quarta-feira, 3 de janeiro de 2024

Os mestres da escola de Nápoles – Giustiniano Lebano

 

 Aqueles que passam por Torre Annunziata[2] e por ali param por dois ou três dias,  não poderão deixar de saber que lá vive um homem dotado de uma mente realmente superior, de vasta cultura clássica, de um espírito aberto, suave, nobilíssimo, incansável na benemerência, não obstante tenha frequentemente recebido não poucas ingratidões e não poucos ataques vulgares, dos quais ele nunca se lamenta nem mantém o mínimo rancor, já que, como um antigo sábio, bem compreende e se padece da debilidade e dos erros da natureza humana. Este homem é o comendador Giustiniano Lebano.

            Agrada-me escrever sobre ele no simpático jornal Irno, porque sua família é oriunda desta província. Seu pai, o advogado Filippo, era de Sessa Cilento[3], onde juntamente com sua mulher Maria Acampora foi constrangido a emigrar por causa de suas ideias liberais. E se estabeleceram em Nápoles, onde a 14 de maio de 1832 nasceu Giustiniano. Desde seus primeiros anos ele demonstrou grande engenhosidade e grande inclinação aos estudos literários. Foi por isso confiado aos cuidados dos mais valorosos e renomados instrutores. Puoti, Fabbricatore e o abade Fornaii lhe ensinaram o italiano; Parascandolo e um douto jesuíta, o latim; o cônego Ferrigni, o hebraico. Todos se maravilhavam com a extraordinária rapidez com a qual o jovem superava as maiores dificuldades dessas línguas, das quais de seu completo e perfeito conhecimento deu bela e muito solene prova nos exames aos quais foi submetido em 21 de setembro de 1849 na Régia Universidade diante de homens graves e eruditos, os quais ao lhe consignar o diploma de doutor em letras e filosofia lhe fizeram os maiores elogios.

            Porém ele não sucumbiu aos elogios: não ficou dormindo sobre os louros, como se diz, e partiu para o estudo da jurisprudência (Direito). Estudou direito civil com o célebre Roberto Savarese, o direito penal com o conselheiro Caracciolo, o direito canônico e o direito natural e das gentes com o cônego Soltuerio e com don Vincenzo Balzano, vigário do Arcebispado.

            Começou rapidamente o exercício da advocacia, com feliz sucesso. E simultaneamente ensinava privadamente direito civil e canônico e publicava obras científicas e literárias que provocavam grandes rumores pelas discussões que causavam. Em julho de 1854 foi inscrito no livro de registros dos procuradores de Corte de Apelação.

            O jovem Lebano, aluno de professores quase todos sacerdotes e jesuítas, deveria ter naturalmente ideias bastante retrógradas. Porém, seja pela educação paterna, seja pelo alto nível de estudos dos clássicos que havia alcançado, ou fosse – ainda mais – o elevado nível de seus sentimentos, não tardou a se inscrever na sociedade secreta da Giovane Italia, da qual se tornou rapidamente um adepto muito precioso e importante que rapidamente foi elevado à alta função de Grande Mestre do Rito Egípcio, cuja precípua intenção era não somente a independência e a unidade da pátria, mas também a queda do poder temporal dos papas. Seu trabalho de conspirador foi extremamente eficaz até o final de 1870.

            São narradas várias anedotas características acerca de meios dos quais se servia, seja para a propaganda das ideias liberais, seja para evitar ou contornar a severa vigilância da polícia. Recordo uma assaz curiosa. Em 1852 era publicado em Nápoles o jornal o Católico, dirigido por padres. E - quem poderia crer? – justamente naquele jornal Giustiniano Lebano publicava prosa e poesia que, enquanto parecia inspirada por sentimentos bourbônicos e clericais, para quem sabia ler sotto il velame delli versi strani[4], celebravam as ideais mais rebeldes, as acusações mais atrozes e terríveis contra o despotismo. E aqueles sacerdotes, simples, não captavam as nuances, para regozijo de Lebano e outros patriotas, os quais, como Vanni Fucci, olhavam para além da aparência e davam muitas e saborosas risadas. Contrariamente/Ao oposto, os cem olhos de Argos da polícia conseguiriam descobrir nos textos aquilo que escapava aos padres do jornal. E o acompanhavam de perto, seguindo todos os seus passos. Porém ele sabia ajustar-se aos seus perseguidores. Advertido de que seria detido de um momento para outro, refugiou-se em um monastério, cujo padre guardião era seu amigo íntimo e que nutria os mesmos sentimentos liberais. Barbeou-se, e vestiu a veste franciscana. Um comissário da polícia foi uma tarde falar com o padre guardião, e este lhe apresentou Lebano, não me recordo sobre qual nome de frade. Giustiniano Lebano divertiu-se muito com o comissário, que junto a ele fazia anotações e que sobre ele falou a tarde toda, jurando e esconjurando que em breve teria em mãos aquele perigoso Lebano. No dia seguinte, o falso frade, com um alforje, ultrapassou os limites do Reino e, sem ser molestado, refugiou-se em Turim, com uma copiosa correspondência aos patriotas ali exilados.

            Durante sua permanência no Piemonte, teve a oportunidade de conhecer os homens mais ilustres de nosso rissorgimento.

            Retornando para Nápoles em 1860, retomou o exercício da advocacia. O Ministro Raffaele Conforti, que muito o estimava, o designou rapidamente como membro da Comissão filantrópica do exército garibaldino. Cumpriu escrupulosamente esta missão, além de outras importantes e honradas, que lhe foram atribuídas pelo mesmo ministro e por Pisanelli, como a de membro da Comissão para a compilação das listas eleitorais, de membro para os alojamentos do exército italiano etc. Também o Município de Nápoles desejou atribuir sua confiança nomeando-o presidente do Comitê que distribuía bens aos pobres da cidade, para atenuar sua dura miséria, que naquele ano era muito grande.

            Por essa e outras obras benemerentes, Lebano recebeu vários títulos honoríficos. Em 1868, perdeu três filhos e, tomado por indescritível tristeza, se retirou para sua villa próxima de Torre del Greco. A esposa Verginia, por tal irreparável perda, foi tomada por uma alienação mental que a fez lançar às chamas títulos de renda, objetos de ouro, documentos de família e documentos políticos. O famigerado bandido Pilone, que fazia frequentes incursões por aquele entorno, tentava capturá-lo. O governo enviou dois guardas, Bottelli e Lauritano, que afastaram o perigo.

            As obras de benemerência de Lebano são inumeráveis. Em 1870 uma grande penúria afligiu os camponeses de Torre del Greco. De novembro a maio, Lebano antecipou aos seus colonos seiscentos quintais[5] de farinha e mil quintais de milho. Também lhes deu trezentos quintais de enxofre para videiras. Naquele mesmos anos, comprou uma propriedade em Torre Annunziata, para dar trabalho a operários sem emprego, e montou um comércio junto com os senhores Federico Cacace, Giuseppe Cuccurullo e Giuseppe Scarpa.

            Aquilo que mais lhe faz honra foi a fundação de três lares para os pobres, de dois orfanatos e de duas instituições para jovens moças, uma em Sorrento e outras em Palma Campania. Especialmente a estas últimas ele consagra todos seus cuidados e de grande parte de seu patrimônio. Magnânimo, abençoou todos os que sofriam, e que a ele recorriam para aconselhamento ou auxílio.

            Nas últimas eleições administrativas foi eleito vereador, e depois assessor da comuna. Nem é necessário dizer o quanto zelo ele pôs no desempenho de seu ofício.

            Giustiniano Lebano parece mais jovem do que muitos jovens de hoje. Tem uma fé invencível nas magnânimas ideias de humanidade e de progresso. Esta fé perpetua a sua juventude. De seu rosto rosado e ainda com frescor exala uma simpatia fascinante, uma aura de ilimitada doçura. Ele viverá ainda muito anos, porquê provavelmente tem uma alta missão a realizar. Estuda e escreve, sempre. Interroga páginas empoeiradas dos mais antigos escritores, os quais na solidão de sua vila, localizada aos pés do Vesúvio, no caminho que vai de Torre Annunziata a Boscotrecasa, o encorajam a perseverar a fazer o bem, não importando o que ocorra.

            Diante de Giustiniano Lebano, em tempos de egoísmo cínico e repulsivo, tais como o nosso, aquele que busca um culto à virtude deve reverentemente inclinar-se. Ele é maior filantropo de Torre Annunziata e, estou por dizer, de outros lugares. E eu, que tive a inestimável fortuna de conhecê-lo estou orgulhoso de poder dizer-me seu sincero e fervoroso admirador.

 

[1] Extrato de jornal, “L’Irno”, ano V, Salerno, 23 de março de 1901, página 2.

[2] Torre Annunziata é uma comuna italiana da região da Campania, província de Nápoles (N.d.T.).

[3] Sessa Cilento é uma comuna italiana da região da Campania, província de Salerno (N.d.T.).

[4] Divina Comédia, Inferno, Canto IX, versos 61-63. Também Purgatório, Canto VIII, versos 19-21. (N.d.T.).

[5] Um quintal corresponde a 100Kg (N.d.T.).

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