quarta-feira, 8 de setembro de 2021

Sepher HaBahir

O Sepher haBahir também chamado de Midrash do Rabi Nehuniah ben Hakana é, juntamente com o Sepher Yetzirah que o precedeu e o Sepher haZohar que o suscedeu, um dos trabalhos clássicos da Cabala.

Seu nome vem do primeiro versículo citado no seu próprio texto: (Jó, 37-21) “E agora não se vê luz, o céu é luminoso (bahir)”.

Citado no comentário de Raavad a respeito do Sepher Yetzirah e pelo Ranban (Rabi Moshe Nachman) em seu comentário sobre a Torah, é também, por diversas vêzes, parafraseado no Zohar, conforme Aryeh Kaplan em sua introdução à tradução e comentário do Bahir.

Dizia Moshe Cordovero (1522-1570): “As palavras deste texto são lumionosas (Bahir) e cintilantes, mas o seu brilho pode cegar…”.

Acredita-se que o Bahir foi composto em meados do século XII (1175), na escola cabalística de Provance (França), e circulou por quase cinco séculos em forma de manuscrito, restrito a um círculo restrito de cabalistas judeus, antes que fosse impresso em Amsterdã no ano de 1651.

Sua primeira edição em outra língua deu-se em 1923 para o alemão e após em 1980 para o inglês. Assim, o Bahir é, como o Zohar um trabalho não muito popular, seu texto é porém muito menor que o do Zohar, em torno de 12.000 palavras, e maior que o Sepher Yetzirah.

Embora o Bahir seja considerado como produto dos ensinamentos do Rabi Nehuniah, partes consideráveis do trabalho são atribuidos a outros autores de sua escola ou descendência. Dentre estes, são citados o Rabino Akiba, o Rabino Eliezer o Grande, Rabino Berachia, Rabino Yochanan ben Dahabai, Rabino Levitas ben Tavros e Rabino Rahumai o mais citado dentre todos, suscessor do Rabi Nehuniah como líder da escola, que também conheceu o Rabi Pinhas ben Yair, sogro do Rabi Shimon bar Yochai, autor do Zohar. Diz a lenda que Rabi Rahumai estava junto com o Rabi Pinhas, quando Rabi Shimon saiu de sua caverna no Kineret, onde o Zohar lhe foi revelado…

Conta-nos Aryeh Kaplan, que com o encerramento do período Talmúdico, o círculo de cabalistas diminuiu e, em certas épocas, pode não ter ultrapassado uma parca dúzia de indivíduos. Porém este grupo era tão unido que, muitas vêzes, pessoas estranhas nem suspeitavam de sua existência. Embora fosse importante manter a tradição da Cabala, também era importante evitar que caísse em mãos erradas…Dentre os cabalistas “pré-Bahir”, podemos citar Natronai Gaon (794-861), Sherira Gaon(906-1006), Hai Gaon (939-1038).

Por outro lado, sábios como Maimônides (1135-1204) que escreveu a Mishné Torah e o Rabi Yehudá ben Barzilai (1035-1105) autor de um dos mais extensos comentários sobre o Sepher Yetzirah, nunca viram ou comentaram nada sobre o Bahir.

Ainda dentre os conhecedores da Tradição encontram-se Ravaad o Rabino Avraham ben David de Posquieres (1120-1198), filho de Avraham ben Itzrak e pai de Isaac o Cego, que embora fosse cego possuia a reputação de poder ver a alma de uma pessoa e de ser capaz de ler os seus pensamentos. Isaac o Cego, que foi chamado de “Pai da Cabala” pelo Rabi Bachya Asher (1276-1340) em seu comentário sobre a Torah, transmitiu a tradição a seus discípulos Ezra e Ariel, e estes ao Rabino Moshe ben Nachman (Nachmanides), conhecido como Ranban (1194-1270) que citou frequentemente o Bahir em seus comentários sobre a Torah.

O Bahir foi o texto mais importante da Cabala Clássica, até a publicação do Zohar em 1295. E este último extende-se em muitas oportunidades sobre comentários e conceitos encontrados inicialmente no Bahir. De fato um estudo cuidadoso revela uma considerável semelhança entre os dois trabalhos, o que pode ser explicado pelo fato de que o Rabino Shimeon bar Yochai, autor do Zohar, conhecia os ensinamentos de Rabi Nehuniah, mesmo antes da revelação mística especial da caverna o Rabi Shimeon já devia ter sido iniciado na Tradição dos “Mistérios da Carruagem” conforme o Bahir chama a Cabala, e a ligação deve ter sido o Rabi Pinhas ben Yair, sogro de Shimeon e amigo do Rev Rahumai, conforme citado. De especial interesse é também o fato de que ambos os trabalhos Zohar e Bahir referem-se à Luz e a Brilho…

Ainda conforme Kaplan, resumimos a seguir a estrutura do Bahir e seus ensinamentos:


1 – Primeiros versículos da criação (1-16)

2 – O alfabeto (27-44)

3 – As Sete Vozes e Sephiroth (45-123)

4 – As dez Sephiroth (123-193)

5 – Mistérios da Alma (194-200)


O Texto inicia-se por uma declaração do Rabino Nehuniah:


Disse o Rabi Nehuniah ben Hakanah – como está escrito:


“E agora não se vê a luz, o céu é luminoso (bahir)”.

“Ele fez das trevas o Seu esconderijo”.

“Nuvens e trevas O envolvem”.

“Mesmo a treva não é para Tí”.

“A noite reluz qual dia – luz e treva são o mesmo”.

…prossegue com o Rabi Berachiah, está escrito:

“A terra era Caos (Tohu) e Desolação (Bohu)”.


Rabi Rahumai e Amorai entram no debate, sobre o conceito de “o que preenche” (maley) – (Isaias 6:3) “Sua glória preenche toda a terra”.


A letra beith, que inicia a Torah recebe considerável atenção.


A segunda parte trata das oito primeiras letras do aleph-beth, de Aleph à Cheth. No final desta parte (40-44) trata-se das vogais e de alguns dos sinais massoréticos, Kaplan, em seu comentário sobre o Bahir curiosamente vincula-os ao Sephiroth.

A terceira parte inicia-se pelo exame das sete vozes escutadas no Sinai, e ao indagar a relação entre estas e os Dez Mandamentos, inicia um exame do Sephiroth.

Subseções importantes nesta parte incluem explicações sobre Isaías (51-56) e do terceiro capítulo de Habacuc (68-81). Numerosos conceitos do Sepher Yetzirah são introduzidos e comentados (63-106) o que conduz a um exame dos diversos nomes místicos de Deus (106-112). Importância especial é dada ao número 32, que corresponde aos Caminhos da Sabedoria ao valor numérico de Lev (coração) e ao número de fios do Tzittzit:


63. O que é o seu coração ?


… O coração (Lev) é trinta e dois. Esses são secretos, e com eles o mundo foi criado (alusão ao Sepher Yetzirah).


Que são esses trinta e dois ?


Disse ele: São os 32 Caminhos.

É qual um rei que estivesse na mais recôndita de várias câmaras. Deveria o rei, então, trazer todos para sua câmara através destes caminhos ? Concordareis que ele não deveria. Deveria ele revelar suas jóias, suas tapeçarias, seus segredos ocultos e escondidos ? Concordareis mais uma vez que ele não deveria. O que faz o rei ? Ele toca a Filha e inclui todos os caminhos nela e em suas vestimentas.


Aquele que desejar entrar, deve alí fitar.

Ele a casou com um rei e, também lhe deu ela como presente.


Por causa do seu amor por ela, ele, às vezes, a chama de “minha irmã”, pois são ambos do mesmo lugar. Às vezes, a chama de minha filha, pois ela é de fato sua filha. E, às vezes a chama de “minha mãe”.

Em seu comentário, Kaplan esclarece várias passagens, sendo interessante que o Coração (Lamed Beth) representa a Torah em sua totalidade pois esta inicia-se com a letra Beth e termina com a letra Lamed).


Kaplan continua, com a complexa explicação do parágrafo final:


…Embora a origem da revelação seja Netzach (Vitória) e Hod (Esplendor), em sua última instância, toda revelação vem através do Reino (Malchuth), que é Fêmea. É também, a Presença Divina – Schinah. Por isso os Trinta e Dois Caminhos são revelados principalmente por intermédio da Filha.

…Entretanto o conceito de Fêmea está dividido em dois conceitos, os quais nos ensinamentos cabalísticos, são representados pelas duas esposas de Jacó: Lia e Raquel. Raquel é o coneito de Fêmea que se origina de Malchuth própriamente dito. Lia, por outro lado, é de fato o Malchuth (Reino) de Imma (Mãe) de Binah (Compreensão), e, como tal, representa o nível mais inferior de Imma (Mãe), que está no lugar de Malchuth (Reino). Normalmente, considera-se Lia em posição superior à Raquel.

Originando-se ambos, Zeir Anpin e Raquel, do útero de Imma (Mãe), são representados como irmão e irmã. São também, marido e mulher, sendo este significado de “minha irmã, minha noiva” (Cantico dos Canticos 4:9, 5:1). A Fêmea ;e, também a filha de Zeir Anpin, do mesmo modo que Eva, derivou-se da costela de seu companheiro. Além disso, sendo Lia um aspecto da Fêmea, que, de fato, é o nível mais inferior de Imma (Mãe), em parte, ela também é, realmente, mãe do Zeir Anpin.

Está portanto escrito: “Diga à Sabedoria, és minha irmã, e chama à Compreensão de mãe”. (Provérbios 7:4)….

Na quarta parte do Bahir encontra-se o primeiro exame do Sephiroth, introduzido por uma explicação sobre a benção sacerdotal, onde diz-se que os dez dedos correspondem às dez Sephiroth, conceito também encontrado so Sepher Yetzirah. A palavra Sephirah, é definida como sendo aquilo que expressa (saper) o poder e a glória de Deus (125). Existem nesta parte subseções relativas a permanência dos israelitas em Elim (161-167) e sobre o mandamento a respeito do Lulav (172-178). A seção termina com uma análise entre o relacionamento do Sephiroth e as esferas (179ss), e uma breve introdução à reencarnação (183), igualmente em relação ao Sephiroth.

A parte final, de número cinco, trata da alma, iniciando-se com um discurso sobre a reencarnação e seu relacionamento com a justiça Divina (194). O conceito da alma é relatado por Raba e Rav Zeira, dentro do contexto da criação da vida através das artes místicas (196).

No final, o Bahir trata dos conceitos de alma feminina e masculina, com uma análise do Tamar (197) e uma explicação de porque Eva foi a pessoa a ser tentada…O Bahir, não emprega o termo Cabala (Kabbalah), que conforme a lenda foi utilizado por Isaac o Cego, posteriormente, mas sim Maaseh Mercavah ou “Mistérios da Carruagem” numa referência à visão de Ezequiel, e diz que: sondar estes mistérios é tão aceitável quanto a oração (68), mas, adverte ser impossível fazê-lo sem errar (150).

Conforme o Talmud, a Kabbalah deve ser ensinada apenas através de sugestões e alusões, diretriz que é seguida ao pé da letra pelo autor ou autores do Bahir. Quem ler este trabalho como um livro qualquer, encontrará longas passagens que aparentemente não fazem nenhum sentido. Nào é pois um trabalho para leitura casual, mas para estudo sério e concentrado, o que era aceito pelos cabalistas, para os quais os principais textos foram escritos para serem compreendidos apenas quando analisados de modo integrado. Somos advertidos de que quem lê sobre a Cabala de maneira literal e superficial, decerto não a compreenderá… conclui Kaplan.

Dentre os conceitos mais explorados no Bahir está o Sephiroth e, com exceção de tres, seus nomes são também introduzidos. A ordem do Sephiroth é tal que as sete últimas correspondem aos sete dias da semana e derivam do versículo – Teus são, Ó Deus, a Grandeza, a Força, A Beleza, a Vitória e o Esplendor, tudo (Fundação) que se encontra entre o céu e a terra, Teu, Ó Deus, é o Reino (1 Crônicas 29:11). Embora esta seja a ordem adotada na grande maioria dos textos cabalistas, no Bahir, as últimas quatro são invertidas: Reino (Aravot, 7), Fundação (8), Vitória (9) e Esplendor (10).

Outro importante conceito encontrado no Bahir é o da transmigração das almas (Gilgul) ou reencarnações, conceito introduzido em nome do Rabi Akiba (121, 155). Este conceito é melhor desenvolvido no Zohar, e em maiores detalhes no Sepher Gilgulim e nos diversos trabalhos da escola do Ari.

O Bahir trata das letras do alfabeto hebraico, das quais quinze são mencionadas e de alguns mandamentos como Tefilim, Tzitzit, Lulzv e Etrog.

Dois termos incomuns são encontrados, e ambos referem-se aos anjos ou forças angélicas: Tzurá – que significa forma, e Komah, que pode ser traduzido como estrutura (8, 166). Na cultura cabalística são mais conhecidos em sua forma aramaica, sendo a primeira Diukna e o último Parzuf. Outros termos para designar os anjos são Manhiguim (Diretores) e Pedikim (Funcionários).

Outra revelação importante são os nomes de Deus. O Nome contendo 12 letras é examinado (107, 111), como é igualmente o Nome de 72 combinações.

112 – São esses os Sagrados Exaltados Nomes Explícitos. Existem doze Nomes, uma para cada uma das doze tribos de Israel:


AH-TzYTzaH-RON

ACLYTha-RON

ShMaKTha-RON

DMUShaH-RON

Ve-TzaPhTzaPhYth-RON

HURMY-RON

BRaChYaH-RON

EReSh GaDRa-AON

BaSAVaH MoNA-HON

ChaZHaVaYaH

HaVaHaYRY HAH

Ve-HaRAYTh-HON


Todos eles estão incluídos no Coração do céu. Incluem macho e fêmea. São cedidos ao Eixo, à Esfera e ao Coração, e são os poços da Sabedoria…



Em seu comentário, Kaplan diz que o total de letras destes nomes, quando escritos corretamente e sem computarem-se sufixos, é setenta e dois. Esses nomes não são encontrados em nenhum outro texto cabalístico, nem existem quaisquer instruções a respeito de sua utilização. O sufixo on ou ron é também encontrado nos nomes de alguns anjos, como por exemplo Mitatron e Sandalphon…


TZIMTZUM


A auto-constrição da Luz Divina ou TzimTzum é um dos conceitos filosóficos mais importantes da Cabala, e é introduzido pelo Bahir.

Kaplan afirma que a explicação mais clara para o TzimTzum pode ser encontrada nos escritos do Ari – Rabi Itzrak Luria (1534-1572).

Conforme descrito em Etz Hahaiim (Árvore da Vida), o processo era o seguinte:

Antes de todas as coisas serem criadas… a Luz Divina era simples e enchia toda a existência. Não havia espaço vazio…

Quando a Sua simples Vontade decidiu criar todos os universos… Ele comprimiu os lados da Luz, deixando um espaço vazio… Este espaço era perfeitamente redondo…

Após essa compressão ter ocorrido… passou a existir um lugar onde todas as coisas poderiam ser criadas… Ele, então, traçou uma única linha reta da Luz infinita… e a trouxe até aquele espaço vazio… A Luz infinita foi trazida para baixo por intermédio desta linha…

O espaço vazio e redondo do Tzimtzum, mostrando-se a fina Linha de Luz da Criação

Dizem os cabalistas modernos, que não se deve considerar o conceito de Tzimtzum literalmente, pois é impossível aplicar-se qualquer conceito espacial à Deus. A referencia ao Tzimtzum é meramente conceitual, pois se Deus preenchesse cada perfeição, não haveria motivo para a existência do homem. Deus portanto, comprimiu a sua perfeição infinita, permitindo a existência de “um lugar” para o livre arbítrio e consequente realização do homem.


No Zohar, podemos encontrar uma referência ao Tzimtzum:


Na cabeça da autoridade do Rei

Ele talhou da luminescência divina,

uma Lâmpada de Trevas

E alí emergiu do Oculto dos Ocultos

o Mistério do Infinito

uma linha sem forma, embutida em um anel…

medida por uma linha…



A razão do Tzimtzum é a solução de um aparente paradoxo, detectado pelos cabalistas: Deus deve estar no mundo, contudo, se Ele não Se restringir, toda a criação seria completamente dominada por Sua Essência. O Bahir alude tanto ao paradoxo, como à sua solução (54).

O Tzimtzum trás também um paradoxo mais difícil: a Sua Essência deveria estar então ausente do espaço vazio, pois Deus removeu dalí a Sua Luz… Todavia Deus deve também preencher este espaço, pois “não existe lugar onde Ele não esteja”…

Este paradoxo relaciona-se com a dicotomia da imanência e transcendência de Deus.

A Lâmpada das Trevas citada no Zohar, assim como a própria abertura do Bahir, mostrada no início, escolhida pelo Rabi Nehuniah, tratam deste tema da Cabala teórica: Como Deus absolutamente transcendental pode interagir com a sua criação ?

A estrutura do Sephiroth, e os conceitos a eles ligados, é que formam a ponte ente Deus e o Universo segundo a Cabala.

Para não se pensar que isso inclui qualquer transformação no próprio Deus, é que o Rabi Nehuniah afirma claramente que as trevas do espaço vazio são, de fato, luz, no que diz respeito à Deus. A criação do espaço vazio e todas as posteriores transformações e mudanças de fase (conforme o Zohar), pois não transformam ou diminuem a luz de Deus…

Semelhante afirmação faz o Rabi Shimon no princípio da Idra Raba, uma das partes mais misteriosas do Zohar, ao citar: “Amaldiçoado é o homem que faz qualquer imagem… e a coloca em lugar escondido.” (Deuteronômio 26:15).

Rabi Nehuniah também faz uma advertência semelhante: “Não pense que as Sephiroth sejam luzes destinadas a preencher qualquer escuridão referente à Deus, pois, para Ele, tudo é Luz…”.

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