, saúde, psicossomática, psicologia, artes, ciências da cura e terapias holísticas, ciências sociais e espiritualidade. A noética é tanto uma expansão do escopo da ciência como uma redescoberta e revalorização de conceitos e práticas antigas tradicionais que foram abandonados ou desprezados pelos ocidentais modernos. Ao passo que o estudo da mente e da consciência na história antiga era realizado através da especulação abstrata, da fé pura ou da confiança acrítica no que disseram autoridades do passado, a noética moderna se vale do grande progresso da ciência materialista na descrição do mundo objetivo e da psicologia na descrição dos mecanismos e estados mentais, e procura transportar seus métodos empíricos para a esfera do estudo do conhecimento subjetivo e da herança de conhecimentos tradicionais de base folclórica ou religiosa da humanidade. De acordo com McPartland, a ciência noética é aquela que tem como seu objeto de estudo a estrutura normativa da existência humana. Como este objeto não pode ser compreendido todo apenas com a dedução lógica nem com a observação empírica, tem como peculiaridade o fato de que o observador participa do fenômeno a ser observado, que não é inteiramente objetivo.

A ciência noética não deve ser confundida com misticismo. O misticismo procura se conectar com o sobrenatural através da filosofia, fé e experiência religiosa. Já a noética pretende ser uma ciência, isto é, utiliza o método científico para testar suas teorias. Também difere da ciência materialista por descartar visões reducionistas da realidade, por concentrar-se no estudo da subjetividade e por levar em consideração elementos valorativos e teleológicos, e não apenas quantitativos e autolimitantes. Segundo Willis Harman, a noética acrescenta dados holísticos à pesquisa científica tradicional, e procura encontrar propósitos em modelos deterministas. Também se distingue por não dar tanto peso ao teste dos conhecimentos com vistas a uma possibilidade de efetuar previsões e exercer controle sobre os fenômenos, mas objetiva antes a compreensão dos processos envolvidos.


Perspectivas

Considerando a crescente necessidade de compreensão da interdependência de todos os elementos do universo, dos fenômenos e dos propósitos da vida, e de se trabalhar os desafios objetivos do mundo contemporâneo a partir de uma abordagem interdisciplinar num esforço colaborativo e não-competitivo, a noética tende a ter seus princípios assimilados a todos os aspectos da vida humana, a todos os processos de enfrentamento de dificuldades, de tomada de decisão e de valoração da experiência. O presente Dalai Lama, Tenzin Gyatso, afirmou que os ocidentais não poderão jamais compreender bem a ciência sem uma ajuda da filosofia oriental, pois já se tornou claro que a ciência, como ela hoje ainda é entendida em linhas gerais no ocidente, não é capaz de penetrar nos fundamentos da consciência. Marc Halévy referiu que o mundo está às portas de uma revolução noética, cujas bases serão o talento, a criatividade, a imaginação, a intuição e a capacidade de transmitir conhecimento mediante uma nova educação. A seguir algumas áreas transformadas pela abordagem noética:

No campo da medicina a noética tem experimentado avanços em larga escala. Um estudo desenvolvido em 1993 por pesquisadores da Universidade de Harvard, liderados por David Eisenberg, indicou que no período de um ano 34% da população de amostra se valeu da medicina alternativa e de métodos de cura pela fé para vencer doenças, movimentando bilhões de dólares. Também já é aceito pela comunidade médica em geral que a relação médico-paciente tem um peso determinante na eficácia do tratamento. Hipnose, visualização e técnicas de biofeedback são procedimentos terapêuticos já consagrados em vários hospitais dos Estados Unidos, cujo Instituto Nacional de Saúde tem financiado grandes projetos de combinação de práticas ortodoxas com outras heterodoxas, e mantém um Departamento de Medicina Alternativa. Diversas publicações especializadas têm aparecido nos últimos anos documentando pesquisas bem-sucedidas na área da integração mente e corpo.

Da mesma forma, para a administração de empresas e outras organizações já vem se tornando claro que abordagens tradicionais já não as tornam tão eficientes num mundo globalizado e de recursos naturais limitados, e se tornou imperativo se desenvolver métodos de trabalho em linhas múltiplas em um modelo de adaptabilidade permanente, num entendimento das organizações como comunidades interdependentes cujo funcionamento se compara a organismos ou ecossistemas vivos, e não como entidades mecânicas estáticas e mais ou menos desvinculadas de sua cultura e sociedade. Nessa linha de pensamento, passam a ser valorizadas a contribuição de todos os membros, a inteligência coletiva, como chamou Mase, para resolver todos os desafios emergentes, e o estabelecimento de uma estrutura que se baseie em laços de confiança mútua e de comprometimento com objetivos coletivos, num espírito de colaboração.

No terreno da educação, novas descobertas da ciência estão renovando as formas de aprender e ensinar. Já se sabe que o aprendizado é um processo de formação integral de pessoas e não de técnicos; não é um processo isolado, fragmentado e limitado às salas de aula, uma simples memorização cumulativa de informações desconexas, mas é afetado por fatores sociais e biológicos, precisa ser dirigido por uma estrutura consistente de valores, propósitos e significados, tornando-o complexo, multifocal, dinâmico e sempre em transformação, onde entram em jogo todas as dimensões do ser, toda a sua história pregressa e uma vasta rede de inter-relações com seu meio-ambiente humano e natural. De acordo com Stephanie Marshall, a questão que se propõe agora não é mais "o que você aprendeu hoje?", e sim "como você aprendeu hoje, e de que maneira isso afetou você?", fazendo que que nasçam "histórias de vidas e de aprendizados mais profundas, mais transcendentes e mais capacitantes". Busca-se ainda uma forma mais humana de transmissão do conhecimento eliminando a distância entre professor e aluno, removendo o mestre do pedestal da autoridade inquestionada e elevando o aluno ao nível de um ativo coeducador de si mesmo, capaz de contribuir até para a educação de seus próprios mestres. Também a ênfase parece estar se transferindo da mera qualificação técnica para os valores e os significados, para o estímulo à curiosidade, para o desenvolvimento de um espírito de pesquisa e descoberta, reconhecendo-se as particularidades de cada processo de aprendizado individual e ao mesmo tempo a necessidade de se formar nas classes um sentimento de ligação mais profunda e participativa entre seus membros, para a superação de dificuldades e a conquista de objetivos comuns.

Para as artes um novo campo de estudos foi aberto quando a ciência passou a prestar atenção aos efeitos que as cores, ritmos, sons, a luz e o espaço exercem sobre os estados psíquicos e os processos fisiológicos cerebrais, com a consequência de se fundar um novo ramo na Neurociência chamado Neuroestética, que procura determinar como a arte afeta o cérebro, usando como ferramentas a análise genética e o mapeamento neuronal. Outro ramo nascido da Neurociência foi a Neuro-história da arte, que estuda como funcionavam os cérebros dos grandes artistas e, incorporando métodos perceptivos e cognitivos, tenta definir os fundamentos biológicos da arte e sua evolução ao longo dos séculos. Uma visão plural da arte no ocidente também tem emergido com a incorporação de elementos estéticos e filosóficos não-ocidentais e de novas tecnologias para a criação e difusão de obras de arte, incluindo mídias computadorizadas e interativas, internet, vídeos 3D, hologramas, animações, programas de imersão em realidade virtual, e outros recursos técnicos avançados.

A Organização das Nações Unidas também têm apelado para a formação de uma nova consciência político-social global, que trate os problemas mundiais a partir de uma óptica multicultural e colaborativa. Como exemplo, desde 2001 está em andamento um projeto de criação de novas lideranças chamado Lideranças para Resultados. Através do estímulo de capacidades e talentos individuais através de uma "metodologia de transformação", pretende desenvolver potenciais humanos para que se abandonem modos de resposta automáticos aos desafios sociais e se engajem conscientemente para um melhoramento na vida de suas comunidades, reconhecendo que as pessoas podem influenciar o fluxo dos eventos e assim criar seus próprios futuros, individual e coletivamente. Segundo a diretora do programa, Monica Sharma, os resultados têm sido além das expectativas, treinando 4,5 milhões de pessoas que afetaram indiretamente para melhor a vida de 130 milhões de outras em quarenta países do mundo. O programa é baseado no desenvolvimento em cada pessoa da sua capacidade de assumir riscos com coragem, autocontrole e responsabilidade, de estabelecer parcerias e delegar poder, de direcionar esforços construtivamente, e é em essência um projeto inclusivo, sinérgico e coletivo, ainda que sua força esteja no interior de cada um.

Maya

Maya ou maiá é um termo filosófico que tem vários significados: em geral, ele se refere ao conceito da ilusão que constituiria a natureza do universo. Maya deriva da contração de ma, que significa "medir, marcar, formar, construir", denotando o poder de Deus ou do demônio de criar ilusão, e ya, que significa "aquilo".

O conceito foi aperfeiçoado pelo filósofo indiano Adi Shankara no século IX e foi absorvido pelas religiões e filosofias do oriente. Dali, foi importado para o ocidente no século XIX, tornando-se parte da língua corrente entre os devotos das religiões orientais e círculos esotéricos. Dentro dessas linhas de pensamento, maya se torna o principal obstáculo para o desapego das seduções do mundo sensorial, para a superação dos enganos criados pelo dualismo e para a conquista da verdadeira iluminação.

Seu significado é complexo porque envolve ele mesmo uma dualidade, pois maya não pode ser real se consideramos o Absoluto (Parabrahman) como a única realidade, mas não pode ser irreal pois é a base de todo o universo objetivo. A realidade última, assim, envolve a compreensão da natureza de maya sem sua negação, mas distinguindo-a do Absoluto.

Nas mitologias orientais, maya aparece, muitas vezes, personificada como uma deidade, Maya, às vezes tida como uma das formas de Lakshmi ou Durga. Entre seus atributos, está o poder de cegar o devoto com as ilusões, mas também o de revelar-lhe a verdade. Também é identificada com Shakti.