“O número sete é sagrado e perfeito, representando a totalidade da criação divina.” – Plotino
Os seres humanos sempre buscaram construir seus templos em lugares elevados ou garantir que fossem os mais altos das redondezas. Do Monte Moriá de Abraão a Colgota onde Jesus foi crucificado os montes, colinas e montanhas – na medida que nos aproxima do céu –sempre foram símbolos da evolução espiritual e dos desafios e dificuldades inerentes a ela. Este simbolismo faz-se presente em muitas sendas iniciáticas diferentes como as que fazem referência ao Monte Olimpo, o Monte Sinai, a Montanha de Qaf, o Monte Fuji entre outros destaques da geografia sagrada.
Este simbolismo está também muito presente no simbolismo martinista. como afirmou Louis-Claude de Saint-Martin no final do livro ‘Ministério do Homem-Espírito’: “Na medida em que subimos montanha, nos tomamos a vestir o manto de Elias, ou seja, nossa vestimenta pura e primitiva”. No “Tratado da Reintegração” vai além e compara o Imensidão Celeste com uma montanha de sete níveis, em uma representação ao longo caminho sétuplo que o ser humano deve percorrer para retornar a sua fonte celestial. Esta não é uma ideia nova e tem fortes raízes em muitos caminhos iniciáticos como veremos a seguir.
Os Sete Céus na Antiguidade
Os famosos zigurates da Mesopotâmia eram eles mesmos templos com aparência de montanhas, geralmente compostas de 7 terraços ou níveis, representando a ideia de que a a subida para os céus passa por sete momentos diferentes.
Entre os sumérios o número sete aparece em vários contextos religiosos e mitológicos. Observando os sete corpos celestes visiveis (Sol, Lua, Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter e Saturno) atribuiram a cada um deles a um deus ou deusa específico. Estas sete divindades principais, conhecidas como os sete deuses anunnaki, que eram responsáveis por governar diferentes aspectos do mundo natural e da sociedade humana e também regiam os dias da semana – uma herança que muitas línguas modernas carregam até hoje.
A Escada de Mitra
Esta estrutura iniciativa em sete níveis está presente em diversas tradições. Embora não haja comprovação e arqueológica algumas pessoas dizem que nas Escolas de Mistérios de Mitra, havia uma escada cerimonial de sete degraus, cada um feito de um material correspondente a um dos sete astros. Chumbo-Saturno, Vênus -Cobre, Bronze-Júpiter, Ferro-Mercúrio, Níquel-Marte, Prata- Lua e Ouro-Sol. Quando os iniciados nos mistérios de mitra subiam os degraus para chegar ao Empíreo (o reino dos deuses) estavam se referindo a aquilo que os martinista chamam de percorrer os sete céus.
Os Sete Metais da Alquimia
Na verdade por toda antiguidade os nomes dos planetas e dos metais eram os mesmos era comum falar sobre uma liga de Vênus para se referir a uma liga de Cobre. Este conceito atravessou séculos chegando até nos – por exemplo – na metalurgia sagrada proposta pela alquimia no qual os sete metais representam sete estados do ser. Em “O Casamento Alquímico de Christian Rosenkreuti’, a jornada de Christian Rosenkreutz é composta por sete etapas ou “portais”, cada um representando um estágio da jornada espiritual do protagonista. Também em “Symbola Aureae Mensae” o famoso alquimista barroco Michel Maïer diz que, para encontrar o Mercúrio Filosofal o alquimista deve atravessar as sete portas do Nilo. Também a transformação alquímica de Johann Valentin Andreae se completa no sétimo dia, representando o nível mais elevado de um caminho de sete estágios.
Os Sete Céus e a cultura Judaico-Cristã
A bíblia fala da existências de múltiplos céus logo no primeiro versículo ao dizer que “No princípio, Deus criou os céus e a Terra.” Também em Deuteronômio (10:14) vemos que Deus é o “Senhor dos céus e da terra”. Mesmo no Novo Testamento (II Coríntios 12,2), o apóstolo Paulo fala sobre ser “arrebatado até o terceiro céu”. Também no Apocalipse, Jesus segura sete estrelas em sua mão direita e fala sobre sete igrejas e seus anjos e dos sete selos que precisam ser abertos.
No Talmud da Babilônia (Hagigah 12b) é dito que o profeta Ezequiel também viu sete céus em sua visão: “Rabbi Levi disse: ‘Estas são as sete cortinas do céu, das quais está escrito: Ele estendeu uma tenda para o sol. O que é a tenda para o sol? Estas são as sete cortinas do céu que envolvem o sol, como se estivesse num pavilhão. E como sabemos que existem sete? Porque está escrito: E Ele me levou para o sétimo céu.’”
O livro The Seven Heavens in the Talmud pormenoriza que de acordo com os sábios estes sete céus são (do mais baixo ao mais alto)
Vilon (וילון)
Raki’a (רקיע)
Shehaqim (שחקים)
Zebul (זבול)
Ma’on (מעון)
Machon (מכון)
Araboth (ערבות)
Isso é confirmado ainda pela literatura. Em “O Apocalipse de Abraão” o patriarca testemunha a história futura da humanidade em sete etapas, em “Ascensão de Isaías” o profeta é levado por anjos a uma viagem nos sete céus e no famoso Livro de Enoque após se arrebatado Enoque também atravessa os sete céus e descreve cada um deles até chegar ao Trono de Deus.
Estes conceitos foram integrados a cosmologia persas e por meio dela influenciou muitas a cultura islâmica. Há muitas passagens no Alcorão que fazem referência a esta divisão. Em 41,12 lemos por exemplo que “Então, Ele os dirigiu e criou sete céus em duas camadas e designou cada céu sua tarefa. E Nós decoramos o céu mais próximo com lâmpadas, e o protegemos. Isso é determinado pelo poder de Deus, o Poderoso, o Conhecedor.”
Os sábios islamicos dizem que cada um destes céus pode ser chamado por seu próprio nome (do mais baixo ao mais alto):
Rafi’ (رفیع)
Qaydum (قیدوم)
Marum (ماروم)
Arfalun (أرفلون)
Hay’oun (هيعون)
Arous (عروس)
Ajma’ (عجماء)
Os Sete Céus e o Hermetismo
Também no “Corpus Hermeticum”, o texto base do Hermetismo atribuídos à Hermes Trimegisto encontramos o tema da ascensão celeste em sete reinos:
Ora o Noüs Deus, sendo macho e fêmea, existente como vida e luz, faz nascer de uma palavra um segundo Noôs demiurgo que, sendo deus do fogo e do sopro, criou Sete Governadores, os quais envolvem nos seus círculos o mundo sensível; e seu governo se chama o Destino.
…
E desta maneira o ser humano se eleva para o alto através da armadura das esferas e à primeira zona abandona a potência, de crescer e de decrescer, à segunda as tramas da malícia, engano além de tudo sem efeito; na terceira a ilusão do desejo, a partir de agora, torna-se sem efeito; na quarta a ostentação do comando é desprovida de seus objetivos ambiciosos; à Quinta, abandona-se a audácia ímpia e a temeridade presunçosa; à sexta os apetites ilícitos que dá a riqueza, doravante sem efeito; na sétima zona desaparece a mentira que prepara ciladas.
(Poimandres)
“Marsilio Ficino, um dos mais importantes hermetistas e neo-platonistas da Renascença, discute sobre a ascensão celestial em seu texto intitulado ‘Diálogo entre Paulo e a alma’. A obra apresenta um diálogo fictício entre o apóstolo Paulo e uma alma em busca de conhecimento e sabedoria espiritual. Através desse diálogo, Ficino explora questões relacionadas à alma, à imortalidade, à relação entre o homem e Deus e à natureza divina do ser humano começando por um questionamento da alma de Paulo sobre como ela teria chegado ao terceiro céu. Paulo responde que isso ocorreu em três etapas distintas, cada uma impulsionada por uma das três virtudes teológicas: Fé, Esperança e Caridade.
Os Sete Céus no Martinismo
No artigo “Os Sete Céus de Martinez de Pasqually” já vimos como o sete círculos da Imensidade Celeste exercem papeis importantes na Criação Universal, vejamos agora o que isso significa dentro da jornada espiritual de cada martinista.
Segundo os ensinamentos martinistas após a primeira queda dos Espíritos Prevaricadores e a segunda queda de Adão Primordial tanto o Templo Universal quanto o Templo Humano estão em ruinas. Para retornar nosso estado original é preciso portanto restaurá-los por meio da Via Cardíaca através da qual a alma, o Iniciado adquire sete dons que estão relacionados às sete virtudes teologais mencionadas na Bíblia, a saber, a Fé, a Esperança, a Caridade, a Prudência, a Justiça, a Força e a Temperança”, conforme descrito em 1 Coríntios 13:13, que diz: “Assim, permanecem agora estes três: a fé, a esperança e o amor. O maior deles, porém, é o amor”. Durante essa ascensão, o Iniciado alcança a “junção perfeita”, que é a união mística com seu guia espiritual e se torna um canal de virtudes regeneradoras de leschouah, o Cristo Cósmico.
Estes elementos também aparecerem nos escritos de Pierre Fournié, um importante discípulo de Martinès de Pasqually, fundador da Ordem dos Elus Cohen, que viveu na França no século XVIII. Ele é conhecido por ter escrito vários místicos onde oferece uma reflexão muito interessante da ascensão celeste. Dando preferência ao simbolismo alquímico do que a teurgia Fournié ensina que o ser humano deve transmutar seu corpo material de etapa em etapa até alcançar o corpo glorioso ou a Pedra Filosofal com o qual a reintegração com a divindade é possível. Para assim se transformar a alma deve peregrinar por sete mundos celestiais
Tal qual Martinès de Pasqually, Pierre Fournié também apresenta uma organização dos sete astros em três círculos. O primeiro é o ‘círculo sensível’, que inclui a Lua, Vênus, Júpiter, Marte e Mercúrio e cuja virtude é a Fé. O segundo é o ‘círculo visual’, que é representado pelo Sol e a virtude é a Esperança. Por fim, temos o ‘círculo intelectual’ é formado por Saturno e a virtude é a Caridade.
O simbolismo de Pierre Fournié não é universalmente adotado pelos martinistas, mas há um concenso de que qualquer que seja a estruturação destes Sete Céus a ascensão por eles acontece por meio de purificação interior, a Via Cardíaca que atingimos por meio da prece e da virtude.
No final deste caminho de elevação, o iniciado atinge o círculo de Saturno, que é a porta de entrada para a Imensidade Supraceleste, conforme descrito por Enoque ou no Apocalipse 4:2: “Imediatamente eu me achei em espírito, e diante de mim estava um trono no céu, e alguém estava sentado nele.” Através dessa porta, o iniciado experimenta uma intensa experiência mística de reconciliação com a glória de Deus.
Mas é importantíssimo dizer ainda agora que mesmo essa experiência é fugaz, pois o homem não pode retomar completamente sua natureza gloriosa, exceto no momento da morte quando, se nos prepararmos corretamente teremos por fim o único corpo que nos permite conservar o Verbo em nós, cuja ressureição fará renascer a Sophia em cada um de nós.
Sol, Lua, Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter e Saturno. Nos próximos artigos iremos visitar simbolicamente cada um destes Sete Céus até completar esta jornada simbólica que resumem a experiência mística martinista, considerando sua atuação no nos planos divino, humano e natural e nos valendo dos elementos da mitologia, religião e das ciências.