quarta-feira, 27 de outubro de 2021

Religião do Sagrado Feminino

A mulher deve reaprender a celebrar a abundância da vida que existe em seu útero e reverenciar a Deusa através do sangue menstrual que flui através do colo uterino. Quando aceitamos a menstruação como algo sagrado, nos tornamos mais conscientes de suas influências e podemos usufruir de forma plena de seus benefícios. Desta forma, restabelecemos a nossa conexão com os Mistérios Femininos.

Segundo  J.J Bachofen, com base em suas pesquisas arqueológicas ele pode afirmar que “A maternidade foi à fonte de todas as sociedades humanas”.

No período Neolítico, décimo milênio A.c, a sociedade humana descobriu a agricultura, saindo da condição de nômades e aderindo a um estilo de vida sedentário. Agora possuindo moradias fixas; desenvolveram métodos de cultivo agrícola e descobriram como armazenar alimentos.

Neste período existe o primeiro indicio de religião, que assumiu a forma de um culto de natureza matrifocal. Foram encontradas em escavações várias estatuas femininas que representavam varias formas da Deusa, a figura maternal era totalmente associada à natureza, pelo seu poder de criar a vida e por sua fertilidade. Inclusive, foram descobertas dentro cavernas conchas com descrições “o portal por aonde a criança vem ao mundo”, feitas em Ocre Vermelho que simbolizava o sangue menstrual.

Na Tradição Sumério-babilônica o sangue menstrual é considerado sagrado, um símbolo que representa a vida, veículo pelo qual a Deusa Mãe Tiamat concebeu a vida, derramando seu sangue sobre a terra.

A passagem da cultura Matrifocal para a Patriarcal pode ser representada pelo mito da morte da Deusa Tiamat por seu inimigo o Deus Marduk. Que divide seu corpo em duas partes e com eles forma o céu e a terra.

O Sangue Menstrual e Seus Mistérios

Para todas as mulheres em idade fértil a fase menstrual é um período de grande intuição, criatividade e inspiração, o ápice do poder feminino. A palavra “menstruação” tem origem na raiz grega “men” que significa mês, e “menus”, que significa ao mesmo tempo lua e poder. Nessa fase  as mulheres ficam mais conectadas as energias astrais e aquilo que Jung chamava de inconsciente coletivo.

Embora se encontrem diversos tabus que tratem o sangue menstrual como algo impuro, nem sempre foi assim. Muitas culturas antigas acreditavam que a Lua  menstruava e que era um símbolo apropriado para a Grande Deusa Mãe. 

A  evolução do ciclo lunar de vinte e nove dias e meio aproximadamente, tal como o ciclo menstrual das mulheres, podia ser associado as Três Faces da Deusa como Jovem, Mãe e Anciã. Na fase da Lua Crescente a Deusa é jovem e cheia de vigor, já na Lua Cheia a Deusa é Mãe, e na Lua Minguante torna-se a Anciã. A Lua Negra (Lua Nova) corresponde à transformação da Deusa, a sua transição, a passagem pelo mundo dos mortos, para que depois reencarne e renasça como Jovem novamente.

Em tempos remotos o sangue menstrual era utilizado para fertilizar o solo para que seus nutrientes fossem absorvidos pelas plantas. Era desta forma, que as Antigas Sacerdotisas realizavam sua comunhão com Deusa, retribuindo seu sacrifício, que foi dar origem a vida infundindo seu sangue sobre terra. 

Também o sacramento com a ingestão do sangue era antes relacionado ao sangue menstrual da Deusa, por vezes chamado de Leite da Deusa Mãe, que conferia o poder da imortalidade.  No Egito antigo o leite de Ísis era muito utilizado nas procissões. Sua cor era rosada, que remete ao sangue menstrual, carregado dentro de um vaso com forma de vulva, às vezes derramado na terra para torna-la fértil e era famoso por seus poderes curativos. 

Eles também tinham a deusa Sekhmet, a Leoa Escarlate, a deusa da guerra e ligada ao ciclo menstrual das mulheres. Sekhmet é a guerreira sem medo, capaz de destruir e espalhar os flagelos, deusa selvagem e terrificante mas que, paradoxalmente, sua energia sanguínea pode curar os doentes assim como destruir os inimigos do Estado. A estátua de Sekhmet protegia as entradas dos templos egípcios e seu culto contribui para a manutenção da ordem cósmica.

Assim para as sacerdotisas que realizam trabalhos magísticos o sangue menstrual (sabiamente utilizado) pode ser fonte de enorme poder de cura assim como de precipitação (materialização) de suas magias. 

A Magia no Renascimento

 


O humanismo da Renascença (séculos XV e XVI) viu um ressurgimento do hermetismo e das variedades medievais e neoplatônicas de magia cerimonial. Num turbulento contexto de disputas e tentativas de resolução por legitimidade religiosa, filosófica e científica, surgiu a definição de magia natural e suas proposições em diversos sistemas mágicos renascentistas. Sua discussão esteve presente em universidades e nos discursos de autoridades como teólogos, filósofos e médicos até o Iluminismo, quando as revoluções das ciências naturais determinaram um novo conhecimento canônico. Ainda assim, ela influenciou posteriormente o ocultismo contemporâneo.

Academia Florentina

A divulgação da chamada "magia natural" se iniciou no século XV por Marsilio Ficino e seu tutelado Giovanni Pico della Mirandola. Ficino difundiu as traduções latinas de textos herméticos, e a magia natural, considerada como baseada no uso de forças ocultas da natureza, era vista como compatível com as antigas filosofias espirituais (de Hermes Trismegisto, Zoroastro, Orfeu, Pitágoras e Platão) e com o cristianismo da Igreja Católica de então. Ela fazia parte das chamadas ciências ocultas, junto à astrologia e alquimia, que também foram resgatadas com o Renascimento.
A proposta de Ficino e Pico era do tipo de magia simpática: baseava-se na doutrina da existência de simpatias naturais e visava ao aperfeiçoamento da alma e sua elevação em direção ao celestial, o que também seria facilitado através do uso de substâncias naturais, imagens e signos, que atrairiam potências da natureza; sobre isso, Ficino no De Amore, em comentário ao trecho 202d-203d do Banquete de Platão, irá fundamentá-la no platonismo ao relacionar o Eros cósmico com a magia:

"Mas por que pensamos que o Amor é um mágico? Porque todo poder da magia consiste no Amor. O trabalho da magia é a atração de uma coisa pela outra por causa de uma certa afinidade de natureza."
"... as obras de magia são obras da natureza, mas a arte é sua serva ... Os antigos atribuíam essa arte aos daemones porque os daemones entendem o que é a inter-relação das coisas naturais, o que é apropriado para cada uma e como a harmonia das coisas, se estiver faltando em algum lugar, pode ser restaurada ... os daemones são mágicos por entenderem a amizade das próprias coisas."

Ficino esforçou-se em diferenciar sua magia espiritual da magia demônica medieval. Francesco da Diacetto, um de seus discípulos, descreve um ritual mágico para canalizar energias solares, em que o praticante deve se vestir com um manto áureo e capa cor de açafrão, queimar incenso feito de plantas solares ante um altar ornado de uma imagem de Sol entronado e coroado e, ungido com matérias solares, cantar um Hino Órfico ao Sol. Isso atrairia e concentraria as propriedades do Sol, através dos artefatos e imagens que refletem seu aspecto.
Pico distingue a magia má da sua magia naturalis boa, que não atrai poderes demoníacos e é permitida. Sobre esta última, ele reiteradamente afirma que é realizada pelo estabelecimento de "vínculos" que unem ou "casam" as coisas do Céu com as coisas da Terra.

"Esta, perscrutando intimamente o secreto acordo do universo a que os gregos chamam de uma maneira muito significativa sumpatheia, explorando a mútua ligação das naturezas, atribuindo a cada uma delas as congênitas lisonjas que se chamam iugges, isto é, encantamentos dos magos, traz à luz, como se ela própria fosse o artífice, as maravilhas escondidas nas profundezas do mundo, no seio da natureza e dos mistérios de Deus, e, do mesmo modo que o camponês casa olmos com videiras, também o mago casa a terra com o céu, isto é, as forças inferiores com os dotes e as propriedades superiores. Daqui se infere que, enquanto a primeira magia aparece como monstruosa e nociva, a segunda mostra-se divina e salutar. Sobretudo por isto, enquanto uma, colocando o homem à mercê dos inimigos de Deus, o afasta de Deus, a outra exalta-o para tal admiração das obras de Deus, de onde seguramente derivam a caridade, a fé e a esperança."

Na Apologia (1487), ele afirma conclusões como "Magia é a parte prática da ciência natural", "magia natural é lícita, e não proibida" e "nada existe que seja virtude no céu ou semente na terra, e separadas estejam, a que um mago não possa atuar e unir":

“Como eu disse na primeira conclusão, refuta-se toda magia proibida pela Igreja, essa que é condenada e detestada, com eu protestando apenas ao falar da magia natural e expressamente pela especial conclusão declarando: que por esta magia, nada se opera a não ser somente para a atuação e união das virtudes naturais. É o que diz a undécima conclusão sobre magia. A arte mirabolante da magia não é nada além de meios de união e atuação dessas, que seminais e separadas estão na natureza, o que se diz na conclusão de que esta magia não opera sobre nada além do casamento do mundo. Tendo por referida especificação e restrição de minha intenção nas conclusões de magia, à magia natural intenciono que seja aplicada cada uma das conclusões particulares, e assim, quando digo da atividade dos caracteres e figuras na obra da magia, falo sobre sua verdadeira atividade e da natural. É patente que há acordo de tal com todos os filósofos, tanto na ação, quanto no modo de agência e passividade."
"O princípio secreto dos filósofos, deve-se reconhecer, era influenciar os caracteres e figuras para se operar a magia, que pode ser de qualquer qualidade material"
"Na magia natural nada é mais eficaz do que os Hinos de Orfeu, se lhes for aplicada uma música adequada, e disposição de alma e as outras circunstâncias conhecidas pelos sábios"

Depois, Pico incorporou o estudo da Cabala na interpretação cristã e considerou que a magia natural deveria ser suplementada pela Cabala prática para que não fosse fraca. Ele afirmou que os mistérios cristãos podiam ser provados pelos escritos judaicos esotéricos e teve o intuito de sintetizar as filosofias judaica, cristã e pagãs, o que ele defendeu nas Novecentas Teses: "não há outra ciência que nos dê maior certeza da divindade de Cristo do que a magia e a Cabala". Essas afirmações instigaram a realização de uma comissão papal por Inocêncio VIII para verificar sua ortodoxia, resultando na condenação de uma parte de suas teses sobre magia como heresia e o banimento de duas de suas obras, Conclusões (1486) e Apologia. Um membro da comissão examinadora, Pedro Garisia (ou Garcia), afirmou que todas as formas de magia eram contrárias à Igreja Católica e filosofia natural. Sisto IV, porém, tinha interesse na Cabala, e o estudo desta foi parcialmente reabilitado quando o papa ordenou a Pico que traduzisse três obras cabalísticas ao latim.

Reuchlin

Esses eventos motivaram a divulgação da Cabala por Johann Reuchlin, um erudito que promoveu os estudos da gramática hebraica e resgatou manuscritos judaicos antigos. Em sua época, a filosofia oculta estava ganhando credibilidade entre estudiosos, junto à religião mística, numerologia e música poderosa. Pautando-se na legitimidade da filosofia judaica, ele teve alguns contatos com Pico e utilizou suas traduções latinas posteriormente. Reuchlin ficou conhecido junto a Pico como um dos fundadores da Cabala cristã (cujo interesse se difundiu e derivou-se em sistemas posteriores por outros ocultistas da Renascença). Tal como Pico, Reuchlin defendeu o poder mágico dos nomes e simbolismo de letras, como o Tetragrammaton, principalmente na obra De verbo mirifico (1494), na qual afirmou a necessidade de ritos iniciáticos para se operar feitos sobrenaturais, por exemplo através do pentagrammaton "ISHUH". Porém, distinguindo-se de outros proponentes renascentistas de sistemas mágicos, Reuchlin afirmava que esses "milagres" eram graças à agência de Deus, não do homem. Ele chama tal arte das maravilhas de soliloquia, que é o ato de fazer requisições por meio de preces, e a distingue da física, magia e astrologia como uma "magia divina". Em referência a Pico, disse no De verbo mirifico:

"o que um certo nobre filósofo recentemente propôs em Roma não me pareceu ignorante, nenhum nome em operação mágica e lícita tem o mesmo poder que aqueles em hebraico ou aqueles derivados do hebraico, porque, de todas essas coisas, estes são primeiramente formados pela voz de Deus. Sim, aquilo em que a natureza pratica magia principalmente é a voz de Deus."

No final do século XV, proibições e expulsões de judeus ocorreram em universidades e ducados da Suábia, e, naquela área repleta de misticismo, mania das bruxas e demonologia, o sentimento antissemita, que havia declinado no início do século, tornou-se muito intenso. Após a morte de seu benfeitor, Reuchlin foi forçado a fugas de uma cidade a outra, e surgiram diatribes contra ele. Em 1511, Johannes Pfefferkorn, um judeu apóstata, acusava Reuchlin de receber subornos por sua posição para proteger judeus e de que ele não seria o autor de suas obras acadêmicas; além do mais, ele atacou a defesa que Reuchlin havia feito à comissão imperial contra o confisco, censura e queima dos livros judaicos. Em 1512, libelos foram feitos por Pfefferkorn e Arnold von Tungern contra o livro de Reuchlin Augenspiegel ("Óculos"), com Tungern afirmando que as sinagogas eram "templos de bruxas" e que o Talmude estava repleto de imoralidade, magia e feitiçaria. Posteriormente, sob incentivo de Jacob van Hoogstraaten, a faculdade de teologia de Colonha moveu um processo contra Reuchlin; com permissão imperial, baniu seu livro de Defesa e, em 1513, queimou o Augenspiegel como heresia. Hoogstraeten era então o inquisidor papal de maior poder na Alemanha e mudara de perseguir bruxas e magia, a uma campanha antissemita. Em 1514, ele apelou a Roma e uma comissão foi apontada por Leão X para julgar Reuchlin. Apesar de a maioria ter absolvido as obras de Reuchlin, uma série de atos legais se sucedeu e o caso foi adiado, até que Leão condenou o Augenspiegel em 1520. Toda a controvérsia ficou conhecida como "caso Reuchlin", ao qual houve uma reação de humanistas que defenderam-no dentro das discussões da Reforma, como também o fizera depois Lutero.

Tritêmio

Outro inspirado por Pico della Mirandola foi Johannes Trithemius, um monge beneditino que se tornou um apólogo da magia natural, teorizando que ela dependia não apenas da natureza, mas do sobrenatural, tanto da divindade por Deus e seus anjos quanto, no outro extremo, do Diabo e demônios. Ele baseava-se na autoridade do escolástico Alberto Magno para a defesa da arte e nela confluía também a consideração do feitio de milagres. Escreveu esboços de uma obra chamada Steganographia, que propunha realizar comunicação a distância por meio de cifras mágicas. Charles de Bovelles (Bovillus) visitou-o em seu monastério em 1503. Bovillus vinha do Reino da França, então hostil à magia—Simon de Phares recentemente havia sido condenado em Lyon por prática de magia e astrologia em 1494, e Jacques Lefèvre d'Étaples se retratou de publicar seu tratado de magia natural e passou a condená-la. Em uma carta de 1508, Bovillus relatou suas impressões negativas de Tritêmio, de que seu livro conteria, além das cifras e proposta de comunicação a distância, encantamentos de amor; ele concluiu então que a obra deveria ser queimada, afirmou também que Tritêmio fizera profecias dúbias e que tais feitos só poderiam ser atribuídos a demônios. Essas acusações causaram grande repercussão e Tritêmio teve que se defender, qualificando Bovillus como um mentiroso, pois em sua visita havia tido dele aprovação à sua obra, e negou que praticasse artes demoníacas e necromancia. Uma defesa inclusive se encontra no prefácio da obra publicada posteriormente, Polygraphia, em 1518, dedicada ao imperador Maximiliano I.
Alcunhado de Philomagus ("amante da magia"), Tritêmio não rejeitou o título, pois via a magia que propunha como baseada na piedade cristã e aceitável—seja divina, humana ou natural—e repudiava a outra forma "supersticiosa, diabólica e permitida a nenhum dos fiéis, visto que é condenada pela Santa Igreja". Seu sistema mágico criptológico tornou-se conhecido e serviu a parte de sua defesa quando ele afirmou que tinha por princípio a confidencialidade esotérica, pois as técnicas criptográficas impediriam a corrupção por influências demoníacas e garantiriam que apenas os espiritualmente e intelectualmente aptos poderiam se instruir na magia. Nos livros, reiterou que todas as suas informações se baseavam nos preceitos católicos e leis naturais e que eram lícitas, diferente da magia maléfica.
Tritêmio talvez seja um dos quatro prelados mencionados por Paracelso como seus professores e teria sido um dos professores gregos de Reuchlin, o qual, por sua vez, teria ensinado hebreu a Tritêmio.

Agripa

Tritêmio também foi tutor de Heinrich Cornelius Agrippa, que defendeu seu mestre e tentou reabilitar o conceito superior de magia. Ao aprendiz, Tritêmio teria dito, provavelmente lembrando os ataques de Bovillus: "Guarde este preceito: que você comunique segredos vulgares para amigos vulgares, mas segredos arcanos mais elevados apenas para amigos mais nobres e secretos, dando feno para a vaca, mas açúcar para o papagaio! Entenda minhas palavras, para que você não seja pisoteado pelos cascos das vacas!"; e aconselhou que ele firmemente esforçasse a mente nos universais. Agripa tornou-se conhecido por seu De occulta philosophia, escrito em 1510 e que circulava em manuscritos antes da publicação. Nele, como contemporâneos observaram, não se limitou a um único sistema de magia e fez um compêndio sistemático que dava mais importância ao teor religioso da prática. Foi crítico dos necromantes, e Frances Yates considerou sua obra como "uma apoteose da magia religiosa". Em 1516, Agripa louvaria os ensinos piedosos em De triplici ratione cognoscendi, com interpretação cristianizante da magia hermética de que as proezas e operações maravilhosas chamadas de milagres, que formavam a base da fé em Cristo, poderiam ser operadas pelos cristãos.
Seus escritos revelam uso também do De verbo mirifico e De arte kabbalistica de Reuchlin e ele teria lido obras de Paracelso. Agripa, assim como Reuchlin, criticava sistemas medievais de magia como os de Robert Kilwardby, Roger Bacon, Pedro de Abano e da Picatrix, por serem "não-naturais". Em alguns manuscritos secretos seus, porém, segundo Paola Zambelli:

"ele revelou ritos, fórmulas e receitas de magia negra a Joaquim, Eleitor de Brandemburgo. A maioria deles tinha o mesmo objetivo do Viagra farmacêutico moderno, com a diferença de que invocavam demônios para esse motivo. Tritêmio ensinara Agripa a não se contentar com a magia natural. Apresentada por Ficino e Pico como recurso de afastamento dos demônios e ritos teúrgicos, a doutrina e a práxis desta magia não eram suficientes de acordo com Tritêmio".

Ele também teria atestado, assim como seu professor Tritêmio, a transferência de pensamento pelo ar (que hoje seria chamada de telepatia): "é possível, sem recurso a qualquer superstição ou à mediação de qualquer espírito, um homem relatar seu pensamento naturalmente a alguém em muito pouco tempo, por mais distantes que estejam um do outro ou quão desconhecidas sejam suas distâncias e respectivas estações". Já conhecido por seus manuscritos mágicos, Agripa, porém, retratou-se da prática oculta e afirmou ceticismo não só a ela mas a todas as ciências em seu De incertitudine et vanitate omnium scientiarum et artium (1530). Isso foi considerado paradoxal e deu espaço a diversas interpretações modernas sobre se ele de fato teria abandonado a magia ou não, e em que ponto as intenções de seus discursos seriam retóricas, visto que, três anos depois, ele expandiu seu compêndio De occulta philosophia, no qual, no entanto, escreve em linhas finais:

"Mas sobre a magia eu escrevi enquanto eu era muito jovem três grandes livros, que eu chamei de Da Filosofia Oculta, nos quais o que era errôneo pela curiosidade de minha juventude, agora sendo mais aconselhado, estou disposto a ter retratado, por esta retratação; antigamente, gastei muito tempo e custos nessas vaidades. Por fim, tornei-me tão sábio que fui capaz de dissuadir outros dessa destruição; pois todo aquele que não pratica na verdade, nem no poder de Deus, mas nos enganos dos demônios, de acordo com a operação dos espíritos malignos, presume adivinhar e profetizar, e praticando através da magia vaidades, exorcismos, encantamentos e outras obras demoníacas e enganos da idolatria, gabando-se de ilusões e fantasmas que cessam no momento, jacteia-se de que pode fazer milagres, a este digo que tudo isso, com Janes, Jambres e Simão, o Mago, será destinado aos tormentos do Fogo eterno."

Segundo Michael H. Keefer, o De vanitate indica que o autor guardava ainda as mesmas intenções hermetistas de renascimento expressas no De occulta philosophia, em conciliação com o cristianismo, e clamava ser possível a reversão da Queda e a deificação:

"não da árvore do conhecimento do bem e do mal, mas da árvore da vida, então tu deixarás de lado as ciências humanas ... e entrando agora não na escola dos filósofos e no ginásio dos sofistas, mas em ti mesmo, saberás todas as coisas ... Deus fez todas as coisas muito boas, ou seja, no melhor grau em que poderiam permanecer. Portanto, como criou árvores cheias de frutas, também criou almas ou árvores racionais cheias de formas e cognições."

Repercussões

Segundo Paola Zambelli, junto à Revolução Científica, o período posterior do século XVI foi caracterizado também pelo debate sobre a existência da magia natural. A partir dos autores italianos, ela havia se tornado mais difundida entre os germânicos, e com menos expoentes na França e Espanha.
Houve defensores posteriores de Tritêmio, incluindo monges católicos contemporâneos—alguns que reconheciam sua sabedoria das ciências, mas lamentavam sua intromissão em superstições e "magia negra", e outros que louvaram integralmente seu aprofundamento no arcano e negaram as acusações de magia demoníaca, tal como Johannes Butzbach, que defendeu a proposta tritemiana de reforma monasterial e a integração da magia natural no currículo tradicional das artes liberais.
Críticos reformadores protestantes utilizaram o pensamento de Tritêmio como um exemplo de ataque à Igreja Católica: atribuíam-lhe o motivo de interferência de demônios e acusavam o monasticismo como levando a tal através da melancolia. Ele foi repudiado também em escritos contra a bruxaria, mas Tritêmio pode ter indiretamente contribuído a essa mania das bruxas por meio de seus escritos de demonologia, que foram utilizadas posteriormente outras publicações. Georg Pictorius, por exemplo, atestou o seu débito a ele.
Mas houve também protestantes que combateram as perseguições indiscriminadas contra bruxas, como Hermann Witekind e Johann Georg Gödelmann, considerando que nem todos melancólicos eram feiticeiros, e foram céticos quanto aos feitos mágicos atribuídos a essas pessoas, pois estariam sob efeito de ilusões diabólicas. O médico Johann Weyer, que havia estudado sob tutoria de Agripa, negou o boato professor fosse acompanhado pelo próprio Diabo na forma de um cão negro, mas não poupou a crítica a Tritêmio, acusando-o de necromancia e apoiando o julgamento feito por Bovillus.
Também entre católicos da Contrarreforma, foi cético contra a magia e a caça às bruxas o médico Girolamo Cardano, o qual afirmou que Tritêmio era impostor. Porém outros como Jean Bodin lançaram esforços em invectivas anti-magia, e houve ainda outros que, ao mesmo tempo repudiando sistema tritemiano, defendiam a legitimidade da magia natural, desde que purificada de influências demoníacas em seus preceitos, tal como o bispo Antonio Zara. Posteriormente, até o início do século XVII, os jesuítas se empenharam em combater livros de superstição, e os pedidos de Martin Delrio, Antonio Possevino e Robert Bellarmine levaram a efeito a inserção da obra de Tritêmio no Índice de Livros Proibidos. Mas houve católicos contrarreformistas que defendiam um universalismo e o papel da magia antiga na reconciliação entre protestantes e católicos. Essa atitude pode ser traçada pelo menos até Francesco Giorgi, em seu De harmonia mundi (1525). Ainda também Francesco Patrizi propôs incorporar o hermetismo em seu apelo a uma "reformatio magica", no prefácio direcionado ao Papa Gregório IV em seu livro Nova de universis philosophia (1591):

"A primeira e mais excelente parte da magia nada mais é do que teologia e religião, e se não for completamente verdadeira, como a verdade subsequentemente foi revelada por Cristo, ela se aproxima mais dessa verdade do que todos os outros estudos"
Houve ainda protestantes ocultistas que também buscaram resolver o cisma cristão no campo comum do arcano, tal como Paracelso.
O sistema criptográfico de Tritêmio tornou-se cada vez mais revivido por apologistas, tal como Giovanni Battista della Porta, que afirmava que a magia "supera todas as ciências (exceto apenas a filosofia divina), de modo que em relação a ela, a rainha, parece que todas as outras artes e ciências não são mais do que meras servas". Ele publicou quatro tratados sob o título Magia Naturalis em 1558, afirmando que "magia é tida entre os homens como a sabedoria e o perfeito conhecimento das coisas naturais: e são chamados magos aqueles que ... os gregos chamavam filósofos", e que havia dois tipos de magia: "uma infame ... pois tem a ver com os espíritos almas e ... encantamento ... e isso é chamado de feitiçaria. A outra magia é natural".

Na Inglaterra, antes de William Shakespeare e Christopher Marlowe, não havia popularidade da magia natural e astrologia. John Dee, tendo encontrado manuscritos da Steganographia e os divulgado a William Cecil, contribuiu à popularização da criptografia e em novas impressões de livros de Tritêmio, mantendo uma nova voga até o início do século XVII.
Influenciando também a rainha Elizabeth, John Dee elaborou um sistema mágico próprio que utilizava a numerologia pitagórica e alquimia hermética. Porém, divulgando sobre o papel de agentes angélicos como mediadores de cifras e mensagens, tal como afirmava a Steganographia, Dee também ficou exposto às acusações dos demonologistas. Outro inglês, Robert Fludd, também se apoiou em Tritêmio na defesa da magia durante a diatribe com Marin Mersenne.
Houve junção da alquimia de Paracelso e com a magia natural de Tritêmio em publicações por Cesare Della Riviera, Gerard Dorn, Jacques Gohory, Jean-Jacques Boissard; mesmo entre jesuítas, proponentes da condenação da obra tritemiana, havia discordância, tal como Adam Tanner (favorável à astrologia) afirmou em um discurso, e a própria Sociedade de Jesus recebeu acusações hostis como responsável pelo crescimento do número de mágicos e da divulgação da esteganografia de Tritêmio. A criptografia tritemiana, mesmo com sua racionalidade mágica, teve como defensores os jesuítas Athanasius Kircher e Caspar Schott (cujo trabalho de lógica influenciaria a proposta de uma linguagem universal por Leibniz depois), o cisterciense Juan Caramuel y Lobkowitz, além de beneditinos e o príncipe protestante Augusto II de Brunsvique-Luneburgo. Jean Belot, padre francês ocultista, defendeu a comunicação críptica por meio de anjos santos segundo Tritêmio, e também a arte da memória e a ars combinatoria de Ramon Llull como uma "memória artificial" mágica, em sua obra Traicté de la memoire artificielle (1654).

Bruno

Na metade do século XVI, a magia natural já estava popular pela circulação de textos neoplatônicos, herméticos e seus derivados, como os escritos de Ficino e Pico, amplamente difundidos, além de manuscritos não publicados de Tritêmio e o livro oculto de Agripa. Giordano Bruno teve influência de todos esses autores, como demonstra em suas obras; ele também realiza citações ao contemporâneo Paracelso e seu sistema de magia, então controverso, e apoiou a alquimia na manipulação de ervas. Durante o processo inquisitorial que ele sofreu em Veneza, seus livros mágicos foram confiscados (incluindo autores proibidos pela Inquisição) e, em sua explicação da magia cerimonial, Bruno compara-a a uma espada que causaria mal nas mãos de um "canalha", mas que alguém temente a Deus 

"é capaz de julgar os resultados lícitos e ilícitos decorrentes desses princípios, e de que maneira eles são postos em execução pela virtude das disposições celestiais e pela operação de imagens e caracteres. Sejam eles feitos por homens sábios ou por demônios, todos concordam nisso, que pela observação de sinais e tempos e tratando de matéria inferior por meio de cerimônias, eles realizam coisas maravilhosas tanto em dano quanto em utilidade aos homens"

Em sua divisão trina do cosmos em mundo arquetípico, mundo natural e mundo racional (ou das sombras), no De magia naturali (1590) ele afirma que a magia dos mundos natural e divino é necessariamente boa, enquanto a magia matemática do mundo racional pode ser boa ou ruim de acordo com o uso; seu foco foi na magia desse mundo intermediário das sombras imaginais na razão, a partir das quais o homem tem acesso ao mundo superior. Ele define em Sigillus sigillorum (1583) os tipos das chamadas "contrações do espírito", que são estados de consciência ou modos de concentração cognitivos, distinguindo as contrações más, que, a partir da credulidade, arrebatam os sentidos e a razão de forma exterior, e incluem a ars notoria dos medievais (que no De magia naturali ele condena, pois tornava as pessoas "vasos dos demônios maus"); diferente das "contrações laudáveis", que se baseiam na crença regulada e são salutares. Estas últimas, Bruno as conecta à arte da memória, que atua:

"incitando a natureza quando paralisada, corrigindo e orientando quando desviada e exorbitante, fortalecendo e amparando quando fraca e exausta, corrigindo quando errônea, seguindo seu aperfeiçoamento e emulando sua indústria"

Outros tratados mágicos incluem De vinculis in genere (1591) e Theses de magia. Há ainda referências que indicam sua preocupação com a conjuração de espíritos e entidades divinas, tal como prescrições em De magia mathematica (1589). E ainda na Ars memoriae (1582), além de exercícios mnemônicos, também é descrito o procedimento de ritual teúrgico segundo regras de Agripa, e ela contém gravuras de sigilos e imagens. Bruno realizou uma reforma do sistema mnemotécnico luliano e, através do relacionamento entre as ideias, essa magia "abriria espaço para a invenção de novas faculdades intelectuais", visava ao entendimento da realidade e reunião de todo conhecimento e dos homens em uma reforma religiosa, bem como a realização de feitos miraculosos:

“Em certos pontos, algumas coisas parecem adequadas à arte em virtude de sua utilidade, mesmo respeitando as coisas naturais: tais são os signos, as notas, os caracteres, os sigilos. Essas coisas dão à arte seu grande poder, parecendo agir fora os limites da natureza, acima da natureza e—se a situação assim o exigir—contra a natureza."

Artes Magicae

Além da cultura popular, tanto a burguesia quanto a nobreza nos séculos XV e XVI mostraram grande fascínio pelas artes mágicas, que exerciam um encanto exótico por serem atribuídas a fontes árabes, judaicas, romani e egípcias. Havia grande incerteza na distinção de práticas de superstição vã, ocultismo blasfemo e conhecimento erudito ou ritual piedoso perfeitamente sólido. Tensões intelectuais e espirituais irrompiam na mania das bruxas da Idade Moderna, ainda mais reforçada pelas turbulências da Reforma Protestante, especialmente na Alemanha, Inglaterra e Escócia. As pessoas naquela época descobriram que a existência da magia era algo que poderia responder às perguntas que eles não podiam explicar por meio da ciência. Para elas, estava sugerindo que, enquanto a ciência podia explicar a razão, a magia poderia explicar a "irracionalidade".
Antes da magia natural filosófica, eram populares serviços considerados profanos como adivinhação, conjurações, feitiços de amor, localização de pessoas e tesouros por pessoas mágicas contratadas. Houve uma exposição no século XV das chamadas sete artes magicae ou artes prohibitae em uma compilação de 1456 por Johannes Hartlieb, como praticadas em seu tempo. Hartlieb, um astrólogo e médico que servia a Alberto III da Baviera-Munique, considerava-as como artimanha do diabo e tinha o intuito de mostrar como eram proibidas pelo direito canônico da Igreja. Na sua partição em sete, refletindo talvez a das artes liberales e artes mechanicae, eram:

nigromancia ("magia negra", demonologia, derivada, por etimologia popular, de necromancia)
geomancia
hidromancia
aeromancia
piromancia
quiromancia
escapulomancia

A divisão entre as quatro disciplinas "elementais" (geomancia, hidromancia, aeromancia, piromancia) é um tanto artificial. Quiromancia é a adivinhação das palmas das mãos de um sujeito, praticada pelos ciganos (na época recém-chegados à Europa), e escapulomancia é a adivinhação a partir de ossos de animais, em particular omoplatas, como praticada na superstição camponesa. Nigromancia contrasta com isso como "alta magia" erudita, derivada de grimórios medievais como o Picatrix ou o Liber Rasielis.
Os indícios mostram que, apesar de no século XVI ter havido uma queda no número de publicações da magia de imagem da Idade Média, ocorreu continuidade da magia ritual com grande aumento, mesmo com os esforços dos renascentistas de suprimirem a "magia impura" ao defenderem a magia natural. A importância da magia medieval à recepção nos séculos seguintes é atestada pelo que os escribas viram a magia renascentista como suplementar aos antigos rituais medievais, e compilaram fórmulas de ambas em publicações mistas.

Necromancia
Os praticantes da necromancia ou magia demoníaca no final da Idade Média geralmente pertenciam à elite educada, já que o conteúdo da maioria dos grimórios era escrito em latim. A magia demoníaca era geralmente realizada em grupos em torno de um líder espiritual de posse de livros necromânticos. Em um desses casos em 1444, o inquisidor Gaspare Sighicelli agiu contra um grupo ativo em Bolonha. Marco Mattei de Gesso e frei Jacopo de Viterbo confessaram participar de práticas mágicas.

Geomancia
A arte da geomancia era uma das formas mais populares de magia que as pessoas praticavam durante o período renascentista. Geomancia era uma forma de adivinhação em que uma pessoa jogava areia, pedra ou terra no chão e lia as formas. As figuras geomânticas então diziam a elas "qualquer coisa" com base em cartas geomânticas usadas para ler a forma.

Hidromancia
Hidromancia, uma forma de adivinhação usando água, é normalmente usada com perscrutar. A água é usada como um meio de vidência para permitir que o praticante veja imagens ilusórias dentro dela. A hidromancia originou-se da Babilônia e era popular durante a época bizantina, enquanto na Europa medieval, era associada à feitiçaria.

Aeromancia
A adivinhação da aeromancia consistia em jogar areia, sujeira ou sementes no ar e estudar e interpretar os padrões da nuvem de poeira ou o assentamento das sementes. Isso também inclui a adivinhação vinda de trovões, cometas, estrelas cadentes e a forma de nuvens.

Piromancia
Piromancia é a arte da adivinhação que consistia em sinais e padrões de chamas. Existem muitas variações de piromancia dependendo do material jogado no fogo e acredita-se que era usada para sacrifícios aos deuses e que a divindade estaria presente nas chamas, com sacerdotes interpretando os presságios transmitidos.

Quiromancia
Quiromancia é uma forma de adivinhação baseada na leitura das mãos e em intuições e simbolismo, com alguns símbolos ligados à astrologia. Uma linha da mão de uma pessoa que se assemelha a um quadrado é considerada um mau presságio, enquanto um triângulo seria um bom presságio. Essa ideia vem do trígono e da quadratura nos aspectos astrológicos.

Escapulomancia
Escapulomancia era uma forma de adivinhação usando a escápula de um animal. A escápula seria quebrada, com base em como foi quebrada, poderia ser usada para ler o futuro. Geralmente aquecia-a previamente com carvão quente até que se quebrasse.

Período barroco

Mesmo com perseguições, como da Inquisição e da caça às bruxas, relatos populares de milagres e do sobrenatural cresciam nos séculos XVI e XVII, como na Alemanha pela divulgação em panfletos e jornais tornada possível pela imprensa, bem como a ampliação da literatura mágica pela publicação de livros. Também dentre a esfera da erudição, de outro lado, os sistemas renascentistas tiveram continuidade no período barroco e o estudo das artes ocultas permaneceu difundido em universidades por toda a Europa até o século XVII. Reformadores buscavam expurgar todos os elementos mágicos da prática da Igreja e crença cristã, marcando um período que Max Weber chamou de "desencantamento do mundo". Mesmo assim, ocorreu um "reencantamento" e o período inicial foi disputado por críticos do antigo escolasticismo, como os paracelsianos, que queriam assumir o espaço como uma nova filosofia em substituição ao aristotelismo. Com a visão desses antagonismos, Walter Raleigh, por exemplo, em The History of the World (1614), classificou vários tipos de magia, em que a primeira seria a "arte de adorar a Deus", e a terceira "continha o todo da filosofia da natureza; não as balbúrdias dos aristotélicos, mas aquilo que traz à luz as virtudes mais íntimas", enquanto Francis Bacon proporia um método científico para evitar tanto as verbosidades aristotélicas quanto as experimentações cegas de paracelsianos e imposturas da magia natural.
Ao final do século XVI, Giambattista Della Porta havia criado a "Academia dos Segredos da Natureza" (Accademia Secretorum Naturae) em Nápoles, porém ele foi exonerado pelo Papa Paulo V quando suas obras de magia e ocultismo ganharam notoriedade e a academia foi dissolvida em 1592. Ele teria, no entanto, inspirado a fundação da Academia dos Linces em 1603, da qual foi um dos primeiros membros.

No século XVII, a alquimia ainda ganhava atração na medicina por seguidores paracelsianos, como Jan Baptista van Helmont e Daniel Sennert. Havia ainda diversos divulgadores científicos e da tecnologia na Itália e Inglaterra que desejavam uma "magia natural" reformada, tal como Samuel Hartlib, e segundo Charles Webster, em From Paracelsus to Newton (1982), membros da Royal Society como John Aubrey, Elias Ashmole e Robert Plot "preservaram em um grau notável a perspectiva dos mágicos naturais do renascimento".

Mesmo alguns teólogos do aristotelismo do século XVI e XVII discutiram sobre a magia natural e incorporaram discursos de qualidades ocultas em sua física, como as noções de simpatias, antipatias e demônios, em círculos flexíveis que constituíram o que foi chamada por acadêmicos contemporâneos de "magia escolástica". Textos jesuítas da Universidade de Coimbra emitidos entre 1602 e 1607, e que foram populares até os anos de 1630, reconheciam o nome "magia natural" como ciência prática e física aplicada, e o tema era popular em dissertações nas universidades europeias. A teorização de qualidades ocultas teve uma culminância em Duarte Madeira Arrais, médico da corte de João IV, que escreveu Novae philosophiae et medicinae de qualitatibus occultis em 1650.
Outros exemplos de rebentos que tiveram influência do ocultismo, alquimia, magia e astrologia renascentista, ainda no século XVI, são Tommaso Campanella, que publicou Del senso delle cose e della magia (1620), e Robert Fludd, com o History of the Two Worlds (entre 1617 e 1626). Houve ainda discussões na França em que oponentes do aristotelismo foram considerados como ocultistas, tal como num debate de 1624 em Paris sobre alquimia e atomismo, em que Jan Baptista van Helmont defendia a aplicação da primeira na medicina, enquanto Marin Mersenne investia contra as doutrinas de magia como de Paracelso e Bruno, pois as via como uma ameaça à religião e à filosofia aristotélica; outros críticos foram Gabriel Naudé e Pierre Gassendi.
Porém com Descartes e Galileu, houve uma ruptura com as "más doutrinas" antigas do ocultismo, e iniciou-se um mecanicismo que substituía a consideração de forças da natureza, antes como qualidades ocultas, por quantidades. Críticas à magia se sucederam com o crescimento do empirismo e ceticismo pelas obras de Francis Bacon, Robert Boyle e John Locke. Ainda assim, esses três leram avidamente obras renascentistas de magia natural e alquimia; houve interesse por Boyle de estudar o oculto, pois ele investigava a realidade da bruxaria como um assunto próprio da ciência e financiou publicações sobre casos de demônios, e Bacon, ao mesmo tempo que repudiava os antigos mágicos, por seu vocabulário de mistérios arcanos e rituais, afirmou que "muitas coisas ... atuam sobre os espíritos do homem por secreta simpatia e antipatia ... como as virtudes das pedras preciosas ... que contêm em si finos espíritos" e reciclou termos da magia natural e do hermetismo para a proposta de uma ciência natural consistente que pudesse realizar proezas. Restaram alguns grupos com influências ocultistas, tal como os platonistas de Cambridge, que inseriram o mecanicismo dentro do sistema renascentista.

Segundo Brian Copenhaver, se até o século XVI "magia natural" era vista por vários pensadores como um ramo válido da filosofia natural, após Francis Bacon o termo passou a ser ignorado e, no Iluminismo, "magia natural" era mais motivo de embaraço e escândalo para a maioria dos intelectuais do século XVIII, a exemplo de Leibniz, que utilizou essa conotação pejorativa quando disse que o sistema de Newton tinha "qualidade oculta".
Após Leibniz, a filosofia oculta deixou para sempre da história canônica da filosofia, porém teve alguns descendentes no sistema leibniziano das harmonias e mônadas, na obra de Berkeley Siris e de Kant Sonhos de um Visionário. Mesmo Newton ficou conhecido também por seu interesse em estudos ocultos, como a alquimia, e princípios herméticos levaram-no à proposição da sua Terceira Lei. Assim dele falou John Maynard Keynes: "Newton não foi o primeiro da Era da Razão. Ele foi o último dos magos".

Das antigas inspirações, surge uma nova fase de ocultismo no Iluminismo ao final do século XVIII, como em Ebenezer Sibly, Mesmer, Swedenborg e Cagliostro. Segundo Arthur Versluis, houve continuidade e popularização da magia medieval e renascentista na magia cerimonial posterior, que antes era inclusive associada ao monasticismo cristão em obras como Der goldene Habermann (1505), Trinum Perfectum Magiae Albae et Nigrae (1534), Spiritus Familiarus (1730), de Daniel Caesaris, e Das Geheimniss der heiligen Gertrudis (1809). Esses exemplos de livros foram preservados por monges capuchinhos, jesuítas e cartusianos (e até mesmo atribuídos a eles) e indicariam uma tradição mágica cristã dependente da Cabala. Para Versluis, "a história de correntes mágicas na modernidade é em grande parte a história de como a magia cerimonial se tornou secularizada" e "a história da magia cerimonial ocidental desde o século XVI é uma de variações de temas e, posto mais precisamente, de livros que derivam e até mesmo plagiam seus predecessores.


sexta-feira, 22 de outubro de 2021

Celtiberos

De celtiberos (ou celtibéricos) designam-se os povos ibéricos pré-romanos celtas ou celtizados que habitavam a Península Ibérica desde finais da Idade do Bronze, no século XIII a.C., até à romanização da Hispânia, desde o século II a.C. ao século I. O termo denomina também genericamente os idiomas que utilizavam. Dentre esses povos existe um expressamente denominado celtibero, que habitava a região oeste da Cordilheira Ibérica, a Celtibéria, embora também há quem integre outros povos nesse grupo étnico, tais como os vetões, váceos, lusitanos, carpetanos ou célticos.

Foram descritos por historiadores como Ptolomeu, Estrabão, Marcial ou Tito Lívio entre outros.

Para Plínio, os celtas da Península Ibérica eram oriundos de tribos migrantes dos célticos da Lusitânia, região que o escritor romano parece considerar como o berço de toda a população celta da Península, incluindo os celtiberos, baseando-se na identidade de ritos sagrados, língua, e nomes de cidades.

É difícil atribuir os territórios e fronteiras concretas a este amálgama de povos, devido à escassa documentação histórica existente e à quantidade de hipóteses sugeridas pelos vestígios arqueológicos encontrados, mas a sua geografia contrastada e hipotética é denominada Celtibéria.

Pensa-se que a Península Ibérica era habitada inicialmente por povos autóctones, que vieram a ser conhecidos como iberos. Posteriormente, cerca de 1 000 a.C. ou antes, chegaram à região povos indo-europeus de origem celta, que coexistiram com os iberos habitando regiões distintas. A ideia de que, na meseta central, esses povos celtas mesclaram-se com os povos iberos dando origem aos celtiberos está cada vez mais distante da realidade.

Não há, contudo, unanimidade quanto à origem desses povos entre os historiadores. Para outros autores, tratar-se-ia de um povo celta que adaptou costumes e tradições ibéricas, assim como há quem considere que os romanos os viam como resultado da fusão das culturas do povo celta e do povo ibero, diferenciando-se assim dos seus vizinhos, tanto dos celtas do planalto como dos iberos da costa.

Estavam organizados em gens, uma espécie de clã familiar que ligava as tribos, embora cada uma dessas fosse autónoma, numa espécie de federação. Essa organização social e a sua natural belicosidade permitiram a esses povos resistir tenazmente aos invasores romanos até cerca de 133 a.C., com a queda de Numância.

Várias foram as ocasiões em que os celtas se impuseram aos indígenas na Idade do Bronze e foram assimilados com mútua influência cultural, evoluindo face a um sistema halstático e mais tarde a um consolidado sistema pós-halstático, ou então convertido numa cultura celtibérica por toda a sua magnitude, no século V a.C.


Escrita celtibérica

A escrita celtibérica é uma escrita paleohispânica que expressa língua celtibérica, usada pelos celtiberos. Esta escrita é uma adaptação directa da escrita ibérica nororiental. Como a maior parte das outras escritas paleohispânicas, à excepção do alfabeto greco-ibérico, esta escrita presenta signos que representam consoantes e vogais, como os alfabetos, e signos que representam sílabas, como os silabários. A sua utilização é conhecida entre os séculos II e I a.C. no interior da Península ibérica (Guadalajara, Soria, Zaragoza). Os seus textos apresentam-se quase sempre da esquerda para a direita.


Língua celtibérica

O celtibérico ou celtibero (também conhecido como hispano-celta do nordeste) é uma língua indo-europeia extinta do ramo celta, falada pelos celtibéricos na região da Península Ibérica localizada entre as águas dos rios Douro, tejo, Júcar e Turia e do Ebro. O idioma foi atestado através de cerca de duzentas inscrições datadas dos séculos II e I a.C., quase todas na escrita celtibérica, uma adaptação direta da escrita do nordeste ibérico, embora algumas estejam no alfabeto latino. As inscrições mais longas em celtibérico são as encontradas nas três placas de Botorrita, placas de bronze encontradas em Botorrita, perto de Saragoça, que datam do início do século I a.C., e que receberam o nome de Botorrita I, III e IV (a 'Botorrita II' está em latim).


Características

O Celtibero foi uma língua produto da mestiçagem entre Celtas e Iberos residentes na zona das mesetas espanholas.

O Celtibero foi uma língua Celta Q, mas a sua mestiçagem com a língua ibera não permite chamar-lhe celta propriamente.


Guerras celtiberas

Guerras celtiberas ou guerras celtibéricas são as guerras realizadas ao longo dos séculos III e II a.C. entre a República Romana, na época em franca expansão, e vários povos celtiberos distintos que habitavam a região do médio Ebro e as cordilheiras no interior. O resultado final foi a anexação da região chamada Celtibéria ao território dos romanos.

Com a chegada dos romanos, os celtiberos, que até então eram governados por "príncipes e não por reis" se juntaram em uma grande confederação e passaram a exercer sua influência em regiões muito mais distantes de seu território até então. As relações entre a Celtibéria e a Oretânia, no vale do alto Bétis, eram intensas[4]. Esta unificação não parece ter sido obra de nenhum líder político ou militar e sim um processo interno no qual o papel mais importante coube aos proprietários das ricas minas da região.

As fontes clássicas, ao se referirem à Celtibéria, mencionam um país pobre, com clima rigoroso e esparsamente habitado. A principal atividade econômica era a criação de gado, especialmente por causa da pobreza do solo, do desconhecimento de técnicas agrícolas avançadas e a concentração da riqueza numa hierarquia guerreira. A desigualdade resultante se traduziu na organização de bandos de mercenários e salteadores que buscavam no uso da força uma saída para a pobreza extrema.

As estimativas indicam que a população da Celtibéria pré-romana seria algo entre 225 e 585 000 pessoas com base numa densidade demográfica estimada de cinco a treze habitantes por quilômetro quadrado num território de aproximadamente 45 000 km². Com esta base populacional, os estudiosos modernos estimam que a região abrigavam entre 18 000 e 50 000 guerreiros (chamados iuventus) com habilidades militares, cifras confirmadas também pelo tamanho dos maiores exércitos celtiberos citados nas fontes, com entre 15 e 35 000 soldados.


Guerras celtiberas

As menções sobre os celtiberos, que já eram conhecidos dos romanos por terem atuado como mercenários nos exércitos cartagineses na Segunda Guerra Púnica, nas obras de autores clássicos costumam fazer referências explícitas à sua belicosidade. Segundo Diodoro Sículo:


...este povo envia para a guerra não apenas uma excelente cavalaria, mas também uma infantaria que se destaca por seu valor e resiliência ao sofrimento. Eles vestem ásperas capas negras, cuja lã lembra o feltro. No que tange às armas, alguns celtiberos utilizam escudos leves semelhantes ao dos celtas e grandes escudos redondos do tamanho do áspide grego. Nas pernas e nas canelas trançam tiras de crina e cobrem suas cabeças com elmos de bronze adornados com cimeiras vermelhas. Usam espadas de dois gumes forjadas em excelente aço e usam também, para o combate corpo-a-corpo, punhais de um quarto de comprimento. Utilizam uma técnica especial na fabricação de suas armas: eles enterram peças de ferro e as deixam enferrujar por algum tempo aproveitando somente o núcleo, com o qual fabricam magníficas espadas e outras armas. Uma arma fabricada desta forma corta qualquer coisa que encontrem pela frente e, por isto, não há escudo, elmo ou corpo que resista ao seu golpe...

— Diodoro Sículo, Biblioteca Histórica.


Quando os romanos desembarcaram em Ampúrias, em 218 a.C., sua pretensão era cortar a fonte de suprimentos, tanto materiais quanto humanos, que abastecia o exército de Aníbal. Depois da expulsão dos cartagineses, os romanos decidiram permanecer na Ibéria, ocupando inicialmente o Levante e a Andaluzia, as regiões mais ricas e desenvolvidas.

Desde a revolta de 195 a.C., os celtiberos já vinham atuando como mercenários dos turdetanos, vencidos pelo cônsul romano Catão, o Velho, que retornou à sua base em Tarraco atravessando, pela primeira vez, a Celtibéria para organizar a exploração sistemática das novas províncias romanas da Hispânia Ulterior e Citerior.


Primeira Guerra Celtibera (181-179 a.C.)

A Primeira Guerra Celtibera foi um conflito defensivo da parte dos romanos, que tentaram impedir a união e a projeção do poderio militar dos celtiberos pelas fronteiras da Meseta até a Hispânia Ulterior, o vale do Ebro e o Levante peninsular. Em 193 a.C., o procônsul Marco Fúlvio Nobilior venceu uma coalizão de váceos, vetões e celtiberos (lusões) perto de Toleto, capturando vivo o seu líder, Hilerno. Os sobreviventes se refugiaram na cidade lusa de Contrebia Belaisca ("Complega" segundo Apiano), que foi tomada por Nobilior como retribuição pela revolta.

A conquista da Celtibéria foi iniciada em 181 a.C. por Quinto Fúlvio Flaco, que venceu os celtiberos e anexou parte de seus territórios, recebendo por isto a honra de uma ovação em 191 a.C.. Em 180 a.C., Tibério Semprônio Graco, procônsul da Hispânia Citerior, deu início a uma campanha para submeter os celtiberos da Meseta Norte e marchou da Bética para levantar um cerco de 20 000 celtiberos à cidade de Caraues (moderna Magallón), aliada dos romanos, com uma força de 8 000 legionários e 5 000 cavaleiros. Ele tomou Contrébia e os povoados vizinhos, repartindo as terras entre seus aliados e fundando Gracurris (Alfaro) para abrigar os celtiberos sem terras. No ano seguinte, Graco derrotou os celtiberos na "Batalha de Moncaio" e encerrou definitivamente a revolta, limitando radicalmente a expansão celtibera para fora dos limites de seu próprio território.

Graco acertou tratados com as tribos dos belos e dos títios, pacificando as tribos locais e atraindo-as para a esfera de influência romana. Pelos termos acertados, os ópidos celtiberos deveriam pagar um tributo anual e prestar serviço militar nas legiões romanas. Em troca, podiam manter sua autonomia, desde que não murassem novamente suas cidades. Estes tratados seriam futuramente invocados em múltiplas ocasiões durante as guerras que se seguiriam.

O governo instituído por Graco não era muito diferente do deixado por Catão, o Velho, uma década antes. Seu objetivo continuava sendo consolidar a paz e integrar as províncias hispânicas à administração romana. A postura de Roma, agravada pelos problemas sociais e pela pobreza da população local, forçada ao banditismo contra as províncias do sul, muito mais ricas, acabariam resultando em novos conflitos.


Segunda Guerra Celtibera (154-152 a.C.)

A desculpa para o começo da segunda fase da guerra se deu em 154 a.C., quando a cidade de Segeda, a capital dos belos, reformou e ampliou suas fortificações defensivas. O Senado Romano considerou este ato como uma infração dos termos do antigo acordo de Graco, firmado 25 anos antes, e uma ameaça aos interesses romanos na Hispânia. Apesar disto, Políbio atribuiu a guerra ao comportamento dos governadores romanos, que tornaram insuportável a ocupação para os povos locais.

Os senadores proibiram a continuação da obra em Segeda e exigiram o pagamento imediato do tributo estabelecido no tratado de Grado. Os segedenses argumentaram que a muralha era uma ampliação de uma obra pré-existente e não uma nova construção e que o tributo lhes havia sido isentado depois de Graco.

Roma enviou Quinto Fúlvio Nobilior à frente de 30 000 homens para lidar coma situação. Quando os habitantes de Segeda souberam da chegada dos romanos, fugiram para Numância, ópido da tribo dos arévacos, onde escolheram como chefe de belos e arévacos um tal Caro de Segeda. Nobilior marchou pelo vale do Ebro até Segeda e destruiu a cidade, tomou Ocilis (moderna Medinaceli) e avançou por Almazán até a Numância. No caminho, Caro, com 20 000 infantes e 5 000 cavaleiros, conseguiu emboscar os romanos e infligiu-lhes 6 000 baixas. Contudo, empolgados pela vitória, os soldados de Caro perseguiram os romanos de forma desordenada e, quando a cavalaria romana contra-atacou, Caro foi morto e o exército romano acabou se salvando. Nobilior continuou a marcha até a Numância e recebeu ali reforços enviados pelo rei númida Massinissa, que incluíam dez elefantes de guerra. As grandes bestas foram responsáveis por uma nova derrota romana quando correram pelas suas próprias linhas depois de atacadas. Depois de sucessivas derrotas, a cidade de Ocilis, onde estavam seus suprimentos e seu dinheiro, se revoltou e Nobilior não teve outra opção além de acampar ali perto para o inverno. Muitos romanos morreram na região por causa do frio e das constantes investidas das populações locais.

No ano seguinte chegou o sucessor de Nobilior, o cônsul Marco Cláudio Marcelo, com mais 8 000 soldados e 500 cavaleiros. Ele cercou Ocilis e ofereceu perdão. Diante das condições magnânimas, reféns e cem talentos de prata, Nertóbriga também pediu a paz. Marcelo lhes impôs a condição de que todos os povos, arévacos, belos e títios, aceitassem simultaneamente a paz entre si (os primeiros eram inimigos de Roma e os outros dois, aliados), o que conseguiu com exceção de alguns povoados que se opuseram por terem sido atacados por outros durante a guerra. Marcelo decidiu enviar embaixadores de cada parte para que decidissem entre si os termos da paz e recomendou ao Senado a aprovação dos tratados resultantes. Contudo, o Senado desprezou os esforços de Marcelo e preparou um novo exército, sob o comando de Lúcio Licínio Lúculo e de seu segundo no comando, Cipião Emiliano.

Marcelo declarou novamente a guerra aos celtiberos, que tomaram o ópido de Nertóbriga, e perseguiu os numantinos, encurralando-os em sua capital, Numância. O líder numantino, Liteno, pediu a paz em nome de todas as demais tribos. Marcelo mais uma vez exigiu reféns e dinheiro e aceitou a paz antes da chegada de Lúculo, frustrando as intenções do Senado.


Terceira Guerra Celtibera (143–133 a.C.)

Em 143 a.C., os celtiberos se revoltaram novamente, principalmente por conta da exigência do Senado Romano de uma rendição incondicional e da ganância dos sucessivos governadores provinciais, que simplesmente ignoravam os termos do acordo firmado por Cláudio Marcelo em 152 a.C. Os romanos já vinham sendo sucessivamente derrotados na Guerra Lusitana pelo general Viriato, que servia de exemplo para as demais tribos da região na luta contra a dominação romana.

Roma enviou o cônsul Quinto Cecílio Metelo (143 a.C. e procônsul em 142 a.C.), que havia vencido Andrisco na Quarta Guerra Macedônica, à frente de 40 000 homens para iniciar pacificação da Celtibéria. A campanha começou com a captura de várias cidades, incluindo Nertóbriga, incluindo aquelas com a qual já haviam sido firmados pactos de amizade anteriormente. Cecílio Metelo cercou Numância, a capital dos arévacos, mas não conseguiu capturá-la. Com a chegada do inverno e por conta dos incessantes ataques dos numantinos, os romanos foram obrigados a levantar o cerco e recuaram para seu acampamento de inverno.

O sucessor de Metelo, em 141 a.C., foi o cônsul Quinto Pompeu, que chegou com um exército de 30 000 infantes e 2 000 cavaleiros. Depois de ser derrotado pelos numantinos, Pompeu marchou para Termância, que considerava ser um alvo mais fácil, mas foi vencido novamente, sofrendo graves perdas de homens e suprimentos. Temendo ser reconvocado a Roma para prestar contas ao Senado, Pompeu deu início a conversas de paz com os numantinos, chegando a um acordo antes da chegada de seus sucessor, em 139 a.C., Marco Popílio Lenas. O novo cônsul não aceitou o tratado, que não havia sido ratificado pelo Senado e pelo povo romano. Ele enviou embaixadores a Roma para defenderem a continuidade da guerra, apesar dos protestos de Pompeu, e eles acabaram convencendo o Senado a continuar a guerra. Popílio Lenas atacou Numância e também foi derrotado com grande perda de vidas. Depois, atacou os lusões, mas sem conseguir nenhum resultado positivo.

O cônsul de 137 a.C., Caio Hostílio Mancino, chegou com um exército de 22 000 homens, incluindo Tibério Semprônio Graco, que atuou como questor. Mancino enfrentou muitas vezes os numantinos, mas foi sucessivamente derrotado. Quando um rumor se espalhou de que cântabros e váceos viriam para ajudar a Numância, Mancino levantou o cerco e se refugiou no antigo acampamento de Fúlvio Nobilior, nos arredores de Almazán. Quando percebeu que estava completamente cercado pelos numantinos, Mancino se rendeu. Os numantinos então exigiram um tratado, negociado por Tibério Graco, com paridade de direitos. Apesar do reconhecimento das conquistas anteriores de Roma, o Senado Romano considerou este o mais vergonhoso tratado já firmado pela República Romana. Os senadores enviaram Emílio Lépido para assumir o comando da Hispânia Ulterior e reconvocaram Mancino para ser julgado em Roma, onde chegou acompanhado pelos embaixadores de Numância. Lépido atacou os váceos usando como pretexto uma suposta ajuda oferecida aos numantinos. Quando o Senado soube dos termos do acordo, Mancino perdeu seu mandato e seu comando militar e foi obrigado a se entregar pessoalmente aos numantinos, assumindo a responsabilidade pelo tratado. Ele passou um dia inteiro diante dos portões da cidade, mas os numantinos não o aceitaram justamente para romperem os termos acordados.

Apesar de o tratado não ter sido ratificado, Roma manteve uma trégua de facto pelos três anos seguintes. Entre 137 e 135 a.C., nem Emílio Lépido, nem Lúcio Fúrio Filo e nem Quinto Calpúrnio Pisão reiniciaram o conflito.

Porém, em 134 a.C., a pedidos da população romana e graças a um processo jurídico extraordinário, Cipião Emiliano, o vencedor de Cartago, foi eleito cônsul novamente sem que houvesse transcorrido os dez anos de intervalo entre os mandatos como mandava a lei. Decidido a continuar a luta e tendo que enfrentar uma proibição de novos alistamentos, Emiliano formou uma "coorte de amigos" (em latim: "cohors amicorum") com cerca de 4 000 homens, entre os quais personalidades muito conhecidas, como Caio Mário, Políbio e Jugurta, o neto do rei númida Massinissa. Ao chegar à Península Ibérica, Emiliano reorganizou e disciplinou as tropas que já se encontravam na província, totalmente desmoralizadas por conta das sucessivas derrotas perante os numantinos. Durante o verão, os romanos saquearam o território dos váceos para impedir que eles ajudassem os numantinos e, na primavera de 133 a.C., começou o cerco final a Numância, executado por um imenso exército de 60 000 homens. Emiliano cercou a cidade com sete acampamentos, fossos e torres de vigilância (circunvalação) e bloqueou o Douro para impedir que suprimentos chegasse à cidade. Todas as tentativas de furar o cerco e todos os pedidos de ajuda a outras cidades fracassaram. Retógenes, o Carâunio, conseguiu vencer o cerco, mas só recebeu ajuda dos jovens da cidade de Lutia, ansiosos por fama e glória. Os anciões, temendo a vingança dos romanos, avisaram Emiliano, que cercou Lutia e mandou cortar as mãos de todos os 400 jovens. Diante da situação precária em que estavam, os numantinos enviaram embaixadores, sob a liderança de Avaros, ao general romano para entenderem quais seria as condições para um acordo, mas sem sucesso. A cidade arévaca foi então subjugada pela fome e todos os seus habitantes ou morreram de fome ou foram vendidos como escravos. A destruição de Numância, que permaneceu desabitada até o começo do período imperial, pôs fim às Guerras celtiberas e, apesar de outras revoltas no século I a.C. (Guerra Sertoriana, Guerra Cimbria), os celtiberos, como povo, jamais voltaram a incomodar os romanos.


Consequências

A Celtibéria passou por muitos anos de guerra contínua e terminou o conflito com seu território completamente devastado e a maior parte dos povoados, destruídos. Roma também sofreu por conta da longa duração das guerras. Os problemas do sistema político-legislativo republicano ficaram evidentes, especialmente a rigidez do mecanismo jurídico das eleições e as intensas rivalidades internas entre as muitas facções senatoriais. Além disto, o contínuo alistamento dos camponeses itálicos, a base do exército romano, para as sucessivas campanhas elevou grandemente as tensões sociais na península Itálica, culminando logo depois nos conflitos provocados pelos irmãos Graco. O alistamento realizado por Cipião Emiliano entre seus clientes e amigos serviu de precedente para outros posteriores, um esboço dos métodos principescos que, no século seguinte, acabariam definitivamente com o regime republicano, substituído pelo Império Romano.





A Linhagem da Serpente


"Júpiter foi o Primeiro e o Último, Júpiter é a cabeça e o meio; Dele provieram todas as coisas. Júpiter foi homem e Virgem Imortal. Júpiter é o fundamento da terra e dos céus; Júpiter é o sopro que anima todos os seres; Júpiter é a origem do fogo, a raiz do mar; Júpiter é o Sol e a Lua. Júpiter é Rei, só Ele é o Criador de Todas as Coisas. É uma Força, um Deus, Grande Principio de Tudo; um só corpo excelente, que abarca todos os seres, o fogo, a água, a terra e o éter, a noite e o dia, Mêtis, a primeira criadora, e o Amor cheio de encantos. Todos esses seres estão contidos no imenso corpo de Júpiter..."

Hino Órfico conservado por Estobeu.


Podemos observar que Iupiter é uma projeção ou "cópia" dos aspectos que definem o caráter do demiurgo e que ele possui múltiplos atributos ou facetas, tal como o demiurgo é representado pelos muitos nomes e aspectos sefiróticos da árvore da vida (Otz Chiim). Entretanto, devemos compreender que todos os panteões de deuses em todas as nações, são projeções geradas das fagulhas de luz que se alojam nas cascas de yetzirá somada às energias desprendidas pela humanidade.

Daremos como exemplo o que Dion Fortune nos tem a oferecer em seu aclamado livro "Cabala Mística":

"Voltará ela aos planos da forma ou ser-lhe-á permitido passar à luz? A questão é: "Acreditas nos deuses?". Se responder "Sim", a alma errará nos planos da ilusão, pois os deuses não são pessoas reais no sentido em que entendemos a personalidade. Se responder "Não", será expulsa, pois os deuses não são ilusões. O que deverá ela responder?

A intuição de um poeta deu-nos a resposta:

"Pois nenhum pensamento humano criou deuses para amar a honrar senão depois que a canção vibrou no silêncio da alma, e nem em sonhos pôde a terra unir-se aos céus antes que a palavra se vestisse de fala pelos lábios do homem".

Temos aqui a chave do enigma. Os deuses são criações do criado, nascem da adoração daqueles que o invocam. Não são os deuses que fazem o trabalho da criação, mas sim as grandes forças naturais, cada uma agindo de acordo com a sua natureza; a procissão dos deuses tem início depois de o Cisne do Empíreo depositar o ovo da manifestação na noite cósmica.

Os deuses são emanações, das almas grupais das raças, e não emanações de Eheieh, o Um, o Eterno. Não obstante, são imensamente poderosos, porque, graças à sua influência na imaginação de seus adoradores, eles unem o microcosmo ao macrocosmo; meditando sobre a beleza ideal de Apolo, a alma humana abre-se à beleza em geral."

Dion Fortune de forma magistral nos expôs um grande ensinamento mal digerido por muitos. A personalidade dos deuses é fundamentalmente uma criação do homem somados aos eflúvios criativos herdados do poder do arquiteto universal, sendo criatura mas também co-criador da realidade material e projetor das formas astrais dos mundos e entidades metafísicas .

O homem detentor da essência criativa, reproduziu a natureza demiúrgica a partir de si, cuja imagem e semelhança é do proprio criador em atributos e espelhou a persona dos homens nos deuses moldando a realidade Assiática e Yetzirática. Deste modo é de se supor que o homem fragmentado e dividido em sua impureza, projete criaturas, espíritos e entidades igualmente impuras caracterizando a idolatria, pois apesar destes deuses reproduzirem os caracteres magistrais e criacionistas da essência demiúrgica, em seus mitos cosmogênicos estão impregnados de impurezas klipóticas das cascas de Malchut (reino material) e Yesod (plano da fundação/ astral), tais como os véus de Olam Assiá (mundo da ação) e Olam Yeszirá (mundo da formação).

Os deuses pagãos são os veículos ou ídolos nos quais os homens intermediam seu contato com a divindade que devido sua corrupção klipótica se tornam eventualmente em seus aspectos mais obscuros e negativos, ferramentas de contato com a natureza da serpente, a portadora da Lvx Nigra, por outro lado, o demiurgo irá se aproveitar de semelhanças ao seu caráter criacionista, detentor da ordem cósmica e temeroso de sua morte para tentar corrigir tais anomalias pagãs, idólatras e politeístas.

Retomando a figura de Iupiter, o romano, como homem da antiguidade e tradicional, concebeu um encontro e uma interação recíproca entre as forças divinas e as forças humanas. O romano encontrou o locus Primigênio da natureza caos colérica ignis bellator Martii o fogo guerreiro de Marte através do tempo e da história. Seus assentamentos espirituais estão em cada homem ocidental que celebra sua memória através de sua cultura sendo nomeada pela história como a Cidade Eterna. Deste modo, dentre os romanos, havia a concepção de que não à nada sacro ou divino que não esteja vinculado ao homem e que cada ato de vida cívica romana era um ato místico.

Que o espírito bélico do negro Samael seja alimentado através da memória de nossos antepassados, cuja imagem fora retratados pelos filhos do demiurgo, da linhagem de Abel e Remo como pagãos e idolatras e que sejam reinvidicados em nome do grande Dragão primordial do abismo!


Nostra voluntates lex nostra est.

Nostra lex est caos!

Kali Yuga super omnium!

AVE SERPENS EL ACHER!

OPHIUSSA

Ofiússa ou Ophiussa é o nome dado pelos antigos gregos ao território português. Significa Terra das Serpentes.

Os ofis viveriam, principalmente, nas montanhas do norte de Portugal, incluindo a Galiza. Outros dizem que estes viviam na foz do rio Douro. As fontes clássicas, principalmente a Ora Maritima, localizam os ofis ou sefes perto dos cempsos, sobretudo ao longo da costa sul do Tejo ou junto à foz dos rios Tejo e Sado. Este povo venerava as serpentes, daí Terra das Serpentes ou serpes.

Existem alguns estudos arqueológicos que mencionam este povo e cultura. Alguns crêem que o dragão, muitas vezes representado como um grifo e originário de uma primitiva serpente alada – a “Serpe Real”, timbre dos Reis de Portugal e depois também dos Imperadores do Brasil, está relacionado com este povo, ou com os celtas que mais tarde colonizaram a zona, que por sua vez poderiam ter sido influenciados pelo culto ofi.

No século IV, o poeta romano Avieno, na Ora maritima, um documento inspirado por uma viagem marítima, anotou “Oestriminis” (ou o extremo ocidente) povoados pelos Estrímnios, um povo que vive naquela área desde há muito tempo, que tiveram que fugir das suas terras depois de uma “invasão de serpentes”.

Essas pessoas podem estar ligadas aos Saephe ( Saefs ) ou Ophis ("Povo das Serpentes") e aos Dragani("Povo dos Dragões"), que veio a essas terras e construiu a entidade territorial que os gregos chamaram de Ophiussa .

Alguns autores relacionam o povo Ofi com os druidas ou proto-celtas ou, até mesmo, antigos egípcios. Numa tradição egípcia, refere-se que as “serpentes” egípcias de Karnak ou Luxor teriam emigrado para a Europa.

Os Estrímios terão sido os primeiros povoadores do território que hoje corresponde a Portugal. Estes foram invadidos pelos Ofis que, posteriormente, foram invadidos pelos Lusitanos.

Uma lenda conta que no solstício de verão uma serpente virgem , uma deusa ctônica , revela tesouros escondidos para as pessoas que viajam pelas florestas. Esta donzela iria viver na cidade do Porto. As festividades relacionadas a esta deusa ocorreram durante o solstício. Durante o resto do ano, ela se transformava em uma cobra que vivia sob ou entre as rochas, e os pastores separavam um pouco do leite de seus rebanhos como oferenda a ela.


Bruxaria Diabólica

Nas últimas décadas, houve um esforço considerável em tornar a feitiçaria e a bruxaria como algo aceitável dentro da sociedade ocidental. Era necessário remover aquela imagem da bruxa velha e horrenda que matava bebês, para colocar em seu lugar a bruxa boa, que só faz magia para o bem. Essa necessidade de aceitação veio atrelada a uma vontade de tornar a Arte da Bruxaria como algo mais vendável, e para que seja lucrativo, é preciso que se torne palatável ao maior número de pessoas possível. Então grossas camadas de verniz cor de rosa foram passadas para que a bruxaria fosse ressignificada, se tornando agradável, segura e cheia de ética e moralidade, mas de forma a perder sua essência.

As artes da feitiçaria não podem ser contidas em um rótulo. Em prol da imagem benéfica, que também existe, soterraram, exorcizaram, baniram a sombra. A mão que cura é a mesma que pode matar, no entanto, vemos que a imagem sombria e diabólica foi relegada a algum grupo de supostos e desocupados adoradores do diabo, como alguns gostam de denominar aquilo que não entendem. É possível constatar que dentro da maioria dos círculos de bruxaria que busca ser aceita, a bruxaria diabólica continua e continuará sendo algo marginal e execrado, assim como acontece com tudo que é verdadeiramente antinomiano. A bruxaria não é um espaço seguro para abrigar pessoas frágeis, e sim um abismo de mistérios e perigos, onde se caminha nas trilhas tortuosas e espinhosas que são iluminadas pelo fogo luciférico interior, e aqueles que não o possuem, se perdem, se desesperam e principalmente, se iludem achando que são uma coisa que não são.

Então hoje vemos absurdos como pessoas se denominando bruxos por gostarem de abraçar árvores, porque apreciam gatos e borboletas e usam um cristal de quartzo, mas que morrem de medo de cemitérios, ficam cheios de melindres para acender uma vela preta e ao primeiro sinal de qualquer manifestação espiritual, correm em pânico para a primeira igreja que encontrarem. Acreditam que podem adequar espíritos antigos e poderosos dentro de ideologias políticas á seu bel prazer, ou transformam deuses infernais que eram agraciados com sacrifícios sangrentos em seres amorosos e politicamente corretos.

Ser um bruxo, um feiticeiro, é um mergulho no insondável. Busca-se o conhecimento proibido, a interação com espíritos de mortos e entidades inascidas, é através do sombrio e da escuridão que se encontra a luz que o guiará para o além da existência ordinária. É a arte de alterar as urdiduras das teias astrais através de suas práticas obscuras e secretas, é beber do veneno que também é antídoto, é trocar de pele como a serpente, é seguir o caminho da transgressão em prol da obtenção da liberdade. É conhecer a natureza e se integrar a ela, e conhecendo assim seus meandros secretos, saber manipulá-la e alterar o próprio destino. Um verdadeiro praticante das Artes Sombrias é aquele que manipula, e não aquele que é ou se deixa ser manipulado. Bruxaria não é religião, bruxaria é Arte!

Os fundamentos da bruxaria e da feitiçaria encontram-se no sombrio, no obscuro e no diabólico, e é de sua natureza ser contrária á ordem natural das coisas, no sentido de alteração de eventos, desejos e vontades através da magia e no desvendar daquilo que está oculto do restante do rebanho. Até mesmo no paganismo antigo a prática da bruxaria era mal vista e também passível de punições, como ocorre com aquilo que está fora do sistema de culto oficial e estabelecido. O que é óbvio, se alguém realiza práticas que visam modificar aquilo que estava pré determinado para a sociedade em prol de interesses particulares, ou exercer curas sem a permissão dos governantes, líderes e sacerdotes oficiais, automaticamente tal prática pode ser definida como marginal e transgressora.

Ser pagão politeísta, cuja prática é o culto a antigos deuses especificamente europeus e cultos agrários não é exatamente a mesma coisa que bruxaria. Com o advento do cristianismo, qualquer prática que não fosse cristã era considerada pagã e assim foi tudo jogado no mesmo balaio da demonização. As pessoas hoje permanecem misturando tudo em seu processo de des-demonização, no entanto, é importante separar as coisas.

Tiraram o Diabo da bruxaria, tiraram o sombrio, as ervas venenosas, os sacrifícios de sangue, os vôos no bode negro rumo aos sabás luxuriantes, tudo para se adequarem ás normas vigentes, á moral e ao politicamente correto. No lugar, jogaram uma cobertura de moralidade cristã, cujo pecado é pago com a lei do retorno. Acontece que a bruxaria diabólica não se adequa a nada e menos ainda busca aceitação, e também não está atrelada ás morais humanas e seus conceitos que são tão mutáveis quanto o ondular de um lago. A verdadeira feitiçaria é rebelde e opositora, portanto, está intrinsicamente ligada ao Diabo.

Quando digo Diabo, não se trata da figura criada pela igreja propriamente dita, a figura de chifres, rabo, asas de morcego e tridente que na realidade, seria um agente de Deus para punir os desobedientes e testar a lealdade de suas ovelhas. O Diabo aqui refere-se a uma força antagônica e antinomiana que está além das esferas causais. Estas forças podem tomar figuras, tal qual o diabo cristão, como máscaras, se utilizando dessas “vestes” para poder se manifestar neste mundo, de acordo com seus atributos de poder e influência. Não só do diabo cristão, mas também toda figura opositora criada por religiões, filosofias, mitos, etc., essas forças podem se apropriar, já que suas verdadeiras formas não podem ser percebidas pela limitada mente humana e seus sentidos grosseiros.

Tudo o que visa romper com aquilo que está pré estabelecido, quebrar a ordem, rasgar os véus, pode ser visto como diabólico. O Diabo é aquele que separa (o homem dos grilhões do destino), é aquele que queima (as limitações impostas) e com sua queima também ilumina aquilo que até então estava oculto. O Diabo é a serpente antiga que mostrou ao primeiro humano uma pequena centelha de conhecimento, rompendo por completo um estado paradisíaco, que também podemos interpretar como um estado de inércia e ignorância. O preço a ser pago é muito alto, mas nenhuma evolução vem sem uma boa dose de dor. Desta forma, a humanidade despertaria de seu torpor e de sua ignorância, deixando de viver como animais (de acordo com o fluxo natural e instintivo) e despertando a própria consciência, para que possa utilizar verdadeiramente seu livre arbítrio e tomar assento junto aos deuses e demônios (indo contra o fluxo natural da existência). Ninguém chega a lugar nenhum se não der um passo e permanecer inerte na zona de conforto.

O Diabo é aquele que veio para provocar a separação entre aquilo que estava predeterminado, cortando o cordão umbilical energético que prende os seus ao rebanho do barro, para que sejam libertos daquilo que seria seu destino, e assim possam caminhar livremente entre os mundos e além deles. O Diabo é quem convulsiona e revoluciona, mudando a ordem natural das coisas, acendendo o fogo do conhecimento, pois somente através da quebra, da cisão, é que o verdadeiro desenvolvimento é possível.

A feitiçaria é o principal ofício da bruxaria, e o que é ela senão a arte de alterar eventos, manipulando as urdiduras deste plano de existência através de códigos específicos de elementos simpáticos ou de contágio? A partir do momento em que essas manipulações energéticas são realizadas, já há uma quebra daquilo que está pré determinado, como um desvio dos fluxos de um rio para um intento, independente se para benefício ou malefício de alguém. Toda a magia trabalha baseada em similaridade, buscando todo tipo de associação e conexão. Desta forma, a esquerda é associada ao mal e ao Diabo. O sentido anti-horário é o caminho reverso daquilo que foi pré-estabelecido. É o romper dos grilhões das limitações, indo contra o fluxo natural das coisas, determinando e fazendo cumprir sua própria vontade, através do caminho da rebelião. Existem pessoas que se denominam bruxos por celebrarem o fluxo natural das coisas acontecendo, mas o bruxo diabólico é aquele que determina e altera esses fluxos através das artes da feitiçaria, pois aqueles que ainda dormem frequentemente são manipulados pelos que estão despertos.

Não se sabe a origem correta do termo bruxa, mas uma explicação que cabe bem ao conceito de bruxaria diabólica, é que esta palavra deriva do verbo italiano bruciare, que significa queimar. Quando alguém era acusado de bruxaria, os populares gritavam bruciare! Bruciare! Estrangeiros que testemunhavam tais cenas logo associaram esta palavra á pessoa acusada, surgindo assim o termo bruxa. Então bruxa é aquela que queima, não só nas fogueiras da inquisição, mas também e principalmente com a chama luciférica que carrega dentro de si. A chama do Diabo, o fogo do Inferno, e a luz de Lúcifer, a chama que incinera a ignorância, o fogo que transmuta e renova, a luz que ilumina. O fogo é o chamariz dos espíritos, e a bruxa carrega esse fogo dentro dela, traz do abismo as sombras, e carrega em seu sangue flamejante todos os diabos do inferno.

Quando se nega a relação do Diabo com a bruxaria, ou ainda de forma mais ampla, retira dela tudo aquilo que é sombrio e obscuro, está sendo apenas uma forma de auto ilusão. Bruxaria não se trata apenas de resquícios de paganismo e de religiões pré cristãs, nem de simples culto ao reino vegetal e animal e celebrar as mudanças de estações, é algo muito mais profundo, é um caminhar no limiar entre as existências. Não é á toa que em tempos antigos a cerca ou sebe estava ligada ás bruxas: a cerca era o limite entre o civilizado e o selvagem, o mundo dos vivos e o mundo dos mortos, o mundo das ovelhas obedientes e o mundo dos lobos livres e selvagens. Ser bruxo é traficar com o mundo espiritual das mais diversas formas, manipulando as teias astrais e através do conhecimento diabólico e luciférico, desenvolver seu duplo obscuro para, quando passar pro outro lado da cerca, não mergulhar no coma da morte.

Portanto, a bruxaria deve tomar posse daquilo que realmente lhe pertence e que é seu domínio: as sombras, o obscuro e diabólico. Que os preceitos moralistas e punitivos sejam deixados ás ovelhas, pois a feitiçaria diabólica pertence aos lobos, serpentes e corvos, todos aqueles que possuem dentro de si a chama obscura. A bruxaria é a herança daqueles que se rebelaram, os caídos que se transformaram em demônios, para a libertação daqueles que são de sua linhagem, os verdadeiros antinomianos.

Jacques Bergier - Melquisedeque

  Melquisedeque aparece pela primeira vez no livro Gênese, na Bíblia. Lá está escrito: “E Melquisedeque, rei de Salem, trouxe pão e vinho. E...