sexta-feira, 8 de julho de 2016

Jacob Boehme: o Filósofo Divino


Jacob Boehme (1575-1624). Embora nome seja conhecido e mesmo consagrado em meios filosóficos, literários e esotéricos, pouquíssimos são, hoje em dia, os que de fato leram ao menos uma de suas grandes obras. Recai sobre elas o estigma de serem extremamente obscuras. Seria mais apropriado dizer que
nossos tempos é que são obscuros, pois nos séculos anteriores a obra de Boehme chegou a ter grande repercussão. Exemplo disso é que foi lida por homens como Newton, Hegel, Schelling, Novalis, Tieck, Schopenhauer. A difusão foi grande na própria Alemanha, onde exerceu influência sobre toda a filosofia e grande parte do movimento romântico, e também na Inglaterra e Holanda. Por toda parte, vários dos homens mais qualificados intelectual e espiritualmente consideraram Boehme um dos mais poderosos gênios metafísicos da história da humanidade, chegando a alcunhá-lo "príncipe dos filósofos divinos".

Jacob Boehme nasceu na Alemanha, nas proximidades da cidade de Goerlitz, de pais humildes, que em sua meninice o encarregaram de cuidar do gado e mais adiante fizeram com que aprendesse o ofício de sapateiro, que exerceu durante quase toda a vida. Como resultado de uma série de experiências de iluminação e revelação que começaram ao redor de seus vinte anos, escreveu cerca de trinta poderosos tratados sobre Deus, a Criação e o homem.

Para sair um pouco do plano histórico e tornar Boehme mais presente e acessível, falarei de um encontro
com sua obra. Meu primeiro contato com ela se deu quando eu tinha vinte e dois anos, com a leitura de três pequenos tratados editados em espanhol que, depois dos Evangelhos, me deram as primeiras referências muito claras da via espiritual. Todavia, não cheguei, através deles, a suspeitar dos tesouros de conhecimento que poderia encontrar em suas primeiras e grandes obras. Só parti à procura delas dois anos mais tarde quando, lendo obras do "filósofo desconhecido" Louis Claude Saint-Martin, grande nome da espiritualidade ocidental do século XVIII, soube que não se considerava digno de amarrar os cadarços dos sapatos de Jacob Bochme e aprendera alemão aos cinqüenta anos apenas para lê-Ia no original e traduzi-Ia ao francês.
Encontrei providencialmente sua primeira obra, A Aurora Nascente, na tradução francesa do próprio Saint-Martin, e sua leitura foi o acontecimento mais importante em minha caminhada de retorno à origem celeste. Experimentei em minha própria alma o título dado à obra e o constatei verdadeiro: a luz se fez nas trevas e a vida venceu a morte. Em seguida empreendi a tradução de suas obras. É antes de mais nada por essa experiência que posso afirmar que suas obras nada têm de obscuras. Muito pelo contrário, são desconcertantemente claras. Todavia, há dois pré-requisitos básicos para penetrá-las, ambos sempre repetidos pelo próprio Boehme. O primeiro é estar no processo de regeneração, combatendo a sério as bestas do homem animal e psíquico e o dragão do ego, desejando nascer de novo do alto e a união com Deus.

Sem isso, elas serão ou um escândalo para o leitor, ou ele discordará delas, a fim de afirmar suas próprias opiniões e seguir seus próprios desejos. O segundo pré-requisito é a leitura de suas quatro primeiras obras na ordem cronológica: A Aurora Nascente, Os Três Princípios da Essência Divina, A Tripla Vida do Homem e As Quarenta Questões sobre a Alma. Pois cada uma estabelece o fundamento da subseqüente, de modo que é desaconselhável a leitura da coletânea de excertos. Estas obras podem ser encontradas em alemão, francês e inglês e a primeira também em espanhol.

A REVELAÇÃO DO CAMINHO - Além desse testemunho de um encontro pessoal com a obra de Boehme em nossos dias e sua dimensão histórica, outro motivo de sua grande atualidade é o fato de transcender, não na forma mas na essência, os limites da tradição cristã. A cosmogonia, cosmologia e escatologia nela encontradas são em tudo similares às descritas por todas as outras correntes do ensinamento tradicional: a pitagórica-platônica, a tradição judaica conhecida como cabala, a tradição islâmica conhecida por sufismo, a tradição hindu, entre outras. Mas não encontrei em parte alguma uma exposição tão detalhada, profunda e clara de todo esse processo cosmogônico, cosmológíco e escatológico. No século XVIII, depois de ter concluído o curso de teologia na faculdade de Tübingen, o renomado teólogo e teósofo cristão Friedrich Christoph Oetinger (1702-1782) perguntou ao mais eminente cabalista judeu de Frankfurt o que deveria fazer para compreender os cabalistas. A resposta foi que deveria poupar-se desse trabalho e limitar-se ao texto da Bíblia, pois não seria capaz de chegar à sua compreensão. E que os cristãos possuíam um livro que tratava da cabala melhor (isto é, mais claramente) que o Zohar (obra máxima da cabala): a obra de Jacob Boehme.

Partindo do Ungrud, isto é, o Sem Fundo, a Divindade em Si mesma anterior a toda manifestação e diferenciação - cujo termo análogo na cabala judaica é Ain Sof, o Infinito, o Ilimitado -, Boehme descreve em suas obras, com muitíssimos detalhes, todo o processo de emanação do metacosmos, da criação do macrocosmos e da formação do microcosmos. O metacosmos abarca o conjunto dos mundos espirituais,
começando no mundo das idéias arquetípicas e das forças supra-angélicas e terminando no mundo das hierarquias angélicas. O macrocosmos ou grande mundo é o universo material temporal em que vivemos e que foi criado como resultado de uma alteração causada no metacosmos pela rebelião de uma das legiões angélicas. O microcosmos ou pequeno mundo é o homem, formado em sua origem a partir da totalidade dos estados de existência de toda a manifestação divina e mesmo para além dela, contendo em si, portanto, os níveis meta cósmicos e macrocósmicos, passando os primeiros a ser apenas potenciais após sua queda. (...)