Nas breves páginas que se seguem pretende-se simplesmente colocar em evidência alguns pontos de contato entre a cultura egípcia e a hebraica, indicando uma precisa influência da primeira sobre a segunda a partir de algumas fontes literárias. Nos limitaremos a alguns exemplos dentre tantos, reservando-nos o direito de desenvolver, em forma mais ampla e completa, o interessante argumento em um estudo sucessivo.
O contato histórico entre o Egito e as populações semíticas da área sírio-palestina remonta ao III milênio a.C., época na qual se atesta a presença na área fenícia de Byblos, de um templo egípcio. Durante o Antigo Império (2780-2280 a.C.) sucederam-se infiltrações pacíficas de grupos de nômades, alguns dos quais são representados em ato de grande sofrimento na famosa “Stele dela Carestia” proveniente da “Via Sacra” do rei Unis da V dinastia, em Sakkara.
Durante o Médio Império (2134-1778 a.C.) são assinaladas, em aumento progressivo, as infiltrações no Egito de patriarcas hebreus, conforme atestado por uma tumba de Beni Hasan do reino de Amenemhatt II (1900 a.C.) que represente trinta e sete nômades semitas denominados genericamente “Hekau-Khasut”, ou “Chefes de regiões estrangeiras”, definição que dará origem ao nome “Hyksos”.
O grupo foi conduzido por um chefe cujo nome hebraico é Abisaí (que aparece também em I Samuel, 26, 6.)
Algumas estelas egípcias na Palestina, como aquela da época de Seti I e de Ramsés II se referem aos “Ap(i)ru do Monte Yarumtu. O nome desse grupo é relacionado seja ao ugarítico como ao “Hab-pirw” acádico para definir os “Habiru”, isto é, os nômades que acompanharam o colapso da autoridade egípcia na área sírio-palestina e que sucessivamente, na forma “Aibrim”, deram origem ao termo “Hebreu”.
À XIX dinastia (1320-100 a.C.) se atribui o período do Êxodo e a única menção ao nome “Israel” nos textos hieroglíficos aparece na estela de Merenptah (1212-1202 a.C.) atualmente no museu do Cairo. Dentre os hinos de vitória, lê-se:
“Ascalon foi tomada, Gezer capturada
Ianoam não existe mais
Israel jaz prostrada e sem sementes”...
O texto foi precedido de uma linha:
“Jazem prostrados os príncipes, e dizem ‘Shalom’ !”
¹ Publicado em Politica Romana 3/1996, pp. 151-154. Associazione di Studi Tradizionali “SENATUS”, Roma, Itália.
Os grupos de Hebreus que permaneceram no Egito no curso das várias infiltrações ou durante as invasões dos “Hyksos” deram origem a uma classe particular de trabalhadores denominados precisamente “Habiru” (“Habiru” = “Hebreu”).
Contudo diversas exceções mostram a presença contemporânea dos semitas em várias classes sociais elevadas. Assim, um dos filhos de Ramsés II tomou como mulher a filha de um capitão de navio cujo nome, Ben-Anath, é de clara origem hebraica. É a esta classe, socialmente mais elevada, que são atribuídos os contatos com a cultura egípcia, expressos sobretudo nos “Insegnamenti” denominados “Sboyet”, gênero literário particular que obrigava os estudantes não somente ao aprendizado da língua hieroglífica, mas também a assimilar normas comportamentais e de alto valor ético e religioso. Algo assemelhado àquilo que ainda hoje ocorre em vilarejos árabes com o ensinamento da língua utilizando excertos do Alcorão. Os “Insegnamenti” são atribuídos a diversos “Sábios” egípcios, como Imhotep da III dinastia, período ao qual remonta também o Corpus das “Istruzioni per Kagemni”, personagem cujo pai foi vizir. Seguidos por aqueles de Herdedef da IV dinastia e de Ptahotep da V.
Durante o “Primeiro Período Intermediário” o rei Kati (ou Kheti) III da X dinastia compilou um texto para seu filho Merikara. No Novo Império duas importantes obras vieram à luz: a de Ani e aquela de Amenemope . Desta última diversos estudiosos seguem o rastro até 1300 a.C.. Esta é a opinião de Ronald J. Wiliams que confirma igualmente a absoluta originalidade do texto.
Amenemope, por si só, fornece uma adequada quantidade de material comparativo entre as fontes originais egípcias e textos bíblicos.
Assim lemos em Amenemope (9/14-19; 10/4 ss.):
“Não te esforces para se tornar rico...
Se as riquezas a ti chegarem pelo furto
Não passarão a noite contigo.
Na aurora não estarão mais em tua casa.
O lugar onde estavam lá está, mas ali não mais estarão.
Elas tem asas como os gansos
E voaram para o céu... “.
Texto que, na redação bíblica (Livro dos Provérbios 23, 4-5), lê-se:
« Não te fatigues por adquirir a riqueza
não apliques nisso a tua inteligência.
Nela pousam teus olhos, e ela não existe mais,
pois certamente fará asas para si,
como águia, que voa para o céu ».
Fazendo referência às “Istruzioni”, Amenemope (3/9-16) assim insiste sobre o valor dos ensinamentos:
“Incline tua orelha e escute o que é dito,
Coloque sua mente para interpretar.
É proveitoso fixa-los em tua mente
Ao passo que é danoso o ignorar...
Devem ser como ponto de apoio para tua língua”.
Os Provérbios (22, 17ss.) refletem a mesma idéia:
“Incline teu ouvido, ouve as palavras dos Sábios,
e aplica teu coração ao meu conhecimento,
pois terás prazer em guardá-las dentro de ti,
e estarão todas firmes em teus lábios.».
A obra de Amenemope é constituída por trinta capítulos numerados que são concluídos da seguinte forma (Amen. 27/7-10):
“Considera estes trinta capítulos,
Eles alegram, eles instruem,
Formam a essência de todos os textos
E instruem o ignorante”.
Nos Provérbios (22,20) diz-se:
“Não te escrevi trinta capítulos,
Sobre conselhos e conhecimento...”
E ainda Amenemope (19/11-13):
“Não passe a noite com temor do dia seguinte,
Quando o dia se põe, o que será o amanhã?
O homem é ignorante sobre o amanhã”...
Os Provérbios (27, 1) assim se exprimem:
“Não te felicites pelo dia de amanhã,
pois não sabes o que o hoje gerará ».
Uma clara influência sobre o carpe diem pré-horaciano no Eclesiastes (2, 24 ss., 3,12 ss., 22; etc) pode ser identificada na literatura egípcia e, em particular, nas “Canzoni dell’Arpista”, uma das quais (10-2, 15 ss.) diz:
“Festeja o dia em sua plenitude!
Ponha incenso de acanto e fino óleo
Guirlandas de lótus e outras flores sobre o peito.
A mulher que você ama.
É ela que se senta ao seu lado...
Cuidado com a embriaguez todo dia...”
O mesmo “Cântico dos cânticos” mostra, em alguns pontos, a influência egípcia. Mas o exame deste ponto constitui a inspiração para algum outro breve estudo.