quinta-feira, 5 de setembro de 2024

O Futuro será Arcaico e Tecnológico


Com a epidemia mundial e as leis de confinamento, que fazem tábua rasa da liberdade individual e promovem uma sociedade de censura inquisitorial da opinião adversa e contraditória, assim como de excepção a todas as leis, talvez estejamos a viver em 2020 a primeira catástrofe prevista por Guillaume Faye no seu “Archeofuturism, European Visions of the Post-Catastrophic Age”, no mundo democrático e liberal da actualidade.


​Um dos conceitos chave de Carl Schmitt (1888-1985) no seu “Political Theology “ era o de Ernstfall, traduzido como “estado de excepção” ou “estado de emergência”, usado pelo partido nazi para suprimir a República de Weimar. O estado liberal moderno criou o seu ernstfall para desencadear os primeiros passos de teste e aplicação da sua engenharia económica e social, assim como a sua justificação para desenvolver a vigilância e controle planetar.


Esta catástrofe inicia-nos ao mundo distópico e augura um mundo novo de pesadelos onde os valores do liberalismo, com o seu reducionismo ao primado simplista da razão; a ideia de progresso infinito numa noção de tempo linear, herdado do judaico-cristianismo; a reeducação imperativa das consciências que rejeitam a integração nas regras morais de um igualitarismo, que servem de base às suas engenharias sociais, darão margem para a irrupção de um novo pesadelo. Será previsível que volte o terror de uma nova “caça às bruxas”, isto é, às heresias ideológicas e aos livres pensadores.


O caminho para um sonho liberto dos pesadelos da Animal Farm, em que se tornou o Estado Liberal Moderno, só poderá ser desenvolvido pela esperança de uma reintegração no presente histórico o Velho Legado Europeu de suas múltiplas nações de fundo comum indo-europeu. Este legado constitui, pelas suas variadas versões tópicas, a mesma herança de costumes, tradições e mitos exemplares indo-europeus herdados do Paganismo Antigo, a verdadeira essência de nossa identidade europeia.


Essas categorias mentais e genéticas permanecem recalcadas no corpo e subconsciente de nossa humanidade como uma Força Vital e Visceral, atávica, de fundo sapiêncial,  no subsolo psíquico da Europa. Elas manifestam-se entre aqueles e aquelas que resistem à uniformização do capitalismo liberal das democracias modernas e à sua moral laica do igualitarismo e do “politicamente correcto”.


Ao contrário do Tradicionalismo clássico de fundo guénoniano, que acabou por servir de programa de recrutamento e conversão de algumas élites intelectuais ao Islamismo, o Tradicionalismo actual da terceira vaga de pensadores pós-tradicionalistas que emergiram desde os anos setenta do séc. XX, aceita o papel da ciência e da tecnologia da sociedade moderna, que a primeira renegava como um instrumento de alienação do sagrado, com as suas promessas progressistas e hedonistas oriundas da ideologia burguesa e liberal.


Por este motivo, para o homem pós-moderno o livro de René Guénon, La Crise du Monde Moderne (1927), embora estando correcto quanto aos Princípios está, porém, inteiramente ultrapassado na sua crítica à sociedade moderna, que mudou bastante desde então. Como disse Stephen McNallen, da Asatru Folk Aliance, é possível conciliar “a ciência e a tecnologia para o bem estar de nosso povo e trabalhar em harmonia com o ambiente natural em que vivemos”, unificando tecnologia e ambiente. Mas essa visão naturalista e exotérica, típica das Vias Externas e Panteístas, é insuficiente. É necessário juntar-lhe o conhecimento tradicional, neste caso de substracto esotérico e gnósico-pagão.


O Tradicionalismo actual pós-guénoniano tem como inspiração Julius Evola e Mircea Eliade, avatares da sua primeira e segunda vaga, mas actualizado pelas reflexões dos novos pensadores de terceira vaga, como Alain de Benoist, Dominique Venner e Guillaume Faye, já muito libertos da adesão cega e militante aos dogmas guénonianos. Para eles a Tradição continua a representar os Princípios Perenes subjacentes ao devir da História que asseguram o acesso à nossa Imemorialidade. Eles são o rizoma de uma existência sagrada e mitopoética, mesmo no seio adverso de uma sociedade alienada nos valores consumistas e seculares da Modernidade.


À cultura mimética das massas indiferenciadas na realidade vegetativa de uma existência vivida apenas para produzir, consumir, alienar-se e reproduzir-se, agora impõe-se sobre ela o dever adicional de se integrar submissamente no planeamento ético e económico de uma sociedade baseada na homogeneização cultural no igualitarismo e uniformização das raças num novo homem, o Homem Opaco das Massas. Nada mais se trata do que um projecto político à escala global servindo o propósito de recrutamento de mão de obra inócua e barata. A ele se opõe o diferencialismo e o nativismo identitário dos europeus lúcidos.


​A Tradição não necessita de regredir a uma sociedade obsoleta e medieval como desejava R. Guénon, para alcançar a salvação colectiva e encarnar os seus Princípios, como encontrou no seu exílio no Egipto. Necessita muito menos das suas versões sectárias, irracionalistas e misóginas, do tipo tariqua muçulmana. Desde sempre que os porta-vozes da Tradição foram uma élite de supra-consciência, uma aristocracia espiritual, rejeitando pactuar com a existência larvar da humanidade comum uniformizada na crença, tanto religiosa como materialista.


Para outro pensador, Guillaume Faye, o Tradicionalismo pós-guénoniano assenta na ideia de Tradição como uma Força Numinosa sapiencialmente viva e eternamente presente na nossa memória étnica, inconsciente e arcaica. Ela continua a viver incólume no nosso Corpo e Sangue Alquimizado ao longo das suas transformações históricas, ocultando-se por debaixo das cristalizações e solidificações ideológicas das sociedades burguesas e liberais, sobrevivendo mesmo no seio de um meio adverso e anti-tradicional, oposto à sua eclosão e afirmação. É necessário, por isso, uma nova Teurgia da Carne e do Sangue Transfigurado para as novas elites de Espírito.


​O oposto da Tradição não é a Modernidade, como pensava René Guénon. Mesmo no seio da modernidade irrompe muitas vezes ilhas espirituais de liberdade antinómica e anti-liberal que trazem os impulsos da Tradição. Esse oposto também não é o niilismo, como defendia o historiador Dominique Venner (Histoire et Tradition des Européens). Eu diria que o oposto da Tradição é a Alienação.


Guénon estava obcecado pelo desafio mortal que representava para os valores metafísicos da Philosophia Perennis os valores racionalistas e positivistas do Iluminismo, com o seu primado da razão científica e o seu evangelho ateísta do secularismo. Porém, o seu dualismo estrutural de pensamento não lhe permitiu ver para além das próprias dualidades da civilização, quando já os autores do Romantismo tinham alcançado esta Rubedo alquímica.


O que Guénon apresenta como a jóia da Tradição, tanto a Idade Média como o Islão, são já formas petrificadas e mortas, vivendo mumificadas no dogma e na crença religiosa como uniformização colectiva de ordem ideológica. Essas reconstruções tardias não respondem lucidamente ao desafio da espiritualidade, ao contrário do que pensava Guénon, a não ser por reflexos condicionados de ordem religiosa,  face às vicissitudes adversas da história.


Para nós trata-se, por isso, de voltar a fazer a anamnésia e repossuir a Força transformativa originária de nossas raízes arcaicas e identitárias, como pensava Guillaume Faye, isto é, as nossas raizes do Antigo Paganismo. Quando a Tradição fossiliza em estruturas ideológicas e dogmáticas, se institucionaliza em igrejas tanto políticas como religiosas, então o Sopro do Espírito não se reifica mais no tempo histórico, ossificando em sistemas de pensamento monolítico pela força da inércia da crença, como é o caso do Cristianismo e Islamismo actual.


Para começar a Despertar é necessário não só rejeitar, mas romper sem titubear com a força da inércia das formas de existência alienada das massas que passam a “vida inteira a ver cinema, televisão ou diante de um ecrã a morrer sem ter entrado na vida”, como dizia o pensador Eduardo Lourenço, mas também das religiões que rebaixam e alienam o ser humano na superstição do comportamento padronizado da crença e nos dogmas de cultos que patrocinam estados de existência insciente e vegetativa, por muito que Guénon os considere fiéis aos postulados do seu Tradicionalismo.


O Tradicionalismo e as suas agendas contra a Modernidade iniciadas por René Guénon foram processos terapêuticos no sentido de nos despertar para os Princípios Eternos e Primordiais por detrás de todas as tradições espirituais. Dessa forma permite-nos que possamos elevar a consciência de um plano de alienação, tanto do materialismo burguês como dos ocultismos das massas liberais, para aceder a um plano superior de lucidez espiritual, emancipada dos dogmas e das crenças.


Percebemos hoje que a própria Tradição é uma força teofânica sempre presente por detrás dos próprios ciclos de sucessiva degradação da consciência espiritual até aparentemente desaparecer na actual opacidade materialista, a deste Kali Yuga. Mas, mesmo na maior escuridão a Luz resplandece oculta por debaixo das formas amnésicas e inerciais da sociedade moderna.


A Tradição é imortal e, ao mesmo, tempo, Primordial. Ela sobrevive mesmo nas circunstâncias mais violentamente adversas à sua manifestação. Há, por isso, a esperança, sobretudo depois da descoberta da física quântica, de que o próprio Guénon ignorou as suas consequências para o campo gnóstico e sapiencial, talvez porque ameaçava as suas próprias convicções negativas sobre a ciência, de que a Ciência e a Tecnologia se encontrarão com o Primordial e o Arcaico. Mesmo quando hoje as novas tecnologias nada sirvam mais do que de plataformas de estupidificação e amnésia ontológica.


​Como concluiu o filósofo Raymond Ruyer (1902-1987) a ciência auto-revelar-se-á como um novo gnosticismo. Talvez esse momento demarque o paradigma futuro da Idade de Ouro de novo regressada das cinzas ainda quentes do Ragnarock, marcando assim o fim do Kali Yuga. Guénon não percebeu que a História está a viver a sua Nigredo. Mas a Nigredo traz a promessa da união de todos os opostos na Rebis futura, pelo menos entre aqueles que trazem como heróis a força da Vontade Anagógica.


Como diz Guillaume Faye “o futuro não é a negação da tradição e da memória histórica de um povo, mas a sua metamorfose, pela qual elas são reforçadas e regeneradas”. À visão estática e pessimista de Guénon o pensador G. Faye opõe uma perspectiva dinâmica e mitopoética, trazendo o fogo luminescente da esperança a um mundo cristalizado tanto na metástase do paradigma moral, cristão e burguês, das sociedades liberais e democráticas.


Herança dos postulados morais da crença judaico-cristã, assim como do seu multiculturalismo uniformizante que tolera a recusa de integração de etnias alógenas fanatizadas pela superstição do Islão, assim como a sua rejeição violenta por actos exibicionistas de terrorismo contra os nossos valores históricos de tolerância e liberdade das ideias. Na sentença corânica declara-se “matai-os (aos não-crentes) onde os encontrardes” (surata 191). Esses são os dois inimigos da Europa.


Exige-se de nós ter a coragem de nunca compactuar com os valores permissivos e suicidários desta sociedade liberal decadente pelo cancro histórico do judaico-cristianismo e combatê-los com o retorno ao nosso Paganismo Ancestral de fundo-indo-europeu. Como ascese devemos seguir a prática da “apoliteia” e da "autocracia", recusando tolerar ou se relacionar com a mentalidade geral das massas submissas e acéfalas, mantendo-se sempre numa distância irrevogável em relação a esta sociedade e seus valores, representados pelas massas instrumentalizadas e lobotomizadas pelo igualitarismo e multiculturalismo da actual civilização liberal, refém da ideologia do conforto e do consumo.


É obrigatório estar sempre lúcido e desperto, tendo-se a si mesmo como centro imóvel e auto-suficiente de tudo, num espírito de autocracia, símbolo vivo do Sol Invictus. Trata-se de, como dizem os alemães, aceitar que existir é mehr als leben (mais do que viver). É viver também em Espírito.