segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

Textos Cabalisticos



O Que É Chassidut?


Todos concordam que por volta da metade do Século 18, começou um movimento no Leste Europa que teve um impacto abrangente, até revolucionário, na prática e filosofia judaicas. O que foi exatamente este movimento (e ainda é), permanece um tanto polêmico. Isso não é difícil de entender, pois o movimento em si é por natureza enigmático.

Talvez a descrição mais comum do Movimento Chassídico o classifique como uma espécie de levante social. Até aquela época, havia uma hierarquia social no mundo judaico – eruditos no alto, o judeu simples por baixo, e o simplório analfabeto, judeu apenas no nome. Na mente de muitos, uma grande alma e uma mente notável eram praticamente sinônimos. Então veio o Baal Shem Tov e elevou o status do homem e da mulher comuns, celebrando o zelo sincero do judeu simples, declarando que isso o elevava ainda mais alto que o erudito frio, intelectual, e com frequência convencido.

Diz-se com frequência que a Chassidut substituiu medo e tremor por amor e júbilo.

Certamente há verdade nessa descrição – de fato, cartas da época demonstram que a principal oposição a este movimento era principalmente sobre esta questão: os eruditos sentiam que seu status estava sendo diminuído, e que as pessoas comuns não iriam mais prestar o respeito devido aos eruditos de Torá.1 Porém isto está longe de ser verdadeiro, porque o Baal Shem Tov e seus alunos eram eles próprios eruditos que valorizavam muito o estudo de Torá, tanto no aspecto esotérico quanto no legalista. Algumas das maiores contribuições daquele tempo à erudição talmúdica e haláchica vieram desses homens.

Outra descrição comum é que o Movimento Chassídico ensinava os judeus a servir a D'us com amor e júbilo, em vez de com medo e tremor, a cantar e dançar em vez de chorar e jejuar. O que mais importa a D'us, pregava o Baal Shem Tov, é que você O sirva com seu coração. Ame a D'us, mesmo que você nem sempre entenda os Seus caminhos; ame Sua Torá, mesmo que mal consiga ler as palavras; e acima de tudo, ame o seu próximo, mesmo que “o próximo” não corresponda às expectativas de D'us e Sua Torá. E celebre tudo que foi mencionado acima.

Porém, se tomado por si só, isto também é contraditório. Pois os chassidim também eram famosos pela sua meticulosidade nos detalhes do ritual e da prática judaica, pois iam muito além das exigências estritas da Halachá, em consonância com o ditado talmúdico: “Quem é um chassid? Aquele que faz além do que a lei exije.”

Uma outra narrativa descreve o Movimento Chassídico como um resultado dos ensinamentos esotéricos de Rabi Yitschak Luria, “o Arizal”, o grande cabalista de Tzfat do Século 16, cujas ideias captaram a imaginação de grande parte do mundo erudito judaico. Os ensinamentos do Arizal proporcionavam uma teologia abrangente da prática judaica que se enquadrava muito mais na alma judaica que a apologética dos filósofos. O Baal Shem Tov e seus alunos estavam todos profundamente imersos nestes ensinamentos.

A Chassidut não é um conglomerado de ideias, mas uma essência simples com múltiplas facetas.

Porém ainda é insuficiente. Os ensinamentos dos mestres chassídicos não são exclusivamente esotéricos e cabalísticos. A Cabalá fala em abstrações compreensíveis apenas para a alma mais elevada. A Chassidut pode também fazer isto, mas também fala de maneira simples, termos pragmáticos para o homem comum em seu mundo cotidiano.

Obviamente, o Movimento Chassídico quando incorpora os ensinamentos do Baal Shem Tov não é um conglomerado de ideias, mas um conceito simples que se mostra em muitas facetas. A ideia é tão profunda, tão essencial, que nos vemos incapazes de interagir diretamente com palavras. Mas talvez, quando a junção de duas linhas define um ponto, com algumas metáforas e explicações possamos localizar o ponto essencial da Chassidut.

A Vida no Âmago

Vamos começar com uma metáfora da psique humana, que também possui muita facetas. Uma pessoa pensa, sente, fala, faz – e com frequência todas essas coisas parecem disparatadas, como se viessem de múltiplas personalidades dentro dela. E vêm, pois uma pessoa é formada por muitas forças conflitantes batalhando em seu interior.

Apesar disso, escondido por trás de tudo que uma pessoa faz no decorrer da vida, há um tema comum, um impulso numa determinada direção, uma essência lutando para emergir. Se a pessoa encontrasse esta essência e a reconhecesse, toda a sua vida poderia ser levada em harmonia. A pessoa seria recarregada, repleta de vida. Todo aspecto de sua vida, suas ações, palavras, pensamentos e emoções brilhariam, tendo sido ligadas ao seu íntimo, um reservatório interminável de energia, e harmonizado com todos os outros aspectos da sua psique.

Assim também, o povo judeu – um povo tão diverso como se poderia imaginar, em temperamentos, sentimentos e acima de tudo, opiniões. E apesar disso, juntos formamos um só povo, como um só corpo, com uma única essência pulsando lá dentro.

Houve uma época em que tivemos de fazer contato com o âmago da essência.

A Torá, também, tem muitas camadas e facetas. Há as histórias das Escrituras; as leis e rituais prescritos por elas; as interpretações homiléticas dos sábios; os conhecimentos mais profundos, esotéricos, conhecidos apenas pelos iniciados – porém tudo isso é uma Torá, única e unida.

Há uma tradição que confere significado ao nome do Baal Shem Tov. Veja, o Baal Shem Tov não nasceu com aquele nome – que simplesmente significa “Mestre do Bom Nome”, e era um título comum para fazedores de milagres naqueles tempos. Ele se chamava Israel, filho de Eliezer e Sarah. Nós, também, somos Israel, cada um de nós, em nosso íntimo. Quando uma pessoa entra em coma, diz a tradição, você pode sussurrar o nome dela no seu ouvido para despertá-la. Por quê? Porque o nome da pessoa toca sua essência, e a essência está sempre desperta. Quando Rabi Israel Baal Shem Tov entrou em cena, estava na hora de o povo judeu ser revivido. O ensinamento de Israel Baal Shem Tov foi a maneira de D'us sussurrar o nome do povo judeu em seu ouvido.

Para colocar de outra maneira: quando recebemos o presente da Torá no Monte Sinai, recebemos uma grande mochila para levar em nossa viagem pela história. No decorrer dos séculos, fizemos exatamente isto, descobrindo dentro dessa Torá toda a orientação e recursos que precisamos para tantas jornadas. Mas então chegou o tempo em que a jornada se tornou cansativa demais, quando a Torá parecia estar nos puxando para baixo em vez de estar nos carregando.

Foi um tempo em que estávamos num limiar. Os violentos saques da revolta dos cossacos tinham desmantelado a infraestrutura das maiores colônias judaicas. E os judeus da Europa Ocidental já tinham começado a se assimilar, e os ventos da secularização estavam soprando rumo leste. Era apenas uma questão de tempo antes que a prática e a crença judaica começassem a ficar face a face com seu desafio mais inexorável, o mundo cético, livre-pensante, socialmente mutável da modernidade.

A essa altura, precisamos não apenas de outra estratégia, não apenas outro segredo da Torá revelado a nós. Precisamos de uma carga de luz de seu próprio âmago. Nossas almas precisam fazer contato com a própria alma dessa Torá que carregamos.

No último quarto do sexto milênio, a luz de Mashiach começou a brilhar.

Vínculo

Isso explica aquilo que eu chamaria de assinatura dos ensinamentos chassídicos. Se for um autêntico ensinamento, e tem de ser apresentado de forma lúcida, então ressoa como nenhum outro ensinamento o faz. Você o absorve não como uma “tradição recebida”, mas como alguém que escuta a canção entoada dentro da própria alma. Através do Chassidismo, o judeu e a Torá não são mais dois seres separados, um instruindo e o outro sendo instruído, um comandando e o outro sendo comandado. A Chassidut é vida; assim como corpo e alma se fundem para formar um único ser vivo, também o judeu se conecta com esses ensinamentos como se fossem sua própria alma – e é levado por eles através dos maiores desafios, como uma alma incansável carrega o corpo através do fogo e do gelo.

Aqui, também, um detalhe importante da vida do Baal Shem Tov vem à tona: ele nasceu no 18º dia do último mês do ano, Elul. Este é o mês em que a alma judaica começa a brilhar, em preparação para os “Dias de Reverência” no início do ano vindouro. Dezoito, na numerologia judaica, significa vida.

Luz do Futuro

Há ainda mais um motivo por que os ensinamentos da Chassidut tinham de ser revelados naquela época.

A história do nosso mundo, diz o Talmud, tem seis milênios, correspondendo aos seis dias da Criação. O sétimo dia transcende o tempo, e deve ser precedido pelos dias de Mashiach, quando “o mundo estará repleto do conhecimento de D'us como as águas cobrem o leito do oceano.”

O Baal Shem Tov mudou-se para Mezibush, onde começou a divulgar seus ensinamentos, no ano 1740. No calendário judaico, é o ano 5.500. Alinhando os milênios com os dias da Criação, aquele seria meio-dia da véspera do Shabat. Naquele tempo, a luz de Mashiach já começava a brilhar.

Hoje, os ensinamentos da Chassidut se embeberam inextricavelmente na maior parte da filosofia religiosa judaica. Nem um único pensador religioso importante desde aquele tempo deixou de ser profundamente influenciado por eles. Em Chabad.org, tentamos apresentar estes ensinamentos tanto na forma em que foram ensinados pelos mestres originais, como na linguagem da mente contemporânea. O vínculo, o modo de viver, a aplicação na vida real - isso deixamos para você.

“Em Rosh Hashaná do ano 5507 (1747)”, escreveu o Baal Shem Tov numa carta ao seu cunhado, “Eu ascendi mais e mais alto… até que entrei na câmara de Mashiach. Perguntei a ele: ‘Mestre, quando virás?’

“Ele respondeu: ‘No tempo em que o seu ensinamento se tornar público e revelado no mundo, e seus mananciais brotarão nos extremos mais longínquos.’”

O Que É Emuná?

Geralmente traduzida como fé.

Estamos acostumados a pensar na fé como uma estratégia para pessoas que não podem pensar por si mesmas. “O tolo acredita em tudo”, escreve Shelomô, “o homem sábio entende.” Emuná, porém, é uma convicção inata, uma percepção da verdade que transcende, e não foge, à razão. Bem ao contrário, sabedoria, compreensão e conhecimento podem ampliar a verdadeira emuná.

Mesmo assim, a emuná não é baseada na razão. A razão nunca pode atingir a certeza da emuná, pois, razoavelmente falando, um raciocínio maior poderia sempre vir junto e provar que suas razões estão erradas. Dessa maneira, a emuná é semelhante a ver em primeira mão: a razão pode ajudar você a entender melhor aquilo que vê, mas eu terei dificuldade para convencê-lo que você nunca viu aquilo. Portanto também, a emuná perdura mesmo quando a razão não pode alcançar.

Como testá-la

Falando praticamente, uma pessoa pode ter fé porque não está interessada ou é incapaz de raciocinar por si mesma. Portanto, sua fé não pertence a ela: está simplesmente confiando em outros. Quando alguém tem uma profunda emuná em qualquer verdade, sente que essa verdade é parte de sua própria essência e seu ser.

O teste de tornassol seria um caso de martírio. Uma pessoa com fé sub-racional pode ou não decidir dar a própria vida por esta fé. Uma pessoa com emuná supra-racional não vê escolha – negar sua emuná é negar a quintessência de seu ser.

Como chegar lá

Como dissemos, a emuná é inata, porém pode ser aumentada através de estudo, experiência e razão. Sem este alimento, a emuná de uma pessoa pode permanecer divorciada de sua atitude e ações. O Talmud descreve como um ladrão também acredita em D'us: quando está para fazer uma entrada forçada, a ponto de arriscar sua vida - e a vida de sua vítima – ele grita com toda a sinceridade: “D'us me ajude!” O ladrão tem fé que há um D'us que ouve seus gritos, porém não entende que D'us pode ser capaz de prover para ele sem exigir que descumpra a vontade de D'us ao roubar dos outros. Para a emuná afetá-lo dessa maneira ele precisa de estudo e contemplação.

Os estudos que mais enriquecem a emuná são o Midrash e a Cabalá. Os cabalistas do período que se seguiu ao exílio espanhol (Século 16) apresentaram essas ideias numa forma mais racional.

A Chassidut Chabad, uma abordagem fundada por Rabi Shneur Zalman de Liadi ao final do Século 18, é uma extensão dessa tendência, levando o âmbito da emuná a uma maior proximidade com o raciocínio humano – e possibilitando que a razão humana vislumbrasse o reino transcendente da emuná.

Porém a maior vitamina que você pode proporcionar à emuná é o simples exercício. De fato, um artesão é chamado em hebraico de “uman” – porque praticou sua arte repetidamente até se tornar natural para ele. Assim também, a emuná fica mais alta e mais profunda à medida que você se acostuma a ver todos os fenômenos da vida como manifestações da presença e glória do Criador. E ainda mais, a emuná é enriquecida por ser testada e passar pelos testes; e por fazer sacrifícios na vida em prol da sua emuná.

O Que É Bitachon?

Geralmente traduzida como confiança, bitachon é uma poderosa sensação de otimismo e confiança baseada não na razão ou na experiência, mas na emuna. Você sabe que “D'us é bom e Ele é o único que manda”, e portanto não tem temores ou aflições.

Como a emuná, bitachon é supra-racional. A pessoa que mantém essa atitude sempre conseguirá ver o lado positivo das experiências da vida, mas é óbvio que sua bitachon não é baseada nelas. Não é uma atitude baseada na experiência, mas uma que cria experiência. Ela diz: “As coisas serão boas porque acredito que são boas.”

Por outro lado, bitachon não é uma estratégia para manipular o universo. A sua crença não cria o bem – o bem no qual você está tão confiante já é a realidade subjacente. Sua crença apenas fornece os meios pelos quais aquela realidade pode aparecer. Veja “A Lei da Atração é Judaica” para mais informações sobre este ponto.

Há vários níveis de bitachon, segundo o grau de emuna da pessoa, Alguém pode ter emunah que, embora as coisas agora não estejam bem, são todas para o bem (eventualmente). Uma emuna mais elevada, porém mais esclarecida é que tudo é bom agora mesmo – até quando superficialmente parece terrível. Veja “Quando Mau é Bom” para as histórias de Rabi Akiva e Nachum Ish Gamzu que ilustram como essas duas atitudes podem influenciar a bitachon resultante.

Quando é necessária

Ao contrário da emuna, bitachon não vive dentro da pessoa em estado uniforme. Na maior parte do tempo está sentada nos bastidores: Você cuida das coisas da melhor maneira possível com perfeita fé de que “D'us o abençoará em tudo que fizer”. E portanto, não é sua esperteza nem seu esforço que lhe trarão o sucesso, mas sim “a bênção de D'us é o que torna um homem rico”.

Mas então, de tempos em tempos surgem situações em que você não pode ver quaisquer meios naturais pelos quais você consegue sair disso. A esse ponto, bitachon precisa despertar e ir à luta. Em vez de dizer: “Ei, sou eu! Quem pode me ajudar?” você diz: “Minha ajuda vem de D'us que faz o céu e a terra – e portanto pode fazer tudo aquilo que Ele deseja com eles.”

O que faz

Bitachon encerra uma profunda, porém subliminar, cosmologia. Até um judeu simples acredita que D'us pode prover as nossas necessidades apesar de todos os problemas – até contrariando a ordem natural – e sem quebrar uma única lei da natureza. A cura virá através de um bom médico, o lucro virá através de uma melhor clientela – porém o médico e a clientela são apenas canais, a verdadeira cura e o lucro vêm da bênção de D'us. Em outras palavras, encontramos na bitachon um D'us além da natureza, dentro da natureza.

Isso explica porque quando um judeu está em dificuldades, primeiro cuida dos assuntos espirituais – como verificar tefilin e mezuzot, fazer caridade ou alguma outra mitsvá, passando mais tempo em estudo de Torá – antes de lidar com a urgência material à mão: primeiro coloca as bênçãos no lugar, depois lida com os canais através das quais elas virão.

Como conseguir

Para qualquer pessoa, bitachon pode ser uma fonte de tranquilidade e felicidade através das vicissitudes da vida. Muitos leem a história do maná (Êxodo) todo dia para fortalecer seu bitachon. Ler e contar histórias de outros que viveram com bitachon também ajuda. Mas nada ajuda mais que meditar profundamente sobre o profundo relacionamento que temos com a Fonte de Todo o Bem, e pôr aquela convicção para trabalhar para você sempre que necessário.

O Que É um Tsadic?

Ser humano o tempo todo

Com frequência as pessoas chamam alguém de tsadic simplesmente porque ele é uma pessoa excepcionalmente boa. Então às vezes eles encontram um super-herói, alguém mais semelhante a um anjo do que a um ser humano, e dizem: “Agora, este é um tsadic!”

Porém o mais especial sobre um tsadic é que ele realmente é o mais humano dos seres humanos.

Tsadic é uma forma do verbo hebraico [Tzdk], que encerra o significado de fazer o que é correto e justo. Pesos que são calibrados corretamente são chamados moznei tzedek. O juiz é chamado “Tzedek, tzedek deves buscar!” Significado: que aquilo que estava errado deve ser acertado, que aquilo que foi roubado deve ser devolvido ao dono, o inocente não deve sofrer, e aqueles que causaram o mal devem ser corrigidos para que voltem a fazer o bem. Tzedek é fazer tudo da maneira que deveria ser.

Assim também, a personalidade do tsadic é calibrada segundo as especificações originais do Fabricante, para que tudo nele seja exatamente como seu Criador quis que fosse, e tudo que ele deseja seja aquilo que D’u deseja. Um tsadic é aquele que incorpora a concepção básica do Criador sobre o ser humano.

Isso significa que o tsadic é um ser humano como todos nós. O tsadic sente dor e prazer. Ele ri, ele sorri, ele chora e ele dá gargalhadas. Sofre amargura do espírito, e dança com alegria. Às vezes seu coração palpita com amor, e outras vezes suas veias queimam de fúria. Ele é frustrado pelo fracasso, feliz pelo sucesso; comemora nas celebrações da vida, e pranteia quando aqueles que ama partem. Porque todas essas coisas estão incluídas no caráter do ser humano como D'us o fez, e portanto todos eles também são divinos.

Como todos nós, o tsadic deve comer e dormir. Deve separar um tempo para o lazer, e aprecia a companhia de outras pessoas. Mas ele faz todas essas coisas numa maneira mais elevada, uma maneira divina. Porque, para o tsadic, não há nada que “apenas seja”. Tudo tem um propósito; em todas as coisas ele vê um significado. Para o tsadic, tudo que existe é um meio de conectar-se com um D'us infinito.

Este, então, é um tsadic; aquele em quem vemos nosso verdadeiro eu, que nos permite entender que cada um de nós é essencialmente divino. E assim, apenas por estar ali, mas especialmente pelo nosso vinculo com ele, ele nos conecta ao D'us que respira dentro de cada um de nós.

O Que É Hashgachá?

Geralmente traduzida como providência, em termos teológicos, Hashgachá significa não apenas que D'us sabe o que está se passando aqui, mas está engajado em supervisionar também. Hashgachá é uma espécie de interação entre Criador e criação, por meio da qual cada um responde e interage com o outro. Uma forma da palavra aparece primeiro nos Salmos: “De Sua morada Ele vigia todos os habitantes da terra.”1

Hashgachá é uma importante distinção entre as cosmologias pagãs e judaicas. A pagã geralmetne acredita também numa entidade suprema, no entanto aquela divindade é considerada suprema demais e exaltada para descer para supervisionar este mundo inferior. Filósofos pagãos como Aristóteles consideravam a sabedoria de D'us como estando engajada apenas nos mundos ideais, atemporais, além do nosso. As narrativas da Torá e sua declaração de que o único D'us supremo é o D'us acima de todas as forças da natureza se colocam em confronto direto com essa maneira de pensar.

Duas Abordagens

Embora, sem exceção, os pensadores judeus clássicos reconheçam D'us através do domínio e onisciência “dos chifres do boi selvagem até o menor piolho”,2 apesar disso, duas abordagens distintas a Sua Hashgachá podem ser discernidas dentro de textos judaicos clássicos:

A partir do significado básico dos textos escriturais, talmúdicos e midráshicos emerge uma visão de D'us intimamente envolvido em todo detalhe de Suas obras, provendo até “ao urubu recém-emplumado que por isso grita”.3

Os filósofos do Judaísmo, porém, viam D'us num papel mais passivo. Para eles, o grau de supervisão Divina corresponde diretamente à transcendência da pessoa nos assuntos terrenos. Um tsadic é envolvido pela supervisão de D'us em todo detalhe de sua vida, ao passo que uma pessoa grosseira e materialista é atirada num mundo de causas naturais e aleatórias junto com os animais e a flora. Neste reino inferior, os filósofos veem a Hashgachá aplicando-se somente quando um evento afeta o plano Divino. Mesmo assim, segundo essa visão, “a circunstância ao acaso tem sua fonte Nele, pois tudo vem Dele e é controlado pela Sua supervisão.”4

Credita-se ao Baal Shem Tov a reintrodução da ideia de Hashgachá Pratit – supervisão Divina detalhada de toda ocorrência e toda criatura. Rabi Shneur Zalman de Liadi, um dos mais destacados proponentes do pensamento chassídico, articulou uma base racional para esta opinião, conectando a hashgachá a outro tema vital na filosofia judaica, a criação contínua.

Onde Isso Leva Você

A fé na hashgachá do Criador fornece a base para a bitachon. Através da sua crença em Sua hashgachá você se eleva a um nível no qual D'us está intimamente envolvido em sua vida, numa maneira aberta, benéfica.

Aquele que acredita em Hashgachá Pratit encontra D'us em tudo que vê ou ouve. Cada faceta da vida torna-se uma oportunidade para se conectar com o Infinito, e isso é mais um motivo para celebração.

O Que É Briá?

Geralmente traduzida como criação, porém mais especificamente, criação de algo a partir do nada (hebraico: b’riá yesh mei-ayin). Uma verdadeira briá não emerge de seu antecedente; nada a prediz nem sequer sugere sua possibilidade. Em vez disso, é algo inteiramente novo, um fenômeno totalmente sem precedentes.

O consenso dos clássicos pensadores judaicos é que toda a existência é uma briá de vácuo absoluto, como implica o significado simples dos primeiros versículos do Gênesis. Antes do ato da criação, não havia matéria primordial nem energia da qual um universo poderia emergir, nem qualquer lei que pudesse explicar um evento desses.

Obviamente, sem matéria ou energia não poderia haver espaço ou tempo como os conhecemos. Para nossa mente, o espaço sem pelo menos dois objetos não faz sentido – de que maneira este espaço seria medido? O mesmo com o tempo sem eventos. Porém alguns dos filósofos judeus clássicos vão mais além e afirmam que os próprios conceitos de tempo e espaço são criações. Então, por exemplo, não podemos perguntar: “O que existe além do mundo criado?” – pois não há espaço além do espaço do universo. Similarmente, não podemos perguntar o que havia antes da existência, pois não existia o antes.

… e por que você não pode fazer

Você consegue construir uma casa sem materiais? Compor uma canção sem sons? Conceber uma ideia inteiramente separada do seu banco de experiências? Os cientistas discutem dimensões múltiplas de espaço e tempo, extrapolando das dimensões que podemos medir – mas são capazes de originar algum novo parámetro que não seja espaço nem tempo?

Mesmo se o Criador concedesse a você a capacidade de conjurar objetos físicos a partir do ar, ainda assim não seria uma verdadeira briá, pois tem um precedente – ou seja, sua capacidade de conjurar objetos a partir do ar. Aquele potencial em si é um algo que contém a possibilidade de um outro algo.

A verdadeira criatividade – criar algo absolutamente sem precedentes – somente pode ser realizada por uma entidade que ela própria não tenha precedente. Aquela entidade é a absoluta unicidade que chamamos de D'us.

Que diferença isso faz?

A implicação imediata de briá yesh mei-ayin é que nada “deve ser”. Se o cosmos tivesse sido formado por um amontoado disforme, primitivo, ou dentro dos parâmetros de algumas leis eternas, então determinadas formas ou padrões teriam sido “necessários” – não poderiam ter sido de qualquer outra maneira, pois os eternos axiomas ou a natureza do grude ditam que devem ser assim mesmo. Quando dizemos que a existência não surgiu de nenhuma lei, lógica ou padrão, porém, estamos dizendo que tudo é inteiramente uma expressão da livre vontade de seu Criador, que não é limitado por nenhuma forma ou natureza – exceto as que Ele impõe a Si mesmo. Os padrões e leis que observamos são assim simplesmente porque o Criador decidiu livremente que assim seriam.

Obviamente, o Criador se reserva o direito de suspender à Sua vontade qualquer um desses padrões – também chamados de milagres abertos. Porém mais impressionante: Ele continua ilimitado por essas leis, e pode atingir tudo que quiser sem quebrar uma só delas – também conhecido como um milagre oculto.

Com que frequência isso acontece?

Como nada existe sem necessidade, não há motivo para algo continuar a existir a partir de um momento para o outro – exceto pela vontade de seu Criador. Hoje não é hoje porque ontem foi ontem – hoje é uma criação independente por seu próprio direito. Declaramos isto nas nossas preces matinais, que D'us “renova em Sua bondade todo dia continuamente o ato de ‘no princípio’”. Não apenas todo dia, mas todo momento é inteiramente novo – incluindo o passado e o futuro daquele momento.

Ao projetar Seu universo para operar dessa maneira, o Criador nos concede domínio de nosso passado bem como do nosso futuro. Quando nosso presente muda de direção, o passado renovado em sua sequência pode mudar também. Cada momento novo se torna o vórtice de tudo que foi e que será.

Como isso funciona?

Nossa abordagem vê o Criador como um motor fundamental distante, uma espécie de catalisador do qual toda a realidade surge espontaneamente. Os primeiros textos cabalísticos, porém, discutem articulações da divina energia adaptadas ao consumidor para cada detalhe a Criação (descritas como combinações das letras hebraicas) – uma abordagem que parece mais próxima do texto bíblico.

A cosmologia Chabad relaciona a doutrina luriânica de tzimtzum para sintetizar as duas abordagens: a suprema realidade de cada coisa é a força ativa do Criador infinitamente transcendente que a sustenta.

O Que É D'us?

Em algum lugar ao longo do caminho, me equivoquei sobre D'us. Outro dia percebi que já fazia algum tempo que eu não via D'us – provavelmente desde a infância. E não se trata apenas de eu não poder encontrar D'us – também pareço ter perdido meu senso daquilo que D'us é… Por que isso aconteceu? Se eu O tinha quando era criança, por que não deveria tê-Lo agora?

Resposta:

Você teve uma pista, mas perdeu a outra. Isso tem a ver com a sua linguagem. Chame-a de “fixação na coisa”.

Este é provavelmente o maior desastre da sua infância – não o de ser desmamado, não o de abandonar as fraldas, não o de sentar-se na carteira na primeira série – mas quando você aprendeu sobre coisas.

A essa altura, o mundo inteiro foi reduzido em sua mente a nada além de uma caçamba repleta de coisas. Então até mesmo D'us acaba sendo definido como uma coisa...

Não quero dizer “você aprendeu sobre as coisas do mundo.” Quero dizer, você aprendeu sobre a ideia de coisas. Você aprendeu que o mundo é feito de coisas, objetos, troços materiais que simplesmente “estão ali”. Mais tarde na vida, você começou a correr atrás dessas coisas, acumulando-as, ajuntando mais e mais quantidade de coisas para encher sua casa, seu quintal e sua garagem. A essa altura, o mundo inteiro foi reduzido em sua mente a nada além de uma caçamba repleta de coisas. Então até mesmo D'us acaba sendo definido como uma coisa – e você está tentando encontrar o local onde Ele se encaixa. Porque, afinal, todas as coisas se encaixam em algum lugar.

Quando você acordou para a vida quando criança pequena, não era assim. Não havia coisas. Havia apenas a experiência de ser. De sentir, de viver, de respirar e fazer. Gritar, mamar, arrotar. Aquilo tudo era real. Aquilo tudo é vida. As coisas não são reais, As coisas são ficção. Elas não existem. Nós as criamos.

O Nascimento da “Coisisse”

Como as coisas vieram a existir? Aqui está minha ideia sobre isso.

No princípio, não havia coisas. Toda a humanidade conhecia a vida como faz uma criança pequena, até que cresça e fique mais esperta. Mas então alguém entrou em sua cabeça para desenhar todo o tipo de coisas que tinha. Por fim, os desenho se tornaram glifos, um recurso esperto para comunicação esotérica. Os amantes dos glifos – tais como os sacerdotes de culto do antigo Egito – criaram milhares de glifos para representar a ideia de uma “coisa” – uma foto estática de uma coisa distinta num momento congelado do tempo. A coisa nasceu. E o mundo jamais foi o mesmo.

No hebraico, os verbos mandam.

Provas? Porque no hebraico antigo, bíblico, não há palavra para troço. Ou coisa. Nem objeto ou algo que o valha. No hebraico primitivo, cru, você não diz: “Ei, cadê aquela coisa que eu coloquei ali?” Você diz: “Onde está o desejado (chefetz) que eu coloquei aqui?” Você não diz: “O que é aquela coisa?” – você diz: “O que é aquela palavra?” Isso é o mais próximo que você consegue chegar da ideia de coisa: uma palavra. Toda a realidade é feita de palavras. Olhe na história da criação: todo o céu e a terra nada mais são que palavras.

De fato, no antigo hebraico, também não há realmente nomes. Nos idiomas como o inglês, ou português, os substantivos são os amos e os verbos são seus escravos, com adjetivos e formas associadas dançando em volta para servi-los. No hebraico, os verbos mandam. Grande, pequeno, sábio, tolo, rei, sacerdote, olho, ouvido – todos esses soam como coisas, mas no hebraico são formas de verbos. De fato, segundo Rabino Yeshayahu Horowitz (1560-1630), autor do clássico Shnei Luchot HaBrit, tudo em hebraico é realmente um verbo. Tudo é um evento, um acontecimento, um processo – fluindo, movendo-se, nunca estático. Assim como quando você era uma criança pequena.

Em hebraico, não há sequer o verbo no tempo presente. Há particípios, mas a ideia de um tempo presente somente surgiu mais tarde. No hebraico real, nada jamais é – tudo é movimento.

Isso se encaixa, porque o hebraico não foi escrito em glifos. O hebraico foi o primeiro idioma que conhecemos a ser escrito com símbolos que representam sons, não coisas. Com o alfabeto hebraico – a mãe de todos os alfabetos – você não vê as coisas, você vê sons. Até o processo de leitura é diferente: quando você lê glifos, a ordem não importa tanto. Você apenas olha e tudo está ali. Até os modernos glifos chineses podem ser escritos em qualquer direção. Com um alfabeto, a sequência é tudo. Nada tem significado por si mesmo. Tudo está no fluxo.

Entre no Fluxo

O fluxo é real. As coisas não são reais. Pergunte a um médico: quanto mais examinamos as coisas – aquilo que eles chamam de matéria – vemos que não estão ali. Tudo que realmente existe são os eventos: ondas, vibrações, campos de energia. A vida é um concerto, não um museu.

Pense sobre escrever música, em oposição a pintar um retrato. O artista dá um passo para trás e comtempla sua arte, sua captação imóvel de um momento congelado – e contempla tudo de uma só vez. Então ele educadamente pede ao modelo para fazer o favor de voltar à pose daquilo que agora se tornou a realidade, o retrato. Um retrato daquilo que é, mas nunca foi.

Um compositor de música não pode fazer isto. Você não pode congelar um momento da música – ela se desvanece assim que você tenta fazer isto. Como a coisa fictícia que chamam de matéria: congelada ao zero absoluto, sem energia, sem movimento, não existe mais. Porque, na verdade, tudo que existe é o fluxo do ser.

O fluxo do ser: agora você encontrou D'us.

O fluxo do ser: agora você encontrou D'us. De fato, em hebraico, este é o Seu Nome. O Nome de D'us é uma série de quatro letras que expressam todas as formas do verbo de todos os verbos, o verbo ser: é, foi, sendo, será, vai ser, fazendo ser, deveria ser – todos esses estão naquelas quatro letras do nome de D'us. Como disse D'us a Moshê quando ele perguntou Seu nome; “Eu sou aquilo que serei.”

Em nossas línguas modernas aquilo não funciona. Escorregamos rapidamente para a armadilha da “coisisse” outra vez. Quem é D'us? Respondemos: “Ele é Aquele que foi, é e será.”

Aqui vamos nós outra vez com a história de “a coisa que é”. Não, D'us não é uma coisa que é, foi ou será. D'us é o “ser” em si. Uau! A frustração da linguagem. Precisamos de palavras novas. Em hebraico você pode conjugar o verbo ser em todas as maneiras e ainda mais. Talvez no inglês ou português um dia façamos o mesmo. Até lá, somos como artistas usando aquarelas para imitar Rembrandt: como músicos tentando tocar músicas do meio-oeste em Dó Maior.

E a prova: fazemos perguntas que fazem sentido somente em inglês ou português, mas no hebraico são totalmente absurdas. Assim como: “D'us existe?” Em hebraico, há uma tautologia, algo equivalente a “A existência existe?”

Não há necessidade de “acreditar” neste D'us – se você sabe sobre o que estamos falando, você simplesmente sabe. Você saberá, também, que não há nada além desse D'us – o que há que fique de fora da “sersisse”?

Quanto à fé e à crença, estão reservadas para coisas maiores. Como acreditar que esta notável Sersisse que é tudo que importa, sabe, tem compaixão, pode ser compreendida. Em outras palavras, dizer que a realidade é uma experiência carinhosa, o que se resume a dizer que a compaixão é real, o propósito é real, a vida é real. Isso é algo em que temos de acreditar. Mas a existência de D'us – como a maioria das ideias sobre as quais os homens discutem – esta é apenas uma questão de semântica.

Pense simplesmente: Você acorda pela manhã e, antes mesmo do café, há. Realidade, existência. Não “as coisas que existem”, mas a existência em si mesma. O fluxo, O infinito fluxo de luz e energia. Do ser, da existência. Do é. Pense em tudo que flui da “sersisse” num ponto único, perfeitamente simples. Entre nele, comungue com ele, fale com ele, torne-se um com ele, - isso é D'us.

O Que É Divindade?

Divindade, obviamente, tem muito a ver com D'us. Quando falamos sobre Divindade, porém, não nos referimos a D'us. Quando dizemos que a natureza é Divina, ou que o mundo é realmente Divindade, não queremos dizer que a natureza ou o mundo é D'us, D'us não o permita. Então o que queremos dizer?

Queremos dizer é que como D'us criou este mundo por Sua própria vontade e imaginação, portanto, não importa como ele aparece para nós, sua verdadeira realidade subjacente nada mais é que Sua vontade e imaginação. Por sua vez, Sua vontade e imaginação não são qualidades adquiridas Dele, mas sim inteiramente unidas com Sua unicidade.

A Divindade, então, é uma singularidade subjacente que une todas as criaturas e eventos, passado, presente e futuro, vitalizando cada um deles e ao mesmo tempo transcendendo todos eles.

Uma maneira de conceber a Divindade é imaginar um notável contador de histórias, artista, compositor ou alguma outra mente criativa. Imagine aquela mente concebendo assim do nada algum conceito, tema ou motivo a partir do qual ela pode construir uma história inteira, uma pintura, uma sinfonia ou outra obra criativa. Agora imagine que este artista é tão talentoso que, depois que a obra está pronta, apesar da gama de emoções diversas, estilos, timbres e tons que contém, sob um exame mais detalhado tudo pode ser traçado a um único tema e ideia.

Agora imagine que essa ideia não é apenas mais uma ideia que nasceu na cabeça do artista, mas uma profunda expressão da alma do artista. De certa maneira, a arte é uma melhor manifestação da alma do artista que a própria pessoa do artista. Sua pessoa é apenas a maneira que ele encontrou para se relacionar com outras pessoas. Sua arte, no âmago, expressa o âmago de sua própria alma.

Suponho que este é o artista ideal, e embora alguns possam ter chegado muito perto, nosso mundo não é um mundo de ideais. Além disso, até o artista humano ideal pode criar novas formas, histórias e padrões apenas a partir das experiências que adquiriu na vida. Nenhuma ideia vem realmente “do nada”. Mesmo que viesse, a arte deve ser criada a partir de materiais, sons e cores que pré-existem, dentro de um contínuo tempo-espaço sobe o qual o artista não tem controle.

Mas isso pelo menos serve para nos ajudar a imaginar a obra do Artista Mestre de Todas as Coisas, de quem todos os ideais, formas e conceitos se estendem – até a própria ideia da existência em si. É uma analogia; fala de uma experiência da qual não teríamos compreensão, por meios de comparação com o familiar – e então ela exige que nos livremos do familiar para tocar o mistério que está por baixo da sua capa.

Pulsando dentro de cada célula e átomo de Sua obra está uma expressão de Seu próprio Ser – porém soberbamente disfarçada dentro da minúcias da história que Ele conta, a tal ponto que um tolo que vê apenas um breve ato da peça acredita que não há Autor, não há história, nem ideia – apenas um punhado de tolos como ele próprio tocando no palco.

Nós sabemos que não é assim. Sabemos que por baixo disso tudo, não há nada além de D'us.

O fato mais enganador sobre a Divindade, então, é que possa ser escondida. A verdadeira realidade de tudo que existe pode ser escondida daquelas mesmas criaturas que emergem daquela realidade. Assim como o Criador gera e sustém novos seres sem fonte ou precedente – algo que não podemos nem começar a imaginar – assim também o Criador esconde Sua Divindade daquelas mesmas criações no mesmo momento em que Ele as está sustentando com aquela Divindade. Nada poderia ser mais intrigante. E mesmo assim, essa dinâmica é a dinâmica essencial por trás da existência.

Seja qual for a explicação (se é que podemos explicar isto), tal estado de ocultação é chamado pelo Zohar de “o outro lado” – significando que aquilo sente que é outro que seu Criador. Nosso mundo material é dominado pelo estado do outro. Há planos mais elevados de existência, no entanto, que são chamados mundos Divinos – mundos nos quais tudo que existe nada mais é que uma emanação de uma Força Mais Elevada.

Dentro do nosso mundo, há locais e tempos em que a Divindade é aparente mais prontamente, e indivíduos especiais que estão mais sintonizados com a Divindade subjacente. Há janelas através da fachada.

Esta é a cura que a Torá traz ao mundo: com cada mitsvá que cumprimos, com cada ato de beleza e sabedoria, revelamos um pouco mais daquela realidade subjacente. Num tempo próximo, devido à nossa obra de agora, a criação inteira será de vasos translúcidos para exibir aquela luz Divina. Que seja mais cedo do que podemos imaginar.

O Que É Espiritualidade?

A resposta simples é que espiritual é aquilo que não é físico. Isso não nos ajuda muito, a menos que possamos definir “físico”.

Algumas pessoas dirão que “físico” significa aquilo que podemos ver, ouvir, cheirar, provar ou tocar. Isso é problemático. Não posso perceber as ondas do rádio com nenhum dos meus cinco sentidos – ou qualquer outra forma de energia eletromagnética fora do espectro da luz. Isso significa que meus telefonemas estão sendo transmitidos por meios espirituais, e meu forno de mocroondas está cozinhando por meio da espiritualidade?

Por outro lado, consigo ver um arco-íris. É um arco-íris físico? As cores são físicas? São físicas as cores que aparecem para os olhos por ilusão ótica (como a banda verde que aparece quando azul e vermelho são colocados lado a lado?

Talvez uma melhor definição de físico, então, seja que é aquilo que pode receber discreta medição. Não podemos ver as ondas de rádio, a gravidade ou as forças nucleares. Não podemos escutar infrassom (sons com frequências muito baixas) ou ultrassom (sons com frequências muito altas). Não podemos sentir o ar fino com o nosso sentido do tato. Mas todos esses podem ser medidos, pelo menos teoricamente.

“Espiritual”, então, é aquilo que escapa à discreta medição. Você já tentou classificar graus de amor? Ou classificar precisamente uma ideia? Podemos ver os efeitos e sintomas de todos esses, até medi-los a certo ponto, mas não podemos pedir emoções e ideias em si mesmas. Não porque não temos as ferramentas, mas porque elas inerentemente fogem à medição. Estão entre aquelas coisas que, sociólogos e psicólogos reclamam com exasperação, “contam na maioria, mas não podem ser contadas.”

Se você está lendo isso, provavelmente está vivo. A vida é inerentemente indefinível. Quando dizemos que algo está vivo, queremos dizer exatamente isto: aquilo não será o mesmo neste momento que era no momento anterior. Está constantemente fugindo à definição, transcendendo a si mesmo. Uma planta está viva porque cresce. Um animal é uma qualidade ainda maior de vida, porque se move deliberadamente, por si mesmo. Um ser humano é ainda mais elusivo, porque se comunica com os outros.

É por este motivo que a metáfora mais comum para o espiritual é luz. De todos os fenômenos físicos, a luz é a mais fugidia. Não podemos ver a luz – podemos apenas ver os objetos que ela reflete. Não podemos pegá-la em nossas mãos, ouvi-las com nossos ouvidos, prová-la nem cheirá-la.

E o mais fascinante é que nem mesno a nossa melhor tecnologia é capaz de fornecer uma medida discreta de luz. A mecânica quântica, talvez a mais bem-sucedida teoria física jamais criada, determina que é impossível fornecer tanto a velocidade quanto a posição de um fóton de luz (ou qualquer partícula de energia). Não porque não temos ferramentas suficientemente boas para fazê-lo, mas porque aquela medida simplesmente não existe. Um fóton de luz tem uma velocidade discreta sem uma posição discreta, ou uma posição discreta sem uma velocidade discreta, mas não tem as duas.

A luz, devemos dizer, ainda é física. Mas é o mais próximo que chegamos em nossa experiência comum a uma forma espiritual.

A espiritualidade é científica?

Se a espiritualidade é um elemento tão essencial da experiência humana, por que a ciência contemporânea parece ignorá-la (alguns cientistas chegam a negar que isso exista)?

A ciência moderna é toda a respeito de coisas que podem ser medidas. Ainda não desenvolvemos ferramentas para lidar cientificamente com aquelas coisas que escapam à medição. Isso cria problemas importantes para nós, porque tentar entender o universo com ferramentas que medem apenas quantidades mas não qualidades é extremamente limitador.

Podemos falar do tempo em termos de métrica. Mas e quanto à qualidade do fluxo de tempo como o ser humano o sente?

Podemos falar de cores em termos de frequências de ondas de luz e suas combinações, mas isso ainda está longe da experiência humana da cor, que muda no decorrer do dia de acordo com o humor e outros fatores.

Podemos falar de neurônios transferindo os dados para serem impressos eletroquimicamente em nosso cérebro. Mas e quanto à experiência de perceber aquela imagem em nossa mente? E quanto à “qualidade” da consciência humana? Como podemos começar a dizer que entendemos o universo que observamos, quando não temos maneira científica de discutir o ato da observação humana? Como podemos dizer que entendemos qualquer coisa, se nela não encontramos nenhuma relação com a experiência interior de ser humano?

Embora não saibamos o que é a espiritualidade, todos a experimentamos constantemente. O profundo conhecimento que temos do espiritual vem através daqueles indivíduos especiais que são capazes de experiências vívidas daquilo que foge ao restante de nós. Podemos comparar essas experiências uma com a outra, analisá-las, e tentar construir nossas ideias a partir delas.

A Cabalá contém grande parte dessa discussão, e os cabalistas clássicos desenvolveram rigorosos sistemas pelos quais estudar essas ideias. A tradição judaica, semelhante àquela da ciência, é fortemente acumulativa, lenta e cuidadosamente construída sobre o conhecimento confirmado do passado.

A certa altura, talvez num futuro próximo, encontraremos maneiras de incluir o não-físico dentro do estudo científico. Até lá, será tolice acreditar que aquilo que não pode ser contado simplesmente não existe.

O Que É Uma Mitsvá?

O significado simples da palavra mitsvá é comando. Aparece em várias formas com este significado, cerca de 300 vezes nos Cinco Livros de Moshê. O Talmud1 menciona que o povo judeu recebeu 613 mitsvot no Sinai, e numerosos códigos – mais notavelmente, Sefer Hamitzvot de Maimônides – fornece listas detalhadas. Os exemplos incluem diversos atos como ter filhos, declarar a unicidade de D'us, descansar no sétimo dia, não comer porco, colocar tefilin no braço e na cabeça, construir um Templo em Jerusalém, designar um rei, obedecer aos sábios e fazer empréstimos sem juros. Veja nossos Minutos Mitsvá para exemplos práticos de mitsvot.

No uso comum, uma mitsvá significa “uma boa ação” – como em: “Cumpra uma mitsvá e ajude a Sra. Goldstein a carregar seus pacotes.” Este uso é bem antigo – o Talmud Jerusalém se refere comumente a qualquer ato de caridade como “a mitsvá”.

Com frequência a palavra mitsvá é relacionada à palavra aramaica tzavta,2 que significa anexar ou juntar. Tzavta pode significar companheirismo3 ou apego pessoal.4 Neste sentido, uma mitsvá une a pessoa que é comandada e o Comandante, criando um relacionamento e um vínculo essencial.5

Os três significados podem eles próprios ser juntados. “Bom” é definido como aquilo que o Criador do Universo quer que seja feito com Seu universo, e ao fazer aquilo que o Criador deseja feito, somos ligados a Ele em corpo, mente e alma.

Qual bem são?

Todos concordam que D'us não forneceu esquemas arbitrários de “trabalho”. As mitsvot têm um benefício prático para a pessoa que a cumpre, bem como para o mundo inteiro.

O Chinuch, uma obra influente composta por um autor anônimo do Século 13 na Espanha, é a mais completa apresentação das mitsvot neste papel como uma espécie de terapia comportamental cognitiva para a espécie humana. “As atitudes são moldadas”, escreve o autor, “mais por aquilo que as pessoas fazem que por aquilo que elas pensam.” A obra detalha exatamente quais atitudes são afetadas de que maneira por qual mitsvá.

Os cabalistas da Tzfat do Século 16, principalmente Rabi Yitschak Luria (o Ari), forneceu um modelo de cura cósmica para as mitsvot. As mitsvot são artefatos que atingem debaixo da capa do cosmos para repará-lo, reorganizando-o num estado harmonioso que é capaz de receber luz Divina infinita. Em última análise, então, são nossas mitsvot as responsáveis por preparar o mundo para a era messiânica, um tempo em que será possível cumprir plenamente todas as mitsvot, em seu contexto ideal, e o mundo estará repleto da luz Divina “como as águas cobrem o leito do oceano”.6

Apesar disso, as mitsvot não podem ser reduzidas a utilidades para atingir qualquer meta específica – nem mesmo a suprema perfeição do cosmos inteiro. Se fossem, não seriam o desejo mais interior de D'us – elas seriam apenas mais um meio para um fim. Ao contrário, o próprio ato de uma mitsvá é um fim em si mesmo. Assim a Mishná declara que apesar de todas as coisas maravilhosas que uma mitsvá traz à pessoa e ao mundo, “a recompensa de uma mitsvá é a própria mitsvá.”7 Ao cumprir uma mitsvá, você e o seu mundo são um só com o próprio D'us.

E sobre as coisas que Ele nunca nos disse para fazer?

Embora o termo “mitsvá” pareça se aplicar somente àquelas atividades que foram expressamente ordenadas, o termo é aplicado também a sete mitsvot rabínicas:

Lavar as mãos para o pão.
Leis de Eruv.
Recitar uma bênção antes de partilhar comida ou qualquer outro prazer.
Acender velas de Shabat.
Celebração de Purim.
Celebração de Chanucá.
Recitação das preces de louvor chamadas Hallel em certas ocasiões.
Para cada uma dessas (exceto, obviamente, a número 3), há bênçãos que começam exatamente como a bênção recitada sobre uma mitsvá da Torá: “Bendito sejas, Eterno nosso D'us, Rei do Universo, que nos santificou com Seus mandamentos e nos ordenou…”

Afinal, a Torá exige explicitamente que ouçamos os sábios. Porém os rabinos do Talmud vão mais além e declaram que as ordens rabínicas são mais preciosas a D'us que Suas próprias ordens diretas.8 As mais profundas expressões da vontade Divina são aqueles atos que Ele não nos diz expressamente para fazer, mas que as comunidades judaicas derivaram através de estudo e celebração de Sua Torá. O mesmo se aplica a cuidados, costumes e embelezamentos conhecidos como hidur mitsvá.

Praticamente falando…

Uma sociedade baseada em mitsvót é uma sociedade de participantes educados, ativos – porque não se pode cumprir mitsvot sem aprender primeiro sobre elas. Todo judeu é obrigado a participar de um estudo contínuo das mitsvot e suas aplicações novas assim que surgem. Quando surge uma questão sobre alguma nova tecnologia no Shabat, o status casher de um novo tipo de alimento ou novos métodos de induzir fertilidade, cabe ao indivíduo pedir àqueles que sabem mais para instruí-lo, e aqueles que sabem mais devem debater o assunto segundo as orientações estabelecidas e seus precedentes até que cheguem a algum tipo de resolução. Dessa maneira, há um fluxo constante de conhecimento dentro da sociedade.

Além disso, é difícil manter o cumprimento das mitsvot sem uma fonte renovável de inspiração. As mitsvot cumpridas com alegria e entusiasmo elevam a pessoa um degrau acima do mundo e têm um impacto muito maior sobre o ambiente da pessoa. Mais uma vez, a chave é o estudo e a participação comunitária.



Jacques Bergier - Melquisedeque

  Melquisedeque aparece pela primeira vez no livro Gênese, na Bíblia. Lá está escrito: “E Melquisedeque, rei de Salem, trouxe pão e vinho. E...