O Templo de Salomão ocupa uma posição de destaque na simbologia maçónica, tratando-se de uma das maiores fontes de símbolos, alegorias, lendas e ensinamentos maçónicos. É mencionado nas mais antigas tradições dos operários da Idade Média e integra os mais poéticos temas dos maçons especulativos da actualidade. De todo este simbolismo, é possível extrair as mais diversas mensagens tanto na vertente anglo-saxónica (o mundo cultural de língua Inglesa) como na vertente latina (o mundo cultural francês), nos diversos ritos e graus.
A formação dos novos Maçons (Aprendizes) apoia-se fortemente na utilização destes símbolos, alegorias, lendas e mitos.
A tradição maçónica
Relativamente ao Templo de Salomão veja-se que o próprio James Anderson afirmou no livro da Constituição (1723) que “os israelitas ao deixarem o Egipto, formaram um Reino de Maçons”; que “sob a chefia de seu Grão-Mestre Moisés (…) reuniam-se frequentemente em loja regular, enquanto estavam no deserto”, etc.. Vale a pena (e a curiosidade) ler essas páginas da história lendária de nossa sublime Ordem contada por Anderson (folhas 8 a 15) que podem ser encontradas em Reprodução das Constituições dos Franco-Maçons ou Constituições de Anderson de 1723, em inglês e português (trad. e introd. de João Nery Guimarães, Ed. Fraternidade S. Paulo, 1982). De facto, Anderson apenas repetia velhas lições transmitidas por antigos documentos de maçons operários, reunidos para seu exame e síntese. As Obrigações eram lidas na cerimónia de ingresso de um aprendiz na loja medieval (algo análogo à iniciação de nossos dias), para que o novo membro aprendesse a história da arte de construir e da associação que o recebia. Inteirava-se das regras de bom comportamento e das exigências morais que deveria respeitar – de algum modo, esses antigos documentos tinham uma finalidade análoga à das nossas actuais cartas constitutivas, emprestando regularidade à loja. O leitor interessado encontrará detalhes e documentação em O Templo do Rei Salomão na Tradição Maçónica, Alex Horne (trad. Otávio M. Cajado, pref. De Harry Carr; Ed. Pensamento, S. Paulo, 9a. ed., 1997, cap. V., p. 59 e segs..
Os antigos catecismos maçónicos (séries estereotipadas de perguntas e respostas) do Século XVIII também se referiam com frequência à construção do Templo de Salomão que, inequivocamente, integra tradições anteriores à Grande Loja de Londres (1717). Se os manuscritos, manuseados por Anderson e seus companheiros para escrever o Livro da Constituição de 1723, não são exactamente conhecidos, centenas de velhos outros pergaminhos sobreviveram, foram encontrados, guardados e interpretados, constituindo uma fonte das mais autênticas para a história da nossa sublime Ordem. Nesses antigos deveres (em muitos deles) já se falava na construção do Templo de Salomão pelos maçons. Convém contudo, no que concerne à historia, tratar tais documentos com certa reserva. Na origem, foram escritos por religiosos medievais, devotados a Deus sem dúvida nenhuma, mas desprovidos de crítica histórica. Presume-se que monges cristãos transmitiram essas lições a operários iletrados (nossos avós) e que tais documentos foram sendo copiados, recopiados, etc., mantendo a visão de uma época que muito desconhecia da História.
A tradição bíblica
O Templo de Salomão, integra as narrativas do livro mais respeitável da sociedade ocidental – a Bíblia. Ao sair do Egipto, conduzido por Moisés, o povo hebreu não possuía uma religião definida, muito menos um templo. Sómente após o episódio no monte Sinai – quando Moisés recebe de Deus as normas fundamentais da Lei bem como as instruções exactas quanto à construção da Tenda Sagrada (o Tabernáculo) – é que os hebreus passam a ter um local específico de culto, abrigando nessa Tenda os objectos sagrados: a Arca da Aliança, a Mesa dos pães ázimos (ou sem fermento), o Candelabro de sete braços (Minorá). Haveria também um altar para queimar as ofertas sacrificais, outro para queimar incensos (perfumes) e uma pia de bronze. Enquanto o povo vagueava pelo deserto, Deus orientava quando, onde e por quanto tempo estacionar. Os que fugiram do Egipto mudavam o seu acampamento de um lugar para outro, somente quando a nuvem que cobria o Tabernáculo (indicando a presença do Eterno) se erguia e indicava o caminho a ser seguido. Durante o dia, a nuvem; à noite, uma coluna de fogo (veja em Êxodo, 40.34-38; ou em Números, 9.15-23). E foram quarenta anos.
Antes de Jerusalém ser transformada por David na capital do reino, ainda no tempo de Samuel (um sacerdote, juiz, profeta, mediador, chefe de guerreiros), Deus, falando a Jeremias, equipararia Samuel a Moisés – Jer. 15.1 – a Arca ficou guardada num templo, em Silo, sob os cuidados da família de Eli, também sacerdote. Em Silo, Josué (que sucedera a Moisés) acampara o povo pela última vez (Josué, 18.1 e sgs.). Esse pequeno templo de Silo foi, presumidamente, destruído pelos filisteus (Jer. 7.11-12: “Será que vocês pensam que o meu Templo é um esconderijo de ladrões? Vão a Silo, o primeiro lugar que escolhi para nele ser adorado, e vejam o que fiz ali por causa da maldade de Israel.” Assim falou o Eterno.).
David, já consagrado rei, levaria a Arca da Aliança para Jerusalém (1 Crónicas 15.25-28). Tão alegre e festivo esteve David nesse cortejo (cantando e dançando com o povo), que Mical, sua esposa, filha de Saul, sentiu desprezo por ele (1. Cron., 15.29). Contudo o tabernáculo e o altar dos sacrifícios continuariam em Gabaon, visto que David caíra em desgraça aos olhos de Deus. Derramara sangue em abundância, fizera guerras em demasia e, por isso mesmo não poderia edificar em nome de Deus (ver I Cron. 22.6-19). Somente Salomão teria a glória de construir o Templo – o primeiro de Jerusalém, dada a existência de mais dois templos: o construído por Zorobabel, após o exílio na Babilónia, e o construído por Herodes.
Fontes extra bíblicas
Apesar das minuciosas descrições registadas na Bíblia, ainda não foi possível, contudo, ter certezas quanto a esse primeiro templo de Jerusalém. Não há registos extra bíblicos. As escavações arqueológicas ainda não apresentaram alguma prova válida da existência dessa obra. Explica-se tal ausência de restos arqueológicos à completa destruição que teria sido realizada por Nabucodonosor, ou à insuficiência de escavações no próprio sítio atribuído à localização do Templo. Esse lugar (santificado por diversas linhas religiosas) seria o hoje ocupado pela belíssima e muito sagrada Mesquita de Omar, ou o Domo da Rocha, onde Abraão, obediente a Deus, quase sacrifica seu próprio filho, Isaac (Gen. 22.1-19) – onde, de modo significativo, a tradição islâmica localiza Maomé subindo ao Céu (portanto mais do que justificada a recusa maometana em permitir escavações naquele local santificado). Contudo, não são encontrados, também, registos arqueológicos (monumentos comemorativos) da vitória de Nabucodonosor, como, por exemplo, podem ser encontrados registos do triunfo romano de Tito, seiscentos anos depois, destruindo o templo construído por Herodes (a terceira construção na série histórica).
Alúde-se ao célebre “muro das lamentações” como tendo sido parte da grande alvenaria de arrimo na esplanada do Templo. Contudo as determinações científicas de data, dali oriundas, dão ao muro idade próxima à década anterior ao nascimento de Cristo, tornando-a uma obra mais adequada de ser atribuída ao terceiro templo, destruído pelos romanos.
Contudo Salomão foi efectivamente um grande construtor. A sua época – historicamente considerada, arqueologicamente comprovada – foi de grande prosperidade. Um dos registos arqueológicos mais significativos dessa época, é o da cidade de Megido, um complexo notável, cavalariças com pilares em série, talhados em pedra calcária. Do tempo de Salomão, há ainda restos arqueológicos da fundição – refinaria de cobre em Ezion-Geber, produtora da matéria-prima que serviria de ornamentos e utensílios de bronze (que as narrativas bíblicas apontam ao Templo). Do mesmo modo, mesmo sem descobrimentos arqueológicos em Jerusalém, pelo resultado de outras escavações e estudo de documentos diversos (detalhes e documentação em Alex Horne, op. cit., Cap. IV, p. 37 e sgs.) é possível estabelecer conclusões quanto à arquitectura atribuída ao Templo de Salomão, no que se refere à ornamentação, disposição das dependências, técnica construtiva, comparando a tradição bíblica com restos arqueológicos de outros templos do Oriente próximo. São lições preciosas.
Conclusão
Enfim, o maçom é mestre na arte de compor oposições e não desprezará o repositório inesgotável de ensinamentos velados por alegorias que nos proporciona a história (ou a lenda) da construção do Templo do Rei Salomão. Não desprezará a tradição dos maçons operários, só porque a Arqueologia ainda não obteve provas irrefutáveis; não se negará a tradição bíblica somente por insuficiência de escavações arqueológicas.
Jules Boucher, célebre obra “A Simbólica Maçónica” (trad. de Frederico O. Pessoa de Barros, Ed. Pensamento, S. Paulo, 9a. ed., 1993, p. 152): os maçons não tentam reconstruir materialmente o Templo de Salomão; é um símbolo, nada mais – é o ideal jamais terminado, onde cada maçom é uma pedra, preparada sem machado nem martelo no silêncio da meditação. Para elevar-se, é necessário que o obreiro suba por uma escada em caracol, símbolo inequívoco da reflexão. Tem por materiais construtivos a pedra (estabilidade), a madeira do cedro (vitalidade) e o ouro (espiritualidade). Para o maçom, ensina Boucher, “o Templo de Salomão não é considerado nem em sua realidade histórica, nem em sua acepção religiosa judaica, mas apenas no seu significado esotérico, tão profundo e tão belo“.
O Templo de Salomão é o templo da paz. Que a Paz do Senhor permaneça nos nossos corações!