A História Mítica não é pertença exclusiva de ninguém. Mas a nossa História exige um pouco mais de quem a ela se dedica. A Tradição Ibérica surge, apenas porque existe divindades próprias. O ritual ensinado por algumas anciãs ou pela mitologia popular criou um forma própria de comunicar com os Mistérios. Iniciatória como Iniciática implica os Mistérios e a palavra mistério, advém de mito. De mito fez-se loggia ou “narrativa”, o que por vezes existirem pessoas desconhecerem este facto. A Tradição Ibérica que o Coventículo estuda, tende a recuperar o que se pensa ter perdido o significado primordial através das narrativas encobertas, alegorias, dos Mistérios Sagrados, sobretudo na Terrae de Ophiussa (Terra das Serpentes). Lusitânia, terra dos Iniciados, dos Mistérios, da transmissão esotérica, tem por princípio o seguinte: Nenhum conhecimento é válido se não pode ser compartilhado.
É o culto aos Deuses destas terras, tradição antiga mas renovada sem contudo fugir aos conceitos e preceitos do antigamente. Os nossos ancestrais adoravam os seus Deuses, com cultos diferenciados entre tribos e regiões e amavam e respeitavam os lugares e espíritos da natureza, colhiam e caçavam com bravura e respeito. Como todos os esclarecidos, o aspecto ritualístico, é desconhecido, por estas práticas não serem passadas a escrito, mas oralmente. A base dos nossos rituais tem a ver, sobretudo, como a forma de estar e de comunicar com essas entidades. Não nos podemos esquecer o passado, que a Península Ibérica, foi palco de influências de vários povos: os Fenícios, Cartagineses, Suevos, Visigodos e Celtas e Celtiberos.
Ninguém possui o conhecimento, depois desses séculos, tal como o praticavam, embora existam gentes que guardaram tais segredos, sem que estes mesmos tenham sofrido grandes influências de outras tradições mágicas: não por preservação mas pela sua melhoria e elevação espiritual transmitindo-os de família para familiar ou de Mestre para Iniciado, só assim, entrará no mundo fascinante e poderoso da feitiçaria da Tradição Ibérica.
Interpretar a forma de civilização, carregada pelos povos Celta, para a Península Ibérica é, de certa maneira, interpretar muito a alma portuguesa.
No seu orgulho guerreiro, o Celta fazia de cada ‘acampamento’ ou de cada ‘alto’ uma pátria móvel; quando tinha condições para se fixar erguia, pedra sobre pedra numa arquitectura de sobrevivência e segundo estratégias puramente sócio-militares o seu castro em locais altos e de difícil acesso. Cada castro simbolizava a pátria céltica, tanto que a sua estrutura urbana continha a parte estritamente familiar dos clãs, as redes de retenção e de distribuição de água, os locais para assembleia e os locais de adoração solar, sempre no âmbito de uma dimensão matriarcal, porque à patriarcal cabia a defesa e o suporte do quotidiano castrejo.
Os povos Ibéricos eram, na realidade vários povos, também foram os árabes, como foram os lígures e como o foram os lusitanos. Embora haja uma continuidade genuína e pura que surge dos lusitanos, com características muito particulares, que levaram, apesar das várias incursões, de se manter a sua civilização cultural e a sua raça.
Claro, que entre beberam, de algum modo, as várias influências, como as dos fenícios (a partir do Séc. X aC) e dos gregos (a partir do Séc. VII aC), por isso, quando a Civilização Celta atinge a região, já existiam vestígios de celticidade i.e., segundo os profundos estudos do pesquisador e historiador francês Antoine Fabre D’Olivet (em particular no seu livro ‘História Filosófia Do Gênero Humano’), também perseguido pelo Vaticano e por Bonaparte, o povo Fenício, não era mais do que uma das facções da Civilização Celta, facção essa que deu origem, numa cisão social memorável, às amazonas (há-mâs-ohne: as sem macho) hoje, arqueologicamente reveladas e que não pertencem ao ‘reino da fantasia’ (e dando razão às certezas históricas já anteriormente apontadas por D’Olivet).
A este registo, ao qual, Martins Sarmento não teve acesso demonstra que a digressão céltica formou vários povos a partir dos clãs dissidentes, penetrou a Ásia e o Egito, e quando chegou em massa à Península Ibérica entrou pela região do Algarve (e vindos do Norte da África e da Espanha) com os Cinetes, por Lisboa com os Cempsos, pela Estremadura (e vindos da Espanha) com os Sepes, por Coimbra e Viseu (e vindos da Espanha) com os Pernix Lucis e pelo norte (Galiza, na Espanha; Braga, Barcelos, Guimarães, Chaves e região do rio Douro, em Portugal) com os Draganes. Uma horda que dominou e aculturou os povos que ali já viviam no Séc. VI ANE. Uma outra facção dos Celtas, os Cartagineses, chegou à região no Séc. II ANE já com o Império Romano fazendo soar as trompetas em algumas abordagens de salteio.
Poucos séculos depois, já na era actual, chegaram os Vândalos, Alanos e Suevos (409 DNE), os Visigodos (415 DNE) e, cerca de trezentos anos depois, novamente os Árabes (710 DNE). Assim, quando se fala de período pré-céltico ibérico temos de o localizar entre os Sécs X e VI DNE, uma vez que aqueles clãs que aqui se instalaram em 600 DNE constituíram, o que designamos por Celtiberos, e é deles que se fala quando observamos, por exemplo, a arquitectura sócio-militar nos castros (citânias) de Briteiros e de Sabroso (Guimarães) ou de Loureiro (Pontevedra) ou Santa Tecla (La Guardia). O formidável e íntimo (porque ousadamente pessoal) trabalho de Martins Sarmento, pôs a descoberto as raízes sociais que deram origem a Portugal e cuja força telúrica ajudou, na verdade, o príncipe D. Afonso Henriques a tornar-se o primeiro rei português a partir, exactamente, de Guimarães!
E não se pode esquecer, quando se percorre o piso granítico das vilas castrejas, que os Celtiberos só foram trucidados pelo Império Romano depois que este dominou Cartago, entre 193 e 72 e penetrou nos domínios ibéricos derrotando chefes históricos como Viriato e como Sertório (este, aliás, um antigo general romano). Mesmo assim, depois de anos e anos de sangrentas batalhas. Com a romanização, chegou depois cristianização e em ambos os casos de domínio imperial nunca a essência céltica de viver olhando o mundo deixou de existir, tanto que o calendário litúrgico cristão assentou bases, propositadamente, nas festas pagãs e tomou até os festejos do equinócio de inverno (a modra necta = noite mãe) para si chamando-lhe natal!
Não podemos esquecer nunca, que há um traço alquímico que une todos os povos.
Como Ibéricos, especialmente os Lusitanos, possuímos uma tradição Ancestral, na qual muitas das práticas exteriores, por exemplo, o culto dos adoradores, muito comum na nossa etnografia, foi absorvida pela religião católica. Surge mais tarde em épocas festivas tais como o Entrudo, Pascoela e Natal são datas aproximadas das festas, que foram palco de adoração aos nossos Deuses.
A adoração e a Ritualística aos Deuses Peninsulares pode ser inserida na Arte Antiga, hoje comummente chamada Tradicionalista e claro, muito anterior à Wicca de Gardner e de outros precursores. Aliás, é sabido que G. Gardner (nos anos 50) transforma a Feitiçaria, numa nova religião e baptizou-a de Wicca, criando um modelo ritual, que tem servido de padrão a todos os coventículos e solitários.
A explicação de Gerald Gardner para estas influências baseia-se na constatação de que durante a sua iniciação ao grupo de bruxaria do “Horsa Coven”, os materiais eram bastante fragmentários e se viu na necessidade de os reestruturar segundos as necessidades e a idiossincrasia cognitiva do homem moderno. A Wicca nasceu desta fusão criadora. Não se pode utilizar a expressão Wicca para as práticas de bruxaria anteriores à reforma de Gardner, aliás completamente saturadas pelo cristianismo, nem para as adaptações que dela se irão fazer sobretudo nos EUA em função de critérios redutores e de programas políticos com os do feminismo e da ecologia.
O espírito religioso dos romanos nas várias regiões conquistas, davam nomes em comparação com as suas divindades. Aconteceu com a nossa Deusa Atégina que após a romanização, virou Próserpina, nome deveras conhecido na mitologia romana mas que muito antes de Roma instalar-se já os povos locais a conheciam, como a sua lenda da descida da Deusa aos mundos interiores. E cinco séculos antes de Roma, haviam já chegado os Gregos e Fenícios e posteriormente Cartagineses que não nos forçaram a Religiões impostas, mas foram bastantes influentes na passagem de segredos e mistérios aos Sábios tribais dos Santuários primitivos já existentes na Península.
A nossa Tradição tem uma ancestralidade reconhecida num vasto Panteão autóctone como confirmam os variadíssimos vestígios históricos, que cada vez mais surgirão à luz dos homens.
Não nos poderíamos alhear também da importância trazida pelas culturas Fenícia, Cretense, Egípcia e Grega e cuja cultura resplandecente causou assombro e respeito aos povos nativos do litoral com os cultos de Baal Merkart, Isís e de Tanith de Cartago cultuada na Nazaré.
Não é fácil o acesso aos Coventículos ou Conciliábulos (expressão portuguesa usada pelas nossas bruxas, em vez de Covens) actualmente únicos redutos detentores destes velhos segredos e cultos continuam livres de conceitos dogmáticos religosos. Os Coventículos mantêm-se fechados, sem dúvida.
Contudo, toda a Tradição Ibérica procura neste momento seguir os caminhos do neo-paganismo e a aberura começa a ser uma realidade. É preciso ter em conta que a Antiga Religião existe há mais de 22 mil anos, embora como não se pretende expandir-se como a Igreja católica — ou como qualquer seita dogmática — que só tem 2 mil anos de existência. O medo que uma tradição de muitos séculos se dissolva em conceitos modernistas é descabido. Um princípio geral e unânime e aceito na Wicca Lusitana, Tradição Ibérica, é a seguinte:
Não convertemos ninguém, por isso, de certeza que nenhum de vós encontrará ninguém a convidá-lo para se juntar a um coventículo, sem que primeiro dê provas do seu caminho espiritual. Mantêm um sistema de comunicação muito próprio entre si, conhecem quem é quem na tradição, mesmo que a distância nos separe não estamos separados, sabemos logo à partida quem são os impostores e também aqueles que têm valor.
Contudo, membros de Coventículos não se afastam de conviver com outros e de movimentar-se no meio pagão, adorando as Divindades em cada Festival pagão, com o devido respeito e com a crença de que cada Divindade tem um papel importante na vida dos homens e no meio.
O Panteão Lusitano Ibérico é profusamente rico e tribal. Os nossos Deuses existem nas antigas regiões da Bética, da Lusitânia e da Calaecia, e entre várias Divindades, cultua-se:
Endovélico o Deus Curador e do mundo subterrâneo;
Atégina A Deusa Mãe;
Trebaruna A Guerreira e Protectora;
Bônconcios O Guerreiro;
Tongoenabiagus O Fertilizador;
Tanira A deusa das Artes;
Nabica A Ninfa das Florestas;
Aernus O senhor dos ventos do Norte;
Brigantés a Deusa guerreira.
Sobre Brigantés
Esta divindade é resultante da influência dos povos do norte da Europa nas terras da Ibéria A qual não têm nada a ver com Briga ou Brigit dos celtas.
Nós, feiticeiros Ibéricos seguimos os actuais calendários usados na Wicca, embora haja calendários vivos que a própria Tradição nos ditou através dos tempos. Na Nossa Tradição há Celebrações anuais básicas, O nascimento, O crescimento, O Apogeu e O Rito aos Idos aonde visitamos o Rio do Esquecimento, para cultuar os nossos antepassados idos.
A tradicional estátua do Guerreiro Lusitano, erecto com um escudo (redondela defensiva) adiante, que se aprende na Histografia oficial, como sendo um convencional soldado da Lusitânia, ou até mesmo Viriato, na realidade é a configuração simbólica do Deus Solar Endovélico, cuja redondela tão só designa o círculo do Sol.
Os Lusitanos prestavam o cutlo a Bel, divindade semelhante ao Melkitsedek bíblico. Em formosas antas e antelas junto a lagos ou a rios em bosques sagrados por eles, invocavam os Deuses ctónicos da Natureza oferecendo pão e vinho a Bel, consagrado Espírito Universal e mel e flores a Belas, consagrada Alma Universal, durante os períodos de Plenilúneo.
Usualmente, na Tradição Ibérica o culto é dirigido, tal como na Wicca, a uma Deusa e a um Deus mas, também, cada Divindade pode ser adorada individualmente.
Cada Divindade ibérica (Lusitana) tem os seus atributos e é de grande importância no uso de objectos adequados e os cultos em locais apropriados, salvaguardando a situação urbana do nosso século, pode-se adorar, por exemplo, Tongoenabiagus em casa. Quando se trata de Divindade de cura e das nascentes, se for no interior, representa-se simbolicamente com o elemento Água. Abrir um Círculo para Atégina, ou para a Deusa Trebaruna, entra-se em conexão com a Deusa, honrando os nossos Deuses é prestar a melhor homenagem e entrar nos seus Mistérios. Por exemplo, Endovélico, é o Deus protector de Portugal, representado mais tarde pela figura do Arcanjo Miguel. Estes são os mistérios de um Portugal simbólico…
Lembrar sempre que hoje os iniciados da wicca têm quase sempre uma dupla família iniciática: a família da Baixa Iniciação, própria de um ramo da wicca, e a família da Alta Iniciação, como uma escola de Mistérios thelemica ou maçónica. Gerald Gardner e a Doreen Valiente são um desses exemplos! Doreen Valiente também foi membro de ambas e isso nota-se bastante na qualidade dos seus livros face à literatura cor de rosa da Crowther e da Bourne.
Uma nota importante:
Nos anos cinquenta Gardner sentiu necessidade de a substituir por uma palavra mais genuína e usou a palavra anglo-saxónica wica, porque em inglês um «c» na palavra wicca é parecida com a pronúncia witch. Wica é que é na minha opinião a palavra genuína para aquilo que chamamos wicca hoje, e não Craeft. Deixemos a Craeft para o filme The Craeft. Quando se adicionou a consoante «c» pelos gardnerianos da geração seguinte à expressão wica criada pelo Gardner foi um truque linguístico para lhe retirar a aura de bruxaria e magia negra à expressão na opinião pública, transformando-se nesta palavra anacrónica que chamamos hoje Wicca. Usa-se porque é mais genuína até porque Craeft é completamente maçónica, sem tirar nem por.