PREFÁCIO
Poucas palavras bastam para a apresentação dêste pequeno volume. É o nono e último duma série de manuais publicada para satisfazer o desejo daqueles que reclamam uma exposição simples e clara das doutrinas teosóficas. Muita gente se tem queixado de que a nossa literatura é ao mesmo tempo muito obstrusa, demasiado técnica e bastante cara para a grande maioria dos leitores. Estamos esperançados em que esta nova série,correspondendo a uma verdadeira necessidade, preencherá essa lacuna. A Teosofia não é só para os sábios e eruditos; é para todos. É possível que dentre aquêles que nestes pequenos volumes elementares bebêram as primeiras idéias das suas doutrinas, surjam alguns que sejam levados por elas a penetrar mais fundo nos seus aspectos científicos,religiosos e filosóficos, encarando os problemas teosóficos com o zêlo de Investigador e com o ardor do neófito. Mas não foi só para o investigador, ávido de conhecimento, para quem não há dificuldades iniciais que o amedrontem, que se escreveram, mas sim para todos os indivíduos, de ambos os sexos, que mergulhados na labuta diária das suas ocupações,procurem assimilar algumas das grandes verdades que tornam a vida mais fácil de viver e a morte mais fácil de encarar. Escritos pelos servos dos Mestres, que são os Irmãos Primogênitos da nossa raça, o seu objetivo não pode ser senão servir os nossos semelhantes.
INTRODUÇÃO
Reina uma tão grande confusão entre o ser consciente e os seus veículos, isto é, entre o homem e os trajes que o revestem, que se torna necessário apresentar aos estudantes de Teosofia uma exposição clara e simples dos fatos tais como os conhecemos. Na altura a que chegamos em nossos estudos, há muitas coisas que antes se nos afiguravam vagas e ininteligíveis e que agora se tornaram definidas e claras como água; muitos ensinamentos que antes aceitávamos a título de teoria, presentemente se transformaram para nós em fatos de conhecimento direto. Daí a possibilidade de classificar determinados fatos de modo definido, fatos êstes que podem ser submetidos a repetidos exames, à medida que os novos estudantes vão desenvolvendo o seu poder de observação; e assim podemos falar dêsses fatos com a mesma certeza com que o físico trata de outros fenô-menos observados e classificados. Porém, se o físico por vêzes erra, o mesmo pode acontecer ao metafísico, à medida que o conhecimento se expande. Não podemos nem queremos apresentar-nos como autoridade no assunto, com direito a impor as nossas idéias; somos apenas um estudante que quer transmitir a outros estudantes as suas pró-prias investigações, os conhecimentos adquiridos, mais ou menos imperfeitamente, e as investigações resultantes das observações de discípulos, observações restringidas, é claro, àquilo que as suas limitadas faculdades lhes permitem.
Ao iniciarmos o nosso estudo, é mister que o leitor do Ocidente modifique o ponto de vista sob o qual se habituou a encarar a si mesmo; é mister que se esforce por fazer uma distinção nítida e clara entre o homem e os corpos que êste habita. Habituamo-nos demais a identificar-nos com os trajes externos que envergamos, e não podemos resistir a deixar de considerar os nossos corpos como nós mesmos. Ora, é absolutamente necessário, para atingirmos a verdadeira concepção do nosso assunto, que abandonemos êste ponto de vista e cessemos de nos identificar com os invólucros que só revestimos por algum tempo para pouco depois nos despojarmos dêles. Identificar-nos com êstes corpos, cuja existência é passageira, seria uma loucura equivalente a confundir-nos com o nosso vestuário; não dependemos dêle - o seu valor acha-se proporcionado à sua utilidade.
O erro que tanta vez se comete e que consiste em confundir o nosso ser consciente,ou seja o nosso Ego, com os veículos em que êle momentâneamente funciona, só pode ser desculpado pelo fato da consciência em estado de vigília e, até um certo ponto,a consciência em estado de sonho, viverem e trabalharem no corpo, sem que o homem vulgar conheça a sua existência à parte.
Contudo podemos obter uma compreensão intelectual das verdadeiras condições, assim como nos é permitido habituarmo-nos a considerar o nosso Ego como o dono dos seus veículos. Com o tempo e experiência, nos convencemos da realidade dêste fato,quando tivermos aprendido a separar o nosso Ego dos seus corpos e a sair do nosso veí- culo físico, quando adquirirmos a certeza de que não dependemos dêle, quando soubermos enfim que fora dêste existe para nós uma consciência muito mais ampla e completa.
Depois de obtermos êste resultado, é claro que nunca mais identificaremos o nosso Ego com os nossos corpos; nunca mais cometeremos o êrro de imaginar que a nossa personalidade é o invólucro que envergamos. A clara compreensão intelectual acha-se ao alcance de todos nós; podemos portanto proceder à distinção habitual entre o Ego, isto é, o homem, e os seus corpos; basta isto para nos libertarmos da ilusão que envolve a maioria das pessoas; basta isto para modificarmos a nossa atitude para com a vida e o mundo,elevando-nos a uma região mais serena, onde não existem as mudanças e as contingências da "vida mortal", nem as contrariedades mesquinhas que, dia a dia, afligem desmesuradamente a consciência encarnada. Sentiremos assim as verdadeiras proporções entre as coisas sujeitas a mudanças constantes e as que são relativamente permanentes, e sentiremos a diferença enorme que reina entre o náufrago em luta com as ondas, prestes a afundar-se, e o homem que desafia impunemente o fragor da tempestade, no abrigo inacessível dum rochedo.
Quando falo do homem, refiro-me ao Ego, vivo, consciente, pensador, isto é, à individualidade; e os corpos a que tenho aludido são os vários invólucros nos quais êste Ego é encerrado; cada um dêstes invólucros permite ao Ego funcionar numa certa região do universo. Um homem que deseje viajar por terra, pelo mar ou pelo espaço, fará uso dum carro, dum navio ou dum avião; porém êstes veículos em nada alteram a sua identidade.
Do mesmo modo o Ego, o homem verdadeiro, conserva a sua identidade, seja qual fôr o corpo em que estiver funcionando; e do mesmo modo como o carro, o navio e o avião variam na qualidade do material e na sua construção, segundo o elemento a que são destinados,assim também cada corpo varia segundo o meio onde deve agir.
A densidade da sua substância, a duração da sua vida, as faculdades de que são dotados dependem do papel que os corpos têm de preencher; mas há uma coisa em que todos têm do comum em relação ao Homem: todos êles são transitórios, todos são seus instrumentos, seus servos, gastando-se e renovando-se segundo a sua natureza; devemse adaptar ao homem, às suas diferentes necessidades, ao seu poder sempre crescente.Estudá-los-emos um por um, principiando pelo menos elevado; em seguida trataremos do homem, o ser que atua através de todos êstes corpos.
O CORPO FÍSICO
Sob a denominação de "corpo físico" devem incluir-se os dois princípios inferiores do homem, que na linguagem teosófica chamamos Sthula-Sharita e Linga Sharita. Ambos funcionam no plano físico; ambos são compostos de matéria física e formados para um período de vida física, e ambos são abandonados pelo homem físico quando morre e desintegram no mundo físico quando o homem segue para o astral.
Outra razão que nos leva a classificar êstes dois princípios sob o nome de corpo físico ou veículo físico, é porque sempre usamos um ou outro dêstes trajes físicos, enquanto vivemos no mundo físico, ou antes, plano físico, como é costume chamar-lhe; ambos pertencem a êste plano devido à matéria de que são formados e pelo mesmo motivo nunca podem sair dêle. A consciência que nêles trabalha acha-se escravizada pelas suas limitações físicas e sujeita às leis ordinárias de espaço e tempo. Embora sejam parcialmente separáveis, é raro estarem separados durante a vida terrestre. De resto, essa separação não é para aconselhar, pois constitui sempre um sinal de doença ou de constituição mal equilibrada.
Segundo os materiais de que são compostos, subdividem-se em: corpo grosseiro e duplo etérico, dos quais o último é a reprodução exata, partícula por partícula, do corpo visível; é igualmente o intermediário que põe em movimento tôdas as correntes elétricas e vitais das quais depende a atividade do corpo. Êste Duplo Etérico tem sido denominado até agora "Linga Sharira", porém, há várias razões para cessar o uso dêsse têrmo. "Linga Sharira" teve, desde tempos imemoriais, uma significação muito diferente, quando empregado pelos livros hindus; e êste desvio arbitrário do seu verdadeiro sentido tem dado lugar a grandes confusões entre os estudantes ocidentais e orientais da literatura hinduista. À falta doutros motivos bastaria êste para nos levar a renunciar ao uso impróprio do têrmo.
E mesmo, é preferível empregar nomes fàcilmente compreensíveis para classificar as subdivisões da constituição humana, pois certas denominações da terminologia sânscrita constituem um verdadeiro obstáculo para os principiantes. Além disso, a expressão duplo etérico define exatamente a natureza e a constituição da parte mais sutil do corpo físico, sendo portanto significativa e fácil de reter, condição esta a que todos os nomes deviam obedecer; é "etérico", por ser constituído por éter, e é "duplo" por ser uma reprodução exata do corpo grosseiro - a sua sombra, por assim dizer.
Ora, a matéria física tem sete subdivisões, que se distinguem umas das outras, e que, tôdas elas, dentro dos seus limites, mostram uma grande variedade de combinações.
As subdivisões são: o sólido, o líquido, o gasoso e o etérico; êste último, por sua vez, possui quatro condições que se distinguem entre si tão nitidamente como os líquidos se diferenciam dos sólidos e dos gasosos. São êstes os sete estados da matéria física; qualquer porção desta matéria é suscetível de passar para um dêstes estados, mas, nas condições normais de temperatura e de pressão, a matéria adota um dos sete estados como condição relativamente permanente, como por exemplo, o ouro que vulgarmente é sólido,a água que vulgarmente é líquida e o cloro que vulgarmente é gasoso. O corpo físico do homem é composto de matéria nestes sete estados - o corpo grosseiro consiste de sólidos, líquidos e gases, e o duplo etérico, das quatro subdivisões do éter, conhecidas respectivamente sob as denominações de Éter I, Éter II, Éter III e Éter IV.
As pessoas às quais se expõem as mais elevadas verdades teosóficas, queixam-se constantemente de ser tudo isto demasiado vago, e perguntam: "Por onde devemos principiar?"
Qual deve ser o ponto de partida se quisermos instruir-nos a nós próprios, se quisermos provar a verdade das asserções já feitas? De que meios nos devemos servir? Numa palavra, qual é o alfabeto desta linguagem que os teosofistas empregam com tanta volubilidade?Como devemos nós proceder, simples homens e mulheres do mundo, a fim de compreendermos e verificarmos nós mesmos êstes assuntos, em vez de nos contentarmos com as experiências daqueles que declaram já saber tudo? Tentarei responder a esta pergunta nas páginas seguintes, fazendo por mostrar aos que são realmente sinceros, quais as primeiras medidas práticas a tomar. É claro que estas medidas devem aplicar-se a uma vida, cuja regiões moral, intelectual e espiritual serão igualmente submetidas a uma educação sistemática; pois é evidente que o tratamento exclusivo do corpo não basta para tornar o homem um visionário ou um santo. Por outro lado, o nosso dever é, indubitàvelmente, submeter o corpo a uma certa preparação, visto que êle constitui um instrumento indispensável para nos orientarmos em direção ao verdadeiro Caminho. Se nos ocuparmos somente do corpo, nunca alcançaremos as alturas a que aspiramos, mas também, se o votarmos ao desprêzo, do mesmo modo nos será impossível galgar essas alturas. Os corpos em que o homem tem de viver e trabalhar são os seus instrumentos.
Devemos compreender, antes de mais nada, que nós não fomos feitos para o corpo, mas sim o corpo para nós; devemos utilizar-nos dêle, mas não devemos, de modo nenhum, prestar-nos a servi-lo. O corpo é um instrumento que tem de ser purificado, aperfeiçoado, moldado numa forma própria e constituído pelos elementos mais aptos a torná-lo o instrumento dos mais sublimes desígnios do homem no plano físico. Tudo quanto se fizer com êsse objetivo em vista, deve ser alvo de maior interêsse e incitamento; do mesmo modo se deve evitar tudo quanto lhe fôr contrário. Os desejos que o corpo manifesta, os hábitos que contraiu no passado, nada disso tem importância; o corpo é nosso servo, deve submeter-se aos nossos desejos; se lhe permitimos que se apodere das rédeas, se nos deixamos guiar por êle, em vez de o governarmos nós, então está tudo perdido; o fim que nos propúnhamos atingir, o objetivo da vida inteira acha-se invertido e tôda a espécie de progresso se torna inteiramente impossível. É êste o ponto de partida para todo aquêle que fôr sincero. A própria natureza do corpo físico faz dêle uma coisa fácil de se transformar num servo ou num instrumento. Possui certas particularidades que nos ajuda a desenvolvê-lo, a guiá-lo e a amoldá-lo, segundo o nosso desejo. Uma dessas particularidades consiste na sua prontidão em seguir uma certa linha de conduta, logo que a ela tenha sido habituado, trabalhando para isso com o mesmo afã e o mesmo gôsto com que antes se dedicara a outra tarefa muito diferente. Se o corpo adquiriu qualquer mau hábito, oporá indubitàvelmente uma resistência tenaz a tôdas as tentativas para modificar êsse hábito; porém, se o forçarmos a ceder, se fôr vencido o obstáculo com que nos embarga o caminho, se o homem obrigar a agir segundo o seu desejo, não tardará muito que o corpo se conforme espontâneamente a um nôvo hábito que o homem lhe imponha, enveredando para bom o caminho com a mesma complacência com que enveredara para o mau.
Ocupemo-nos agora do corpo denso, que podemos chamar, dum modo geral, a parte visível do corpo físico, embora os elementos gasosos não sejam visíveis ao olhar físico destreinado. Constitui o traje mais exterior do homem, a sua manifestação menos elevada,a expressão mais limitada e mais imperfeita do Ego.
O CORPO DENSO. – É, forçoso ocuparmo-nos longamente da constituição do corpo, a fim de compreendermos a maneira de nos assenhorearmos dêle para o purificar e educar.
Em primeiro lugar tomemos em consideração duas espécies de funções, das quais umas se acham submetidas à vontade, sendo as outras, pelo contrário, geralmente independentes.
Ambas funcionam por meio de vários sistemas nervosos. Um dêles é o "Grande Simpático", como vulgarmente lhe chamam; é composto dos nervos involuntários e preside às funções do corpo, estando encarregado de manter a vida habitual, isto é: a contração e expansão dos pulmões, as pulsações do coração, os movimentos do aparelho digestivo, etc. Em tempos remotos, durante o longo passado de evolução física, quando os nossos corpos se achavam em pleno processo de desenvolvimento, êste sistema obedecia à autoridade do animal em cujo poder se encontrava. Porém, a pouco e pouco principiou a trabalhar automàticamente, emancipou-se do poderio da vontade, tornou-se quase independente e continuou a desempenhar tôdas as funções vitais normais do corpo. Enquanto o homem goza de saúde, estas funções passam-lhe despercebidas; sabe que respira quando qualquer opressão lhe corta momentâneamente a respiração; sabe que o coração trabalha, quando as pulsações são violentas e irregulares; mas se tudo funcionar normalmente, não dá por nada. Contudo pode-se subjugar o sistema nervoso simpático pela vontade, graças a uma prática demorada e dolorosa; há uma classe de iogues na Índia – chamados da Hata-Ioga – que desenvolve extraordinàriamente êste poder, com o fim de estimular as faculdades psíquicas inferiores. Estas faculdades podem-se desenvolver só pela ação direta do corpo físico, pondo completamente de parte a evolução espiritual, moral ou intelectual. O hata-iogue habitua-se a reprimir a respiração, a ponto de a suspender por largo espaço de tempo; aprende a regular as pulsações do coração segundo a sua vontade, acelerando ou retardando a circulação e produzindo assim um estado de êxtase que tem por resultado libertar o corpo astral. Esta prática não é para aconselhar; mas em todo o caso serve de lição às nações ocidentais, que tão fàcilmente reconhecem o jugo imperioso do corpo, para que fiquem sabendo que o homem pode dominar inteiramente essas funções, automáticas no estado normal, e que milhares de homens se submetem de livre vontade a uma disciplina demorada e dolorosíssima, a fim de se libertarem da prisão do carpo físico, conseguindo viver, embora a animação do corpo esteja suspensa.
Esta prática é, na verdade, pouco recomendável, mas, pelo menos, os homens que a seguem tomam-se a si mesmos a sério e deixam de ser, por algum tempo, escravos dos sentidos.
Em segundo lugar, temos o sistema nervoso voluntário, muito mais importante relativamente aos nossos desígnios mentais. É o grande sistema que serve de instrumento ao pensamento, graças ao qual nos movemos e experimentamos sensações no plano físico.
É constituído pelo áxis cerebrospinal – o cérebro e a medula – do qual se ramificam para tôdas as partes do corpo filamentos de substância nervosa. Êstes filamentos são os nervos motores e sensitivos; os primeiros dirigem-se do centro para a periferia e os segundos da periferia para o centro. Os filamentos nervosos afluem de tôdas as partes do corpo,juntam-se em feixes e vão em seguida unir-se à medula espinal cuja substância fibrosa externa é por êles constituída. Daí continuam a sua marcha ascensional a fim de se expandirem e ramificarem ao cérebro, centro de tôdas as sensações e de todos os movimentos intencionais, submetidos ao domínio da vontade. Tal é o sistema graças ao qual o homem exprime a sua vontade e a sua consciência; é lícito pois dizer que estas faculdades residem no cérebro. O homem não pode fazer nada no plano físico sem se servir do cérebro e do sistema nervoso; se êstes aparelhos se danificam, logo o homem se vê na impossibilidade de se exprimir com método. É justamente neste fato que o materialismo baseia a sua conhecida objeção: o pensamento depende da atividade cerebral e varia com esta atividade. Realmente, se, como os materialistas, nos ocuparmos só do plano físico, temos de concordar que o pensamento e a atividade cerebral variam conjuntamente; é mister empregarmos fôrças de outro plano, do plano astral, para demonstrar que o pensamento não resulta da atividade nervosa.
O homem, cujo cérebro sofria a influência perniciosa duma doença, dum acidente ou duma droga qualquer, já não pode exprimir sistemàticamente o seu pensamento no plano físico.
O materialista também nos mostrará que certas enfermidades produzem um efeito especial no pensamento. Há, por exemplo, uma doença muito rara, a afasia, que destrói determinada parte do tecido cerebral, perto do ouvido, o que resulta na perda total da memória das palavras. Se se fizer uma pergunta a uma pessoa que sofra desta doença, não se obterá resposta, porque isso lhe é totalmente impossível; se se lhe perguntar como se chama, conservar-se-á muda; porém se se lhe pronunciar o nome, logo mostrará que o reconhece; se se lhe fizer qualquer leitura, dará sinais da aprovação ou dissentimento; consegue portanto pensar, mas não consegue falar. Parece que aquela parte do cérebro que desapareceu estava ligada à memória física das palavras e devido à sua falta, o homem, no plano físico, perde a memória das palavras, e emudece, embora simultâ- neamente conserve o poder de pensar e a faculdade de concordar com qualquer proposta que lhe fazem, ou, não lhe agradando, de mostrar o seu dissentimento. É claro que o argumento materialista cai por terra, assim que o homem se liberta do seu instrumento cheio de imperfeições; então é-lhe permitido manifestar o seu poder, para logo o perder novamente, quando só tiver à sua disposição os meios físicos de expressão. Seja como fôr, a importância desta discussão, relativamente às nossas pesquisas atuais, não consiste no valor, maior ou menor do homem se ver limitado, na sua expressão sôbre o plano físico, pelas faculdades do seu instrumento físico – instrumento que é suscetível de ser influenciado pelos agentes físicos. Se, como acabamos de ver, êstes agentes o podem prejudicar, também é certo que o poderão aperfeiçoar. Esta consideração terá para nós uma importância capital.
Como tôdas as outras partes do corpo, êstes sistemas nervosos são constituídos por células, pequeninos corpos, bem definidos, formados por uma substância interna rodeada duma parede externa, visíveis ao microscópio e modificados segundo as suas diversas funções; estas células, por sua vez, compõem-se de pequenas moléculas, as quais são formadas de átomos. Cada um dêstes átomos constitui para o químico a última partícula indivisível dum elemento químico. Êstes átomos químicos combinam-se de inúmeras maneiras para formar os gases, os líquidos e os sólidos do corpo denso. Para o teósofo, cada átomo químico constitui um ser vivo, capaz de viver uma vida independente e cada combinação dêstes átomos num ser mais complexo constitui novamente um ser vivo. Cada célula tem também vida própria e todos êstes átomos químicos, tôdas estas moléculas e células se ligam para formar um "todo" orgânico, um corpo, que serve de veículo a uma forma muito mais elevada de consciência, um estado, enfim, que êstes sêres rudimentares nunca conheceram nas suas existências separadas. Ora, as partículas de que êstes corpos se compõem andam em constante vaivém, visto serem agregados de átomos químicos tão minúsculos que não são visíveis a ôlho nu, embora muitos se possam distinguir ao microscópio. Uma gôta de sangue, vista ao microscópio, aparece-nos animada duma vida cheia de intensidade. É um pequeno mundo de corpúsculos vivos, brancos e vermelhos. Os brancos assemelham-se muito, pela sua estrutura e atividade, a amebas vulgares. Acompanhando certas doenças vêem-se micróbios, bacilos de várias espécies.
Os sábios dizem-nos que existem em nossos corpos micróbios amigos e inimigos: uns prejudicam-nos, outros precipitam-se sôbre êsses e exterminam-nos, devorando vorazmente todos os nocivos intrusos, e tôda a matéria afetada. Há micróbios vindos do exterior que nos assaltam e devastam os nossos corpos com todos os horrores da doença; há outros, porém, que velam pela nossa saúde, e assim, por êste processo renovam-se incessantemente os materiais que constituem o nosso traje corpóreo. Fazem parte do nosso corpo por algum tempo, depois abandonam-no para entrar noutros corpos, dando lugar a uma troca contínua, a um constante vaivém.
A grande maioria da humanidade quase desconhece êstes fatos, ou, se os conhece, não lhes liga importância. E contudo, é nestes fatos que se baseia a possibilidade da purificação do corpo denso, tornando-o assim um veículo mais digno do seu dono. O homem vulgar dá tôda a liberdade ao corpo para se edificar ao acaso, com a ajuda dos materiais de que dispõe; a natureza dêsses materiais é-lhe indiferente; se correspondem aos seus desejos está satisfeito e não lhe importa saber se constituem uma morada pura e nobre para o "Ego", que é o homem verdadeiro e cuja vida é eterna. Não exerce nenhuma vigilância sôbre estas partículas errantes; nem as escolhe, nem as rejeita; procede como qualquer pedreiro negligente que lança mão de tôda a casta de sucata para edificar a sua casa; tudo serve a êsse pedreiro: farrapos de lã, lama, aparas, areia, pregos, imundícies de tôda a qualidade. Numa palavra, o homem vulgar edifica o seu corpo sem a mais pequena noção do que está fazendo. Depreende-se portanto que a purificação do corpo grosseiro deve consistir num processo de seleção das partículas que deixarem entrar na sua constituição; o homem deve introduzir nêle, sob a forma de alimento, os elementos constituintes mais puros que conseguir obter, rejeitando simultâneamente tudo quanto fôr impuro e grosseiro.
O homem sabe que as partículas que entraram na composição do seu corpo, durante o tempo em que viveu indiferente, desaparecerão gradualmente no espaço de sete anos (processo que pode ser consideràvelmente acelerado) e portanto resolve-se a nunca mais admitir a entrada de elementos impuros.
À medida que aumenta o número de elementos puros, vai-se formando no seu corpo um exército de defensores que se encarregam de destruir tôdas as partículas nocivas que o atacam, vindas do exterior, ou que nêle penetram sem o seu consentimento. E, pelo exercício duma vontade ativa de conservar a pureza do corpo, ainda mais a protegerá, pois essa vontade atuando como uma fôrça magnética, afasta implacàvelmente todas as criaturas imundas que de bom grado lá entrariam, e defende-o assim contra tôdas as incursões, a que estará sujeito enquanto viver numa atmosfera impregnada de todo o tipo de vicissitudes e impurezas.
O primeiro passo que o homem dá para a prática da ioga, consiste nesta purificação do corpo, neste desejo de o tornar um instrumento digno de Ego. Deve dar êsse passo na vida presente ou em qualquer outra vida, antes de fazer gravemente a seguinte pergunta:
"De que maneira poderei eu próprio verificar as verdades da Teosofia?" Tôda a verificação pessoal de fatos superfísicos depende da completa sujeição do corpo humano ao seu soberano, o homem; êste é que deve proceder à verificação, porém êsse trabalho é-lhe impossível enquanto o corpo fôr impuro ou lhe servir de prisão. Há homens que adquiriram noutras vidas mais disciplinadas certas faculdades psíquicas parcialmente desenvolvidas,que agora se manifestam, apesar das circunstâncias desfavoráveis; pois bem, essas faculdades de nada lhe servirão enquanto residir no corpo físico, se êsse corpo fôr impuro, porque, nesse estado deformará o exercício das faculdades obtido por seu intermédio, tornando tôdas as informações pouco dignas de confiança.
Suponhamos agora que o homem se decida deliberadamente a ter um corpo puro. De duas uma: ou se aproveita da circunstância de o seu corpo sofrer uma mudança completa em sete anos ou prefere seguir o atalho mais curto e difícil que ocasiona uma mudança mais rápida. Em qualquer dos casos deve principiar a escolher imediatamente os materiais com os quais o nôvo corpo puro será construído, e uma das primeiras coisas em que deve pensar é na dieta. Tratará logo de excluir do seu alimento tôdas as coisas que ameaçam fornecer ao corpo partículas impuras e corruptas. Abolirá o álcool e todo o licor de que êle faça parte, visto introduzir no corpo físico micróbios extremamente impuros, verdadeiros produtos de decomposição. Êstes micróbios, além de nocivos, só por si, também se tornam perigosíssimos pelo fato de atraírem para o corpo de que fazem parte, certos habitantes fisicamente invisíveis do plano imediatamente superior, cuja irrupção no corpo seria imensamente desvantajosa. Os que se embriagam, privados pela morte dos seus corpos físicos, não podendo portanto satisfazer a sêde intolerável e inextinguível que os devora, pairam constantemente sôbre os lugares onde se vendem bebidas, envolvendo com os seus olhares sequiosos as pessoas que bebem, e fazendo o possível por penetrar nos corpos das mesmas, a fim de partilharem do prazer baixo e vil que constitui a sua paixão. Se as mulheres habituadas a todos os requintes da delicadeza pudessem ver as criaturas repugnantes que as bafejam com o seu hálito imundo quando sentem prazer embeber, nunca mais cederiam a essa tentação que as põe em contato com sêres absolutamente repelentes, elementais malignos, pensamentos de ébrios revestidos de essência elemental. E, simultâneamente, o corpo físico atrai outras partículas grosseiras, expelidas de corpos de ébrios e de debochados, que andam errantes na atmosfera e que prontamente se infiltram no corpo, tornando-o ainda mais vil e mais grosseiro. Se repararmos nas pessoas que se acham constantemente ocupadas com a manipulação do álcool, fabricando e vendendo vinhos, cervejas e tôda a espécie de licores impuros, veremos fisicamente, que os corpos dessas pessoas se tornaram grosseiros e degradados. Por exemplo,o cervejeiro ou o taberneiro (para não falarmos das pessoas de tôdas as classes sociais que cometem excessos de bebida) mostra claramente o que acontece a todos quantos introduzem êsses elementos perniciosos no corpo. Quanto maior número de partículas absorvem, mais grosseiro êste se lhes vai tornando. E acontece o mesmo a quem se alimenta de carne de mamíferos, de pássaros, de reptis e de peixes, assim como todos os crustáceos e moluscos que se nutrem de cadáveres. Como poderão os corpos assim alimentados ser delicados, sensíveis, bem equilibrados, perfeitamente saudáveis?
Como poderão possuir a fôrça e a sutileza do aço temperado que todo o homem necessita para realizar um trabalho superior? Será preciso enfatizar novamente a lição prática encerrada nos corpos que vivem nesses meios? Observemos o magarefe e o carniceiro.
Os seus corpos parecem porventura instrumentos apropriados para um trabalho de pensamentos elevados ou para a meditação de sublimes verdades espirituais?
E contudo, êsses corpos constituem só o produto consumado das mesmas fôrças que atuam proporcionalmente em tôdas as pessoas a que êles fornecem carnes impuras. O homem que dedica tôda a sua atenção, todos os seus cuidados ao corpo físico, nunca obterá vida espiritual. Mas não há razão nenhuma para se submeter a um corpo impuro. Não há razão nenhuma para permitir que os seus podêres, quer sejam grandes ou pequenos, se deixem tolher, entravar pela imperfeição forçada de semelhante instrumento.
No nosso caminho surge, porém, uma dificuldade que não é para desdenhar. Embora tratemos do corpo com mil cuidados, embora nos recusemos deliberadamente a torná-lo impuro, a nossa vida decorre entre pessoas descuidadas, que em geral desconhecem em absoluto êstes fatos da Natureza. Numa cidade como Londres, ou mesmo em qualquer outra cidade do Ocidente, não podemos passar por uma rua sem que a nossa delicadeza seja ofendida a cada passo. Quanto mais aperfeiçoamos o corpo, mais sutis se tornam os sentidos físicos e portanto maior é o nosso sofrimento, devido precisamente ao caráter grosseiro animal, que impregna a nossa atual civilização. Ao passarmos pelas ruas de grande movimento ou por essas vielas onde a pobreza reina, encontramos a cada passo cervejarias, cujos eflúvios alcoólicos é impossível evitar, assim como açougues e matadouros cujo espetáculo é absolutamente repugnante. De resto, mesmo as ruas que se dizem "respeitáveis" não fazem exceção à regra. É certo que, à medida que a civilização fôr progredindo, várias alterações serão introduzidas, e entre elas a centralização de tôdas essas coisas imundas em bairros especiais, onde só os seus apreciadores as irão procurar. Enquanto aguardamos êsses tempos melhores, vamos respirando e introduzindo no nosso corpo as partículas que dimanam dêsses lugares malditos; contudo, se o corpo fôr puro, não há perigo de germinarem; acontece o mesmo que a um corpo normalmente são que oferece resistência aos micróbios que o invadem. Além disso, existem, como já vimos, exércitos de criaturas vivas que trabalham incessantemente por conservar o sangue puro. Êstes verdadeiros guardas do corpo precipitam-se sôbre tôda e qualquer partícula venenosa que ouse penetrar na cidade dum corpo puro, e exterminam-na sem piedade. Nós é que devemos decidir se preferimos possuir êstes defensores da vida ou se antes desejamos povoar o sangue de piratas que destroem e saqueiam tudo quanto é bom. Se nos recusarmos resolutamente a introduzir elementos impuros no corpo, mais inexpugnáveis nos tornaremos contra os ataques exteriores.
Já aludimos ao automatismo do corpo, que é um escravo do hábito, particularidade esta de que nos podemos aproveitar. Pois bem, se um teósofo, ao dirigir-se a um aspirante desejoso de praticar a ioga, e de ser admitido nos planos superiores da existência, lhe dissesse o seguinte: "Deves principiar imediatamente a purificar o corpo antes de praticar a ioga, pois a verdadeira ioga é tão perigosa para um corpo impuro e indisciplinado, como um fósforo a arder num barril de pólvora"; se, repetimos, o teósofo assim falasse ao aspirante, êste provàvelmente lhe mostraria receio de que a sua saúde sofresse um grande abalo em virtude de semelhante sistema. Ora, para dizer a verdade, o corpo acaba por não se importar com o que lhe dão, contanto que lhe conservem a saúde; em pouco tempo se habitua a qualquer forma de alimento puro e nutritivo. Justamente na sua qualidade de criatura automática, o corpo submete-se prontamente aos desejos do seu dono e não insiste demasiado para obter as coisas que constantemente lhe recusam. Se não prestarem atenção aos seus pedidos de alimentos ordinários e rançosos, não tardará muito que mostre repugnância por êsses mesmos alimentos, antes tão apreciados. Um paladar moderadamente natural mostra aversão pela caça e veação que já se encontram naquele estado de decomposição que os franceses denominam "faisandé"; do mesmo modo um gôsto puro se revolta contra roda a casta de alimentos grosseiros. É claro que se um homem se habituou a alimentar o corpo com coisas imundas, o corpo acaba por exigi-las imperiosamente e o homem sente-se tentado a ceder-lhe; porém, se o homem fôr forte, se não lhe der importância demasiada, se seguir o seu próprio impulso e não o impulso do corpo, talvez fique surpreendido ao descobrir que o corpo lhe obedece e se submete docilmente às suas ordens. Habituar-se-á em pouco tempo a preferir as coisas que o homem lhe dá, mostrando predileção pelos alimentos limpos e repugnância pela comida impura. A fôrça do hábito tanto pode servir de auxílio, como de obstáculo; o corpo apressa-se a ceder quando compreende que o homem é o seu senhor e que está irrevogàvelmente decidido a não permitir que um simples instrumento destinado ao seu serviço o desvie do objetivo que se propôs atingir. Na realidade, não é o corpo, mas sim o Kâma, a natureza do desejo, que é principalmente responsável por todos os desvarios. O corpo adulto acostumou-se a exigir coisas especiais, mas se repararmos numa criança, veremos que o seu corpo não pede espontâneamente as coisas que causam um prazer tão grosseiro aos corpos adultos. A não ser que obedeça à influência nefasta duma hereditariedade perversa, o corpo da criança mostra em geral repugnância pela carne e pelo vinho; são as pessoas adultas que a obrigam a comer carne, são os pais que lhe oferecem um gole de vinho à sobremesa, dizendo-lhe que é para parecer um "homenzinho"; e assim conseguem que a criança, levada pelo seu instinto de imitação e em obediência às ordens dos pais, enverede por mau caminho e adquira êsses hábitos tão perniciosos. Depois, é claro, formam-se gostos impuros, despertam os velhos desejos kâmicos, que podiam ter sido extirpados, e o corpo habituar-se-á gradualmente a exigir as coisas com que o alimentavam. Pois bem, a despeito de todos êstes maus antecedentes, experimentai modificar o corpo, expurgai-o das partículas que só cobiçam impurezas, e vereis como o corpo começará a alterar os seus hábitos, acabando por se revoltar contra o próprio cheiro das coisas que antes tanto apreciava. A grande dificuldade na questão de reforma encontra-se no Kâma e não no corpo. Não vos quereis corrigir, porque se o quisésseis, não vos seria difícil consegui-lo. Dizeis a vós mesmos: "AfinaI, talvez não tenha grande importância; não possuo qualidades psíquicas e ainda estou muito atrasado; o melhor é continuar como antes." Nunca poderemos progredir se não tentarmos atingir as alturas sublimes que se encontram ao nosso alcance, e se permitirmos que a natureza passional intervenha na nossa evolução.
Não vos cansais de dizer: "Como gostaria de possuir a visão astral e de viajar em corpo astral!" mas quando se trata de tomar uma resolução enérgica contra os maus hábitos, preferis um bom jantar. Se oferecessem um premio de um milhão de libras a quem renunciasse durante um ano a todo o alimento impuro, não haveria ninguém que não vencesse tôdas as dificuldades, conseguindo viver sem ingerir nem carne, nem vinho. Porém, quando se lhe oferecem unicamente os tesouros inestimáveis da vida superior, tôdas as dificuldades que se apresentam são absolutamente invencíveis. Se os homens na realidade desejassem o que só fingem desejar, quantas mudanças nos seria dado ver! Mas não; fingem apenas e fingem tão bem, que por fim se convencem da sinceridade das suas intenções e, durante milhares de anos, vêm viver vida após vida sôbre a terra, sem obter o mínimo progresso. Um belo dia, numa das suas vidas, principiam finalmente a admirar- se de se verem sempre no mesmo lugar, ao passo que um outro só no curto período daquela vida avançou com uma rapidez extraordinária, deixando-os a êles muito para trás.
O homem sincero, que é persistente e não perde de vista o seu objetivo, pode dirigir a sua evolução, ao passo que o homem que finge unicamente, está condenado a andar à nora durante uma infinidade de vidas futuras.
Seja como fôr, é nesta purificação do corpo que jaz, senão tôda, pelo menos a parte essencial da preparação para a prática da ioga. E agora deixemos o corpo grosseiro, o veículo inferior da consciência, para nos ocuparmos do duplo etérico.
O DUPLO ETÉRICO. – A Física moderna pretende que tôdas as modificações que se produzem no corpo, quer seja nos músculos, nas células ou nos nervos, são acompanhadas por uma ação elétrica. Ora esta afirmação tem visos de verdade, mesmo quando diga respeito às alterações químicas que se dão continuamente. Têm-se obtido amplas provas disto graças a observações cuidadosamente feitas com galvanômetros delicadíssimos. De cada vez que se produz uma ação elétrica, é absolutamente certa a presença do éter.
A existência de uma corrente constitui portanto uma prova da presença dêste éter que penetra e envolve os corpos; nenhuma partícula de matéria física se acha em contato com outra partícula; tôdas elas estão suspensas num campo de éter. Os homens de Ciência do Ocidente aceitam apenas como hipótese necessária aquilo que o discípulo enfronhado na Ciência oriental constata ser um fato observado e fácil de verificar; porque, na realidade, o éter é tão visível como uma cadeira ou uma mesa, mas só para quem possua o condão de o ver. Como já dissemos, o éter existe em quatro estados, dos quais o mais sutil é formado pelos últimos átomos físicos - não se trata do chamado átomo químico que, na realidade, é um corpo complexo - mas sim do último átomo do plano físico cuja decomposição dará substância astral.
O duplo etérico compõe-se destas quatro espécies de éter que penetram todos os constituintes sólidos, líquidos e gasosos do corpo grosseiro, rodeando cada partícula com um invólucro etérico e apresentando assim um duplicado exato da forma mais grosseira.
Êste duplo etérico é perfeitamente visível à vista educada para êsse fim. Tem uma côr roxo-acinzentada, e a sua textura é fina ou grosseira, conforme fôr a do corpo denso. As quatro espécies de éter fazem parte dêle, do mesmo modo como os sólidos, os líquidos e os gases fazem parte do corpo denso; além disso formam combinações mais sutis ou mais espêssas, absolutamente como acontece com os constituintes mais grosseiros. É importante observarmos que o corpo denso e o seu duplo etérico variam simultâneamente em qualidade. Portanto, quando o aspirante quer purificar o seu corpo denso, deliberada e conscientemente, o duplo etérico purifica-se também, sem que êle tenha a menor consciência disso e sem que para isso desenvolva o menor esfôrço.
Nota:Quando se examinam os corpos inferiores do homem por meio da visão astral, vêem-se o duplo etérico (Linga-Sharîra) e o corpo astral (corpo kâmico), penetrando-se reciprocamente, ao mesmo tempo que penetram no corpo denso. Daqui resultou em tempos certa confusão, que deu lugar a empregarem os nomes Linga Sharîra e corpo astral como sinônimos, servindo êste último também para designar o corpo kâmico ou "corpo de desejo”. Esta terminologia assaz indistinta tem causado muitas perplexidades, porque as funções do corpo kâmico, denominado corpo astral, foram muitas vêzes atribuídas ao duplo etérico, que erradamente chamavam corpo astral. O estudante, é claro,sentia-se incapaz de se libertar sòzinho desta emaranhada rêde de aparentes contradições. Graças a observações cuidadosamente feitas sôbre a formação dêstes dois corpos, é-nos permitido dizer definitivamente que o duplo etérico só se compõe de espécies físicas de éter, e quando se exterioriza, não pode abandonar o plano físico, nem afastar-se do seu duplicado grosseiro. Além disso, é construído segundo o modêlo fornecido pelos Senhores do Carma; em vez de ser trazido pelo Ego, espera-o à nascença, já munido do corpo físico. Quanto ao corpo astral ou kâmico, o "corpo de desejo", compõe-se Unicamente de matéria astral; quando se separa do corpo físico, pode percorrer livremente o plano astral e nesse plano constitui o veiculo apropriado do Ego. O Ego faz-se acompanhar dêle, quando volta a reencarnar-se. Devido a estas circunstâncias e a fim de evitar confusões, achamos preferível denominar o primeiro dos corpos: duplo etérico e o segundo:corpo astral.
É graças ao duplo etérico que a fôrça vital, Prana, percorre os nervos do corpo, permitindo-lhes que transmitam fôrça motriz e sensibilidade às impressões externas. Os podêres do pensamento, do movimento e da sensibilidade não residem na substância nervosa física ou etérica; constituem atividades do Ego, que operam nos seus corpos mais internos, e a sua expressão no plano físico torna-se possível graças ao "sôpro de vida" que percorre os filamentos nervosos e envolve as células nervosas. Porque Prana, o "sôpro de vida", é a energia ativa do Ego, segundo nos dizem os ensinamentos de Shri Sankarâ- chârya, As funções do duplo etérico consistem em servir de intermediário físico para a manifestação desta energia. É êste o motivo por que muitas vêzes o denominam na nossa literatura "veículo de Prana".
Será bom notar que o duplo etérico mostra uma sensibilidade mui particular pelas substâncias voláteis que entram na composição das bebidas alcoólicas.
FENÔMENOS RELATIVOS AO CORPO FÍSICO. – Quando uma pessoa "adormece", o Ego abandona sutilmente o corpo físico, deixando-o entregue ao sono reparador, que lhe faz recuperar as fôrças para o trabalho do dia seguinte. O corpo denso e o seu duplo etérico ficam pois à mercê das suas próprias tendências e das influências que infalivelmente atraem a si pela sua constituição e pelos seus hábitos. Formam-se correntes de formaspensamentos dimanando do mundo astral, duma natureza congruente com as formaspensamentos criadas ou abrigadas pelo Ego na vida diária; estas correntes atravessam os cérebros denso e etérico e, confundindo-se com as repetições automáticas das vibrações engendradas pelo Ego no estado de vigília, causam os sonhos entrecortados e caóticos que sobrevêm a quase tôda a gente.
Estas imagens sem conexão são instrutivas, pois mostram o trabalho do corpo físico quando entregue a si próprio; êste só consegue reproduzir fragmentos das vibrações passadas, absolutamente destituídas de ordem ou coerência; adapta-os uns aos outros, conforme vêm surgindo, sem se importar com o todo grotesco e absurdo que daí resulta; o cérebro físico contenta-se com uma fantasmagoria caleidoscópica de formas e côres, que nem ao menos possui a regularidade das lentes do caleidoscópio. Olhados desta forma, o cérebro denso e o etérico, vê-se à primeira vista não serem de modo nenhum os criadores do pensamento, mas sim os seus instrumentos, e para demonstrar basta ver o desconexo das suas criações, quando entregues a si próprios.
Durante o sono, o Ego pensador abandona êstes dois corpos, ou antes, êste corpo com as suas duas partes juntas, uma visível e outra invisível, deixando-as uma com a outra. Quando sobrevém a morte, também o abandona, desta vez definitivamente, mas agora arrastando consigo o duplo etérico que, ao separar-se do corpo, lhe rouba o sôpro de vida e o inibe para sempre de funcionar como um "todo" orgânico. Em seguida o Ego liberta-se por sua vez do duplo etérico, pois, como já sabemos, êste não pode passar para o plano astral, e deixa-o entregue ao processo de desintegração em companhia do sócio que fielmente o acompanhou tôda a vida. Êste duplo etérico aparece às vêzes às pessoas conhecidas e amigas imediatamente após a morte, mas nunca a grande distáncia do cadáver. Além disso mostra-se, é claro, pouco consciente, não falando e contentando-se com a "manifestação" da sua presença. Por sua substância física, é relativamente fácil vê-lo; basta uma ligeira tensão do sistema nervoso para conceder à vista o grau de acuidade necessária para o distinguir. É ainda ao duplo etérico que se devem as aparições de espectros nos cemitérios, pois costuma pousar sôbre o túmulo onde jaz o seu companheiro físico e torna-se mais visível do que os corpos astrais, pela razão já acima mencionada. Como se vê, mesmo na morte só um espaço insignificante separa estas duas partes do corpo físico.
No homem normal esta separação só se dá por ocasião da morte, mas certas pessoas anormais pertencentes à classe dos "médiuns" são sujeitas, mesmo em vida, a uma divisão parcial do corpo físico. Constitui isto um fenômeno perigoso, que produz uma grande fadiga a graves perturbações nervosas, mas que felizmente é bastante raro. Quando o duplo etérico se exterioriza, tem de se dividir a si mesmo em duas partes; não se pode separar completamente do corpo grosseiro sem causar a morte dêste, visto que a sua presença é necessária para a circulação das correntes do "sôpro da vida". Mesmo a separação parcial do duplo etérico é suficiente para mergulhar o corpo denso num estado letárgico, suspendendo quase por completo as atividades vitais; à reunião das partes separadas segue-se uma extraordinária prostração, e enquanto o estado normal se não restabelece em absoluto, o médium corre perigo de morte. Em geral, os fenômenos que se dão em presença dos médiuns não se relacionam com esta exteriorização do duplo etérico; contudo, há casos que se têm distinguido pelo caráter muito especial das materializações produzidas, e que mostram essa particularidade. Mr. Eglinton, segundo me disseram, apresentava em alto grau êste curioso fenômeno de separação física; via-se o seu duplo etérico escoando-se pelo lado esquerdo, ao passo que o corpo denso se contraía visivelmente.
Observou-se o mesmo fenômeno com Mr. Husk, cujo corpo denso diminuiu a tal ponto que nem enchia a roupa. Uma das vêzes, o corpo de Mr. Eglinton ficou tão reduzido que uma forma materializada pegou nêle e o aproximou das pessoas presentes, a fim de o examinarem. Constitui êste um dos casos raros em que o médium e a forma materializada tenham sido ambos visíveis, com iluminação suficiente para poderem ser examina-dos, A redução do médium parece indicar o deslocamento duma parte da substância grosseira "ponderável" do corpo (provàvelmente uma parte dos elementos líquidos). Contudo, ao meu conhecimento direto ainda não chegaram nenhumas observações feitas a êste respeito, o que me impossibilita de fazer afirmações categóricas. O que é certo é que esta exteriorização parcial do duplo etérico tem como conseqüências graves perturbações nervosas a que nenhuma pessoa sensata se deve arriscar, caso tenha a infelicidade de ter propensão para isso.
Acabamos de estudar sucessivamente a parte densa e a parte etérica do corpo físico,dêsse vestuário que o Ego deve usar para realizar o seu trabalho no plano físico, dessa morada que tanto se pode prestar a ser o seu atelier para o trabalho físico, como o seu cárcere de que só a morte possui a chave. Já sabemos o que devemos possuir e o que podemos tentar obter gradualmente, isto é, um corpo perfeitamente forte e saudável, ao mesmo tempo aperfeiçoado, sensível e dotado duma organização delicada. Uma das primeiras condições é ser saudável; no Oriente não se pode ser admitido como discípulo, quando se não é saudável, pois tudo quanto é doentio no corpo torna-o impróprio a servir de instrumento ao Ego; além disso, perturba e deforma tanto as impressões recebidas de fora como as impulsões dimanadas de dentro. As atividades do Ego ficam entravadas quando o seu instrumento se acha fatigado ou forçado pela falta de saúde. Devemos portanto construir um corpo saudável, aperfeiçoado, sensível, com uma organização delicada,que repila automàticamente tôdas as influências malignas, que acolha espontâneamente tudo quanto fôr bom. Para construir, devemos escolher em volta de nós tôdas as coisas que sirvam para êsse fim; trabalharemos com paciência e persistência, pois já sabemos que essa tarefa só pode ser levada a cabo gradualmente, sem pressas.
Quando os nossos esforços principiarem a lograr algum êxito, sentiremos nascer em nós tôda a espécie de podêres de percepção que antes não possuíamos. Ver-nos-emos dotados duma extrema sensibilidade auditiva e visual; ser-nos-á dado ouvir harmonias mais belas, mais profundas, ver cambiantes mais suaves, mais delicados. O pintor educa a vista a fim de ver sutilezas de côr invisíveis ao olhar profano; o músico educa o ouvido a fim de distinguir tonalidades tenuíssimas que o ouvido vulgar é incapaz de atingir; do mesmo modo nós podemos educar os nossos corpos a fim de os tornar sensíveis a essas vibrações mais delicadas, que os homens vulgares desconhecem em absoluto. É claro que não faltarão as impressões desagradáveis, porque o mundo em que vivemos sofre a influência grosseira e bestializadora da humanidade que nêle reside; mas por outro lado ser-nos-ão reveladas belezas que nos compensarão amplamente de tôdas as dificuldades que se nos apresentam e que devemos vencer. Esta labuta constante não deve obedecer ao propósito de possuirmos êstes corpos para satisfazer a nossa vaidade ou o nosso prazer; devemos possuí-los, sim, para os empregar em serviços mais vastos, em dedicações mais poderosas. Transformá-los-emos em instrumentos mais efetivos para auxiliar o progresso da humanidade, e portanto mais adequados para cooperar na tarefa de ativar a evolução humana; tarefa que pertence aos nossos grandes Mestres e para a qual nós temos o insigne privilégio de contribuir.
Até agora, nesta primeira parte do nosso estudo, temo-nos ocupado unicamente do plano físico; devemo-nos porém convencer que êste estudo também tem certa importância, pois o veículo mais humilde da nossa consciência necessita a nossa atenção e recompensar-nos-á pelo nosso cuidado. As nossas cidades, o nosso país, tornar-se-ão melhores,mais limpos, mais belos, quando êste conhecimento se tiver generalizado, quando fôr aceito, não só como uma probabilidade intelectualmente admitida, mas como uma lei a aplicar-se à vida quotidiana.