I. Moralidade, Virtudes e Modo de Vida
II. Sabedoria, Pathei-Mathos e Humildade
III. Enantiodromia e a separação da alteridade
I. Moralidade, Virtudes e Modo de Vida
Para a filosofia de Pathei-Mathos, ‘o bem’ é considerado como o que é justo; o que alivia ou não causa sofrimento; o que é compassivo; o que é honrado; o que é racional e equilibrado. Esse saber do bem surge da (atualmente subutilizada e subdesenvolvida) faculdade humana de empatia natural, o que é diferente do conhecimento empático, suplementar e complementar ao conhecimento que pode ser adquirido por meio dos fundamentos aristotélicos da filosofia convencional e experimental: ciência.
A empatia, portanto, inclina a pessoa para certas virtudes; em direção a um tipo particular de caráter pessoal; e desinclina a mesma para fazer o que é mau, o que é injusto; o que é insensível; o que intencionalmente causa ou contribui para o sofrimento.
Pois a empatia nos permite perceber diretamente e sentir o φύσις (physis) dos seres humanos e outros seres vivos. A empatia faz uma translocação de nós mesmos e assim um conhecimento de outro ser-vivo como aquele ser vivo é, sem presunções e sem todas as ideações, todas as projeções, todas as categorias ou categorizações assumidas ou acreditadas. Pois a empatia envolve uma simpatia com outro ser vivo; um devir – por um momento ou momentos causais – daquele outro ser, de modo que nós sabemos, podemos sentir, podemos entender, o sofrimento ou a alegria daquele ser vivo. Em tais momentos, não há distinção entre eles e nós – existe apenas o fluxo da vida; apenas o presenciar e a unidade última da Vida com o nosso eu entendido como apenas uma falível, frágil, microcósmica emanação mortal da Vida, e cuja emanação pode afetar outra vida de uma maneira boa ou ruim. Além disso, a empatia e o pathei-mathos nos dão a compreensão de que nós seres humanos temos a habilidade – o caráter – (ou podemos desenvolver a habilidade, o caráter) para entender e nos conter, para decidir fazer o que é bom e não fazer o que é errado. Essa habilidade da razão, essa escolha e essa capacidade de desenvolver nosso caráter são a gênese da cultura e expressam nosso potencial natural como seres humanos.
A simpatia numinosa – συμπάθεια (simpatia, benignidade) – com outro ser vivo nos inclina a tratá-lo como nós mesmos desejaríamos ser tratados: com justiça, compaixão, honra e dignidade. Também nos inclina a não julgar aqueles que não conhecemos; aqueles além do alcance de nossa faculdade de empatia. Nisso há ou pode desenvolver-se:
(I) Wu-wei, o cultivo de um equilíbrio interno que surge de uma apreciação da mudança natural (o fluxo) dos seres vivos e como é desequilibrado e difícil de interferirmos em modos que conflitem com o caráter natural de tais seres e com essa mudança natural. Parte dessa apreciação é do numinoso; outra é de nossos próprios limites e limitações, porque nós mesmos somos apenas uma pequena parte dessa mudança natural, um aspecto do qual é a natureza. A apreciação do numinoso e de nossos limites nos inclina para uma certa humildade.
(II) Uma apreciação da inocência, pois a inocência é considerada como um atributo daqueles que, sendo pessoalmente desconhecidos para nós, não são, portanto, julgados por nós e assim recebem o benefício da dúvida. Pois essa presunção de inocência dos outros – até que a experiência pessoal direta, e o conhecimento individual e empático deles, provem o contrário – é a coisa justa, racional, numinosa, humana e culta a ser feita.
(III) Uma apreciação de como e por que um amor pessoal e leal entre dois indivíduos é a coisa mais bela, mais numinamente humana de todas.
Em essência, o Caminho de Pathei-Mathos é um modo ético, interior, pessoal, não-político, não-interferente, não-religioso, mas espiritual, de reflexão individual, mudança individual e vida empática. É uma consciência da importância de virtudes como compaixão, humildade, tolerância, gentileza e amor.
II. Sabedoria, Pathei-Mathos e Humildade
Ao longo de milênios, o patheimathos acumulado de indivíduos – frequentemente demonstrados na arte, literatura, memórias, música, mitos, lendas e muitas vezes manifestos no espírito de uma consciência do tipo religioso ou em alegorias espirituais – produziram certos insights, certas sugestões de sabedoria, quais eram uma necessidade de equilíbrio alcançado por não ir além dos limites numinosos; uma intimação evidente no taoísmo, e em mitos e lendas gregas, onde este “ir além” não-inteligente é chamado de ὕβρις – hubris – e bem descrito, por exemplo, por Sófocles em Antígona e Édipo Tirano.
Outra indicação de sabedoria – e talvez uma das mais significativas – é o que Ésquilo escreveu em seu Agamenon, dizendo que o Imortal, Zeus, guiando os mortais à razão, forneceu uma nova lei que substitui as anteriores e que essa nova lei – esta nova orientação estabelecida para os mortais – é pathei-mathos. Ou seja, para nós, seres humanos, pathei-mathos possui uma autoridade viva e numinosa. A sabedoria que surge da própria experiência pessoal, de experiências formativas que envolvem alguma dificuldade, algum pesar, algum sofrimento pessoal, é frequentemente ou pode ser mais valiosa para nós (mais viva, mais significativq) do que qualquer doutrina, do que qualquer fé religiosa, do que qualquer palavra que alguém possa ouvir de outra pessoa ou ler em algum livro.
Pathei-mathos, assim como a empatia, oferece um certo entendimento, um conhecimento e, quando combinados, pathei-mathos e empatia são ou podem ser um guia para a sabedoria, para um conhecimento consciente específico concernente à nossa própria natureza, nossa relação com a Natureza e nossa relação com outros seres humanos. Se expressas filosoficamente, podem revelar a natureza do Ser e dos seres.
Como o alcance de nossa faculdade de empatia é limitado ao imediatismo do momento e às interações pessoais, e como o aprendizado forjado pelo pathei-mathos é direto e pessoal, então o conhecimento, o entendimento que a empatia e o pathei-mathos revelam e fornecem é baseada nas nossas limitações de conhecimento pessoal e compreensão pessoal. Isto é, o que é tão revelado não é alguma teoria grandiosa ou práxis ou filosofia que é considerada aplicável a outros, ou que se acredita que pode ou deve ser desenvolvida para ser aplicável a outros ou desenvolvida para oferecer orientação além do indivíduo, em questões políticas e / ou sociais e / ou religiosas e / ou em termos ideológicos, mas sim um modo pessoal, individual, espiritual e, portanto, interior.
Ou seja, somos honestos, não sabemos quando não sabemos; aceitamos que não temos conhecimento e / ou experiência suficientes para formar e expressar uma opinião sobre assuntos que não estudamos e não temos experiência pessoal, e sobre pessoas que não conhecemos e não interagimos pessoalmente durante um período de tempo. Aceitamos que nossa empatia e pathei-mathos – nosso julgamento pessoal, nossa experiência, nossa apreciação interior do numinoso, o conhecimento adquirido pessoalmente – são o que nos informam e nos guiam: não a fé e não a retórica, nem as palavras ou a paixão, nem a propaganda ou as ideias, nem o dogma ou as políticas e nem a ideologia dos outros.
Há, portanto, uma apreciação, um conhecimento, que é a gênese de um julgamento equilibrado e pessoal – um discernimento – e cujo conhecimento é uma prova da nossa percepção do Ser e dos seres. Isso é o entendimento de que todos os seres vivos são emanações do Ser e de como o caminho da mudança moral e da transformação não causadoras de sofrimento, tanto pessoal como social, é o caminho da mudança individual e interior, de ajudar outras pessoas de maneira direta e prática, porque nossa percepção é a da escala humana das coisas, de nós mesmos como falíveis e de indivíduos como seres humanos presumidamente inocentes e bons ou capazes de fazerem boas mudanças, até que a experiência direta e o conhecimento deles revelem o contrário.
III. Enantiodromia e a separação da alteridade
A revelação a respeito de nossa própria natureza, nossa relação com a Natureza e nossa relação com outros seres humanos que a empatia e o pathei-mathos fornecem é, como mencionado anteriormente, o entendimento de que todos os seres vivos são emanações do Ser e, portanto, do que está além da separação que a divisão (instintiva ou não) em nosso ego e nos outros causa. É uma revelação de que essa “separação da alteridade” é mera aparência causal, e cuja aparência não apenas obscurece a natureza do Ser e dos seres, mas é também a gênese da arrogância e, portanto, do sofrimento, um caminho longe da sabedoria.
Parte dessa “separação da alteridade” é feita quando nós (instintivamente ou não) dividimos as pessoas em categorias assumidas e, assim, atribuímos a elas algum termo, algum rótulo ou algum nome. Nós então presumimos que “as conhecemos” frequentemente depois de julgá-las com base nas qualidades (ou na falta deles) que nós ou outras pessoas atribuímos ou associamos a essa categoria, termo ou rótulo. Além disso, frequentemente ou principalmente nos definimos – nos proporcionamos identidade e imbuímos nossa vida com significados – ao aceitar ou assumir ou designar a nós mesmos (ou permitir que outros assim nos atribuam) a uma categoria ou categorias fabricadas por humanos. No entanto, todas essas categorias, termos, rótulos, nomes – e os deveres e responsabilidades, e / ou gostos / desgostos atribuídos a eles – foram e são a gênese do sofrimento, pois levam a (e levaram) certas categorias a serem consideradas como melhor que ou oposto a outras, e de noções de superioridade / inferioridade, de amados / odiados. Disso surge o conflito, tanto o pessoal como o conflito suprapessoal de alguns seres humanos (conflito de subjugar alguns outros seres humanos designados ou identificados com alguma categoria diferente).
Existe por milênios a periodicidade de tal designação, a identificação com tais conflitos entre as categorias manufaturadas por humanos. As categorias antigas desaparecem ou são renomeadas ou extintas, novas são fabricadas. As vezes, as categorias se mesclam, formando um novo tipo, atribuindo um novo nome. E o sofrimento, a falta de compreensão sobre a natureza do Ser e dos seres, a separação da alteridade, continua.
Enantiodromia é o termo usado na filosofia de pathei-mathos para descrever a revelação e o processo de perceber, sentir e conhecer além da aparência causal e da separação-da-alteridade e, portanto, conhecer o que se separou – ou foi incorretamente percebido como separado – retornando à totalidade, à unidade, de onde surgiu. Os seres são compreendidos em sua relação correta com o Ser além da abstração causal de diferentes opostos desconsiderados ou conflitantes, e quando, como resultado, ocorre uma reforma do indivíduo. Uma relação, uma apreciação do numinoso que a empatia e o pathei-mathos fornecem e a relação e apreciação do pathei-mathos acumulado por indivíduos ao longo de milênios, nos tornaram conscientes ou tentaram nos informar ou nos ensinar.
Pois todas as religiões vivas, todas as formas espirituais vivas, manifestam ou expressaram ou foram fundadas para expressar essa mesma sabedoria. Cristianismo, islamismo, judaísmo, hinduísmo, budismo, taoísmo, tudo – em seu próprio modo e além de suas diferentes manifestações externas e os diferentes termos e expressões e alegorias usados para elucidar ‘o numinoso’ – expressa, realça ou pode melhorar nossa humanidade: nossa capacidade de nos conter, de admitir nosso desconhecimento, de admitir nossos erros, de perceber além de nós mesmos e além da “separação da diferença”. Ser compassivo, perdoador e receptivo à humildade e reforma.
Enantiodromia não é, portanto, nada novo quando aceita que o processo, a descoberta, a reforma, são – na filosofia dos pathei-mathos – coisas naturais que não envolvem qualquer teoria, ou dogma, ou práxis, ou requerem qualquer fé ou crença de qualquer tipo. Em vez disso, há o cultivo pessoal da empatia, do wu-wei, uma apreciação do numinoso e do conhecimento pessoal descoberto pelo pathei-mathos, e isso é tudo.