quinta-feira, 5 de setembro de 2024

Da inversão do Esoterismo no Ocultismo Kitsch


Não existe Esoterismo moderno. O Esoterismo é inteiramente tradicional e radical porque está fora do tempo em que vivemos. Está fora da história. Apenas as palavras e as imagens podem ter a cor do tempo que passa. O Esoterismo é o respiro da Tradição. O sopro de um corpo eterno de Sabedoria que vive oculto por debaixo do verniz histórico da humanidade. Em essência ele é não-humano, até se deveria dizer anti-humano, pois está para além das contingências ideológicas e as categorias mentais do Homem-Massa.


Ao longo da sua história o Esoterismo, tal como a literatura e a arte de vanguarda, tem defendido uma contra-narrativa do homem e da humanidade face aos estereótipos filosóficos, políticos e religiosos vigentes. Ela foi continuada nos anos setenta através de vários pensadores franceses inspirados em Nietzsche, Ernst Junger, Heideger e Julius Evola, como Jean Mabire, Alain de Benoist, Dominique Venner e Guillaume Faye, entre muitos outros, que trouxeram os impulsos de uma tradição de pensamento incómodo que pretende retornar às raízes identitárias e panteístas da velha raça indo-europeia.


O Esoterismo é pelo sufixo que lhe apuseram uma palavra inapropriada para reter as dimensões não racionais da Gnose. Pelo seu sufixo ela convoca sempre uma ideia de sistema petrificado em doutrinas (ocultas), rebaixando-o ao nível do Exoterismo e do Ocultismo. A palavra Esoteria é, na minha opinião, a palavra adequada para o que é uma arte de alpinismo espiritual. Ao longo de seu percurso de ascensão anagógica as formas do mundo opaco diluem-se no ar puro e na brancura nívea dos picos. Aí voam as águias livres do lastro pesado da matéria e da lei da gravidade. A esse cimo de Conhecimento Zenital só os bodes têm o talento e a astúcia para o alcançar.


A dificuldade de apreensão gnóstica e sapiencial do Esoterismo deve-se à sua aparente decadência actual no ocultismo multiculturalista e new age, fascinado pelo projecto de simplificação e psicologização do espiritual. Esta última, prisioneira do ciclo de degenerescência de tudo o que é metafísico e espiritual no ocultismo new age, aparece na maior parte travestido de sincretismo e sobreposições conceituais heterogéneas, ao estilo das policromias arquitectónicas do discurso exotérico, tanto conceptuais como pseudo-filosóficas, advindas de Blavatsky e petrificadas no pós-modernismo sincretista de Michael Bertiaux e Kenneth Grant.


Todos eles sendo exímios bricoleurs foram criadores excelentes de metanarrativas (cripto)-filosóficas através de uma arquitectura discursiva de expressão híbrida e sincretista, mas que se tornou um novo vernáculo na abordagem ocultista moderna, em emparelhamento com o multiculturalismo político. Ao contrário, o texto esotérico manteve-se imune a este contágio disformante no grotesco das arquitecturas narrativas ocultistas e que invadiu o ocultismo contemporâneo, como vemos nos trabalhos tradicionalistas de René Guénon, Julius Evola, Titus Burckhardt e Ananda Coomaraswamy.


Esse ocultismo de azulejo, acima definido, serve apenas para satisfazer a imaginação e, noutros casos, os instintos sexuais básicos, mas sem qualquer elevação gnóstica. Não confundamos elevação gnóstica e metafísica (Anabase) com delírio imaginativo por sincretismo cultural com laivos kitch. A incompreensão do Esoterismo e a sua confusão com o ocultismo nestes autores, tão apreciados actualmente, advém por ele ser um pensamento linear, no formato de vitral ou biombo, ao estilo da escrita do Quarteto de Alexandria.


Ao contrário, o Esoterismo define-se por ser complexo e ambíguo. Por escapar aos movimentos prensados da ratoeira linear do pensamento convencional, tal como o movimento da Serpente. Tudo o que é do domínio misterioso da Ambiguidade exprime-se pelo poder do paradoxo da Poesia e não através das soluções retóricas de ladrilhado teórico, heteróclito e sincrético, típico dos sistemas policromáticos do pensamento em azulejo, criados por construção e sobreposição barroca, em bricabraque, ao estilo das colchas de retalhos.


O Esoterismo é, ao contrário disso, um tipo de escrita de dupla mensagem, em camadas verticais. Por debaixo da sua camada visível e oratória, oculta-se o seu lado oculto e interior, escandaloso e herético, escondendo-se por debaixo do aparente como ausência e “não-óbvio”, como diria Arthur Melzer (Philosophy Between the Lines). É um pensamento que advém da necessidade de regressar ao estado onirosófico para o compreender e sentir. O verdadeiro sentido só emerge do sentir.


Tanto M. Bertiaux como K. Grant seguiram o caminho do óbvio por excessivo ladrilhado retórico, engordando a linguagem de adiposidades multiculturalistas, em discurso de azulejo e por sucessivas collages retóricas. Eles foram os mais conhecidos e fecundos patrocinadores deste simulacrum, desta ideia de azulejaria ocultista no mundo moderno. Ela satisfaz ironicamente a superficialidade e horizontalidade de pensamento do ocultismo moderno alienado ao mundo da aparência e da quantidade.


A relativizacão e degenerescência do Esoterismo no exoterismo começa com o bricabraque teórico e pseudo-indiano da Teosofia de Helena P. Blavatsky, já denunciado por René Guénon (Le Théosophisme, Histoire d'une Pseudo-religion). Continua, depois, com a subcultura new-age e, finalmente, acaba, por agora, no reducionismo ao discurso comparativo e histórico-filosófico da esoteriologia, que o circunscreveu a uma cartilha de ideias e discursos culturais e plurais, cruzados e sobrepostos, que confundem com o Espiritual.


Este efeito redutor ao baixo denominador comum da filosofia universitária e da psicologia junguiana faz parte da tendência degenerativa do mundo moderno e quantitativo de redução ao psíquico e à razão dialéctica e discursiva. Para o esoterista que escreve e manifesta as suas ideias-experiências no circo profano do discurso público elas servem como núcleo explosivo de uma anti-semântica de guerrilha espiritual e técnica de choque, em completa oposição ao que hoje se denominaria de inteligibilidade e que predomina no pensamento por estereótipos morais e humanistas, oriundo da “politically correcteness” e da ditadura do pensamento único.


Para o esoterista, que é por natureza um insubmisso e indomesticado, a humanidade vive numa época de decadência, anunciada pelo Cristianismo, na polarização simplista da realidade. Não se trata de uma polarização vertical como na Tradição, que preserva sempre a Unidade espectral da Totalidade, mas uma polarização horizontal e dialéctica, herança do dualismo cristão, que se deseja agora dissipar na teoria universalista da Inclusão. Ela reproduz fora de tempo o bom estilo do pastor evangélico do passado com o seu universalismo do tipo cristão, abençoando os bons e perdoando os maus, desde que se submetam à hegemonia do seu credo, como fazem hoje os nossos políticos liberais e de esquerda.


Sou em essência um Anarquista Gnóstico como Carpocrates e o Marquês de Sade, de inclinação luciferina, ao estilo do Caim de Lord Byron e Andrew Chumbley. É cada vez mais necessário exercer uma leitura crítica e desligada do torpor mental das ideias-estereótipos resultantes da força de deslumbramento e alienação mental vindo da sociedade de massas, engendrada pela hipnose colectiva que os “média” exercem febrilmente no tempo presente sobre a massa dos néscios.


O primeiro passo da Serpente deve ser o de se tornar inteiramente Livre e Lúcida para se preparar para vir a ser um dia um Desperto, um Jiva-Atman, acima e fora das leis humanas da sociedade bovina do Mass Mensch.