sábado, 8 de dezembro de 2018

Caminho Numinoso

O que denomino por ‘Caminho Numinoso’, como filosofia e como modo de vida, não foi o resultado de momentos de inspiração dentro de um tempo causal medido por um calendário terráqueo e, portanto, separados uns dos outros por dias, semanas ou mesmo alguns anos. Pelo contrário, resultou de cerca de nove anos de reflexões, intuições e experiências, começando em 2002, quando – por alguns meses – eu vaguei como um vagabundo nas colinas de Westmorland e vivia em uma tenda. Durante esse tempo eu  comuniquei algumas de minhas reflexões, por meio de cartas manuscritas, com uma senhora que morava em Oxford e que conheci há mais de uma década.
Essas reflexões diziam respeito à natureza, nosso lugar – como humanos – na natureza e no cosmos, o propósito  de nossas vidas: se os cinco fundamentos aristotélicos deram ou não uma verdadeira compreensão do mundo externo; se Allah, ou algum tipo de outra divindade existe, e assim – se não existe – de onde surgia o insight, conhecimento e compreensão místicos, e que valor ou validade – se algum – possuía tal insight místico, conhecimento e compreensão.
Durante os trinta anos anteriores ou mais, tive intuições ocasionais a respeito de sentimentos relativos à natureza, à divindade, ao cosmos e ao numinoso. Essas idéias e sentimentos me levaram a estudar o taoísmo, a cultura helênica, o budismo e a tradição mística católica. Mais tarde, tais intuições sobre o numinoso – em viagens no deserto do Saara – levaram-me a iniciar um estudo sério do Islã e fizeram parte do processo que me levou a converter-me a esse modo de vida.
Mas essas intuições, sentimentos – e a compreensão e o conhecimento que eles engendraram – se tornaram secundários em relação ao que, desde 1964, eu havia considerado ou sentido como o propósito de minha própria vida. Isso foi para ajudar, de alguma forma, a exploração e a colonização do Espaço Exterior, e foi o entusiasmo pela inspiração daquele ideal que me levou a estudar seriamente a ciência da Física, e então procurar encontrar que tipo de sociedade pode ser capaz de tornar esse ideal uma realidade.
Depois de considerar e rejeitar a sociedade comunista da União Soviética [1], uma intuição em relação à Alemanha nacional-socialista [2] levou-me a estudar seriamente essa mesma sociedade, um estudo que terminou quando concluí que de fato encontrei o tipo certo de sociedade moderna. Assim eu me tornei um nacional-socialista, com meu objetivo – o propósito da minha vida – de auxiliar a fundação de um novo estado nacional-socialista que poderia colonizar o Espaço Exterior e criar um reich cósmico.
Como escrevi na primeira parte de alguns escritos autobiográficos publicados em 1998 e baseados em alguns escritos meus datados dos anos 70:
“É a visão de um Império Galáctico que atravessa minha vida política, assim como é a busca para encontrar e entender nossa identidade humana, e minha própria identidade, e nossa relação com a Natureza, que atravessa minha vida pessoal e espiritual, dando-me os dois objetivos que eu persegui consistentemente desde que eu tinha cerca de treze anos de idade, independentemente de onde eu estava, o que estava fazendo e como fui descrito por outros ou mesmo por mim mesmo … “
Pois foi esse o objetivo da exploração e da colonização do Espaço Exterior, e meu entusiasmo bastante escolar por ele que – juntamente com o prazer da luta – inspirou meu fanatismo, meu extremismo e me re-inspirou quando -como às vezes ocorreu durante minhas décadas de NS- meu entusiasmo pela política, por uma revolução política, diminuiu, ou quando minhas intuições, meus sentimentos em relação ao numinoso e meu amor pelas mulheres – a dupla inspiração para a maioria de minhas poesias – se tornaram mais fortes do que minhas crenças políticas e meu fervor revolucionário.
O objetivo, o propósito, essa idealização, em relação ao espaço sideral, motivou em parte meu estudo e minha conversão ao islã em 1998. Por exemplo, não muito antes dessa conversão, em um ensaio intitulado Prevendo O Futuro, escrevi:
“Acredito firmemente que o Islã tem o potencial de criar não apenas uma nova civilização, governada de acordo com a razão, mas também um novo Império que poderia assumir e derrubar a ordem mundial dedicada como está à usura, decadência e um materialismo sem deus […] Eu também acredito que um novo Império Islâmico poderia criar o Império Galáctico, ou pelo menos lançar as bases dele. Talvez as primeiras colônias humanas em outro mundo tenham como sua bandeira o símbolo islâmico da crescente que está inscrita com as palavras em árabe: ‘Em nome de Allah, O Misericordioso, O Misericordiador’.
Assim, como um nacional-socialista, dediquei-me à minha “nova causa”, a um ideal que carreguei na cabeça: a causa da jihad, de perturbar as sociedades existentes como um prelúdio para fabricar uma nova visão. Neste caso, um califado ressurgente. Como no Nacional-Socialismo, esse era o ideal, o objetivo, a luta, o que era fundamental, importante. E eu – como o extremista que eu era – alimentei esse objetivo, esse ideal, de quem luta pela vitória, antes do amor, justiça, compaixão, razão, verdade e, portanto, uma pessoa que engendrou e incitou a violência, ódio e matança.
Além disso, sempre me senti obrigado pela honra de ser leal à uma causa, à uma ideologia ou a certos indivíduos, assim como o dever de ser leal àqueles a quem jurei companheirismo. Assim quando surgiram dúvidas sobre minhas crenças durante minhas décadas como nazista, eu sempre recorri à honra e assim me reconsiderei – mesmo durante meu tempo como monge católico – como um nacional-socialista, embora, quando um monge, era como um NS não-ativo e não quem abandonou ou foi contra a causa. Para mim não havia contradição entre o ethos NS e o ethos de um catolicismo tradicional, pois havia o Reichskonkordat e o acordo que o Papa Pio XII fez com Hitler.
Durante anos como muçulmano, senti-me na posição de cumprir o juramento da minha Shahadah, um juramento que negou minhas crenças NS e me levou a rejeitar o racismo e o nacionalismo, e abraçar o multirracialismo da Ummah. Esse juramento geral, junto (e importante) com um juramento pessoal de alguns anos depois de minha conversão, me traria de volta, ou eventualmente me levaria de volta, ao Islã e sempre me lembraria do dever que eu senti a respeito do que eu era -como muçulmano- obrigado a fazer.
2002-2006
Essa tendência de retorno ao Islã foi o que ocorreu depois de minhas reflexões em 2002. Tentei esquecê-las, uma tarefa que dificultou quando, mais tarde naquele ano, fui morar numa fazenda e também trabalhar em outra fazenda próxima. Pois aquele modo de viver e tal trabalho trouxe um profundo contentamento pessoal e novas intuições e sentimentos, e um florescente entendimento, em relação à natureza numinosa e especialmente algumas preocupações. Algumas intuições e sentimentos, eu comuniquei novamente por meio de cartas manuscritas.
Por um tempo, procurei encontrar uma síntese, estudei o sufismo, mas não consegui encontrar nenhuma resposta satisfatória, e assim comecei uma luta interior, uma luta pessoal da qual fiz algumas menções em Myngath. Uma luta, um conflito entre minhas próprias intuições, percepções e compreensão florescente – em relação aos seres humanos e numinosos – e o caminho da fé e crença. O que eu sentia que deveria seguir era algo mais natural, mais numinoso, e a crença necessária em Allah, no Alcorão, na Sunnah que o Islã, sendo muçulmano, exigia.
Por um tempo, fé, crença e dever triunfaram; depois vacilei e comecei a escrever com mais detalhes sobre esse “caminho numinoso” ainda não formado. Então mais uma vez a honra, o dever e a lealdade triunfaram – mas só por um tempo – pois por acaso conheci e depois me apaixonei por uma bela dama não mulçumana. E foi o nosso relacionamento – mas acima de tudo a sua trágica morte em Maio de 2006 – que intensificou a minha luta interior e obrigou-me a perguntar e depois responder a certas questões fundamentais sobre o meu passado e a minha própria natureza.
Como escrevi na época:
“Assim eu sinto e agora conheço minha própria estupidez pela minha arrogante e vã crença de que eu poderia ajudar a mudar o que era […] eu sei minha culpa, minha vergonha, minha falha aqui. Humilhado pela minha própria falta de discernimento, pela minha falta de conhecimento, por uma compreensão do meu egoísmo e meu fracasso, conhecendo-me agora pela pessoa ignorante e arrogante que eu era e sou. Como um hipócrita me coloco a ensinar, pregar, através de escritos, sentindo como eu faço agora o sofrimento das palavras”.
Eu não gostei das respostas sobre mim mesmo que essa tragédia me forçou a encontrar. De fato, eu não gostava de mim mesmo e assim, por um tempo, me agarrei ao Islã, a ser muçulmano, trilhando o caminho da fé, de Allah, de ignorar minhas próprias respostas, meus próprios sentimentos, minhas próprias intuições. Pois havia – ou assim parecia – expiação, redenção, esperança e até mesmo algum conforto pessoal ali. Mas esse retorno a tal segurança pareceu errado, profundamente errado.
2006-2009
Como escrevi em Myngath:
“… uma verdade incômoda da qual até mesmo eu, com todos os meus sofismas, não consegui  esconder de mim mesmo, embora tenha tentado, por um tempo. A verdade de que sou grato é que tenho uma dívida de honra pessoal para com Fran e a Sue que morreu – com treze anos de diferença -, deixando-me sem amor, repleto de tristeza e um pouco perplexo. Uma dívida para com todas aquelas outras mulheres que, ao longo de quatro décadas, magoei de maneira pessoal e até ao próprio Cosmos pelo sofrimento que causei e infligi através da busca antiética de abstrações”
Essa dívida de alguma forma – além de uma simples lembrança – torna a vida e a morte de Sue e Fran valiosas e cheias de significado, como se a trágica morte prematura significasse algo para mim e, através das minhas palavras e minha ações, para os outros. Dívida de mudança, de aprendizado, presenciada através de palavras, vivências, pensamentos e atos, aquela simples pureza de vida sentida, tocada, conhecida, naqueles momentos austeros do imediatismo de perdas, me honraram.
Mas essa honra, descobri tão dolorosamente, não é a honra abstrata de anos, de décadas passadas em que eu, em minha arrogância e estúpida adesão e amor às abstrações, tão tolamente acreditei e sustentei, tornando-me assim alimentador de uma causa de sofrimento. Não é esta a essência da honra, fundada na empatia, mas este é um ser humano, sempre em simbiose com aquilo que é a essência de nossa humanidade e que poderia e deveria gentilmente nos desenvolver,  muito longe dos seres primitivos, insensíveis e desapaixonados que temos sido, e infelizmente ainda somos. Assim fui levado – forçado – a continuar a desenvolver minha compreensão naquilo que começou a ser e tornar-se meu próprio ‘caminho numinoso’.
2009-2012
A essência de Caminho Numinoso é a empatia individual, uma compreensão individual, o desenvolvimento de um julgamento individual e a vivência de um modo de vida ético. Eu reflito sobre essa maneira numinosa ‘entre 2011 e a primavera de 2012.  Eu não apenas percebi meus erros, mas também que era necessário remover os detritos que se acumularam em torno dos insights básicos e dos pathei-mathos pessoais que me inspiraram a desenvolver uma ‘maneira numinosa’. Digo erros e detritos porque durante algum tempo, durante o desenvolvimento do  ‘caminho numinoso’, eu ainda estava atrelado a algumas abstrações, ainda pensando em categorias e opostos, e ainda gostava de pontificar e generalizar, especialmente sobre o Estado [3]. Por isso, comecei a re-expressar, de uma maneira mais filosófica, a natureza pessoal, a individual, a ontológica, a ética e a espiritualidade do Caminho Numinoso e, assim, enfatizei as virtudes da humildade, do amor e do wu-wei de equilíbrio, de tolerância, de não-interferência, de reforma interior (espiritual) individual, de não-esforço, de admitir a própria incerteza de compreensão e de conhecimento.
O processo de refinamento, correção e reflexão praticado durante um ano [2011-2012] resultou em necessidade de renomear o que restou de meu ‘modo numinoso’ e ‘filosofia dos pathei-mathos’, e a filosofia que tentei esboçar nos dois textos Recuyle da Filosofia de Pathei-Mathos e Resumo da Filosofia de Pathei-Mathos , o último dos quais também foi publicado sob o título Filosofia de Pathei-Mathos .
Como mencionei em Politica, Reforma Social e Pathei-Mathos [Parte Quatro em o ‘Recurso da Filosofia de Pathei-Mathos’:
“Dado que a preocupação da filosofia de pathei-mathos é o indivíduo e seu interior, seu espiritual, vida, e dado que (devido à natureza da empatia e pathei-mathos) há respeito pelo julgamento individual, a filosofia do pathei -mathos é apolítica e, portanto, não se preocupa com questões como a teoria e prática de governo, nem com a mudança ou reforma da sociedade por meios políticos […]
Isso significa que não há desejo nem necessidade de usar qualquer meio de confrontação para desafiar diretamente a autoridade dos Estados existentes, já que a reforma e a mudança numinosa são pessoais, individuais, não-políticas e não organizadas além de um nível local limitado de pessoas conhecidas, ou seja, é um caminho que envolve indivíduos que são pessoalmente conhecidos uns dos outros trabalhando juntos com base no entendimento de que é interior, de mudança pessoal. A  mudança interna de necessidades vem antes de qualquer luta pela mudança exterior por qualquer meio, se tais meios são denominados ou classificados como políticos, sociais, econômicos e religiosos. A única mudança e reforma efetiva e duradoura é entendida como aquela que evolui os seres humanos e, portanto, muda o que, neles, os predispõe ou os inclina a fazer o que é desonroso, indigno e injusto. Na prática, essa evolução significa, no indivíduo, o cultivo e o uso da faculdade de empatia e a aquisição das virtudes pessoais de compaixão, honra e amor. Daí a base para mudança social e reforma numinosa é ajudar as pessoas de uma maneira direta e pessoal. Em resumo, sendo compassivo, empático, compreensivo, sensível, gentil e demonstrativo por exemplo pessoal.

Notas
[1] Durante este estudo do comunismo, na década de 1960, comecei a aprender russo e ouvia regularmente transmissões radiofônicas comunistas como as de Rundfunk der DDR, algo que continuei fazendo por um tempo, mesmo depois de me tornar um NS. De fato, em uma ocasião, escrevi uma carta para a Radio Berlin que, para minha surpresa, foi lida com minhas perguntas e respondidas.
[2] Como eu mencionei em outro lugar – por exemplo, em Myngath – essa intuição em relação ao Terceiro Reich surgiu como resultado de eu ter lido um relato das ações de Otto Ernst Remer em julho de 1944. Pois admirei sua honra e lealdade e seu compromisso com o dever que jurara fazer.
[3] Estas pontuações uninominais, errôneas e centradas sobre o “estado” incluíam ensaios como o repreensível texto de janeiro de 2011, ” O Fracasso e a Natureza Imoral do Estado” e o texto de fevereiro de 2011, Uma visão breve e nítida da religião, política, e o estado.

Agradecimentos:

Este artigo é baseado em cartas manuscritas e resume e / ou cita várias respostas
enviadas a vários correspondentes durante o mês de abril deste ano (2012)

(Numinous Way, David Myatt, Trad. Pt: Dom Wilians, Lotan)