sábado, 8 de dezembro de 2018

Culto Vulvo-ctônico de Nahemoth


A Terra Negra

Nehemoth não é apenas o antipolo elementar de Malkuth, mas a própria natureza em seu caráter selvagem, obscuro e remoto. Na cabala é a força motriz dessa concha que suscita ferozmente a sobrevivência do instinto animal e que destrói tudo aquilo que não consegue adaptar-se a sua violenta mudança evolutiva. É evidente que sem o abalo destrutivo de Nahemoth, o mundo/malkut seria apenas um éden sedentarizado, com seres despreocupados em evoluir entre si e conquistar além. Foi o vórtice bestial dessa qlipha agitando a alma do homem que fizera uns despertarem como predadores em busca de conhecimento e poder enquanto outros permaneciam como animais acomodados em seus sítios esperando a hora de serem abatidos pela morte.

Ao longo de todo vasto alcance da história da humanidade, vemos que a sociedade sempre estivera invariavelmente influenciada ora por Nehemoth, lidando com a sobrevivência em um nível primitivo, ora por Malkuth preocupada com o progresso científico e material. Não raramente, os grandes conflitos aconteceram -e continuam acontecendo- por conta do desejo de um lado evoluir em total detrimento do outro, e esse atrito inevitavelmente levará a sociedade à um colapso. É notável que a própria mente ainda traz vestígios, nem poucos e nem brandos, de um passado com padrões bárbaros, agressivos e sombrios para o modelo de vida do homem moderno, por isso que a tentativa de cada vez mais se socializar em normas que excluem as expressões primevas da natureza tem feito o homem criar antagonismos irreconciliáveis entre o que ele é de verdade e o que ilusoriamente tem tentado ser.

Ao estudar a influência de Nahemoth sobre o homem, vemos que o conjunto de elementos primitivos que essa concha comanda – avaliado não só no homem pré-civilizado mas de todas as épocas, inclusive o moderno – é o principal meio de nexo com o submundo, só que a contar da antiguidade até os tempos atuais, muitos têm lutado em vão para destruir esse liame da alma com essa qlipha,  inventando algum paraíso celestial que os abrigue longe das zonas subterrâneas mesmo sabendo que inevitavelmente tudo que vive sobre Malkut um dia voltará ao útero da Terra Negra. Infelizmente o medo do homem em escavar as próprias raízes ou rastreá-las nas baixas regiões de onde elas surgem atingiu seu acme nessa idade moderna, mas nem sempre fora assim. Os gregos, por exemplo, sabendo da importância em conhecer a furna que engolirá toda força orgânica da terra e à qual a alma está fortemente anexada, cunharam um termo genérico para categorizar o submundo, as formas espirituais atreladas a ele e o lado sombrio e primevo da natureza humana que corresponde-o. Todos os deuses cromáticos do sangue e geração, as bestas feéricos, espíritos noctâmbulos e demônios, foram relacionados de alguma forma ao solo, a profundas grutas, fendas terrenas, crateras e principalmente cavernas, e portanto chamados de ‘ctônicos’ (do grego θονιος/khthonios). Esse termo também era usado para definir o culto a Nahemoth e a estrutura básica do ser humano que está sempre em ciclos instintivos. Toda revolução que a humanidade sofre, seja psicológica, emocional ou sexual, é fortemente alimentada pelos elementos ctônicos e ocorre afim de garantir a sobrevivência da sua natureza bestial. Foi através do impulso desses ciclos durante a era pré-civilizada ou selvagem que as adorações de deuses subterrâneos e aquáticos – representados principalmente pela serpente e a mulher – foram desenvolvidas como forma do homem estudar a própria origem, estirpe animal e caminho, fato que fez a imagem da serpente e a mulher preambular a religião como um culto sem nome e seus mistérios foram posteriormente incluídos em vários mitos não só cosmogônicos como também apocalípticos.

Nessa idade moderna, é mister a maioria acreditar que tudo tivera um deus celestial como fonte criadora e que voltarão a esse lar etéreo, mas os povos antigos sabiam que a gênese do ser humano é outra extremamente contrária. As tribos seculares dos Angamis que vivem no extremo norte da Índia afirmam, baseados em suas tradições, que seus ancestrais surgiram de dentro de cavernas; os nativos das Ilhas Trobriand ao longo da costa da Nova Guiné acreditam que o homem veio de uma fenda subterrânea chamada de Obukula e se espalhou formando as várias tribos que vivem no arquipélago, e todo ano as tribos se reúnem para fazerem o intercâmbio Kula que é uma troca de conhecimento intertribal onde um índio assimila a crença e costume de um outro de tribo diferente; as tribos Ianomâmis aqui do Brasil que vivem a quase um milênio na Serra Parima na fronteira com a Venezuela, também dizem que muitos dos seus antepassados vivem ainda no submundo e, por fim, os Incas que em seus mitos relatam que seus deuses os criaram dentro de profundas grutas no extremo leste de Cuzco, no Peru.

A Víbora e a Mulher

Tem um mito grego da criação baseado na união de Ophion, a Serpente do Grande Mar caótico, com Eurynome, a Deusa Primordial. Nada existia além do Caos representado pelo Grande Mar revolto onde Eurynome surge nua. A deusa utiliza o vento do Norte para criar calmaria e equilíbrio no Grande Mar e assim poder se ‘apoiar’. A Serpe foi tomada de desejo ao vê-la e enlaçou-a. A cópula da Deusa e a Serpe gerou o cosmos que Eurynomes, transformando-se em uma grande ave, carregou em seu ventre como Ovo Universal até a hora do engendro. Ophion afim de conhecer a nova criação encerrou o ovo cósmico em suas voltas até quebrá-lo e liberar a criação. Maravilhados com o mundo, o casal foi viver no monte conhecido mais tarde como Olimpo, mas admirando-se como pai de tudo, Ophion deixou com que a soberba fizesse-o esquecer da importância de Eurynome no processo criativo, o que enraiveceu a deusa caótica que esmagou a Serpe com o calcanhar e abriu as primeiras fendas/portais na Terra Negra lançando seu consorte para o submundo, onde a Serpente habita com a promessa de voltar e destruir toda a criação. Eurynome foi a mais importante divindade dos Pélago, um povo que viveu na região da Grécia em tempos pré-históricos.

É de consenso entre os historiadores e arqueólogos que tantos outros mitos envolvendo a mulher e a víbora tenham sido (re)criados em diferentes sociedades com a mesma finalidade de estabelecer o culto vulvo-ctônica ancestral. Esse culto iniciou com a utilização do ocre (uma forma de argila vermelha) utilizado para representar o panteão ctônico, assim como a vida que a terra produz/alimenta e principalmente a morte – fato que levou o sepultamento a ser uma das primeiras cerimônias ritualísticas da humanidade. O impulso dessas sociedades rumo a crença foi, sobretudo, de uma profunda veneração á imagem da mulher porque, como da Terra brotava ‘misteriosamente’ a vida, dela nascia os filhos. Este culto também está intimamente ligado ao sangue, tanto menstrual quanto derramado na geração, e também á fertilidade. Podemos citar como exemplos seculares as adorações a deusa titânica Réia, esposa de Kronos, cujo nome é uma referência ao fluxo da terra fértil, e que foi várias vezes representada como uma deusa escarlate; a Porta (vulva) de Ishtar com desenhos de serpentes e dragões construída ao norte da entrada da antiga cidade da Babilônia; adamah ou barro vermelho de onde foi criado אדם, o primeiro homem das escrituras hebraicas, e muito mais. Uma vez que o homem contemplou profundamente a Terra, a sua experiência e conhecimento de si mesmo -vida e morte- expandiram, pois no submundo está suas raízes elementais e essência. A cripta, as úmidas cavernas e grutas continuam sendo lugares sagrados de grandes mistérios espirituais porque ativam a obscura memória da natureza primitiva do homem, por isso o culto vulvo-ctônico sempre esteve além dos graus puramente elementares que compõem a busca espiritual da maioria das pessoas. No reino da escuridão de Nahemoth está a fonte magicka da Deusa Primordial e é nele que conhecemos o grande mistério da Vida/Morte e descemos ao núcleo incandescente de Luz Negra que muitas tradições chamam de Sol da Meia-Noite, cuja chispa arde intimamente no ser humano como dádiva espiritual desde sua criação á partir do solo.

A víbora mesmo que apresente um aspecto fálico, dominador e saliente do homem, culturalmente sempre foi manipulada pelas deusas subterrâneas e mulheres que trabalhavam em nome das deidades femininas. Embora o animal implique sempre algum mistério na capacidade de viver tanto na água quanto na terra, foi por escavar os cascalhos do solo e se alojar nas mais secretas cavidades da terra que acabou assumindo maior importância no culto vulvo-ctônico. A fertilidade da terra depende que a mesma seja lavrada, isso fez da cobra o símbolo fálico da criação por ela escavar e infiltrar-se na terra. Analogamente os povos antigos entenderam que a mulher precisava manipular a virilidade do homem até como forma de manter sua produtividade como geradora de filhos – o ato mais sagrado do período matriarcal junto com os ritos de sepultamento. Por isso as atividades agrícolas  ainda hoje carregam inúmeras conotações relacionadas ao sexo/procriação onde vigora a imagem da víbora e da mulher.

O Triangulo da Manifestação

A vulva foi a figura fundamental nos primeiros cultos do homem e tivera larga representação simbólica. A vesica piscis, o oval com duas pontas, a taça e o triângulo – sendo esse último reconhecido como o principal símbolo de Nehemoth- são algumas das representações mais comuns da vulva. No Egito, o triângulo era a letra na escrita hieroglífica para ‘mulher’ e também uma representação de Abtu, o peixe que acompanha a barca de Rá avisando quando está vindo a tormenta e que devorou o falo de Osíris quando esse foi lançado nas águas. Também encontramos o triângulo na letra grega delta como forma representativa da porta do templo sagrado da deusa terrena Deméter e nos yantras das deidades femininas do tantra. O Triângulo é a soma das três faces de Hekate, a guardiã do submundo, e corresponde as fases da lua. A fase nova/crescente é a face Virgem criadora, a fase de plenilúnio é a face Mãe nutridora e a fase minguante é a face Anciã destruidora, sendo que a mulher no período de menstruação manifesta essas três pontas juntas no derrame do sangue. A lua, ao contrário do sol que morre e renasce todos os dias, uma vez por mês realiza seu ciclo completo de morte e renascimento, mas diferente do sol que ressuscita das trevas, a lua renasce do sangue, e esse é o grande arcano do triângulo que tem manifestado as forças sinistras de Nehemoth no mundo. O sangue uterino forma o Tyet de Isis, o símbolo da vulva que antecede o Ankh nos cultos egípcios e que é conhecido como Sangue de Isis.

As deusas ligadas ao mistério do sangue, como Hekate, Isis e Babalon convincentemente mostram que a mulher é a encarnação da ilegalidade que lutará por liberdade onde quer que tenha prisão.  Essas deusas são os arquétipos da mulher como pedra angular da transgressão. Como Babalon -a puta escarlate- a mulher está fora do patriarcado pois não tem um marido a quem “obedecer” e o sexo para ela é mais do que um ato de satisfação da demanda política de procriar trabalhadores. Ela também é a ilegalidade nas religiões patriarcais manifestando o pecado e a luxúria. A mulher, sobretudo, é quem finalmente levará a sociedade á danação e por isso é retratada em vários mitos como a destruidora da humanidade – a taça de Babalon, i.e, a mulher, é a própria terra aberta para receber o sangue de todas as criaturas e quando o seu útero se fechar engolindo a última gota, o Ankh de Osiris será substituido novamente pelo Tyet da morte, a vulva escarlate de Isis.


Atribuições Cabalísticas


Nome: Nahemoth/Lilith

Regente: Naamah

Alquimia: Calcinatio

Metal: Chumbo

Mundo: Assiah

Chakra: Muladhara

Túnel: Thantifaxath

Canto: Marag Ama Lilith Rimok Samalo Naamah

A Qlipha Nahemoth é governada por uma demonesa conhecida como Naamah. Ela é a irmã de Lilith, possuindo muitos dos aspectos dessa Rainha Vampira. Naamah é contatada em rituais de influência material e tem controle sobre as energias instintivas do chakra Muladhara. Na alquimia a demonesa comanda a serpente Naas ou os metais do submundo. Ela está oculta como a serpente/dragão no interior do homem e seu despertar é violento e caótico. Essa qliphá manifesta os aspectos selvagens do mundo antes da manifestação da luz, portanto é o alicerce da feitiçaria. Na cabala, a demonsesa Naamah é um  dos quatro Anjos da Prostituição, isto é, uma das quatro regentes dos Qliphoth. Assim como Malkuth é o resultado de todas as Sephiroth, em Nahemoth se encontra um pouco de cada concha.

(Fonte: Naga Magick: The Wisdom of the Serpent Lords-Dennis Sargent)