quarta-feira, 3 de janeiro de 2024

A Experiência Iniciática


Aqueles entre nós que há muito tempo seguem uma via iniciática de total e completa realização espiritual se deparam com uma série de problemas e de considerações que eu tentarei descrever e comentar neste breve texto.


Superada a fase inicial sobre a qual não é o caso que eu me detenha porque se deduz que tenham sido suficientes os conselhos, as instruções e sobretudo os avisos dos mestres que se alternaram recentemente e que, pródigos de palavras e de textos, fizeram de tudo para nos mostrar o caminho certo da realização espiritual, passo agora a tratar os problemas reais, aqueles práticos da vida cotidiana, aqueles que cada um de nós teve que enfrentar quando se viu sozinho, com a própria consciência e com as próprias forças, em presença do mistério filosófico.


Começando pelo controle do pensamento, pensamento habituado a correr livremente na mente, na tentativa de atingir a nossa aspiração profunda de uma Vida divina, para concluir depois com justificações que o pensamento produz fazendo de tudo para demolir aquela certeza absoluta que tínhamos produzido no início do caminho iniciado na onda do entusiasmo e da novidade.


Nesta fase nós esquecemos que o homem para viver a sua experiência iniciática não necessita de nenhuma justificação racional porque desde o início ele possui uma certeza: aquela que o pensamento lhe transmitiu com base na intuição.


Somente quando a experiência do sagrado se realizou o homem percebe a necessidade de reelaborá-la de maneira racional: e é neste momento que ele procura teorias inefáveis que justifiquem afetivamente a experiência interior que está vivendo. Não obstante todo o aflato em direção da sacralidade permanece no profundo da sua consciência como ato único que encontrará em si mesmo a legitimidade racional.


Quem deseja tocar o vértice da experiência mistérica não deve se deixar levar pelos “casos da vida”, pelas “emoções familiares” e pelos tantos sentimentos que agitam ou alegram as nossas relações humanas e sociais, mas deve permanecer vigilante e atento aos impulsos do nosso próprio ser que, no bem e no mal, normalmente não erra as diretrizes sobretudo quando se encontra no centro de um processo catártico que precede e acompanha a experiência em curso.


Neste “espaço de tempo” o homem renuncia à própria individualidade corpórea e se deixa transportar pelo ser incógnito em direção do centro da sua existência, o centro do ser diante do qual às vezes ele se considerou inadequado e impreparado quando é justamente de lá, deste “sendo” ou deste “ser que é” que é liberada a energia necessária para a sua verdadeira iniciação. De fato é errado pensar que o êxtase “filosófico” aconteça por um favor divino, o êxtase é o ponto final de um processo que teve início com a ajuda das nossas forças espirituais, ativas e operativas durante a nossa vida corpórea a qual juntamente com a Alma, propicia e acompanha todos os nossos desenvolvimentos vitais, daqueles inferiores exprimidos pela esfera terrestre àqueles inerentes ao nosso destino superior.


Portanto é errado pensar que se chegue ao completamento da nossa realização espiritual somente após a morte. Aquilo que acontece após a morte deve ser preparado por nós e deve ser vivido em vida, caso contrário no além nos espera um destino de sombras cegas e surdas para qualquer apelo.


Podemos falar de “imortalidade da alma” só se tivermos o total conhecimento e a absoluta certeza daquilo que nos espera no “aqui” e no “após”, portanto dividir em dois a eternidade iminente sobre nós é o mais trágico erro que podemos fazer, não só do ponto de vista intelectual, mas sobretudo daquele iniciático, demonstrando assim não ter compreendido nada da verdadeira finalidade da experiência iniciática sobre a qual estou falando.


A experiência humana é necessária porque é com os pés no chão que nos será possível “conhecer”, em primeiro lugar o “demon” que temos como destino e então a Alma que sustenta a nossa vida e tamabém aquela parte divina de nós que participará da inefável ascenção após a restituição do nosso escafandro físico à mãe terra.


Nós estamos lidando com um ente mortal (o nosso corpo físico) que aspira unicamente às paixões (quando vive) e à dissolução quando se aproxima o final e que, quando está “vivo” será possível dominar e sobretudo “usar” com os únicos instrumentos à nossa disposição; aqueles que a nossa “inteligência” e sobretudo a nossa “alma” nos colocam à disposição: nós é que devemos “vê-los” com o olho de “júpiter” e usá-los com as asas de “hermes”.


É melhor a este ponto, antes de prosseguir, esclarecer as coisas sobre o significado da palavra morte já que nem sempre foi usada, como hoje em dia, para designar o fim de uma existência humana. Se não tivéssemos condições de entender e de aprofundar o problema da morte seria melhor renunciar a prosseguir no exame da <experiência iniciática>. Como veremos a morte humana está intimamente relacionada com a morte iniciática já que “a morte iniciática consiste - segundo Arturo Reghini – em colocar a própria consciência, estando vivos e presentes a nós mesmos, na condição na qual deve encontrar-se a consciência do morto. Se trata de experimentar, vivendo em plena consciência, a morte.”


Nós sabemos que o êxtase, como pensava Giordano Bruno, não acontece por nenhuma intervenção divina especial, mas por mérito das próprias forças espirituais, naturalmente imanentes na alma; acontece ainda que se pode chegar ao Absoluto inefável nesta vida terrena e que a união estática não é privilégio de um além.


De fato o aspirante iniciado não se preocupa tanto com uma vida espiritual perfeita que se realiza após a morte, quanto ao contrário com a própria vida terrena, porque a corporeidade que acompanha a alma não diminui absolutamente a sua potência espiritual nem atrasa a realização do seu destino superior.


Portanto se ao êxtase se chega sem nenhum milagre divino, mas por mérito somente das forças espirituais da Alma, consequentemente se poderá alcançar ainda no decorrer desta vida terrena, isto é durante o percurso daquela experiência especial que chamamos “iniciação”, já que no mundo clássico a própria palavra “iniciação” era seguida por aquela dos “mistérios”. Portanto a experiência iniciática não é outra coisa senão uma experiência mistérica, que se desenvolve e se realiza durante a vida e não na espera vã de um além obscuro e problemático.


Para concluir, Platão e os neoplatônicos insistem em dizer que se alcança a imortalidade da alma através de uma pureza imaterial, sobretudo porque a imortalidade é uma conquista definitiva da alma, é a confirmação que o processo palingenético se realizou na viagem só de retorno e que a morte não é somente a interrupção de UM destino mas é o sinal da interrupção de NUMEROSAS vidas e de vários mortos que precisamente se celebram e se exaltam naquele cruel mecanismo da reencarnação e que com a experiência iniciática e a conquistada imortalidade deve cessar de existir.


Manlio Magnani concludeva il suo bellissimo scritto sulla “Morte” con queste parole che facciamo nostre: “Precisamente nel fine visibile delle forme e delle vite singole, degli aggregati, delle cose composte e delle cose semplici, in una parola in ciò che gli uomini chiamano morte è il segno visibile tangibile di un limite insorpassabile da parte del caos. La cosiddetta morte in quanto dissolve una esistenza, di qualunque ordine essa sia, ha valore e significato di negazione e di opposizione alla fissità o alla stabilità del divenire fenomenale, del processo della molteplicità, dell’impulso del caos: quindi è come espressione di un tendere verso il ritorno allo stato anteriore al caos e al verbo stesso, cioè a quell’unicità in molte tradizioni indicata con la parola padre. Ecco perché la morte fu detta "mistero cosmogonico del padre”.


Manlio Magnani concluía o seu belíssimo texto sobre a “Morte” com estas palavras que fazemos nossas: “Precisamente no fim visível das formas e das singulares vidas, dos agregados, das coisas compostas e das coisas simples, em uma palavra naquilo que os homens chamam de morte está o sinal visível tangível de um limite intransponível por parte do caos. A assim dita morte que dissolve uma existência, de qualquer ordem esta seja, tem valor e significado de negação e de oposição à fixidade ou à estabilidade do futuro fenomenal, do processo da multiplicidade, do impulso do caos: então é como expressão de um tender em direção do retorno ao estado anterior ao caos e ao próprio verbo, isto é àquela unicidade indicada em muitas tradições com a palavra pai. Eis porque a morte foi chamada “mistério cosmogônico do pai”.