quinta-feira, 5 de setembro de 2024

O Paganismo Primordial


O Paganismo é a religião Primordial da Europa e a base fundamental da nossa identidade espiritual. Sobre ele vestiu-se a camisa de forças do monoteísmo judaico-cristão, verdadeiro cancro moral e espiritual que contaminou com a metástase do igualitarismo e sentimentalismo a Alma Europeia, o sentir de nossa identidade religiosa, mitosófica e cultural. Sou orgulhosamente um pagão no sentido da Tradição, mas renego o Tradicionalismo guénoniano que é um sistema de ideias e valores congelados numa metafísica abstracta e mumificada na islamofilia. Sou seguidor do pensamento esotérico de raiz pagã de Julius Evola e Arturo Reghini, no espírito do Imperador Juliano, o Mensageiro do Sol.


Sou bem assumido e tranquilo, também, tanto na minha aversão visceral pelo Islão e o Cristianismo, como na minha fraca tolerância para com a cultura de massas do neo-paganismo superficial e new-age da actualidade. Criado este último por bricolage textual e fabricado a partir de um processo de reconstrução retórica feito por plágios e remendos literários sobrepostos, membra disjecta articulada ao estilo da cozinha fast-food pela artisticidade de auto-didactas, como vemos em Gerald Gardner e Doreen Valiente na criação do Wicca. É um fenómeno de pseudomorfose em que se tenta conservar a forma sem conservar a pureza e qualidade da estrutura ontológica original do Paganismo Antigo. Trata-se, por isso, de uma contrafacção na feira de contrafacções das religiões modernas.


As religiões são portais para o mundo espiritual. Não são placebos religiosos. Elas não podem ser criadas por decisão deliberada da pequenez mental e subjectiva dos homens presos e alienados na sociedade liberal. Isso seria uma pretensão e vaidade no mínimo patética. As religiões irrompem porque foi soprado na consciência de quem se submeteu à ascese iniciática para se transmutar em supra-humano, o influxo pneumático do Transcendente. O nascimento das religiões é um processo paraclético. Esse influxo ou “influência espiritual” desencadeia uma transmutação tal na estrutura padronizada da vida cognitiva do ser humano individual que todas as referências de sua humanidade são reviradas do avesso tornando-o num Outro.


É esse Outro, o Génio, o Anjo ou o Daimon, que revela as bases cognitivas de uma religião nova. Foi assim que aconteceu a Maomé na caverna de Hira. Ora, o neo-paganismo não nasceu de uma Metanoia, mas de um processo de reconstrução por redação combinatória do tipo “copy & paste”, a partir de uma deliberação do ego. Não se trata, assim, de uma religião, mas de um jogo de “role playing”, um guião para uma festa rave ou o programa recreativo de um rancho folclórico.


Trata-se de formas rituais espiritualmente opacas, meramente retóricas, ontológicamente vazias, criadas como guiões teatrais e placebos rituais para as pessoas comuns, o Mass-Mensch, aqueles a quem faltam as necessárias “qualificações” iniciáticas para aceder à Grande Revolução do Espírito que é o Despertar e Libertação do seio da carcaça deste Novo Animal nascido da engenharia social das democracias liberais a que os humanistas chamam Humanidade.


Esse Paganismo que, por nomenclatura duméziliana, chamo de “terceira função”, isto é, criado para o largo e mais baixo espectro da classe plebeia e produtiva, da vida social e mental do uomo indifferenziato do mundo moderno, típico do igualitarismo e reducionismo neo-liberal, o que se poderia definir num sentido evoliano como a “terceira dimensão”.


Os valores europeus tradicionais atingiram hoje um estado generalizado de desagregação e esquecimento dissolutivo da sua raiz Espiritual, reduzindo o sujeito ao seu mais baixo estado de mero ente patologizado no eu social. Este paganismo fast-food contém o mesmo síndroma religioso típico de Igreja que adveio do Cristianismo dos primeiros séculos: o de servir de credo para os servos da sociedade neo-liberal presos na superstição igualitarista e multiculturalista do “politicamente correcto”, muito ao estilo do Animal Farm. O Neo-Paganismo irrompeu no rebaixamento iluminista a uma perspectiva horizontal e unidimensional para servir a mentalidade capitalista de colmeia.


O Iniciático enquanto processo de transmissão de uma Influência Espiritual, convocada a descer do Transcendente e a insuflar o Pneuma do recipiendiário para tal qualificado, nunca emerge a partir de baixo, da criatividade subjectiva individual do eu racional como fosse o texto literário de uma peça de teatro. O Sagrado advém de cima, como o Relâmpago. A sua natureza é ser da essência do Fogo. Este tipo de Iniciado é, assim, um verdadeiro portador do Raio, um Senhor do Fogo.


Sempre houveram duas grandes correntes do Antigo Paganismo que chegaram ao Mundo Moderno. Primeiro, existe o Paganismo Folclórico que advém do corpo proteico e sincrético do folclore preservado no povo mais rústico, ainda preso às dinâmicas fenomenológicas advindas do corpo imaginário. É na raiz deste Imaginário que os seus costumes, lendas e rituais de carácter ctónico, nascem e renascem. Adaptado às suas necessidade económicas e clânicas são, por isso, reduzidos ao baixo denominador comum da fecundidade dos solos agrícolas e das mulheres, da saúde e da fortuna. É um paganismo mágico, sem verdadeira ambição metafísica e espiritual.


Segundo, existe o Paganismo Gnósico, que como António Quadros prefiro à expressão gnóstico, por demasia doente de um enraizado maniqueismo. Ele advém dos Teurgos e filósofos neo-platónicos da Antiguidade pagã e que desde o Renascimento inundou o Ocidente cristianizado a partir de Florença sob a forma do Hermetismo. Desde o Iluminismo que o Paganismo do povo estava já, sem dúvida, fossilizado e atrofiado no folclore, ossificado nos usos e costumes do homem rural, completamente esquecido do corpo imaginário de onde irrompiam as hierofanias. No entanto, a segunda conheceu uma grande vitalidade transformativa, intelectiva e espiritual, desde o Renascimento e ao longo dos últimos séculos, desafiando o próprio Iluminismo e demonstrando, assim, continuar viva e trazendo a potestas do seu pneuma.


Uma emergência moderna, que é excepção no mundo de geral mediocridade e sentimentalidade típico do neo-paganismo actual é, sem dúvida alguma, a do Odianismo, expressão que uso a partir de Stephen Flowers para o distinguir do Odinismo rebaixado às formas de paganismo de igreja, criadas para as massas acéfalas e crédulas do movimento Asatru. Ela retoma o mito iniciático de Odin e o seu papel entre as linhagens guerreiras nórdico-germânicas como “modelo exemplar” e imitatio da Vontade Soberana e Transcendente. Ela virá a encarnar no Futuro Iniciado deste Ocidente em crise. Dele voltará a despertar o ímpeto Heróico das tradições guerreiras pagãs: o de ultrapassagem de todas as leis, interiores e exteriores, que alienam e atrofiam o homem-massa na unidimensionalidade cultural moderna.


Repudio o povo (demos) como hipóstase colectiva idiotizada típica do animal humanizado, o “pashu”, como o classificam os Tantras indianos, cuja natureza irrompeu na sentimentalidade cristã laicizada do Neo-liberalismo e do Neo-paganismo da actualidade. Sou dessa “aristocracia negra”, como lhe chamava Saran Alexandrian, para quem a Gnose se ocultou por detrás do Interdito da Magia Daimónica e da Alquimia do Sangue e que como Kali dança indiferente sobre o corpo agonizante do populus profano.


Para o Pagão Tradicionalista a alvorada do Paganismo só se pode iniciar por uma Nova Guerra, uma guerra das ideias como pensava Julius Evola e Alain de Benoist ou, actualmente, o pensador russo Alexander Dugin, contra as formas contingentes e alienatórias dos valores modernos e liberais, assentes no igualitarismo e no superficialismo a que se rebaixam todos os submissos.


Foi precisamente este credo laico que permitiu a tolerância permissiva pelo presença do Islão mais retrógrado na Europa e as suas formas de superstição extremista e medievalista do tipo salafita. Este Islão,  implicitamente patrocinado por vários tradicionalistas da veia teórico-ideológica de René Guénon, ao defenderem-no como o último reduto de excelência da Tradição, é o oposto de tudo o que o homem e mulher da Antiguidade Pagã representava sob o ponto de vista sapiêncial.


Não deixa de ser cómico que sendo a Tradição de origem e natureza primordial venha a ser atribuída à mais recente eclosão abraámica do Islão, na Baixa Idade Média, por René Guénon. Como diz o investigador Michael York o Paganismo foi a “religião raiz” de todas as posteriores religiões monoteístas actuais. O que nos estranha é como foi possível ter Guénon preferido seguir uma agenda desviante e mais convencional, a islamofílica, exaltando o monoteísmo mais rígido e fanático das religiões abraâmicas, mesmo estando já muito adulterado face às religiões primordiais. Para ele o monoteísmo mais rígido e obsoleto era o que representava o Ser Supremo e Primordial, de onde teriam emanado os princípios metafísicos de todas as religiões. Não deixa de ser sintomático que todos os seguidores de René Guénon se tornaram crentes assumidos da religião mais rígida e fanática da actualidade, o Islão.


O Tradicionalismo, não na sua faceta meramente contemplativa ao estilo guénoniano, mas na acepção da acção heróica e transcendente, é uma ascese de rebelião espiritual inspirada pelo Fogo da Gnose contra o embotamento e unidimensionalidade da Modernidade. O Tradicionalismo é inimigo do subhumano que a sociedade moderna, Iluminista e liberal, criou. Trata-se de um acto de subversão tanto espiritual como metapolítica. Não podemos regressar mais às formas serôdias das sociedades tradicionais e medievais do passado, como desejava René Guénon, presas na imbecilização colectiva do credo religioso, como ilustram hoje as formas patologizadas de alienação espiritual do Islão. Os heróis são homens livres.


Contudo, não podemos aceitar passivamente esta sociedade moderna e liberal, nem os seus valores de materialismo, igualitarismo e humanismo. Somos, por isso, iliberais e Inimigos do Mundo Hodierno. Este é o modelo de existência alienada, presa neste mundo de mortos e subhumanos viciados e lobotomizados no analgésico desta sociedade de esquecimento e consumo. O Tradicionalista é sempre “um homem contra o tempo” como defendera Julius Evola a partir da leitura de Savitri Devi, lutando contra a força de amnésia e alienação. Ele é aquele que “cavalga o tigre”.


Se o Paganismo Folclórico emergiu da experiência do corpo imaginário ilustrado no Sabat Pré-Moderno, muito antes de ser degradado e mistificado em festa popular no paganismo moderno, então o Paganismo Espiritual emergiu a partir da intuição espiritual. No primeiro a consciência transporta-se ao mundo intermediário onde os espíritos são corporificados e os corpos subtilizados, no segundo é pela percepção directa, intuitiva e metafísica, do mundo supra-racional e não humano que nos erguemos à dimensão não-humana. O Paganismo Moderno centrado na performance material e teatral, reduzido às proporções humanas e factuais, abstraído de todo o Princípio e experiência de ordem superior, é somente um simulacrum.


O Regresso da Tradição será um dia feito de um modo novo e para um Homem Novo. Esse homem será o Supra-Homem (Uber-Mensch) do Paganismo renascido do Sangue Primordial Europeu, de fundo indo-europeu, como uma palingenesia alquímica feita à imagem de Odin, Lug, Teseu, Prometeu, Hércules e tantos outros heróis. A Hubris será a sua fórmula operativa inspirando os actos e sacramentos transversais à apatia de toda a sociedade convencional, necessários à Libertação e Despertar.