sexta-feira, 5 de maio de 2023

Fernando Pessoa e a Astrologia


A Astrologia nos 12 Poemas de Mar Português de Fernando Pessoa


Que as forças cegas se domem

Pela visão que a alma tem!


Algumas Sincronicidades


Fernando Pessoa, autor destes poemas e Vitorino de Sousa, que os interpretou astrologicamente, nasceram, ambos, sobre o signo de Gêmeos.


Considerando que este signo zodiacal é representado pelo mito dos dois irmãos gêmeos Castor e Pólux, lê-se o seguinte no livro A Mitologia, de Edith Hamilton: “(…) Havia dois irmãos muito célebres e populares, CASTOR e PÓLUX, que, segundo consta na maior parte das histórias, viviam metade do tempo na Terra e a outra metade no Céu. Eram filhos de Leda, e são considerados habitualmente deuses protetores dos marinheiros”.


Portanto, quem melhor do que estes dois gêmeos poderiam “proteger” este trabalho sobre os grandes marinheiros portugueses, elaborado pelo geminiano Fernando Pessoa e comentado pelo geminiano Vitorino de Sousa?


Poema I

Áries – O Infante


Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.

Deus quis que a terra fosse toda uma,

Que o mar unisse, já não separasse.

Sagrou-te, e foste desvendando a espuma.

E a orla branca foi de ilha em continente,

Clareou, correndo, até ao fim do mundo,

E viu-se a terra inteira, de repente,

Surgir, redonda, do azul profundo.

Quem te sagrou criou-te português.

Do mar e nós em ti nos deu sinal.

Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez.

Senhor, falta cumprir-se Portugal!


Como facilmente reconhecerás, o título deste primeiro poema refere-se, evidentemente, ao infante D. Henrique (1394 – 1460), o grande obreiro dos Descobrimentos Portugueses. Ele foi o pioneiro dessa aventura, o homem destemido e indomável que se propôs iniciar a concretização desse projeto que abriu «novos mundos ao mundo».


Infante significa «filho do rei» (D. João I). Vamos encontrar este mesmo termo (Filho) na trilogia cristã, posicionado entre o Pai e o Espírito Santo; da mesma forma, também este conjunto de 12 poemas está posicionado, no livro Mensagem, entre a primeira parte (Brasão) e a terceira (O Encoberto).


É interessante verificar que, se puseres em paralelo a trilogia cristã e os três capítulos de Mensagem, encontras as seguintes correspondências:


1 – Deus – «Brasão»

2 – Filho – «Mar Português»

3 – Espírito Santo – «O Encoberto»


Apesar das acepções de «Brasão» e de «O Encoberto» utilizadas no contexto do livro, é caso para perguntar:


1 – O que é Deus senão um «Brasão», um símbolo da verdadeira Nobreza?

2 – O que é «Mar Português» senão o «filho» dileto dos feitos da nação portuguesa?

3 – E o Espírito Santo? Enquanto veículo do Amor de Cristo, não tem andado «encoberto»?


Esta noção de trilogia está bem patente, também, no fato de este poema ter três quadras.

Finalmente, logo no primeiro verso;

Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.


Fernando Pessoa refere as três condições que intervêm na Manifestação, o último estágio da progressiva densificação da energia.


Igualmente, quando ouves referir Deus, também três ideias, pelo menos, devem ocorrer imediatamente na tua mente:


1 – Criação

2 – Compaixão

3 – Fogo Criador


Quanto à primeira ideia – Criação – decerto te ocorrerá fazer, outra vez, aquela velhíssima pergunta que todos os humanos, desde sempre, não se cansam de repetir: Quem é o Autor da Criação?


Cada vez que, ao longo dos séculos, reformulaste esta questão, pretendias, evidentemente, recolher uma resposta. Mas quando, nos primórdios do Tempo, colocaste esta questão pela primeira vez, recebeste como resposta o Silêncio Absoluto. Na altura, deves ter interpretado que ninguém te respondeu. Talvez por isso, tens vindo a repetir a mesma pergunta milhões de vezes.


Esqueces-te, todavia, que aquele Silêncio Absoluto que recebeste do Alto como resposta significou então, e significa agora, que nada se pode dizer acerca do Criador!


Só um mortal, do alto da sua magnífica ignorância, poderá imitir uma definição sobre o Autor a Criação. Porém, tal coisa só prova que não pode estar a falar Dele; quanto muito estará a falar da sua concepção pessoal acerca do assunto.


Por conseguinte, todas essas concepções pessoais não definem, nem podem definir a Divindade; limitam-se a criar a confusão. E como a confusão é, evidentemente, o resultado da ausência de Luz – que é clareza – resulta que todo este processo se transforma num tremendo equívoco, num círculo vicioso, numa impossibilidade, enfim, num entretenimento intelectual.


Portanto, se me permites, poderias colocar a questão doutra maneira: como é que o corpo mental concreto (função do terceiro chacra, plexo solar) poderá ser capaz de definir «Deus» (função do sétimo chakra, coronal), se até mesmo nas decisões mais comezinhas ele é incapaz de escolher no sentido de servir a alma?


Aquilo a que chamas «Deus» é sinônimo de Sabedoria e, por isso, não pode ser encontrado com a mente excitada pelo impulso de fazer perguntas.


É por isso que, quem sabe, não pergunta, limita-se a saber e a estender essa Sabedoria!


Mais: quem vive significativamente não concebe Sabedoria sem Amor.


É por isso que, quem ama não faz perguntas; limita-se a amar e a estender esse Amor!


Quanto à segunda ideia suscitada pelo conceito de Deus – Compaixão – convém esclarecer o que é o verdadeiro sentimento da compaixão: sentir compaixão é ser capaz de reconhecer o Espírito por detrás de todos os corpos/ego, quer eles sejam bonitos ou feios, de raça branca ou negra amarela, homens ou mulheres, etc. Por outras palavras, ver o verdadeiro Ser por detrás das aparências físicas, das particularidades de caráter, dos atributos da personalidade, da constituição do ego, etc. Ao contrário do que julgas, compaixão não é «ter pena de».


Quanto à terceira ideia suscitada pelo conceito de Deus – Fogo Criador – verificamos que o Fogo é o Elemento de Áries, o 1º signo do Zodíaco, ao qual este primeiro poema está, naturalmente, associado. O segundo verso da primeira estrofe;


Deus quis que a terra fosse toda uma,


expressa perfeitamente esta ideia de Deus como fonte da Vontade (quis) que está ligada ao Fogo Criador. Por seu turno, o verso seguinte;


Que o mar unisse, já não separasse.


ao referir o mar, orienta-se para o arquétipo de Peixes- o signo anterior a Áries- o qual é regido por Netuno, o Senhor dos Oceanos e dos Mares.


Esta menção ao encerramento do ciclo zodiacal que o transforma numa unidade, é uma referência clara à ideia de que Fogo Criador de Deus bafeja todas as coisas.


A propósito da sequência dos signos, convém dizer o seguinte: os 12 arquétipos zodiacais não são compartimentos estanques, alinhados numa sequência aleatória; cada um deles, apesar da sua identidade própria, é, simultaneamente, um modelo bem definido e uma resposta ao signo anterior. Tanto assim que a sua polaridade e gênero se vão alternando.


Se o DNA é o código da vida no plano físico, o Zodíaco é o código da vida no plano simbólico.


Por conseguinte, Peixes, o último signo do Zodíaco, une e integra em si todos os antecedentes. Com esta síntese, encerra um ciclo e abre outro; tal como a audácia do Infante D. Henrique em aventurar-se (Áries) nos Descobrimentos dos Mares (Peixes) fechou um ciclo da História de Portugal – caracterizado pela fundação da nacionalidade e subsequente conquista e estabelecimento das fronteiras terrestres – e abriu outro. Este novo ciclo iria cumprir-se através, já não da criação de uma nacionalidade, mas sim da universalidade; já não através da conquista de fronteiras terrestres, mas sim de «fronteiras» marítimas…se é que podem pôr-se fronteiras numa coisa que é global por natureza!


É curioso notar que a última palavra da primeira quadra;


Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.

Deus quis que a terra fosse toda uma,

Que o mar unisse, já não separasse.

Sagrou-te, e foste desvendando a espuma.


remete para o mito de Afrodite, a que nasceu da espuma do mar.


Afrodite é uma deusa do Panteão Grego a quem os romanos chamavam Vénus. Ora, Vénus é o regente de Libra, o signo oposto a Carneiro, cujo regente é Marte. Esta oposição zodiacal entre Marte e Vénus representa um desafio de complementaridade, já que, por aqui, estas duas entidades já foram casadas.


Ao escrever O Infante, Fernando Pessoa, que era um conhecedor profundo da linguagem astrológica, considerou a forma mais salutar de interpretar o Zodíaco: avaliou cada signo/regente como complementar do seu oposto.


Se não repara: em tudo o que tem um início (Áries), ou representa um início (O Infante), está implícita uma promessa de expansão e de esperança que assentam no entusiasmo, na coragem e na firmeza (Áries). Esta ideia de movimento para frente em direção a algo que o complementa está bem expressa nos primeiros versos da segunda quadra;


E a orla branca foi de ilha em continente,

Clareou, correndo, até ao fim do mundo,


E viu-se a terra inteira, de repente,


Surgir, redonda, do azul profundo.


Se notares, algo isolado – a orla branca – saiu em busca do complemento. Fê-lo correndo até ao fim do mundo. E, como os esforços são sempre recompensados;


E a orla branca foi de ilha em continente,


Clareou, correndo, até ao fim do mundo,


E viu-se a terra inteira, de repente,

Surgir, redonda, do azul profundo.


Ou seja, uma coisa encontrou a outra!


Falta dizer que este desafio do «um» encontrar o «dois» é o propósito profundo do eixo que liga o arquétipo de Carneiro/um/sozinho ao arquétipo de Balança/dois/acompanhado.


Estes dois últimos versos da segunda estrofe reforçam a evidência de que Fernando Pessoa se serviu do código da Astrologia para poetar sobre a saga dos descobridores portugueses.


Aqui, o termo terra inteira haverá de ser entendido, não como a larga paisagem que se apresentava perante o olhar dos navegantes, mas sim como a «visão» que se abria perante eles, uma outra dimensão, superior, não terrena, cheia de possibilidades. Ora, graficamente, o Zodíaco tem uma forma redonda e representa, simbolicamente, a interligação do que está «em cima» com o que está «em baixo», isto é, o relacionamento da vida nesta dimensão com a dimensão superior, não terrena.


Se leres estes itens considerando o enorme impacto que «a missão divina» dos Descobrimentos Marítimos portugueses provocou no mundo do século XV, decerto perceberás por que Fernando Pessoa utiliza a expressão azul profundo neste contexto.


Estou em crer que ele não se referia à cor do mar. Profundo como era, o poeta decerto estava a pensar na primeira alínea das atribuições do 5º Raio!


No entanto, e apesar de tudo, a terceira estrofe diz;


Quem te sagrou criou-te português.

Do mar e nós em ti nos deu sinal.

Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez.

Senhor, falta cumprir-se Portugal!


Para terminar esta análise de O Infante, resta chamar-te a atenção para o seguinte: a palavra que inicia (Áries) o poema é:


Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.

E a palavra com que termina é:

Senhor, falta cumprir-se Portugal!


Portanto, a primeira palavra – Deus – remete para Aquele que tudo inicia e onde tudo se inicia; a última palavra – Portugal – remete para um país do último signo, Peixes, aquele onde tudo se acaba no indefinido e no oculto.


Ora, o teu país ficou na História, precisamente, devido à ousadia (Áries, o primeiro) de dar início a uma nova forma de afrontar a vastidão desconhecida, oculta, dos oceanos (Peixes, o último). Fernando Pessoa sustenta esta tese denunciando a vertente divina, oculta, dos Descobrimentos.


Poema II

  Touro – Horizonte


Ó mar anterior a nós, teus medos

Tinham coral e praias e arvoredos.

Desvendadas a noite e a cerração,

As tormentas passadas e o mistério,

Abria em flor o Longe, e o Sul sidério

‘Splendia sobre as naus da iniciação.

Linha severa da longínqua costa –

Quando a nau se aproxima ergue-se a encosta

Em árvores onde o Longe nada tinha;

Mais perto, abre-se a terra em sons e cores:

E, no desembarcar, há aves, flores,

Onde era só, de longe a abstrata linha.

O sonho é ver as formas invisíveis

Da distância imprecisa, e, com sensíveis

Movimentos da esp’rança e da vontade,

Buscar na linha fria do horizonte

A árvore, a praia, a flor, a ave, a fonte –

Os beijos merecidos da Verdade.


O que ressalta imediatamente deste poema é a utilização de termos que referem os elementos típicos da Natureza primaveril do seu planeta quando está no auge da sua criatividade. Ora, estes termos são, exatamente, os mesmos que referem o arquétipo Touro. Este signo astrológico é regido por Vênus, a deusa da Arte, do Amor e da Sedução a qual, naturalmente, expressa os valores taurinos de beleza e de sensualidade.


Para que isto fique mais claro, gostaria de destacar esses termos e as expressões que, em Horizonte, «escondem» a presença dominante de Touro/Vénus:


Ó mar anterior a nós, teus medos

Tinham coral e praias e arvoredos.

Desvendadas a noite e a cerração,

As tormentas passadas e o mistério,

Abria em flor o Longe, e o Sul sidério

‘Splendia sobre as naus da iniciação.

Linha severa da longínqua costa –

Quando a nau se aproxima ergue-se a encosta

Em árvores onde o Longe nada tinha;

Mais perto, abre-se a terra em sons e cores:

E, no desembarcar, há aves, flores,

Onde era só, de longe a abstrata linha.

O sonho é ver as formas invisíveis

Da distância imprecisa, e, com sensíveis

Movimentos da esp’rança e da vontade,

Buscar na linha fria do horizonte

A árvore, a praia, a flor, a ave, a fonte –

Os beijos merecidos da Verdade.


De todas estas referências, típicas de uma primavera que desabrocha (Touro/Vénus – Abril/Maio), a mais clara e inequívoca está, sem dúvida, no quinto verso da primeira estrofe:


Abria em flor o Longe, e o Sul sidério


Touro é um signo de Terra. Este Elemento diz respeito às vertentes práticas da vida baseadas na experiência passada (concretização) e à realidade perceptível do presente (evidência). Por ser preservador e conservador, a Terra está pouco interessada no futuro.


Ora, como se pode verificar, a Terra está bem presente neste poema, quer nos termos característicos da sua vertente material e física (aves, flor, árvores, praia, fonte, etc.), quer, precisamente, no sentido das acima citadas concretização (baseada na experiência passada) e evidência (realidade perceptível do presente).


Comecemos pela concretização (baseada na experiência passada): na primeira estrofe, o verbo está no pretérito perfeito (tempo passado):


Ó mar anterior a nós, teus medos

Tinham coral e praias e arvoredos.


Este tempo de conjugação pressupõe que, agora, os medos já «não têm» coral e praias e arvoredos. Logo, a presença do Elemento Terra está em que algo se concretizou no sentido de alterar a definição deles.


Quanto à evidência (realidade perceptível do presente): na segunda estrofe, os verbos estão no presente do indicativo (tempo presente):


Quando a nau se aproxima ergue-se a encosta

Em árvores onde o Longe nada tinha;

Mais perto, abre-se a terra em sons e cores:

E, no desembarcar, há aves, flores,

Onde era só, de longe a abstrata linha.


Portanto, não se pode negar a presença do Elemento Terra em Horizonte: como vimos, a concretização remete para uma realização prática ocorrida, ou baseada, no passado, ao passo que a evidência refere uma objetividade que pode ser provada através da realidade perceptível no presente.


Outra referência clara ao Elemento Terra é o próprio título do poema: Horizonte.


Um horizonte pode ser, evidentemente, apenas uma linha que, aparentemente, assinala o fim do planeta. Porém, para os navegantes portugueses que procuravam novas terras, decerto se refere ao avistamento e posterior alcance de algo sólido, alguma coisa de concreto que se visse, sentisse, tocasse e cheirasse (Terra), alguma coisa que se pudesse possuir e preservar (Touro), alguma coisa que se pudesse fruir, amar e contemplar (Vénus).


Este poema também denota uma presença bem vincada do signo oposto. Neste caso é Escorpião – um arquétipo de mistério, profundidade, noite, breu, transcendência, morte, regeneração, inconsciente profundo, etc.


A terminologia típica deste arquétipo oposto a Touro pode ser encontrada em:


Ó mar anterior a nós, teus medos

Tinham coral e praias e arvoredos.

Desvendadas a noite e a cerração,

As tormentas passadas e o mistério,

Abria em flor o Longe, e o Sul sidério

‘Splendia sobre as naus da iniciação.

Linha severa da longínqua costa –

Quando a nau se aproxima ergue-se a encosta

Em árvores onde o Longe nada tinha;

Mais perto, abre-se a terra em sons e cores:

E, no desembarcar, há aves, flores,

Onde era só, de longe a abstrata linha.

O sonho é ver as formas invisíveis

Da distância imprecisa, e, com sensíveis

Movimentos da esp’rança e da vontade,

Buscar na linha fria do horizonte

A árvore, a praia, a flor, a ave, a fonte –

Os beijos merecidos da Verdade.


Perante isto, será lícito acreditar que Fernando Pessoa decidiu deixar de lado a profundidade dos seus conhecimentos esotéricos, optou por dispensar a maturidade da sua alma e preferiu limitar-se a utilizar, nos seus poemas, termos que constam de qualquer compêndio básico de Astrologia? Fará algum sentido considerar a magistral composição deste poema como uma simples superficialidade inspirada? Será por acaso que Touro e Escorpião estão aqui codificados? Será coincidência? E como comentar o que se passa nos outros poemas?


Fernando Pessoa tinha Ascendente em Escorpião. Esse gosto pela investigação, pelo contato com o oculto e com o enigma forçou-o, evidentemente, a ir bem mais fundo. Toda a sua obra assegura isso mesmo.


É um fato indesmentível que, por detrás da exaltação da bravura da viagem física, externa, dos navegadores (que serve de «pretexto» aos 12 poemas), está a demanda do Gral – a viagem espiritual, interna, o trabalho alquímico, as iniciações, o autoconhecimento, enfim o empenho na tarefa de, progressivamente, ir substituindo a consciência terrena e mundana, por uma outra, divina e transpessoal.


É assim que, em Horizonte, encontrarás expressões e ideias que apontam claramente para os interesses espirituais do poeta. Os dois últimos versos da primeira estrofe são bem explícitos:


Abria em flor o Longe, e o Sul sidério

‘Splendia sobre as naus da iniciação.


Repara que Longe está escrito com letra maiúscula; não refere, portanto, a distância física que separava os navegadores das terras onde pretendiam chegar; é outro tipo de Longe.


Além disto, as naus deixam de ser os veículos da descoberta marítima para passarem a ser os veículos da iniciação.


Outro exemplo de expressões e ideias que apontam claramente no sentido da viagem espiritual, do trabalho alquímico, da iniciação e do autoconhecimento, é toda a terceira estrofe, especialmente o seu início:


O sonho é ver as formas invisíveis

Da distância imprecisa, e, com sensíveis

Movimentos da esp’rança e da vontade,

Buscar na linha fria do horizonte

A árvore, a praia, a flor, a ave, a fonte –

Os beijos merecidos da Verdade.


O que poderão ser estas formas invisíveis da distância imprecisa senão aquelas que o desdobramento da energia do teu ser multidimensional podem assumir na distância imprecisa dos vários planos das distintas dimensões dos diversos Universos?


Qual poderá ser esta Verdade maiúscula senão a da nossa origem cósmica e divina?


Que «lábios» darão estes beijos merecidos da Verdade, senão os do nosso Pai?


Quem os receberá senão a tua alma resgatada?


Se caíres na ingenuidade de pensar que vais sentir esses beijos na pele da tua fronte, suada pelas agruras do Caminho, desilude-te porque, nessa dimensão, não precisas de um corpo físico para nada.


Em termos de expansão da consciência, o objetivo a atingir é, evidentemente, que consigas realizar o sonho de ver, de seres capaz de reconhecer as formas invisíveis da distância imprecisa que estão escondidas no futuro por desvendar. Por outras palavras: tu não acabas no ponto onde termina a consciência que tens acerca de ti mesmo.


Sem entenderes isto, permaneces, é claro, dentro do mistério.


Assim, esta dramática situação impele milhões de pessoas a peregrinar erraticamente em busca de orientação, do sentido e do propósito da existência, o que faz com que o momento de recebimento dos tais beijos merecidos da Verdade vá sendo sistematicamente adiado.


Dito por outras palavras, a pessoa que, há milhares de anos, se entretém com o tão propalado mistério do sentido da vida, há milhares de anos que orienta a sua pesquisa nas seguintes direções:


. O seu local de origem. (De onde venho?);


. A conscientização do grau de evolução que possui (Quem sou eu?);


. A busca do ponto de chegada (Para onde vou?).


Esquece-se, porém, (ou recusa lembrar-se!) que:


. Conhece perfeitamente o local de origem do seu ser, de onde ele vem: vem de outra dimensão, onde deixou a sua matriz perfeita, aquilo que existe para o ajudar a orientar-se neste mundo das formas, desde que solicite e aceite, incondicionalmente, essa ajuda.


. Conhece perfeitamente o grau de evolução que possui, sabe quem é: é um ser multidimensional, um núcleo de consciência superior, incomensurável. É um Filho da Luz que, junto com muitas outras, resolveu experimentar a densificação a sua própria energia para ver como a criatividade da Fonte se manifestaria nesses planos densos. Esta decisão, porém, implicou na descida um espesso véu sobre o conhecimento da Essência; a consequência foi essa espécie de amnésia cósmica que o aflige;


. Conhece perfeitamente o ponto de chegada, sabe para onde irá: irá para outra dimensão, para aquela de onde saiu, temporariamente, para fazer esta experiência. Tal como o filho pródigo, voltará para Casa do Pai, esse estado de paz que lhe pertence por direito e de onde jamais poderá ser expulso.


Portanto, o célebre mistério da Vida não tem mistério nenhum!


Através de tudo isto – e do resto que a tua mente humana não tem como explicar – Fernando Pessoa convida o leitor a refletir acerca da sua condição de estar encarnado neste mundo, embora não seja deste mundo.


Estás aí, na Terra, preso nessa densíssima dimensão, para reconhecer o que está por detrás do véu que tu próprio ajudaste a tecer e permitiste que, no momento do nascimento físico, descesse sobre o Conhecimento Essencial da tua verdadeira Origem. Tu estás aí para, como diz o poeta:


Buscar na linha fria do horizonte

A árvore, a praia, a flor, a ave, a fonte –

Os beijos merecidos da Verdade.


Ou seja, tens de ativar aquele instinto do salmão que faz com que, depois de muitos anos no mar, procure o rio onde nasceu. Portanto, decide sair desse teu mar assustador; ativa o instinto de retorno à Fonte e demanda o Rio de Luz onde nasceste, procura o Rio de Luz que, afinal, és tu.


Quando estiveres em ti, quando recuperares a condição de Tudo, receberás os tais beijos merecidos da Verdade e, finalmente, perceberás que beijas a ti mesmo!


Repetindo o jogo de relacionar as primeiras e as últimas palavras do poema, podes ver em;


Ó mar anterior a nós, teus medos


 uma invocação ao mar ancestral e primordial.


Trata-se desse Oceano da Totalidade onde flutua o Ovo Cósmico, esse mar que, necessariamente, é anterior a nós, na medida em que somos o fruto manifestado da Sua criatividade.


A ternura inerente a essa Fonte volta a aparecer no último verso


Os beijos merecidos da Verdade.


já que o Criador, depois de ter aguardado que completasses a viagem iniciática ao longo de inumeráveis encarnações, recebe-te de volta e permite que te fundas, de novo, com Ele, por forma a Ele e tu sejam Um, como sempre foram e serão.


O Pai beija e, no beijar, unifica.


Poema III

 Gêmeos – Padrão


(13 DE SETEMBRO DE 1918)

O esforço é grande e o homem é pequeno.

Eu, Diogo Cão, navegador, deixei

Este padrão ao pé do areal moreno

E para diante naveguei.

A alma é divina e a obra é imperfeita.

Este padrão sinala ao vento e aos céus

Que, da obra ousada, é minha a parte feita:

O por-fazer é só com Deus.

E ao imenso e possível oceano

Ensinam estas quinas, que aqui vês,

Que o mar com fim será grego ou romano:

O mar sem fim é português.

E a Cruz ao alto diz que o que me há na alma

E faz a febre em mim de navegar

Só encontrará de Deus na eterna calma

O porto sempre por achar.


O aspecto mais interesse deste poema é o fato de ser o único em que o autor – apesar de se identificar com a figura de Diogo Cão – se expressa na primeira pessoa. Esta exceção deve-se, decerto, à circunstância de Padrão corresponder a Gêmeos, o signo natal de Fernando Pessoa (13-6-1888, 15.20 h de Lisboa).


Quando se descreve o signo de Gêmeos costuma referir-se a sua acentuada mutabilidade e dispersão, assim como a tendência para intelectualizar as experiências. Com base nestes parâmetros, veja-se, então, como Fernando Pessoa se definiu a si próprio:


Cumpre-me agora dizer que espécie de homem sou. (…) Toda a constituição do meu espírito é de hesitação e dúvida. Para mim, nada é nem pode ser positivo; todas as coisas oscilam em torno de mim, e eu com elas, incerto para mim próprio. Tudo para mim é incoerência e mutação. Tudo é mistério, e tudo é prenhe de significado. Todas as coisas são «desconhecidas», símbolos do Desconhecido. O resultado é horror, mistério, um medo por demais inteligente. (…) Todo o meu caráter consiste no ódio, no horror e na incapacidade que impregna tudo aquilo que sou, física e mentalmente, para atos decisivos, para pensamentos definidos. Jamais tive uma decisão nascida do autodomínio, jamais traí externamente uma vontade consciente. Os meus escritos, todos eles ficaram por acabar; sempre se interpunham novos pensamentos, extraordinários, inexpulsáveis associações de ideias cujo termo era o infinito. Não posso evitar o ódio que os meus pensamentos têm a acabar seja o que for; uma coisa simples suscita dez mil pensamentos, e destes dez mil pensamentos brotam dez mil inter-associações, e não tenho força de vontade para os eliminar ou deter, nem para os reunir num só pensamento central em que se percam os pormenores sem importância mas a ele associados. (…) O meu caráter é tal que detesto o começo e o fim das coisas, pois são pontos definidos.


De fato, notável! Tu, que adoras definições, poderás investigar os inúmeros compêndios de astrologia disponíveis nas livrarias; contudo, atrevo-me a dizer que dificilmente encontrarás uma descrição que melhor defina o arquétipo Gêmeos.


Em Padrão, mais uma vez, Fernando Pessoa usa as navegações, os marinheiros e as viagens pelos maravilhosos mares ignotos desse planeta para falar da sua «viagem» espiritual. Di-lo, claramente, no primeiro verso da primeira estrofe. Decerto baseado na sabedoria adquirida por via da inevitável renúncia do mundo e das suas vãs glórias, reconhece:


O esforço é grande e o homem é pequeno.

Eu, Diogo Cão, navegador, deixei

Este padrão ao pé do areal moreno

E para diante naveguei.


Porém, destes mesmos versos – que assinalam a propensão geminiana de se movimentar permanentemente para diante – pode tirar-se um outro significado. Vejamos: nesta estrofe, Fernando Pessoa identifica-se com Diogo Cão e confessa-se navegador, o que é uma forma de se reconhecer como um pesquisador peregrino das rotas (Mar, Peixes, Portugal, Espírito) que conduzem à Origem. E, lembrando-se do monumento de pedra (padrão) que os Portugueses erguiam e deixavam nas terras que iam descobrindo, diz:


O esforço é grande e o homem é pequeno.

Eu, Diogo Cão, navegador, deixei

Este padrão ao pé do areal moreno

E para diante naveguei.


Tentemos traduzir:


1-O termo padrão – que, ao dar nome ao poema, reforça a sua regência sobre ele – certamente poderá ser entendido como o próprio trabalho literário do poeta. Este trabalho é essa obra de incrível beleza, originalidade e profundidade que deixou nesse planeta, particularmente o livro, Mensagem, ao qual pertencem estes 12 poemas, cuja análise astrológica te envio desde este “assento etéreo onde subi”, como diria Camões.


2-A expressão – ao pé do areal moreno – é, seguramente, sinônimo das praias desse Portugal à beira mar plantado onde nasceste, as quais se tornaram célebres por terem assistido, durante séculos, à presença angustiada dos seres humanos, principalmente mulheres, que ficavam pregadas no areal, angustiadas e chorosas, olhando o horizonte, depois de terem visto zarpar os seus maridos e filhos.


Um parêntesis: Embora seja matéria do 10º poema (Mar Português) – quiçá o mais belo e conhecido dos 12 que fazem parte deste conjunto – cabe transcrever como Fernando Pessoa expressou este drama, que ainda hoje continua a desenrolar-se no areal moreno de Portugal:


Ó mar salgado, quanto do teu sal

São lágrimas de Portugal!

Por te cruzarmos, quantas mães choraram,

Quantos filhos em vão rezaram!

Quantas noivas ficaram por casar

Para que fosses nosso, ó mar!


3-A expressão – E para diante naveguei – poderá ser interpretada, sem dúvida, como uma forma de Fernando Pessoa dizer que cumpriu a tarefa a que se propusera. Ou seja, escreveu e avisou o que havia para escrever e para avisar. Depois, como convém a qualquer ser humano, não se apegou à sua criação e seguiu para diante, em busca de novas rotas, novas terras, novos portos. Assim se purificou, sabendo que haveria de continuar a evolução noutras dimensões, tendo como objetivo último a Luz Suprema.


E, como se a primeira estrofe não bastasse para confessar o objetivo a que dedicou toda a sua vida, começa a segunda retomando o mote espiritual:


A alma é divina e a obra é imperfeita.

Este padrão sinala ao vento e aos céus

Que, da obra ousada, é minha a parte feita:

O por-fazer é só com Deus.


Quer o poeta dizer, certamente, que os humanos não podem fazer tudo. (Bom, não podem fazer tudo, mas podem fazer muito para que a obra, ainda imperfeita, se torne divina como a alma)


A partir do momento em que – apesar de serem seres cósmicos altamente desenvolvidos – tenham decidido desacelerar a vibração da vossa energia fazendo-a baixar para essa terceira dimensão, ou seja, desde que a vossa alma, apesar de divina, tenha de se confrontar com o peso da matéria, só poderão fazer o que estiver ao vosso alcance.


Por isso, a obra é imperfeita !


Mas, apesar de tudo, o que é que está ao vosso alcance?


O que está ao vosso alcance é usarem o livre-arbítrio da única maneira que vos é favorável, escolhendo a via da dedicação ao aprofundamento espiritual. Esta escolha é fundamental para que, um dia, depois de éons de tempo, se libertem desse mesmo livre-arbítrio e, finalmente, possam fazer a vontade do Pai sem se entregarem a apreciações intelectuais sobre se essa Vontade Superior coincide ou não com a vossa vontade inferior.


O que está ao vosso alcance é tornarem sagrada a vossa consciência terrena, fazerem com que ela seja à imagem e semelhança da vossa Consciência Cósmica.


Ainda nesta segunda estrofe, Pessoa, considerando a sua obra com a consciência tranquila, garante:


A alma é divina e a obra é imperfeita.

Este padrão sinala ao vento e aos céus

Que, da obra ousada, é minha a parte feita:

O por-fazer é só com Deus.

Sim, da obra ousada, ele fez o que era possível ser feito.

Ora, Fernando Pessoa alcançou o que estava perfeitamente ao seu alcance!

Se mais não fez foi porque O por-fazer é só com Deus.


Este último verso da segunda estrofe, refere a Fonte de todas a humanidades e de tudo o resto que existe. Trata-se, como é sabido, do Criador, neste caso sob a denominação Deus.


Ora bem, o signo complementar de Gêmeos é Sagitário, o Iluminador do Caminho, o modelo do Mestre, do Guru, do Hierofante (sabedor de uma ciência ou de um mistério). Dito de outra forma, Sagitário é, precisamente, o arquétipo que tem como função religar as criaturas à sua Origem – seja qual for o nome que se lhe dê – o que ele faz ensinando a reconhecer o que se esconde por detrás das aparências.


O Centauro Arqueiro treina-se para acertar no alvo do significado profundo, abstrato, filosófico e metafísico daquilo que acontece.


E já que, a propósito de Sagitário, estamos a falar de Deus, o Supremo Senhor do Universo, relembremos que Sagitário, é regido por Júpiter/Zeus, o Supremo Senhor do Olimpo.


O segundo verso desta estrofe:

A alma é divina e a obra é imperfeita.

Este padrão sinala ao vento e aos céus

Que, da obra ousada, é minha a parte feita:

O por-fazer é só com Deus.


refere, claramente, os elementos dos signos que integram este eixo de signos – Gêmeos e Sagitário – isto é, o Ar (vento) e o Fogo (Céus), respectivamente.


A associação entre o elemento Ar e o vento é óbvia. Todavia, o mesmo poderá não acontecer com a conexão Fogo/Céus. Se te parece que o Fogo tem uma relação longínqua com Céus, afina a tua mente para a vibração espiritual e lembra-te do Fogo Criador do Pai.


Padrão é o terceiro poema deste conjunto, tal como Gêmeos, é o terceiro signo do Zodíaco, o qual, como já sabes, é o signo de nascimento de Fernando Pessoa.


Podemos, então, recuperar aqui a terceira pessoa da Santíssima Trindade, essa vibração a que a Igreja Católica resolveu chamar Espírito Santo. Embora devesse ser conhecida como Mãe – esse manto de estrelas onde o Universo se envolve – pois uma família composta por um Pai, um Filho e uma Pomba é algo que dá que pensar.


Seja como for, Mãe, Pomba ou Espírito Santo são tudo nomes que definem algo, e nomes que definem algo são coisas que só existem aí na Terra, uma escola cujos alunos adoram definições!


Os nomes não definem, identificam.


Fernando Pessoa sabia que, embora a fingir, (o poeta é um fingidor), o Caminho é individual e solitário. Ele o diz:


E a Cruz ao alto diz que o que me há na alma

E faz a febre em mim de navegar

Só encontrará de Deus na eterna calma

O porto sempre por achar.


Talvez por isso, Pessoa tenha optado pelo discurso na primeira pessoa do singular. Ao falar diretamente de si próprio, talvez tenha querido aproximar-se mais intimamente do leitor, na esperança de que essa proximidade ajudasse a reconhecer a premência – e a importância – de trocar todas as perguntas por UMA só resposta. Talvez tenha pensado que a denúncia da sua experiência pessoal (ainda que cifrada na poesia) incentivasse outros a seguir-lhe o exemplo.


Isso certamente te ensinou que quem tiver a coragem de lançar a sua consciência em direção ao céu


Só encontrará de Deus na eterna calma O porto sempre por achar.


Para aliviar um pouco a densidade desta prosa, vamos brincar um bocadinho com as primeiras e últimas palavras deste Padrão.


É sabido que os deuses não te pedem aquilo que facilmente podes realizar; isso seria equivalente a uma condenação a ficares encalhado no mesmo lugar. Se permitissem tal coisa, esse universo terreno estaria muito mais cristalizado do que já está.


Todos vocês sabem (embora muitos prefiram esquecer), que só afrontando os desafios é que a Roda, individual e coletiva, se mantém em movimento. Fernando Pessoa, mais do que ninguém sabia disso. Assim, as primeiras palavras deste Padrão:


O esforço é grande e o homem é pequeno

e as últimas:

O porto sempre por achar.

proporcionam o seguinte arranjo:

O esforço é grande, o homem é pequeno e o porto está sempre por achar.


 Poema IV

 Câncer – O Mostrengo


 (9 DE SETEMBRO DE 1918)

O mostrengo que está no fim do mar

Na noite de breu ergueu-se a voar;

À roda da nau voou três vezes,

Voou três vezes a chiar,

E disse: ‘Quem é que ousou entrar

Nas minhas cavernas que não desvendo,

Meus tectos negros do fim do mundo?’

E o homem do leme disse, tremendo:

‘El-Rei D. João Segundo!’

‘De quem são as velas por onde me roço?

De quem as quilhas que vejo e ouço?’

Disse o mostrengo, e rodou três vezes,

Três vezes rodou imundo e grosso,

‘Quem vem poder o que eu só posso,

Que moro onde nunca ninguém me visse

E escorro os medos do mar sem fundo?’

E o homem do leme tremeu e disse:

‘El-Rei D. João Segundo!’

Três vezes do leme as mãos ergueu,

Três vezes ao leme as reprendeu,

E disse no fim de tremer três vezes:

‘Aqui ao leme sou mais do que eu:

Sou um Povo que quer o mar que é teu;

E mais que o mostrengo que me a alma teme

E roda nas trevas do fim do mundo;

Manda a vontade, que me ata ao leme,

De El-Rei D. João Segundo!’


Neste poema, Fernando Pessoa aborda a missão da alma, simbolizada pelo homem do leme, em face do destino, simbolizado pelo Mostrengo, missão que, como tu já sabes, resume-se a vencer o medo, precisamente o que sente o homem do leme quando se defronta com o Mostrengo!


No Zodíaco, esta polaridade está contida no seguinte eixo de signos opostos e complementares:


. 4º Signo – Caranguejo – regido pela Lua, símbolo do mundo interior: inconsciente, noite, alma, emoções orientadas para os valores familiares e patrióticos.


. 10º Signo – Capricórnio (que, em relação a Caranguejo está no ponto oposto, no fim do mundo) – regido por Saturno, símbolo do mundo exterior: trabalho, responsabilidade, obra, destino, medo, carma.


Ambos, cada qual à sua maneira, gerem as memórias das tuas experiências passadas, as quais, inevitavelmente, condicionam, no presente, as respostas que escolhes dar aos estímulos exteriores que te chegam a cada instante. É claro que, em muitíssimas situações, as tuas respostas são escolhas automáticas condicionadas por hábitos ancestrais. Realmente, quando uma situação se relaciona com algo que, quer te lembres quer não, te amedrontou no passado, imediatamente esse medo original é acionado, mesmo que, de fato, não haja razão para isso. Muito sinceramente, espero que não entres em pânico cada vês que deparas com um inofensivo ratinho!


Quanto tu te aperceberes de que o medo não existe, também deixarás de entrar em pânico.


O mostrengo que está no fim do mar


O 4º signo do Zodíaco, Câncer, naturalmente, está associado à Casa IV, a qual, por se encontrar na parte inferior da mandala astrológica, toma o nome específico de Fundo do Céu. Esta zona do mapa astral simboliza o fim das coisas (a forma como acabas o que se começaste), o teu «Fundo», o fim do mar das tuas emoções, o «Fundo» das tuas fundações psicológicas e físicas (família e bens de raiz), bem como o aglomerado de irmãos do mostrengo que pululam no teu subconsciente.


Ora, Fernando Pessoa começa por dizer isto mesmo. E, sabendo que esses medos, mais cedo ou mais tarde, sairão a voar da noite de breu para aflorar à superfície da consciência, acrescenta:


O mostrengo que está no fim do mar

Na noite de breu ergueu-se a voar;


Se tiveres isto em consideração, facilmente reconhecerás Saturno na figura assustadora, severa e ameaçadora do Mostrengo (medo) que sai do útero onde reside (subconsciente/Câncer) e se mostra ao apavorado, mas corajoso, homem do leme. Ou seja, porque as suas águas foram perturbadas (Câncer/ Água), a energia salta para o seu oposto complementar (Capricórnio/Terra), mostrando-se, tornando-se real através de uma figura assustadora.


Externamente, ele simboliza o cabo do mundo que tem de ser vencido (dobrado) com valentia, sob pena de não se chegar à Índia, o término da viagem; Internamente, ele simboliza a iniciação que tem de ser feita, com entrega, sob pena de não se chegar à Luz, o término da viagem.


Seguro do seu poder de manipular a vontade humana, mas surpreendido com a visita, o próprio Mostrengo interroga, ao longo das três primeiras estrofes do poema:


O mostrengo que está no fim do mar

Na noite de breu ergueu-se a voar;

À roda da nau voou três vezes,

Voou três vezes a chiar,

E disse: ‘Quem é que ousou entrar

Nas minhas cavernas que não desvendo,

Meus tectos negros do fim do mundo?’

E o homem do leme disse, tremendo:

‘El-Rei D. João Segundo!’

‘De quem são as velas por onde me roço?

De quem as quilhas que vejo e ouço?’

Disse o mostrengo, e rodou três vezes,

Três vezes rodou imundo e grosso,

‘Quem vem poder o que eu só posso,

Que moro onde nunca ninguém me visse

E escorro os medos do mar sem fundo?’

E o homem do leme tremeu e disse:

‘El-Rei D. João Segundo!’


Novamente, aqui, está bem clara a viagem espiritual da Humanidade da Terra e o desafio de enfrentar o desconhecido (inconsciente/Lua).


Peço-te para imaginares a situação do homem do leme, símbolo de Câncer: está longe da segurança da pátria (Câncer), desterrado dentro de uma caravela no meio do oceano longínquo, acerca de cujas águas (Câncer) nada sabe. De fato, quem eram os seus habitantes? Como terminavam? Que surpresas reservavam? Além disto, o homem do leme está rodeado por ventos e tempestades, mergulhado na escuridão noturna (Câncer), enfim, lutando contra o seu próprio desamparo. Ora, esta situação de um caminheiro marítimo ter de dobrar um cabo no fim do mundo, onde se levanta e berra a configuração monstruosa dos próprios medos sob a forma de um Mostrengo, para poder chegar à Índia, não é muito diferente daquela que um caminheiro espiritual enfrenta para poder chegar ao seu Oriente.


Assim, em O Mostrengo, o homem do leme é um peregrino.


Em O Mostrengo, portanto, se o homem do leme é um peregrino que luta por ultrapassar os seus limites, já El-Rei D. João II representa o divino dentro do humano, o divino guardado nos átomos do corpo físico – aquilo que um dia se transformará no fogo que te elevará a outra dimensão, tal como o fogo da fogueira eleva o ar de que se alimenta.


Mas para que te serve a Vontade do Eu Superior, se não a puseres em prática?


No entanto, precisamente por ser Superior, esta Vontade não te obriga a que a ponhas em prática. Ela não viola o teu livre-arbítrio que te leva a continuar a alimentar desequilíbrios e a lamentar perdas, não contraria a tua renitência em que o teu próprio Espírito seja apresentado à tua personalidade. Não. A tua Vontade Superior ama-te. Por isso, apesar de reconhecer os caprichos do teu ego, limita-se a esperar que te decidas a aceitar o Seu desígnio.


Em O Mostrengo, o homem do leme atingiu esse ponto de consciência e decide pôr em prática a Vontade do seu Eu Superior, neste caso, El-Rei D. João II. Já sem um ego que o comande, acolhe o seu desígnio superior. Por isso, bravamente responde ao Mostrengo:


Três vezes do leme as mãos ergueu,

Três vezes ao leme as reprendeu,

E disse no fim de tremer três vezes:

‘Aqui ao leme sou mais do que eu:

Sou um Povo que quer o mar que é teu;

E mais que o mostrengo que me a alma teme

E roda nas trevas do fim do mundo;

Manda a vontade, que me ata ao leme,

De El-Rei D. João Segundo!’


E assim, tremendo, mas cumprindo o desígnio superior, enfrenta a noite de breu para se defrontar com os seus monstros pessoais, o medo imundo e grosso que reside nos esconsos da mente.


Numa perspectiva astrológica, a figura de El-Rei D. João Segundo (o poder temporal por detrás dos Descobrimentos), simboliza a Pátria (Câncer/Lua). Repescando o poema anterior direi que, desse “areal moreno” o homem do leme se afastou, ali deixando mulheres pregadas no areal, angustiadas e chorosas, olhando o horizonte, depois de terem visto zarpar os seus maridos e filhos.


Sacrificando-se, o homem do leme de tudo isto se afastou e, seguindo a Voz Maior, ousou entrar nos domínios do Mostrengo, adentrando territórios desconhecidos.


Numa perspectiva espiritual, El-Rei D. João Segundo é equivalente a essa Voz Maior que o peregrino ouve, a qual, a partir de um certo ponto, não pode deixar de ser ouvida, e muito menos abafada.


Sacrificando-se, tudo abandona, do mundo se desidentifica, ali deixando muitas pessoas “angustiadas e chorosas”, principalmente aquelas que ainda não perceberam que, quando é hora, é tempo de partir!


Na expressão três vezes, que tão insistentemente surge ao longo do poema, podemos ver, também, conotações espirituais e astrológicas.


Espiritualmente, pode ver-se nela uma nova referência à Santíssima Trindade; astrologicamente, relembra os três signos/Elementos que antecedem Câncer: Áries, Touro e Gêmeos, isto é, o impulso (Fogo), a determinação (Terra) e o discernimento (Ar) necessários à decisiva empresa de mergulhar nas profundidades e reconhecer o que está oculto na essência de cada ser humano.


Vamos agora juntar o primeiro verso:


O mostrengo que está no fim do mar

com o último;

De El-Rei D. João Segundo!

para ver se podemos esticar um mais a criatividade:

O mostrengo que está no fim do mar de El-Rei D. João Segundo!


 Uma vez que a língua portuguesa é muito traiçoeira (como vocês gostam de dizer), pode levantar-se agora a questão de saber o que é que é de El-Rei D. João Segundo: o mostrengo ou o fim do mar? Assim, deve ler-se:


O mostrengo, que está no fim do mar, de El-Rei D. João Segundo.


 Ou


O mostrengo, que está no fim do mar de El-Rei D. João Segundo?


Por aqui se vê como uma simples vírgula, a mais ou a menos, pode alterar o sentido de um texto. Na primeira hipótese, se tirares a oração intercalada (que está no fim do mar), tens pela frente a mostrengo particular de El-Rei:


O mostrengo (…) de El-Rei D. João Segundo.


 Vejamos: Por detrás do título de rei está um homem como qualquer outro e, portanto, possuidor dos seus próprios medos, hospedeiro do seu mostrengo particular, assim como se a alimária fosse uma espécie de camareiro sombrio, que não o larga nem quando se vai deitar. Medo todos vocês têm, como se tem visto. Porém, pelo fato de ser Rei, talvez esses medos fossem até bem maiores do que aqueles que perturbavam o comum dos mortais da época.


No caso de optarmos pela segunda hipótese:


O mostrengo, que está no fim do mar de El-Rei D. João Segundo.


 é o fim do mar, não o mostrengo, que o pertence ao monarca português.


Perguntarás, e com muita razão:


Como é que D. João Segundo podia possuir uma coisa que era de todos? Como podia ser ele o senhor de algo que ninguém sabia como acabava?


E eu respondo:


Podia sim, senhor, porque tu também possuis o medo, algo que é de todos e também não sabes como acaba!


Como vês isto é uma coisa muitíssimo concreta que decorre de coisas tidas por abstratas!


Portanto, é indiferente uma hipótese ou outra, uma vez que – sem quaisquer especulações – é do confronto entre o sonho e o medo que depende a realização ou o fracasso de um destino.


Se não me engano era isso mesmo que Fernando Pessoa queria dizer. Mas tu, que vives dentro da sentida alma portuguesa, decerto sentirás melhor do que eu!


Poema V

Leão – Epitáfio de Bartolomeu Dias


Jaz aqui, na pequena praia extrema,

O Capitão do Fim. Dobrado o Assombro,

O mar é o mesmo: já ninguém o tema!

Atlas, mostra alto o mundo no seu ombro.


À primeira vista, este poema é difícil de interpretar. Analisemos as duas ordens de razões para que assim seja.


1ª – Não faz sentido que o menor poema, de tamanho modesto, corresponda ao signo que gosta da opulência e da grandiosidade;


2ª – O próprio título remete para a escuridão e para a morte, isto quando se sabe que Leão é regido pelo Sol, símbolo da vida e da Luz.


O sentido profundo deste Epitáfio só fica perceptível quando encaramos esta sequência de poemas sobre a perspectiva de uma viagem espiritual, tal como temos vindo a fazer, sobrepondo esse ângulo de visão com a Astrologia. Todavia – e isto pode parecer uma afirmação surpreendente – falar de trajeto espiritual ou de Astrologia é exatamente a mesma coisa, uma vez que esta pode ser o veículo daquele.


Há, sem dúvida, muitas formas de praticar a Astrologia. No século XXI, porém, não faz sentido fazer outro uso dela que não seja o de reconhecê-la como uma técnica de compreensão humana que, se assim o quisermos, poderá contribuir para a expansão da consciência. Dito de outra maneira, poderá ser uma bússola sempre ao dispor de quem já se sente atraído, conscientemente, pelo caminho inevitável da iluminação.


Por conseguinte, a iniciação conseguida através da superação do ego e dos seus inevitáveis medos, dá acesso, evidentemente, a um Homem Novo. Nada mais natural, portanto, do que lavrar um epitáfio que recorde o criatura deixada para trás – a personalidade que morreu para dar lugar a outra, mais madura, isto é mais significativa.


Jaz aqui, na pequena praia extrema,/O Capitão do Fim: quer dizer que aqui ficou o velho ser, aquele que comandou a sua nau até à fronteira de uma nova dimensão espiritual.


Dobrado o Assombro, ou seja, depois de vencido o medo monstruoso:


O mar é o mesmo:/já ninguém o tema!


Dito de outra maneira: continuamos aqui, vivendo, mas deixou de haver razão para recear!


E onde está a referência ao signo oposto e complementar daquele a que esse poema diz respeito? Aqui, em Leão, temos de ver de que forma Aquário está codificado dentro deste Epitáfio.


Aquário é o futuro. Representa a abertura mental necessária ao crescimento, principalmente espiritual. Aquário pretende projetar-se para a frente e realizar os seus ideais de elevação, ao mesmo tempo em que vai deixando para trás o lastro do interesse e do empenho pelas coisas terrenas, as quais, por via do seu peso, não só dificultam o caminho rumo à transparência e à leveza, como ainda impedem a capacidade de respirar o ar puro das Alturas.


Daí o seu amor ao desapego e o seu apreço pela impermanência!


Ao fim e ao cabo, Aquário é um arquétipo de esperança e simboliza a certeza de que a Humanidade, reprogramando a sua mente e alinhando-a com a intuição (Urano, regente de Aquário) e com o espírito, passará a conduzir-se habilmente por ter recuperado o conhecimento da Essência.


Assim sendo, fica claro que este Epitáfio é o paradigma do salto para a frente.


Acima, falamos da superação do medo. Ora, neste poema, é disso mesmo que se trata: depois de enfrentado o Mostrengo (o poema anterior) e vencidos os seus medos, o Ser fica muitíssimo mais leve.


Além disso, esta libertação ainda tem a vantagem de facilitar os movimentos que hão de ser dados a seguir. Aquário não pode alçar a alma para o alto se o porão da nau estiver a abarrotar de pesos indesejáveis.


Se assim acontecer – Atlas, (não) mostra alto o mundo no seu ombro!


Quando acima falamos do descarte dos lastros que atrapalham a navegação, estávamos a pensar no lastro-mor que, como já ficou evidente, se chama medo.


Este poema é pequeno, mas, mesmo assim, é perfeitamente possível juntar as primeiras palavras e as últimas, na esperança de que façam algum sentido. Portanto, juntemos – Jaz aqui – com – o mundo no seu ombro:


– Jaz aqui, o mundo no seu ombro.


Curiosamente, como Atlas não é referido, o ombro deixa de lhe pertencer, para passar a ser de quem jaz (no poema) ou seja, de Bartolomeu Dias. Portanto, o mundo jaz no ombro de Bartolomeu Dias. É mais coerente que seja assim, não pelo fato de ele ser português, mas por se tratar de um ser humano cuja coragem (e o poder de persuasão do Infante D. Henrique) fez dele um herói e um exemplo. Atlas, por seu lado é, apenas, uma figura mitológica que existe, precisamente, para servir de referência a criaturas da dimensão deste navegador.


Mas que mundo jaz no ombro deste Capitão do Fim? Decerto o mundo completo, já que, antes da passagem pelo Cabo das Tormentas (Boa Esperança) os ocidentais só conheciam as coisas pela metade, sendo que o mesmo se podia dizer dos orientais. Através desse navegador nos conhecemos uns aos outros e encetamos uma longa história de trocas a todos os níveis.


Poema VI

 Virgem – Os Colombos


(2 DE ABRIL DE 1934)

Os outros haverão de ter

O que houvermos de perder.

Outros poderão achar

O que, no nosso encontrar,

Foi achado, ou não achado,

Segundo o destino dado.

Mas o que a eles não toca

É a Magia que evoca

O Longe e faz dele a história.

E por isso a sua glória

É justa auréola dada

Por uma cruz emprestada.


Este é um texto bem complicado de analisar. Não sei se Fernando Pessoa fez de propósito mas a verdade é que um dos atributos de Virgem é precisamente a tendência para complicar!


Todavia, há muito a dizer. Assim, onde vamos encontrar referências ao Elemento de Virgem (Terra) e ao signo oposto, Peixes?


Este poema, no seu conjunto reflete sobre um mundo de posses, equivalente ao da Terra (ter e dar, possuir e perder, produzir e vender, semear e colher, etc.). Logo nos dois primeiros versos se encontra uma referência clara a quem tem ou não tem, a quem perdeu ou a quem achou.


No que diz respeito ao signo oposto, Peixes, toda a segunda estrofe se espraia pelos símbolos piscianos.


Fala-se de Magia, de evocar, de Longe, de auréola. A linguagem já não refere, como na estrofe anterior, as coisas concretas do ter ou não ter mas um ambiente evasivo, diáfano, misterioso e, até, transcendente. Há, inclusivamente, uma clara referência à característica pisciana de não querer ter nem sequer possuir: é quando o poeta diz que a justa auréola dada provém de uma luz emprestada.


Mas, se repararmos bem, o que é que este poema tem a ver com os Descobrimentos portugueses?


Objetivamente, nada. Mais: se só há um Colombo, por que se chama este poema Os Colombos?


Parece que os colombos representam aqueles navegadores e descobridores que fizeram exatamente o que os portugueses fizeram (navegar, descobrir terras, etc.), mas a quem faltava uma coisa essencial: serem portugueses! Se dizemos isto, não é, evidentemente, pelo fato de nós sermos melhores do que eles; é pelo fato de eles terem nascido fora do país que, segundo Pessoa, tinha por missão divina expandir os caminhos marítimos deste planeta e, conseqüentemente, espalhar por esse mundo o pacífico, criativo, condescendente e sensível DNA pisciano/português.


Isto poderá ser muito polêmico, mas é o que pode deduzir-se de:


E por isso a sua glória

É justa auréola dada

Por uma cruz emprestada.


De fato, dá a sensação de que os colombos (todos os outros navegadores estrangeiros) apanharam a onda que, divinamente, aos portugueses fora destinada. No entanto, como era inevitável que navegadores de outras nacionalidades se predispusessem a contribuir para essa aventura, Fernando Pessoa presta-lhes homenagem, classificando de justa a auréola que, historicamente, ficou rodeando as cabeças deles apesar de provir de uma cruz (destino) emprestada.


Poderá haver quem se espante ou desconfie deste espírito de missão dos portugueses (irremediavelmente piscianos), o qual atingiu o auge no século XV. Mas há coisas que, embora possam passar despercebidas aos distraídos, convém prestar alguma atenção.


Eis três dos muitos exemplos que poderiam apresentar-se:


1 – Por que se dirá que Portugal é um país de poetas, de gente ingênua, devota e caritativa, sabendo-se que a Poesia, a devoção, a ingenuidade e a caridade são atributos de Peixes?


2 – Que outra nação poderia possuir o mito do Encoberto (que voltará numa manhã de nevoeiro), isto quando se reconhece que nevoeiro, indefinição, sonho, saudade e simbolismo são atributos de Peixes?


3 – Quem mais faria uma revolução (25 de Abril de 1974), onde, os representantes dos poderes caídos, os responsáveis por mortes, assassinatos políticos, fome, atraso e repressão, em vez de serem julgados, como seria justo, foram misericordiosamente tratados e, já envoltos num perdão inquestionável, acabaram por viajar, na maior tranquilidade, ao encontro do sol acolhedor do país irmão, do outro lado do Atlântico? E, enquanto estas cenas perfeitamente surpreendentes se iam desenrolando, rubras flores enfeitavam os canos das espingardas, portadas por soldados de lágrima no olho, desejosos de abraçar toda a gente, talvez até aqueles a quem, pouco tempo antes, julgavam impossível perdoar por lhes quererem tirar a vida!


A minha faceta universalista, simbolizada pelo ascendente em Aquário, impede-me de sentir os arrebatamentos típicos promovidos pelas emoções desencadeadas pelo nacionalismo. Na verdade, a tendência é para ficar distanciado e divertido, como é apanágio de Aquário.


Porém, apenas uma resposta apetece dar às perguntas feitas acima: apesar de calorosos e ingênuos, de brutos e generosos, de provincianos e infantis, de terríveis e corajosos, só os portugueses poderiam vivenciar uma revolução como a de 1974.


Sem dúvida, é uma questão de natureza da nossa Alma.


A frase – Outros haverão de ter (…) uma luz emprestada – é o que resulta da combinação das primeiras e das últimas palavras deste poema. É óbvio que Fernando Pessoa nada tem a ver com este verso. E dificilmente poderia assinar uma coisa destas já que, interpretando-o à luz da espiritualidade, embora seguindo uma orientação diferente da que foi usada na análise a Os Colombos, trata-se de um enorme disparate! Assim é porque ninguém poderá ter ou beneficiar de uma luz emprestada. Luz, não é coisa que se empreste. Aliás, sequer é coisa que se dê. Por que razão haveria o leitor de oferecer o mesmo presente duas (ou mais) vezes, se, da primeira vez, a dádiva foi feita com o todo o altruísmo, isto é, sem esperar nada em troca? Assim, Luz é algo que não devemos esperar de ninguém. Acresce, ainda, ser escusado buscá-la seja aonde for, exceto num lugar: no chacra do coração! Em termos dessa dádiva, não há graus, porque ela foi absoluta. Onde esses graus já se verificam é na noção que cada um de nós tem da quantidade e qualidade de luz que irradia. Dito de outra forma, o que está em causa é a maior ou menor conscientização que cada um possui do quanto já tirou daquilo que obscurecia, e nos casos mais graves encobria completamente, a Luz. Deus não empresta nada. Nem dá! Isto poderá parecer um sacrilégio imperdoável passível de fogueira. Deixa, todavia, de sê-lo se nos lembrarmos que a Origem já deu tudo o que tinha a dar quando nos criou à sua imagem e semelhança. O resto, tem sido, é e será da responsabilidade de cada um de nós!


Contudo, devemos evitar interpretar literalmente este à sua imagem e semelhança, para não corrermos o risco de imaginar Deus com dores de estômago, talvez careca ou bronzeado do Sol e, quem sabe, até, sócio honorário do Futebol Lisboa e Benfica. Foi isso mesmo que fizeram muitos dos nossos antepassados, e continuam a fazer muitos dos nossos coevos, sendo por isso que o imaginam velho e barbado (o Big Bang já ocorreu há imenso tempo), sentado lá em cima, extremamente preocupado, incapaz de tirar os olhos dos bilhões de filhos que gerou e, tendo em vista um futuro e implacável ajuste de contas, fazendo questão de apontar num caderninho todas as patifarias que a nossa cegueira sugere e todas as traquinices que a nossa imaturidade sempre convida a fazer!


Não admira que tenham medo dessa figura que o seu medo criou!


Por isso, leitor, aplaque a sua consciência, pois, enquanto ser divino, você não tem culpa e, ainda por cima, está isento de pecado. Aquela parte de si que sente culpa e remorsos pelos pecados cometidos, não foi criado pelo Pai. Realmente, quando a criação é perfeita, contem em si a possibilidade de escolha, pois, de outra forma, o Criador não passaria de um reles e lamentável ditador.


Como se compreenderá, aquilo que nos impede de reconhecer a Verdade – a tal Luz que é nossa desde o Princípio – é, precisamente, as consequências dessas escolhas inábeis, egoístas. Para quê, então, buscar a Luz fora ou procurar quem lha possa fornecer emprestada se, desde sempre, essa portentosa vibração vive dentro do seu coração?


Poema VII

 Balança – Ocidente


Com duas mãos – o Ato e o Destino –

Desvendamos. No mesmo gesto, ao céu

Uma ergue o facho tremulo e divino

E a outra afasta o véu.

Fosse a hora que haver ou a que havia

A mão que ao Ocidente o véu rasgou,

Foi alma a Ciência e Corpo a Ousadia

Da mão que desvendou.

Fosse Acaso, ou Vontade, ou Temporal

A mão que ergueu o facho que luziu,

Foi Deus a alma e o corpo Portugal

Da mão que o conduziu.


Comecemos por analisar o título escolhido para este sétimo poema – Ocidente.


Como se sabe, o sétimo signo do Zodíaco é Balança e está associado à Casa VII, cujo grau inicial se chama Descendente (por oposição à 1ª Casa, cujo grau inicial toma a designação de Ascendente). Assim, Ascendente e Descendente formam um eixo. Se o Ascendente astrológico é o grau do signo que estava a ascender no horizonte – a oriente – no momento do nascimento da pessoa, o Descendente é, portanto, o grau do signo que estava a descender no horizonte – a Ocidente – nesse mesmo minuto. Logo, Fernando Pessoa não poderia ter escolhido um título mais apropriado para este sétimo poema, o qual tem a ver com o ponto – a Ocidente – onde o Sol se põe! Deste modo, o sétimo signo e a Casa VII referem-se ao outro, ao par, à complementaridade, na medida em que, na roda zodiacal, está em frente de Câncer, 1º signo, o arquétipo da individualidade. De um lado está, portanto, o um (Eu); do outro lado está o dois (o Outro). E é, precisamente, por aí que Pessoa começa, dizendo:


Com duas mãos…


E prossegue, sempre colocando em paralelo duas ordens de valores, necessárias para realizar qualquer empresa – Com duas mãos – o Ato e o Destino (…) Foi alma a Ciência e Corpo a Ousadia (…) Foi Deus a alma e o Corpo Portugal.


A primeira estrofe reforça bem esta necessidade de cooperação, nascida da complementaridade típica do signo de Balança, onde cada uma das partes da parceria se encarrega da sua função específica:


Uma ergue o facho tremulo e divino

E a outra afasta o véu.


A segunda e terceira estrofe confirmam esta ideia: a segunda diz que a mão que desvendou teve como alma a Ciência e corpo a Ousadia; a terceira assegura que a mão que conduziu teve em Deus a Alma e no corpo Portugal.


Por conseguinte, cada mão fez a sua parte: uma desvendou e a outra conduziu.


Numa outra perspectiva, Fernando Pessoa, mais uma vez, afirma que a missão de Portugal tinha um caráter divino:


Foi Deus a alma e o corpo Portugal.


Portanto, Deus (a alma do projeto), ao determinar que essa tarefa de desvendar fosse realizada, precisava de um corpo que, no mundo físico, e usando duas mãos hábeis e corajosas (o Ato e o Destino), a levasse a cabo. E escolheu as de Portugal.


Aquilo que nós desvendamos está referido através de duas imagens:


um véu que se rasga (segunda estrofe), e

o facho que luziu (terceira estrofe).


Esta ideia, onde se mesclam desvelamento e iluminação, é típica do ponto zodiacal chamado Descendente (Ocidente). De fato:


Desvelamento: é nesse ponto do Horizonte que o Sol se põe. É o momento a partir do qual outras realidades são desveladas em consequência da diminuição da luz e a chegada da noite.


Iluminação: é a partir desse ponto que, visto da Terra, o sol parte para iluminar o outro lado do mundo, envolto da escuridão noturna.


Acima, a palavra Horizonte aparece escrita em itálico porque foi com ela que Pessoa intitulou o segundo poema desta série, o qual está associado a Touro. É certo que, neste contexto, a palavra foi escolhida e usada por mim, o que poderá tornar um tanto forçado o que vai seguir-se. A verdade, porém, é que quer Touro, (Horizonte), quer Balança (Ocidente) são regidos por Vénus. Ora esta entidade – também conhecida por Afrodite, a Sedutora – é a deusa quer do namoro (fase do relacionamento em que uma mão se dá à outra), quer do casamento (fase do relacionamento em que, tradicional ou simbolicamente, o homem pede a mão da mulher). O problema é que esse tomar da mão é usado frequentemente para possuir (Touro) e não para compartilhar (Balança). Ora, como pode facilmente comprovar-se, a posse acaba por gerar outros usos da mão: a pessoa que possui poderá alçar a mão para agredir quando se vê perante a ameaça de perda; a pessoa que é possuída poderá usar a mão para desenhar no espaço o gesto de despedida. O melhor, portanto, será manter o contato, segurando sem agarrar.


Resta lamentar que Fernando Pessoa, enquanto homem, não tenha encontrado a sua outra mão. As razões por que assim aconteceu são, decerto, várias e complexas. No entanto, tentou – o que é louvável!


Leia-se este excerto de uma carta que enviou à sua célebre amada Ophélia, em 1.3.1920:


Se prefere a mim o rapaz que namora, e de quem naturalmente gosta muito, como lhe posso eu levar a mal? A Ophelinha pode preferir quem quiser: não tem obrigação – creio eu – de amar-me, nem realmente necessidade (a não ser que queira divertir-se) de fingir que me ama. (…) Porque não é franca comigo? Que empenho tem em fazer sofrer quem não lhe fez mal – nem a si, nem a ninguém -, a quem tem por peso e dor bastante a própria vida isolada e triste, e não precisa que lha venham acrescentar criando-lhe falsas esperanças, mostrando-lhe afeições fingidas, e isto sem que se perceba com que interesse, mesmo de divertimento, ou com que proveito, mesmo de troça. Reconheço que tudo isto é cômico, e que a parte mais cômica disto tudo sou eu.


Pela sua maneira honesta, aberta e sincera de encarar o relacionamento com a Ophelinha, Fernando Pessoa parecia ter tudo para ser bem sucedido.


Para que resulte, porém, é preciso que hajam duas mãos!


Estas palavras, com que se inicia Ocidente, podem juntar-se às últimas para dar – Com duas mãos (…) o conduziu.


Conduziu o quê? O processo de translucidez da alma!


As duas mãos, a direita e a esquerda, podem ser entendidas como símbolos dos dois hemisférios cerebrais, o direito/intuitivo e o esquerdo/racional. A integração destas duas polaridades é um passo indispensável para conseguir-se colher a Unidade.


A utilização exclusiva (se tal é possível) ou preferencial de um deles, necessariamente concorre para o desequilíbrio. Quem, como a maioria dos seres humanos, utiliza mais o cérebro esquerdo, acaba por se transformar num culto intelectual ou num arguto cientista; talvez seja, até, uma sumidade, um perito em análise, dedução e raciocínio. Todavia, corre o risco de, por falta da colaboração (ou estímulo) do hemisfério complementar, assumir uma postura fechada e céptica em relação à linguagem simbólica e subjetiva.


Por outro lado, quem privilegia o hemisfério direito em detrimento do esquerdo, poderá cair na falta de lógica, expressar-se através de um discurso descabelado e utópico e, o que parece ser mais grave, carecer da capacidade de integração e aplicação da riqueza de todos os símbolos na dimensão concreta e mensurável do quotidiano.


Assim, aqui, como em qualquer outra dimensão da vida, não se trata do radical e escorpiano “ou… ou”, mas sim de um mais saudável, conciliador e libriano “não só… mas também”. Destas deduções se deduz facilmente que quem quiser fundir-se com a Unidade, não deve incorrer em radicalismos, nem deixar nada de fora. Quem conseguiu levar “O Carro” do seu Destino até à estação final, chamada Iluminação, decerto Com duas mãos (…) o conduziu.


Por isso é que o sétimo signo (Balança – Ocidente) é o arquétipo da complementaridade.


Desconhecemos se é pela mesma razão que, no Tarô, O Carro aparece em sétimo lugar na ordem dos 22 Arcanos Maiores!


Poema VIII

Escorpião – Fernão de Magalhães


No vale clareia uma fogueira.

Uma dança sacode a terra inteira.

E sombras disformes e descompostas

Em clarões negros do vale vão

Subitamente pelas encostas,

Indo perder-se na escuridão.

De quem é a dança que a noite aterra?

São os Titãs, os filhos da Terra,

Que dançam da morte do marinheiro

Que quis cingir o materno vulto –

Cingi-lo, dos homens o primeiro –

Na praia ao longe por fim sepulto.

Dançam, nem sabem que a alma ousada

Do morto ainda comanda a armada,

Pulso sem corpo ao leme a guiar

As naus no resto do fim do espaço:

Que até ausente soube cercar

A terra interna com seu abraço.

Violou a Terra. Mas eles não

O sabem, e dançam na solidão;

E sombras disformes e descompostas,

Indo perder-se nos horizontes,

Galgam do vale pelas encostas

Dos mudos montes.


É óbvia a associação deste poema com Escorpião quando se repara que o texto aborda a morte de um navegador. O ambiente que se respira ao longo das quatro estrofes é escuro, mágico, mítico, assombroso, aterrador, pesado, descrevendo, perfeitamente, o mundo escorpiano.


Basta recordar o mito de Plutão, regente deste signo, para ressaltar essa analogia: no panteão olímpico, ele era e única divindade cuja palavra, uma vez dada, não podia ser alterada ou revogada pelos outros Deuses e, muito menos, pelos mortais.


Morte, regeneração e transcendência estão associadas a esta fase do ciclo porque não é possível viver a ascensão a estados de consciência mais elevados (fase seguinte, Sagitário) sem que, antes, tenha ocorrido uma profunda metamorfose, a qual, normalmente é vivida através de uma crise mais ou menos perturbadora. Fernando Pessoa, enquanto astrólogo e entidade altamente desenvolvida, sabia-o perfeitamente. Por isso, aborda a morte neste 8º poema e, ao 9º (correspondente a Sagitário), dá o título de Ascensão de Vasco da Gama.


Escorpião é um signo de Água (emoção, sensibilidade) e das profundidades. É um arquétipo telúrico, regente das entranhas da Terra e das suas convulsões. Ora, é sabido que, no nível humano, não existem maiores convulsões do que aquelas provocadas pelas erupções emocionais que ascendem das profundezas da psique. Daí a má fama deste signo.


Poucos são aqueles que gostam de mudar. Efetivamente, raras são as pessoas que aceitam a impermanência de tudo o que existe manifestado neste plano físico. A verdade, porém, é que a palavra crise contém uma faceta de perigo e outra de oportunidade.


É claro que quem pretende, através do seu ego, conter e represar as forças da natureza psíquica, está condenado a, mais cedo ou mais tarde, ser arrasado e destruído. O que destruído, todavia, é a decisão de recusar o que deveria de ser bem acolhido. O resultado é o renascimento de um novo ser; sem este renascimento não é possível a fase seguinte que se caracteriza pela ascensão.


Esta profunda purificação a todos os níveis é a função de Escorpião e do seu regente Plutão.


A viagem à volta do mundo empreendida por Fernão de Magalhães pode ser comparada com a viagem à volta ao Zodíaco. Quem quiser completar a jornada tem de predispor-se a morrer na 8ª fase.


O que fez Fernão de Magalhães? – Violou a Terra.


O navegador teve o atrevimento de desvirginar a esfericidade da Terra, o maior segredo que, porventura, o planeta ainda escondia. Tamanha ousadia foi paga com a morte, ainda antes da empresa concluída. Plutão fez-se pagar pesadamente.


Porém, com – um pulso sem corpo ao leme a guiar, – a prova foi superada!


Fernando Pessoa não esconde esta temática escorpiana e o seu vocabulário habitual e, no poema, há imensas referências que eliminam todas as dúvidas: Uma dança sacode a terra inteira (…) sombras disformes e descompostas (…) Em clarões negros do vale que vão (…) Indo perder-se na escuridão (…) De quem é a dança que a noite aterra? (…) Que dançam a morte do marinheiro (…) Na praia ao longe enfim sepulto (…) Do morto ainda comanda a armada (…) As naus no resto do fim do espaço (…) Violou a Terra. Mas eles não/O sabem e dançam na solidão (…)


Da mesma forma que não é possível fazer uma Ascensão sem que uma iniciação prévia abra as portas da Totalidade, também o feito de Fernão de Magalhães abriu, amplamente, a noção que o Homem quinhentista detinha acerca do planeta onde vivia. Mas essa expansão de consciência, inclusivamente científica, só foi possível através do sacrifício do navegador.


De fato, Plutão mostrou-se e Caronte exigiu o pagamento!


Este poema reflete tão perfeitamente o arquétipo escorpiano que resiste a não se deixar adulterar quando se juntam as primeiras e últimas palavras dele. O sentido essencial permanece:


No vale (…) dos mudos montes.


Ora, Escorpião tem excelentes relações com o silêncio!


No imaginário humano, se há lugar onde reina a paz que convida ao recolhimento, à devoção, ao agradecimento e à gratidão, é no vale nos mudos montes. É quando nos retiramos e recolhemos nele, física ou mentalmente, que podemos ter a consciência do quinhão da Obra Divina que nos é pedido.


 Vimos, no poema anterior, que tudo há de ser conduzido com as duas mãos, contemplando a união das duas polaridades. Isto é, os relacionamentos são essenciais. Porém, o movimento de O Carro, não pode ser impedido, nem atrapalhado pela presença das pessoas e das coisas mundanas, umas e outras ruidosas por natureza. Há que respeitar o afastamento dos outros que caracteriza a iniciação, como foi citado, também, no 7º poema (Ocidente).


Mesmo correndo o risco de cair na vulgaridade (o que, afinal, não envolve risco nenhum), terminaríamos esta 8ª secção relembrando que melhor do que pescar um peixe, é não desistir de pescar!


Poema IX

Sagitário – Ascensão de Vasco da Gama


(10 DE JANEIRO DE 1922)

Os Deuses da tormenta e os gigantes da terra

Suspendem de repente o ódio da sua guerra

E pasmam. Pelo vale onde se ascende aos céus

Surge um silêncio, e vai, da névoa ondeando os véus,

Primeiro um movimento e depois um assombro.

Ladeiam-no, ao durar, os medos, ombro a ombro,

E ao longe o rastro ruge em nuvens e clarões.

Em baixo, onde a terra é, o pastor gela, e a flauta

Cai-lhe, e em êxtase vê, à luz de mil trovões,

O céu abrir o abismo à alma do argonauta.


Este 9º poema é, nitidamente, a continuação do anterior (8º, Escorpião), dado que estamos no ponto crucial entre a 8ª e a 9ª fase do processo de evolução espiritual da Humanidade terrena.


Efetivamente, na via espiritual, não há ligação mais estreita nem uma continuidade mais óbvia do que na ponte que liga o momento da morte de uma velha etapa de vida ao momento de Ascensão para outra etapa de dimensão superior. Uma coisa é consequência da outra. E, essa ponte, chama-se iniciação!


Assim, tal como ao oito se segue o nove, também à morte (de Fernão de Magalhães – VIII) se segue a Ascensão (de Vasco da Gama – IX).


Os primeiros versos deste poema denunciam claramente essa continuidade, pois neles persiste o ambiente escorpiano descrito no poema anterior (Fernão de Magalhães – Escorpião):


Os Deuses da tormenta e os gigantes da terra

Suspendem de repente o ódio da sua guerra

E pasmam.


E se, nesse 8º poema, o ambiente foi caracterizado por o ódio da sua guerra (o clima típico de Escorpião, no 9º, temos a grandiosidade e a elevação que tão bem caracterizam Sagitário. Este é o reino de Júpiter/Zeus, o deus dos Deuses, o Senhor do Olimpo e, enquanto planeta, o gigante do Sistema Solar.


Pessoa refere isso logo no primeiro verso:


Os Deuses da tormenta e os gigantes da terra


Mas há, pelo menos, mais duas referências a Júpiter/Zeus, o Senhor do Raio: a primeira está contida no último verso as primeira estrofe (E ao longe o rastro ruge em nuvens e clarões) Este verso descreve a imagem clássica de Zeus, recostado numa nuvem, fazendo relampejar (para se entreter, castigar ou simplesmente assustar os humanos), sempre que usa o seu Raio; a segunda referência está, ainda mais nítida, no segundo verso da segunda estrofe (Cai-lhe, e em êxtase vê, à luz de mil trovões).


Aliás, é interessante verificar que, ao entrarmos nos domínios do Senhor do Olimpo, a Morada dos Deuses, encontremos – pela primeira vez desde que partimos do primeiro poema, O Infante – o termo Deuses.


A presença do signo oposto a Sagitário, Gêmeos, não é muito clara, exceto se repararmos que Ascensão de Vasco da Gama trata, efetivamente, de uma questão que tem a ver com o reconhecimento da comunicação entre o que está em cima e o que está em baixo. Ora, a temática da comunicação é o fulcro do arquétipo Gêmeos, regido por Mercúrio, uma entidade que, além de desempenhar o papel de Mensageiro dos Deuses, era filho de Júpiter/Zeus.


Portanto, os regentes do eixo Gêmeos, /Sagitário, estão, mitologicamente falando, ligados por laços familiares bastante estreitos.


Além disto, se Júpiter/Zeus é Senhor e pai, Mercúrio, enquanto filho, deve obedecer-lhe e respeitá-lo. Astrologicamente falando, também a mente racional (Mercúrio) deve ceder perante a abrangência e a sabedoria (Júpiter).


E, se nos reportarmos aos irmãos gêmeos (Castor e Pólux) que formam o símbolo de Gêmeos, verificamos que um deles era mortal (terra) e o outro imortal (céu). Portanto, mesmo sem sair de Gêmeos – o terceiro signo do Zodíaco – a mensagem permanece: sendo o movimento ascensional, o gêmeo terreno tem de morrer para dar o lugar ao seu irmão divino, pois só assim se consegue plantar um Padrão (III) nos novos territórios conquistados!


No que toca aos respectivos Elementos – o Fogo de Sagitário e o Ar de Gêmeos – é sabido que o Fogo sempre foi considerado um Elemento de purificação. Veja-se, a título de exemplo, a queima dos livros empreendida fanaticamente pelo III Reich ou a queima dos hereges durante o período da Inquisição. Assim, o Fogo, entendido espiritualmente, representa a purificação da alma, um processo feito através da combustão de todas as impurezas (fundamentalmente de uma, chamada ignorância), cujo peso adia o destino inalienável da alma, o qual é ascender.


Quanto ao Ar, ele detecta-se claramente reparando que Pessoa personificou a Humanidade na figura de um pastor que usa o sopro (Ar) para tocar a sua flauta.


E por que terá escolhido Vasco da Gama para protagonista desta Ascensão?


Decerto porque ao poema correspondente ao signo regido pelo maior planeta do Sistema Solar, tinha de corresponder aquele que é considerado o maior de todos os navegadores portugueses.


Embora esta analogia possua força suficiente para encerrar a análise deste poema, ainda há mais para dizer. Vamos tentar expressá-lo através do verso agora mesmo criado com as primeiras e últimas palavras de Ascensão:


Os Deuses da tormenta (…) do argonauta.


Podemos perguntar: mas quem são estes deuses da tormenta do argonauta?


Talvez sejam aquelas entidades que presidem, guardam e preservam o manancial de informação assimilado durante o período de formação da personalidade. Todavia, quem não experimentou ainda a desconfortável experiência de verificar que muitos desses conceitos, ensinamentos ou diretivas, afinal, pouco ou nada têm a ver com a nossa natureza intrínseca e essencial? Não obstante, são esses os deuses a quem oramos, enquanto os não percebemos como falsos. Quando – finalmente – nos damos conta disso, encetasse então um longo e inquietante período de substituição desse valores (deuses) por aqueles que vamos percebendo como intrinsecamente nossos, aqueles que, fruto da maturidade, só agora ascenderam à superfície da consciência.


Nesse rol de conceitos, ensinamentos ou diretivas que pouco ou nada têm a ver com a nossa natureza, incluem-se os falsos moralismos, a obscura e perigosíssima sexualidade, a distorcida noção de individualidade, a confusão entre independência e egoísmo, o equívoco que paira sobre os conceitos de piedade e compaixão e, ainda mais, a enorme panóplia de preceitos éticos, religiosos políticos e sociais, etc.


Não queremos dizer com isto que todos esses ensinamentos sejam errados; o que pode acontecer é que pouco ou nada tenham a ver com a natureza essencial da pessoa que os recebeu. Aplicamos praticamente tais coisas porque no-las ensinaram e porque nunca nos demos ao trabalho de verificar se fazem sentido para nós ou, melhor ainda, se nos alimentam ou desgastam. Ou seja, se são deuses que adoramos ou demônios que rechaçamos!


Não é fácil o trabalho de descartar esta bagagem sem arriscar a ilegalidade judicial, a marginalidade social, o isolamento fraternal, o ostracismo familiar ou a excomunhão religiosa. Mas é difícil, sobretudo porque tudo isso funciona como apoio para a nossa insegurança interna.


Aprender a andar suportado apenas pela habilidade e firmeza das nossas pernas é uma tarefa gigantesca. Por isso mesmo, amedronta. A prova está na frequente dificuldade e, em alguns casos, na recusa implacável, de conquistarmos a nossa autonomia. Sabe-se lá o porquê, teimamos em viver, estupidamente, sob o jugo tirânico dessa espécie de imperialismo educacional, cujas regras aprendemos de pais, professores, educadores, catequistas, etc. Tudo isto em nome de quê? Em nome de uma moral que prega o crime e o castigo, o pecado e a redenção, com o objetivo de condicionar o nosso comportamento em relação àqueles que nos rodeiam. Poderá ser uma armadilha. E, segundo parece, esta opinião não nasceu agora, neste momento, aqui em frente deste computador. Fernando Pessoa, com toda a sua argúcia e veemência já sustentava o seguinte:


(…) De tal modo estão as coisas arranjadas por ela (a natureza) neste mundo que servir-se cada um a si, completamente, energicamente e competentemente é ainda o melhor meio de servir os outros (…)


Portanto, quanto aos deuses que fazem a tormenta dos dias do argonauta (esse Peregrino que todos nós somos), só há uma coisa a fazer: apeá-los do panteão, convocá-los para a terra que pisamos e – baseados na Força de Quem está acima de nós (e deles) dizer-lhes que, de deuses como eles, está o inferno cheio!


Poema X

Capricórnio – Mar Português


Ó mar salgado, quanto do teu sal

São lágrimas de Portugal!

Por te cruzarmos, quantas mães choraram,

Quantos filhos em vão rezaram!

Quantas noivas ficaram por casar

Para que fosses nosso, ó mar!

Valeu a pena? Tudo vale a pena

Se a alma não é pequena.

Quem quer passar além do Bojador

Tem de passar além da dor.

Deus ao mar o perigo e o abismo deu,

Mas nele é que espelhou o céu.


As duas estrofes deste magnífico texto encerram a essência de todo o capítulo central do livro Mensagem – estes 12 poemas que temos vindo a analisar. De fato, “Mar Português”, além de dar o nome ao capítulo e de codificar a essência espiritual do descobrimento individual, guarda ainda a essência dos Descobrimentos, os quais, segundo Fernando Pessoa, foram divinamente encomendados aos portugueses. Neste sentido, veja-se o que ele diz num texto que intitulou Princípios de Metafísica Esotérica:


(…) qual a razão porque este trabalho sai primeiro em português (…)? Porque isso tem de ser assim, dado o grande Destino oculto que Portugal tem de cumprir, continuando o que já cumpriu, aquele destino que o Senhor da Ciência segredou ao Infante D. Henrique em Sagres, para que ele o pusesse em prática.


Neste ponto, convém lembrar que a essência de Capricórnio é, precisamente, a realização de uma obra no cumprimento de uma vocação específica, segredada ou não pelas Altas Instâncias!


Estas duas estrofes são o exemplo acabado da polaridade Câncer/Capricórnio. Vejamos mais de perto o primeiro pólo: sabemos que Câncer é o signo da mãe, do filho, da família e da pátria de origem. E, se nos lembrarmos das suas pinças, verificaremos que também gosta de agarrar, isto é, possuir. Além disto, este signo pertence ao Elemento Água, o qual tem a ver com emoção, sensibilidade e, portanto, devoção, lágrimas, choro, lamentação, etc. À luz destas palavras-chave, volte a ler a primeira estrofe e repare como está embebida do 4º arquétipo do Zodíaco.


O segundo polo é Capricórnio, signo do Elemento Terra e, portanto, do destino, da determinação, da paciência, do paulatino vencimento das adversidades até que o cume da montanha seja atingido. Este é o modelo da construção, da forma e da estrutura, as quais, espiritualmente falando, representam a construção, a forma e a estrutura do Reino do Pai, ou da missão que Ele destinou, o que vem a dar no mesmo. Acresce que Capricórnio é o arquétipo do medo, da dúvida, da falta de confiança e de fé. Por isso, Fernando Pessoa começa por fazer uma pergunta capricorniana:


Valeu a pena?


Mas, logo de seguida, dá uma resposta magistral:


Tudo vale a pena/Se a alma não é pequena.


Esta segunda estrofe contem a chave do processo de ascensão de um mero ser humano até atingir a o reconhecimento da sua condição divina. O que se entende, porém, por essa metamorfose? Limita-se a ser o sentido e o objetivo da vida de todos os seres humanos que já existiram, existem ou existirão neste planeta: largar o lastro instintivo e animal, e alçar-se à condição de indivíduo, de criatura individual, o que é sinônimo de estar não separada da sua origem divina. Portanto, ao estar não-separada, há de estar religada (do latim religare – religião). E, o que é mais, há de ter consciência dessa não-separação. Trata-se, ao fim e ao cabo, de um processo alquímico que, não só durante a época medieval mas, também, ainda hoje (embora em menor escala) era executada, no plano físico, através das sucessivas manipulações do chumbo (por sinal, o metal de Saturno, regente de Capricórnio) até se obter ouro (Sol, símbolo espiritual de iluminação). Mas nunca é demais recordar que as transformações evolutivas que se iam verificando na amálgama material e física, levadas a cabo pelo alquimista, eram concomitantes com as transformações que iam ocorrendo dentro dele. Obter-se o ouro físico era equivalente a atingir-se a iluminação. Se o manipulador fosse um mero trabalhador de retortas, nada feito!


É claro que, mais uma vez, esta verdade alquímica surge mascarada com a roupagem das navegações e dos descobrimentos:


Quem quer passar além do Bojador

Tem de passar além da dor.


Por via indireta, Fernando Pessoa fala, de novo, do medo, esse ex-libris capricorniano, dizendo, de uma forma maravilhosamente poética, que as coisas não são só o que parecem ser: o medo e a coragem são, apenas, as duas faces da mesma moeda:


Deus ao mar o perigo e o abismo deu,

Mas nele é que espelhou o céu.


Enfim, quem quiser um (o céu), tem de afrontar o outro (o perigo/abismo), pois um e outro são a mesma coisa, aliás como os taoístas andam há séculos a sustentar através do entrelaçamento gráfico do Yin e do Yang.


Portanto, na primeira estrofe, temos uma espécie de lamentação de caráter íntimo e patriótico, de quem ficou na praia cheio de saudades e a sofrer por quem partiu (Câncer); na segunda estrofe, reside um elevado sentido realista de quem partiu (com o coração desfeito, porém indiferente à choradeira), e que foi bem sucedido porque sabia ser essa a sua obrigação e responsabilidade (Capricórnio).


Todavia, enquanto desafio de vida, enquanto desafio divino no sentido de que cada um enfrente o seu Mostrengo (título do 4º poema/Câncer) e descubra o longe que tem dentro de si, tudo isto só faz sentido para aquele cuja alma não é pequena. Esse, é o tal que, embora integrando, infelizmente, um grupo minoritário, sabe e sente que Quem quer passar além do Bojador não tem outro remédio senão a passar além da dor!


De fato, há que invocar o início do poema (Ó mar salgado) e colá-lo ao fim dele (espelhou o céu), para ficarmos a saber, por experiência própria, ser aconselhável que o que está em baixo se decida – finalmente – a “espelhar” o que está em cima, porque a verdade é que o que está em baixo almeja o que está em cima. Dificilmente poderá deixar de ser assim, na medida em que o que está em cima concebe o que está em baixo, já que o que está em cima é análogo ao que está em baixo. Enfim, o que está em cima e o que está em baixo, limitam-se a ser dois aspectos da mesma coisa, apenas vibrando em registros diferentes, tal como os infravermelhos e os ultravioletas são, ambos, vibrações extremas da escala cromática.


E, assim, de novo nos confrontamos com a questão das polaridades, essas manifestações separadas da Unidade!


Por isso, Saturno, regente do signo correspondente a este Mar Português, através da sua incomensurável sabedoria, ensina que se vivemos o Alfa de uma área de vida através de frustrações, bloqueios, contrariedades e sofrimentos, também temos a capacidade de poder vir a viver o Ômega dessa mesma área de vida através duma maestria inultrapassável, cujos pilares são a serenidade, a maturidade e a segurança!


Poema XI

Aquário – A Última Nau


Levando a bordo El-Rei D. Sebastião,

E erguendo, como um nome, alto o pendão

Do Império,

Foi-se a última nau, ao sol aziago

Erma, e entre os choros de ânsia e de pressago

Mistério.

Não voltou mais. A que ilha indescoberta

Aportou? Voltará da sorte incerta

Que teve?

Deus guarda o corpo e a forma do futuro,

Mas Sua luz projecta-o, sonho escuro

E breve.

Ah! Quanto mais ao povo a alma falta,

Mais a minha alma atlântica se exalta

E entorna,

E em mim, num mar que não tem tempo ou ‘spaço.

Vejo entre a cerração teu vulto baço

Que torna.

Não sei a hora, mas sei que há a hora,

Demore-a Deus, chame-lhe a alma embora

Mistério.

Surges ao sol em mim, e a névoa finda:

A mesma, e trazes o pendão ainda

Do Império.


Neste poema, a figura central é um rei. Em nenhum outro texto deste conjunto isso se verifica, tal como não se verifica em nenhum outro verso dos 12 poemas de Mar Português a ocorrência de um termo tipicamente aquariano – Deus guarda o corpo e a forma do futuro.


Ora, rei equivale a Leão, signo oposto a Aquário. Não se trata, porém, de um rei qualquer; é D. Sebastião (1554/1578), nascido precisamente sob o signo de Aquário (20 de Janeiro), cuja personalidade rebelde e controversa reflete, perfeitamente, o seu arquétipo solar de nascimento.


E por que razão Pessoa encena aqui o desaparecimento de D. Sebastião, rei, símbolo do Sol?


Antes de tentar responder a esta pergunta, convém explicar um aspecto técnico da Astrologia:


Cada signo tem o seu regente. Quando, numa carta astrológica, o regente de um signo se encontra colocado no signo oposto, diz-se que está em exílio ou exilado. Trata-se de uma situação em que a energia está deslocada, fora do contexto, longe do meio a que pertence. Em decorrência disso, as suas características não podem expressar-se plenamente. No que toca ao eixo Leão/Aquário, a energia em jogo é precisamente a do Sol, porque, ao reger Leão, está, portanto, exilada em Aquário. É por isso que Leão, dispondo do Sol em regência, tende a brilhar para seu próprio gosto e proveito, enquanto que Aquário, recebendo o exílio do Sol, tem um caráter mais associativo e fraternal, onde o ego não joga um papel tão preponderante. De fato, a postura de Aquário é muito pouco solar porque as posições e interesses meramente pessoais (Sol/Leão) apagam-se e colocam-se ao serviço fraternal da comunidade.


Por conseguinte, pode-se interpretar a decisão de D. Sebastião de se envolver na aventura de Alcácer Quibir, como uma situação onde as qualidades e atributos do rei estavam exiladas. As consequências desta decisão parecem ser o resultado de um Sol que passa para o oposto complementar: o Sol (rei), símbolo da vontade pessoal, decide em função do coletivo (a expansão do império). Assim, este Sol afastou-se, arrefeceu, apagou-se e desapareceu. Convém estar ao serviço dos outros, mas, desta vez, a coisa correu mal. Pessoa reconhece-o quando, na primeira estrofe, adjetiva de aziago o sol que iluminava a última nau no dia da partida.


No entanto, existe uma passagem intrigante neste poema que só pode ser entendida se for iluminada por uma outra luz, que não a das Descobertas: que razão leva Pessoa a considerar a nau onde embarcou de D. Sebastião como a última, uma vez que as navegações portuguesas não acabaram ali?


A resposta não é nada fácil. Arrisco, no entanto, a seguinte interpretação: o 11º signo, Aquário, é o último antes da dissolução final (Peixes). Assim, Aquário pode ser entendido como a última oportunidade de iluminação antes do ato de desencarnar. Dito de outra forma, o Sol, por estar em exílio, longe do seu trono em Leão, tem como atribuição fundamental reconhecer-se como uma luz que não foi criada pelo ego, mas sim pelo Pai. A partir dessa constatação, restam-lhe poucas opções, sendo que a mais recomendada será transformar-se na Luz da fraternidade e, a seguir, fundir-se com o Todo!


No caso da evolução espiritual do poeta parece ter ocorrido isso mesmo, já que, na última estrofe, diz: Surges ao sol em mim, e a névoa finda.


Ou seja, ao desaparecer a confusão que caracteriza quem ainda está preso às ilusões do mundo, tudo fica claro. Trata-se, evidentemente, de uma questão particular, alquímica, que só ao manipulador diz respeito. Tanto assim é que, inesperadamente, Pessoa põe o verbo na primeira pessoa, como se enaltecesse o que D. Sebastião representa: aquilo que há de voltar numa manhã de nevoeiro (símbolo da confusão que grassa no coração dos homens), para finalmente despertar, dentro de cada peito, a Luz do Pai! E acrescenta, reforçando – A mesma, e trazes o pendão ainda / Do Império.


É, decerto, uma referência ao V Império, o Reino do Espírito Santo, ou seja o último argumento do Pai, que volta para fazer valer a Mensagem de Cristo (o Filho).


A palavra ainda é importantíssima aqui, na medida em que parece destacar a fidelidade do Espírito Santo: apesar da longa espera e da tolerância sobre a loucura dos homens, apesar disso, ainda porta o pendão supremo do Império!


Quanto à resposta à segunda questão levantada acima, é claro que, para o que Pessoa pretendia dizer, o local geográfico de chegada do rei não interessa para nada. Ilha ou continente, tanto faz. O poeta novamente se serve de um episódio da história portuguesa para abordar uma questão mais transcendente. Ele sabe que, no que toca ao seu percurso espiritual, pessoalmente, está prestes a fazer uma grande iniciação E, apesar de viver numa sociedade majoritariamente composta por gente adormecida, está confiante. Por isso diz – Ah! Quanto mais ao povo a alma falta, / Mais a minha alma atlântica se exalta / E entorna…


É por causa desta devoção que o poema final desta série (correspondente ao signo que fecha o Zodíaco – o devocional Peixes), se chama Prece!


Convidamos agora o leitor a tentar fazer um verso com as primeiras e as últimas palavras deste poema.


Seja qual for a combinação tentada, nenhuma faz sentido suficiente… tal como não faz muito sentido o episódio histórico que esta Última Nau aborda.


É estranho que assim seja?


Talvez! Mas esta exceção à regra não haverá de causar admiração. Estamos navegando nos reinos de Aquário e do seu surpreendente, imprevisível e, fundamentalmente, excepcional Urano!


Poema XII

Peixes – Prece


(31 DE DEZEMBRO DE 1921 – 1 DE JANEIRO DE 1922)

Senhor, a noite veio e a alma é vil.

Tanta foi a tormenta e a vontade!

Restam-nos hoje, no silêncio hostil,

O mar universal e a saudade.

Mas a chama, que a vida em nós criou,

Se ainda há vida ainda não é finda.

O frio morto em cinzas a ocultou:

A mão do vento pode erguê-la ainda.

Dá o sopro, a aragem – ou desgraça ou ânsia –

Com que a chama do esforço se remoça,

E outra vez conquistemos a Distância –

Do mar ou outra, mas que seja nossa!


O paralelismo deste último poema com o último signo zodiacal, começa logo no título. Prece é sinônimo de oração, o que pressupõe ligação, reverência e reconhecimento do plano divino ou, no mínimo, uma ânsia de contato com ele. Essa é a atitude do arquétipo pisciano. Realmente, Peixes passa a maior parte da vida com saudades do divino, sendo por isso que lhe é difícil lidar com o materialismo, a fealdade e a violência do plano terreno. Por isso, tende a retirar-se para o claustro, para o mosteiro, convento ou só para dentro de si mesmo para reatar os laços que o ligam às dimensões transcendentes.


Porém, se a espiritualidade ainda estiver adormecida, essa fuga do mundo poderá ocorrer através de tácticas de evasão e escapismo (ilusões, irrealismo, fantasias, drogas, etc.), ou por via da doença. Torna-se, então, num ser desamparado onde, muitas vezes, impera a chantagem emocional e a auto piedade.


Portanto, é razoável começar o poema com uma invocação da divindade:


Senhor, a noite veio e a alma é vil.


Este poema tem três estrofes e cada uma delas refere os três patamares do Tempo: a primeira estrofe aborda o Passado – Senhor, a noite veio e a alma é vil/Tanta foi a tormenta e a vontade!


Todavia, a forma como decorreram as coisas no passado condiciona a forma como estamos no Presente – Restam-nos hoje, no silêncio hostil/O mar universal e a saudade.


Mas como a segunda estrofe remete para a vivência do Presente, é claro que a esperança não pode morrer. Por isso, constata-se objetivamente – Mas a chama, que a vida em nós criou/Se ainda há vida ainda não é finda.


Nem jamais poderá sê-lo!


Nesta segunda estrofe, Pessoa volta a referir o Divino como essência do Presente – O frio morto em cinzas a ocultou:/A mão do vento pode erguê-la ainda.


Esta constatação introduz a terceira estrofe onde se fala do Futuro. Aqui encontramos aquela evidência (Dá o sopro, a aragem – ou desgraça ou ânsia -/Com que a chama do esforço se remoça) que abre as portas para futuras realizações e gera a determinação para percorrer outro plano da espiral evolutiva – E outra vez conquistemos a Distância/Do mar ou outra, mas que seja nossa!


Estas três estrofes também referem claramente aos quatro Elementos.


Releia-se a primeira estrofe (Passado) deste poema correspondente a um signo de Água (Peixes), e notar-se-á que refere, é claro, este Elemento. Porém, como a Terra é harmônica com a Água (a Terra confina, segura e dá forma à Água, enquanto a Água, fertiliza, embebe e amacia a Terra), reconhecemos a Terra em:


Tanta foi a tormenta e a vontade!

Restam-nos hoje, no silêncio hostil,


A associação de tormento e hostil com a Terra fica mais clara sabendo que este Elemento representa os tormentos inerentes à densificação máxima da energia (materialização), bem como a hostilidade dos desafios inerentes a essa situação.


A segunda estrofe (Presente) contém a referência aos outros dois Elementos (Fogo e Ar), cuja ação centrífuga tende a dirigir a energia para fora e para cima. Também eles são naturalmente harmônicos entre si, já que o Fogo aquece e faz movimentar o Ar, e o Ar atiça e vivifica o Fogo.


O terceiro verso desta segunda estrofe (O frio morto em cinzas a ocultou), refere particularmente a ausência deles: Frio e cinzas para o Fogo; morto para o Ar.


Se o leitor estranhar a associação do Ar com morto, experimente deixar de respirar por uns minutos!


Finalmente, como se de um crescendo se tratasse, a terceira estrofe do poema (Futuro), refere os quatro Elementos, associados na sua relação harmônica (Ar/Fogo e Terra/Água). Nos dois versos iniciais reconhecem-se o Ar e o Fogo:


Dá o sopro, a aragem – ou desgraça ou ânsia –

Com que a chama do esforço se remoça,


Nos dois versos finais ressalta o poder da Terra e a posse da Água:


E outra vez conquistemos a Distância –

Do mar ou outra, mas que seja nossa!


Resta acrescentar uma curiosidade final (diria sincronicidade) que tem a ver com esta questão da passagem de um ciclo para outro, de um estado para outro que caracteriza a iniciação espiritual – a qual teve uma presença persistente ao longo deste trabalho. Trata-se da circunstância de Prece ter sido escrito na passagem do dia 31 de Dezembro de 1921 para o dia 1 de Janeiro de 1922!


Considerações Finais


Cremos ter ficado claro o fato de este conjunto de poemas referir-se a outro tipo de viagens, que não só aquelas que os navegadores portugueses empreenderam por mares nunca antes navegados.


Enquanto seres espirituais em evolução, cada um de nós encarna periodicamente neste planeta para que, enquanto Infante, possa empreender uma expedição aos seus mares internos, desconhecidos e amedrontadores, onde reina um Mostrengo que adora agigantar-se, mas cuja descoberta e conhecimento garante uma Ascensão.


E porque não importa o que, por ter sido transcendido, ficou para trás, sente-se um impulso de lavrar um Epitáfio em sua homenagem e lembrança.


Internamente, o Peregrino que existe em cada um de nós, deve afrontar um novo Horizonte navegando para Ocidente e, com orgulho, plantar um Padrão em cada novo território que vai desvelando. Um dia, inevitavelmente, construirá, aparelhará e embarcará na sua Última Nau. E, quando estiver à beira do fim do seu tempo, decerto vai querer encomendar-se a Deus através de uma Prece. Depois, desejará desencarnar em paz e tranquilidade para que possa renascer num tempo e locais propícios.


Trata-se um empreendimento solitário. Não há Colombos que nos valham!


Ao fim e ao cabo, ambas as viagens, quer as empreendidas ao mundo da matéria sólida e líquida (Terra e Água), quer as realizadas ao mundo da matéria subtil da vontade e da mente (Fogo e Ar) – as quais duram o tempo necessário para conhecermos os segredos de manifestação máxima dos 12 arquétipos zodiacais – simbolizam a semente (I) e o fruto (XII) da Evolução:


(I): Deus quer, o homem sonha, a obra nasce

(XII): … conquistemos a Distância –

Do mar ou outra, mas que seja nossa!


Por isso, escolhemos para epígrafe deste pequeno trabalho, dois versos de Pessoa, os quais, por nos parecer oportuno, relembramos aqui:


Que as forças cegas se domem

Pela visão que a alma tem!

quinta-feira, 4 de maio de 2023

Dante, Astrología y Astronomia


Hijo de Alighiero di Bellincione y de Bella (o quizás Gabriella), Dante Alighieri (o quizás “Durante” Alighieri, en su forma completa original) nació en 1265 en Florencia, capital de la Toscana. La fecha exacta no ha llegado a nosotros, ya que lo poco que sabemos sobre su vida es lo que quedó escrito en diversos documentos de la época, en comentarios de otros escritores y en sus propias obras literarias. En estas últimas, Dante no se mostró demasiado preciso.


Sin embargo, en el canto XXII del Paraíso, el tercer cántico de su obra cumbre, la Divina Comedia, Dante declaró haber nacido bajo la influencia de Géminis, conforme a su signo astrológico, y siguiendo una tradición antiquísima. Dante, en esta parte de su obra, cantó a las estrellas que forman la constelación de los Gemelos, las que describió así (versos 112-117):


“O gloriose stelle, o lume pregno

di gran virtu`, dal quale io riconosco

tutto, qual che si sia, il mio ingegno,

con voi nasceva e s’ascondeva vosco

quelli ch’e` padre d’ogne mortal vita,

quand’io senti’ di prima l’aere tosco;”


Debemos admitir que poca gente se escribió un acta de nacimiento más poética y original. Lo que nos quiere trasmitir Dante con estos versos es que en conjunción con la constelación de los Gemelos surgía y se ocultaba aquel astro que genera todas las cosas terrenas, el Sol, cuando el poeta respiró por vez primera –en el momento de su nacimiento– el aire de la Toscana. De este y otros datos (ver también el canto XV del Infierno, versos 55-57) podemos deducir entonces que Dante debió haber nacido entre el 22 de mayo y el 21 de junio de 1265. La fecha es aún tema de discusión entre los estudiosos: Battistessa, por ejemplo, la ubica entre el 14 de mayo y el 15 de junio.


En la Edad Media, astronomía y astrología se diferenciaban mal. En el siglo XIII eran raros los filósofos de la naturaleza que no tenían genuino interés por supuestas relaciones “causales” entre el cielo y las vicisitudes terrestres. Sin embargo, para Dante no existía ambigüedad, pues, como lo afirma en el segundo tratado de su gran trabajo filosófico El Banquete (Convivio, Libro IV, capítulo II) :


“La astrología es la más alta de entre todas las ciencias ya que, como lo afirma Aristóteles en el comienzo del Alma, la ciencia es alta en nobleza por la nobleza de su sujeto y por su certeza; y ésta, más que cualquiera de las otras, es noble y alta, por el noble y alto sujeto de su estudio, ya que trata sobre el movimiento del cielo; y alta y noble por su certeza, que no tiene defecto alguno, como procedente de un muy perfecto y regulado principio. Y si algunos creen ver defecto en ella, el defecto no está de su parte, sino que se debe, como dice Ptolomeo, a nuestra negligencia, y es a esta última que debe ser imputado.”


En este extracto, Dante hace mención del célebre texto De anima (Sobre el Alma) en el que Aristóteles tratara de explicar qué es el alma o “el principio de la vida” que poseen tanto plantas, como animales y seres humanos.


Pasemos ahora a los signos. Todos sabemos cuál es nuestro signo de nacimiento, aunque por supuesto algunos lo tienen más presente que otros. Dante, como vimos, se declara Géminis, esto es, afirma en varias ocasiones haber nacido bajo el signo de los Gemelos.


Si preguntamos a alguien cuál es su signo, muy probablemente nos responda de inmediato. Podemos entonces sugerirle que nos diga su verdadero signo de nacimiento, y explicarle que los signos habituales que se publican en periódicos y revistas generalmente no son los correctos, a menos que uno haya nacido un par de miles de años atrás. La intriga de nuestro hipotético interlocutor permitiría explicar algunas cuestiones interesantes de astronomía, por ejemplo, las consecuencias que tiene para la astrología la existencia de la precesión de los equinoccios.


Observações:


É oportuno um esclarecimento neste momento: é equivocada ou intencional a distorção dos astrônomos acerca da astrologia. O signo ao qual nos associamos no dia do nascimento está na eclíptica. A conjunção do Sol com a constelação de Gêmeos não determina nosso signo astrológico. Esta não foi a associação de Dante, porque no verso citado não há nenhuma menção à constelação de Gêmeos; o que podemos entender deste verso abaixo é a clara contextualização de Júpiter e do signo de Gêmeos, ambos na eclíptica. Ele era um homem culto e não um pseudo sábio.


Ademais, no parágrafo acima onde o autor cita o Banquete, tive que fazer duas correções: 1) no texto do artigo publicado (Ciencia Hoy – Volumen 18 número 104 abril-mayo 2008)  ele diz  que a citação de Dante está no cap. XIII; erro: Está no livro II e no cap. XIV (cielo de Saturno), ele pode ser lido nesta página na parte dos Excertos do Banquete. 2) Dante no original nunca usou a palavra astronomia, enquanto o autor do texto publicado deformou a sentença original do livro IV colocando a excelsa ciência da astrologia, a qual Dante glorifica, como astronomia no original, ou seja, tornando a astrologia um substrato residual de alguma quimera. Duas vezes equivocado nosso amigo astrônomo.


E ainda é oportuno mais umas palavras, estraídas do Banquete (Livro IV, Cap. XV): Segundo Tomás de Aquino em sua Summa contra os Gentios: “Há pessoas tão presunçosas de seu gênio, que crêem com seu intelecto poder medir todas as coisas, estimando que é totalmente verdadeiro o que a eles parece, e falso o que a eles não parece”… (…) Sobre estes diz Salomão em seus Provérbios: “Vê quem rapidamente responde? Dele se espera a estupidez antes que a verdade”.


 L’aspetto del tuo nato, Iperione,

quivi sostenni, e vidi com’si move

circa e vicino a lui Maia e Dione.

Quindi m’apparve il temperar di Giove

tra ‘l padre e ‘l figlio: e quindi mi fu chiaro

il variar che fanno di lor dove;

e tutti e sette mi si dimostraro

quanto son grandi e quanto son veloci

e come sono in distante riparo.

L’aiuola che ci fa tanto feroci,

volgendom’io con li etterni Gemelli,

tutta m’apparve da’ colli a le foci;

poscia rivolsi li occhi a li occhi belli.


Do filho, Hiperião, a flama intensa

Pude olhar; perto e em torno lhe giravam

Maia e Dione em volta pouco extensa.


Como aos do pai e filho temperavam

De Jove os fogos, vi e o movimento

Vário, que em roda ao centro seu formavam.


Dos orbes sete eu contemplava atento

Grandeza e rapidez, e comprendia

Distâncias e postos seus no firmamento.


Como o curso dos Gêmeos eu seguia

De montes, mares via todo envolto

O canto estreito, em que homem se gloria:


Olhos depois aos belos olhos volto.


Ya en el siglo I a.C., el poeta latino Albio Tibulo, en la tercera elegía de su primer libro de poemas (versos 17-18) rememoraba cómo cuando, temeroso de partir a la guerra, él “veía malos augurios en el vuelo de las aves, o invocaba que el día de Saturno (Saturni) debía permanecer en casa”. Y es esta, aparentemente, la primera referencia escrita al sábado (día de Saturno) como día de mal agüero, y poco conveniente para emprender un viaje. Imagen de Astronomie Populaire, 1880, de Camille Flammarion.

Cosmología de la Divina Comedia


En todas las épocas, la cosmología, la cultura y la civilización han estado ligadas en mayor o menor medida. La visión aristotélica de la física y del cosmos—una notable síntesis—fue, sin duda alguna, la más influyente en todos los ámbitos de la vida intelectual durante dos milenios. Sin embargo, la ciencia griega debió realizar un complicado periplo para llegar hasta nosotros. Durante la temprana y la alta Edad Media (aproximadamente entre los siglos V y XII), los conocimientos griegos se mantuvieron vivos en Europa occidental en forma muy fragmentaria. Pero en el Cercano Oriente se conservó y desarrolló aún más este precioso legado y fue desde allí que una ‘nueva’ cosmología reingresó en Europa. Las traducciones de las obras de Aristóteles y Ptolomeo, así como también tratados árabes y comentarios sobre los antiguos textos de ciencia griega, se difundieron en Occidente entre los años 1150 y 1300, sobre todo procedentes de la cultura islámica de España.


Pero la visión aristotélica no era propiedad exclusiva de los filósofos de la naturaleza; muchos escritores y poetas también se sintieron atraídos hacia ella. En todas las civilizaciones, la cosmología fue siempre un elemento clave de la cultura y, de una u otra manera, el movimiento de los cielos terminó impregnando la literatura de cada época. Entre los más notables poetas de la cultura occidental se encuentra Dante Alighieri (1265-1321) quien se hiciera célebre por su Commedia, escrita entre el año 1307 y la muerte de su autor y a la cual la crítica, a partir del siglo XVI, calificó de divina. La Divina Comedia contribuyó fuertemente al desarrollo de la cultura popular de las ciudades-estado de Italia y colocó a la lengua italiana en un lugar preeminente dentro del marco europeo. Dante fue uno de los representantes del llamado dolce stil novo, movimiento literario que transformó la poesía popular amorosa en un arte refinado capaz de reflejar las influencias de corrientes filosóficas contemporáneas.


El cosmos de la Divina Comedia representa un modelo aristotélico simplificado en donde la Tierra permanecía quieta en el centro del universo y los astros eran transportados por esferas materiales cristalinas y transparentes. Según Aristóteles, la Tierra estaría rodeada por tres esferas sucesivas: de agua, de aire y de fuego. El conjunto de la Tierra y estas esferas elementales constituían el llamado mundo sublunar, más allá del cual se ubicaban las esferas de los planetas. Por fuera del conjunto concéntrico de esferas planetarias se ubicaba la esfera de las estrellas, a la que Dante otorga un movimiento casi imperceptible de oeste a este. Esto estaba de acuerdo con el movimiento de ‘precesión de los equinoccios’ que hoy sabemos vale unos 50,26 segundos de arco por año (o sea, unos 1,4 grados por siglo) y que fuera descubierto por Hiparco más de mil años antes de la época de Dante.


Dante, en el comienzo de La Vita Nuova de 1293 (una recopilación de sus primeros poemas líricos), describe la edad de su amada Bice di Folco Portinari (Beatrice) a través de la fracción de grado angular que se ha movido la esfera de las estrellas en ese lapso de tiempo. En sus propias palabras:


“Luego de mi nacimiento, el luminoso cielo había vuelto ya nueve veces al mismo punto, en virtud de su movimiento giratorio, cuando apareció por vez primera ante mis ojos la gloriosa dama de mis pensamientos, a quien muchos llaman Beatriz, en la ignorancia de cuál era su nombre.


Había transcurrido de su vida el tiempo que tarda el estrellado cielo en recorrer hacia Oriente la duodécima parte de su grado y, por tanto, aparecióseme ella casi empezando su noveno año (…)”.


Notemos aquí la diferencia entre el luminoso cielo, cuyo movimiento está dado por el Sol, y el estrellado cielo, cuyo lento movimiento está dado por las estrellas y es debido a la precesión de los equinoccios. ¿Qué es la precesión de los equinoccios? El eje de la Tierra no apunta siempre en la misma dirección con respecto a las estrellas lejanas: la Tierra rota sobre su eje, pero éste, bajo la influencia principal de la Luna, va cambiando lentamente su dirección como si fuera un trompo gigante. Debido a ello, la órbita de la Tierra alrededor del Sol (que determina el llamado plano de la eclíptica) no siempre cortará al plano ecuatorial de la Tierra en los mismos puntos (los equinoccios). Estos puntos se irán desplazando en el espacio -movimiento de precesión- con un período que resulta ser de unos 25.765 años. Ya mencionamos que el movimiento de precesión de los equinoccios representaba apenas unos 1,4 grados por siglo (o más precisamente, 1,396 grados por siglo), y es por ello que una vuelta de 360 grados será entonces completada en unos 25.765 años.


Ahora bien, Dante nos indica que el estrellado cielo había recorrido un doceavo (1/12) de grado angular en el transcurso de la vida de Beatriz. Una simple regla de tres nos permite entonces calcular la edad que debía tener su amada en ese primer encuentro:


25.765 años x (1/12) / 360 = 6 años aproximadamente.


Pero Dante también menciona que Beatriz se le apareció casi empezando su noveno año, esto es, Beatriz apenas si llegaba a completar sus 8 años de edad. Conclusión, el verdadero valor era 8; él calcula 6, lo cual representa un error (una subestimación) de apenas el 25%: ¡nada mal por tratarse de un poeta!


Más allá de la esfera de las estrellas se hallaba la esfera invisible que daba su movimiento a todas las esferas interiores, la morada del Primer Motor. Nuestro poeta florentino estaba lejos de ser un astrónomo principiante: Dante contaba con sólidos conocimientos de cosmología aristotélica y los estudiosos han encontrado en sus obras frecuentes y específicas referencias al cosmos tal como se lo entendía a fines del siglo XIII. Hay más de cien pasajes relacionados con la astronomía en la Divina Comedia, y cada uno de los cánticos de que se compone concluye con la palabra estrellas.


Al narrar el viaje del poeta hacia el más allá, la Divina Comedia nos muestra la concepción del universo de la época. Este se divide en tres reinos, a los que corresponden las tres grandes partes del poema: Infierno, Purgatorio y Paraíso. El periplo comienza con Dante perdido en una selva oscura espiritual, esto es, un lugar que no pertenece a la geografía física, sino que representa más bien un estado de ánimo de confusión mental y sentimental (contrariamente a las muchas representaciones pictóricas que ubican a esta selva en algún lugar de la superficie del globo terrestre). Guiado por el poeta romano Virgilio, Dante penetra a través de la boca del infierno y juntos descienden a las entrañas de la Tierra, recorriendo las pendientes del abismo del averno. En el infierno, los distintos niveles de castigos se ordenan en círculos de diámetro gradualmente decreciente, de modo tal que los peores pecadores se hallan a las mayores profundidades.


Al final de su descenso, Dante y su guía se encuentran con Lucifer. Este emperador del reino doloroso, que maneja el mundo terrestre, se halla quieto en su trono en el centro de la Tierra. Con la intención de dirigirse hacia el otro hemisferio, Virgilio -quien en este momento transporta a Dante– se aferra al flanco de Lucifer y desciende deslizándose por el cuerpo del gigante. Es así que, pasado un cierto punto, los viajeros quedan súbitamente dados vuelta y cabeza para abajo con respecto a Lucifer. Asombrado, Dante pide entonces a su guía que le explique lo sucedido, a lo que Virgilio responde (Infierno, canto XXXIV, 106-111):«Tu imagini ancora

d’esser di là dal centro, ov’ io mi presi

al pel del vermo reo che ‘l mondo fora.

Di là fosti cotanto quant’ io scesi;

quand’ io mi volsi, tu passasti ‘l punto

al qual si traggon d’ogne parte i pesi».


Recordemos en este punto que Aristóteles afirma que todo elemento tiende a dirigirse hacia su lugar natural lo más rápidamente posible y por el camino más corto. El lugar natural de los objetos pesados (compuestos por el elemento tierra) es el centro de la Tierra y hacia allí caen en línea recta, tanto más rápido cuanto más pesados son. (Esta última, claro está, es una idea sobre la aceleración de los cuerpos que la física moderna desechará.) Como vemos, el lugar donde se ubica Lucifer representa para Dante el centro geométrico del universo y el lugar hacia donde todos los cuerpos pesados, compuestos de tierra, convergen—una clara herencia de las enseñanzas del gran filósofo griego.


Pero Lucifer no habría estado siempre en el centro de la Tierra, sino que habría caído allí, desde la cumbre de la Creación, como castigo junto con otros ángeles rebeldes. Esto lo explica nuevamente Virgilio en el último canto del Infierno (versos 121-126):


«Da questa parte cadde giú dal cielo;

e la terra, che pria di qua si sporse

per paura di lui fe’ del mar velo,

e venne a l’emisperio nostro; e forse

per fuggir lui laciò qui loco vòto

quella ch’appar di qua, e sú ricorse».


Así, las tierras del sur retrocedieron por miedo a Lucifer, cubriéndose con las aguas a modo de un velo; se sumergieron en el océano y reemergieron en el hemisferio Norte formando la tierra firme conocida por los europeos. Dante introduce aquí una explicación claramente sobrenatural del antiguo interrogante de cómo el elemento pesado que es la tierra había logrado emerger por encima del elemento relativamente más liviano (el agua) para dar lugar a la tierra habitable.


Del centro de la Tierra, ambos personajes ascienden a través de un pasaje subterráneo hasta la costa de una isla del océano inexplorado del hemisferio sur. En esta isla se halla la montaña del Purgatorio, ubicada en dirección diametralmente opuesta a Jerusalén, y en cuya cima nuestros héroes encuentran el Jardín del Edén. Esta montaña ‘que acá se ve elevada’, se habría formado por un desplazamiento de tierra durante la caída de Lucifer, hecho cataclísmico que también habría generado la cavidad aproximadamente cónica del Infierno “un vacío” por donde los viajeros habían descendido, tal como se relata en este primer cántico. Dado que el ápice de este cono llegaba hasta el centro de la Tierra, la montaña del Purgatorio -en última instancia el cono de tierra que se desplazó y al hacerlo generó la cavidad del Infierno- debía ser increíblemente alta; de hecho, ya su tercera terraza estaba por encima de la atmósfera y su cima se ubicaba apenas por debajo de la esfera del fuego (la más externa de las esferas sublunares).


A partir de allí, Beatriz toma el relevo de Virgilio y conduce a Dante a través de la esfera del fuego y de las sucesivas esferas celestes del reino de los cielos, comenzando con la de la Luna. La forma de atravesar las esferas cristalinas utiliza la reflexión de la luz: en cada etapa Beatriz mira fijamente los engranajes celestiales mientras Dante observa la reflexión de estos en los ojos de su compañera. Cumplido este proceso, ambos son transportados inmediatamente al cielo siguiente.


En cada cielo los viajeros se encuentran con las almas de los bienaventurados. En la Luna, por ejemplo, encuentran a los inconstantes, aquellos que no cumplieron sus juramentos solemnes en la Tierra. Estos aparecen como meras imágenes difusas, reflexiones borrosas, tal como se manifestaba la Luna a los ojos de Dante. Mercurio alberga a los espíritus activos y a los líderes ilustres y en Venus se encuentran con los amantes famosos. Al Sol, que representaba la luz de la sabiduría, le corresponden los sabios, teólogos y filósofos. Así se sigue hasta Saturno, el más frío y alejado de los planetas, el séptimo cielo astronómico, donde se encuentran con los espíritus contemplativos.


Notemos que la morada de las almas en el más allá era el Paraíso y que estas almas no residían en las esferas celestes, astronómicas, sino en el Empíreo, más allá del cielo de las estrellas. Los espíritus que se les aparecen a los peregrinos lo hacen para mostrarles la gloria gradualmente creciente de la que gozan, e indicarles sus antiguos temperamentos terrestres, los que a su vez habían sido influenciados por alguno de los siete astros mientras permanecían en la Tierra. Es de destacar también la importancia que Dante le otorga a la astrología durante el desarrollo de este cántico: de los 33 cantos del Paraíso, 26 ocurren en el cielo astronómico por debajo de las esferas metafísicas (o teológicas) del Primer Motor y del Empíreo.


Dante y su compañera continúan entonces su travesía, dirigiéndose hacia las regiones más exteriores de este cosmos aristotélico cristianizado. Llegados a la esfera de las estrellas, el stellatum u octavo cielo astronómico, Beatriz sugiere a Dante hacer una pausa y mirar el camino ya recorrido (Paraíso XXII, 124-129):


«Tu se’ sí presso a l’ultima salute»,

cominciò Beatrice, «che tu dei

aver le luci tue chiare e acute;

e però, prima che tu piú t’inlei,

rimira in giú, e vedi quanto mondo

sotto li piedi già esser ti fei»;


El peregrino hace caso y contempla desde las alturas los planetas, sus movimientos y distancias. Sonriendo ante la pequeñez y humildad de la Tierra comenta entonces (versos 133-135):

“Col viso ritornai per tutte quante

le sette spere, e vidi questo globo

tal, ch’io sorrisi del suo vil semblante;”


Seis horas más tarde, Dante volverá su vista nuevamente, esta vez para constatar cómo él y su compañera se han en efecto desplazado 90 grados, acompañando al cielo en su movimiento diurno.


Llegados luego al Primum Mobile (Primer Motor), Dante y Beatriz se hallan en el límite intangible entre lo natural y lo sobrenatural. Al mirar hacia arriba ven ahora un punto extraordinariamente pequeño y luminoso a la vez. Alrededor de éste, nueve órbitas centelleantes representan las nueve órdenes de ángeles que rodean a Dios.


En el Paraíso XXVIII, 40-45, el poeta continúa:


La donna mia, che mi vedea in cura

forte sospeso, disse: «Da quel punto

depende il cielo e tutta la natura.

Mira quel cerchio che piú li è congiunto,

e sappi che ‘l suo muovere è sí tosto

per l’affocato amore ond’ elli è punto».


Así, a diferencia del mundo físico aristotélico en el que los planetas más exteriores se desplazaban a mayor velocidad que los más cercanos al centro de giro (la Tierra) con el fin de completar la órbita diaria, en el mundo espiritual de la Comedia las órbitas eran tanto más divinas (más rápidas) cuanto más interiores y cercanas a la luz central se encontraban. Entonces, Dante responde (versos 46-51):


E io a lei: «Se ‘l mondo fose posto

con l’ordine ch’io veggio in quelle rote,

sazio m’avrebbe ciò che m’è proposto;

ma nel mondo sensibile si puote

veder le volte tanto piú divine,

quant’ elle son dal centro piú remote».


Beatriz mostrará a Dante el motivo divino por el cual el mundo espiritual es así, no sin dejar de enumerar la entera jerarquía de ángeles y sus cualidades, según lo expuesto por el filósofo Pseudo-Dionisio, pues:


«E se tanto secreto ver proferse

mortale in terra, non voglio ch’ammiri;

ché chi ‘l vide qua sú gliel discoperse

con altro assai del ver di questi giri».


Se revelaba así, en el final del canto XXVIII (versos 136-139), que si Pseudo-Dionisio conocía la verdadera distribución de las esferas de ángeles, era porque se lo había indicado el apóstol San Pablo, quien aquí la vio— es decir, quien había estado en el cielo (Infierno II, 28).


Lo cierto es que con la integración del mundo espiritual al cosmos aristotélico, el genio de Dante proporcionaba una solución posible (dentro del marco de una obra literaria) a la incomodidad filosófico-religiosa que había caracterizado a los modelos cosmológicos de la Edad Media. Antes, elevarse hacia el cielo era hacer un viaje de alejamiento del centro, lo cual no era muy satisfactorio. Ahora, un viaje hacia lo más alto nos alejaba de la Tierra—en efecto—pero al mismo tiempo nos guiaba en la dirección de la divinidad, con etéreos coros angélicos mostrando el camino. Hacia mediados de la baja Edad Media, entonces, la Divina Comedia difunde un modelo de universo cristianizado en donde el mundo geocéntrico se muestra poseedor de un alma teocéntrica.


En realidad, Aristóteles postuló dos modelos diferentes de movimiento de las esferas celestes. En sus obras Sobre el cielo y la Física propuso la idea de que la esfera exterior o Primer Motor mueve a las esferas interiores por una acción mecánica o de fricción que se propaga. Pero dadas las obvias inconsistencias de esta explicación, en Metafísica XII, 7-8 la sustituye por otra según la cual en cada esfera habría una inteligencia (sustancia inmaterial) que movería la esfera correspondiente por deseo. Este segundo tipo de esquema es el que será favorecido por los intérpretes islámicos y hebreos medievales de Aristóteles, quienes identificaron las inteligencias con los ángeles de la tradición bíblica—entre ellos, el médico y filósofo persa Avicena (siglo XI), pero también Algazel, Isaac y Maimónides. Esta identificación de la fuerza motriz de cada esfera con un ángel fue elaborada por Tomás de Aquino (siglo XIII), pero no fue aceptada por todos los escolásticos: Alberto Magno, el maestro de Tomás y una de las voces más autorizadas en filosofía de la naturaleza, la negaba, como también lo hacía el matemático y filósofo de la naturaleza Robert Kildwardby, manifestando la que era posición común en el Oxford de los siglos XIII y XIV.


Uno de las exposiciones más influyentes sobre la sistematización de las jerarquías angélicas fue debida a un autor neoplatónico del siglo VI AD que se conoció en la Edad Media con el nombre de pseudo Dionisio (debido a que se lo identificó equivocadamente con el personaje que, según el relato bíblico, San Pablo habría convertido durante su discurso en el ágora de Atenas). Entre las obras del pseudo Dionisio se encuentra una que se denomina Sobre la jerarquía celeste.


En el capítulo 6 de su obra El Convivio, Dante expone el esquema cósmico según el cual a cada esfera corresponde una de las jerarquías angélicas expuestas por el pseudo-Dionisio. Es muy interesante advertir que en el capítulo 5, el poeta advierte sobre los dos modos diferentes de explicación que proporcionó Aristóteles en sus obras Sobre el cielo y Metafísica. Esto demuestra que sus textos literarios están asentados sobre un conocimiento reflexivo y profundo de la filosofía y astronomía de su época.


La Cosmologia de Dante


Todos ustedes pensarán que no digo nada nuevo y nada tampoco que ustedes no sepan ya, si afirmo que Dante Alighieri es un genio y que la lectura de su obra es una experiencia sin igual y depara un goce intelectual difícilmente superable. Quizá haya entre ustedes, sin embargo, alguien que piense que lo dicho se aplica al plano estrictamente literario y a la Divina Comedia. Si es así, me permito asentar de una vez por todas que mi afirmación inicial tiene un sentido y alcance globales y afecta al conjunto de la obra de Dante por un lado  y por otro a la dimensión fIlosófIco-científIca de la misma, que es (desde una perspectiva histórica ciertamente) tan signifIcativa como la dimensión literaria.


Así pues, Dante es un autor importantísimo en la historia de la filosofía y desde luego uno de los pensadores señeros en el periodo medieval, más concretamente bajomedieval. Constituye un momento decisivo en el desarrollo de las ideas cosmológicas en la Baja Edad Media, es decir, en el periodo dominado por la representación aristotélico-ptolemaica del universo, que se prolonga (como es sabido) hasta el siglo XVI, hasta el estallido de la revolución copernicana. Este lugar decisivo de nuestro autor en la cosmología aristotélica medieval se debe no sólo a que expresa y refleja en su obra los rasgos básicos de esa imago mundi, con un carácter ejemplar o paradigmático, sino también a que Dante es un pensador original poderoso, muy bien informado de los diferentes puntos debatidos en el seno de la cosmología dominante, capaz de evaluar críticamente las diferentes alternativas y de proponer su propia solución, esto es, de proponer su propia imago mundi, con lo cual se instala en la historia de la cosmología medieval como un momento también original. De ahí que cuando, el año pasado, Pepe Montesinos y Sergio Toledo me comentaron su intención de dedicar el presente curso acadêmico al tema “Ciencia y Cultura en la Baja Edad Media” insistiera en que debían dedicar una sesión a Dante. Y ello, además, porque en la obra de Dante (y muy especialmente en la Comedia, obra que nadie puede morirse sin haberla leído al menos una vez en la vida, para que no se pueda decir que ha vivido en vano) la imagen del mundo, en la fonnulación original que en él recibe, está estrechamente articulada con la historia de la humanidad y con el lugar que el propio Dante presenta como el lugar que le ha sido concedido por la divina providencia, esto es: la imagen del cosmos está estrechamente articulada con la experiencia espiritual descrita en la Comediay con la Profecía del futuro que Dante recibió con el mandato de difundirla entre los hombres, mandato cuyo cumplimiento constituye precisamente la Comedia.


Ahora bien, aunque la Comedia sea el lugar en el que las ideas cosmológicas (heredadas y originales) de Dante aparecen en vivo, es decir, en pleno ejercicio, ofreciendo el marco en el que la historia de la humanidad y la experienca dantesca tienen lugar, no constituye sin embargo la única obra pertinente al tema. Para comprender la cosmología de Dante hemos de referimos asimismo a otra obra excepcional del autor, también redactada en lengua vulgar: el Convivio (Banquete), obra anterior a la Comedia y en la cual se lleva a cabo una exposición magisterial o profesoral de la estructura del cosmos; y hemos de referimos también a un opúsculo tardío (cuya autoría ha sido discutida, pero que hoyes mayoritariamente aceptada), redactado en este caso en latín porque se trata de una Quaestio de aqua et terra, es decir, ofrece un tratamiento -en la lengua y en la fonna de la universidad- de la disposición relativa de las esferas del agua y de la tierra y una explicación de cómo es posible que la tierra emerja sobre el agua haciendo posible la vida.


El Cosmos de Dante


El universo de Dante es el cosmos finito, heterogéneo y jerarquizado de la tradición aristotélica, distribuido en las tres regiones del mundo sublunar (región de los cuatro elementos), mundo supralunar o celeste (etéreo) y mundo supraceleste o angélico (el Paraíso), con la tierra inmóvil en el centro del universo como punto físico y material en tomo al cual se mueven las esferas celestes. En este universo se despliegan los reinos de ultratumba: el Infierno en el interior de la Tierra, bajo el hemisferio septentrional, justo debajo de Jerusalén, en una estructura de cono invertido con nueve círculos concéntricos, cono que tiene su vértice precisamente en el centro de la Tierra y del universo, donde está sepultado -a la máxima distancia del Bien, de Dios- «il vermo reo che’l mondo fóra», «el vil gusano que el mundo perfora», el ángel rebelde Lucifer; el Purgatorio, en la región del aire sublunar, pero en el hemisferio austral, exactamente en las antípodas de Jerusalén, dispuesto en las nueve cornisas de uma elevada montaña que surgió precisamente de resultas de la caída de Lucifer y en cuya cumbre (sita en la región superior del aire) se encuentra el Paraíso terrenal donde fueron puestos Adán y Eva y donde vivieron hasta su caída y expulsión; el Paraíso dispuesto en los nueve círculos de las nueve Jerarquías Angélicas en correspondência con las nueve esferas del mundo celeste: Luna, Mercurio, Venus, Sol, Marte, Júpiter, Saturno, esfera de estrellas fijas y la esfera sin astros del Cristalino o Primum mobile. No se trata de que el Paraíso esté propiamente en el cielo supralunar, sino de que ascendiendo por las esferas celestes -ahora ya con la guia no de Virgilio, que ha desaparecido en la cumbre del Purgatorio, como corresponde a quien está eternamente privado de la vista de Dios y por tanto del Paraíso, sino con la guía de Beatriz, que se ha hecho presente en el Paraíso terrenal (Purgatorio, canto XXX)-, Dante puede conversar con algunas almas de bienaventurados que van compareciendo a lo largo de los sucesivos cielos con los que están articulados, cual motores, las diferentes jerarquías angélicas del Paraíso.


El Mundo Sublunar


Si volvemos ahora al centro del universo, a la Tierra, encontraremos que Dante se representa la superficie de la Tierra (lo que el llama “la gran secca”) en los términos tradicionales de la ecumene o tierra habitada: en el hemisferio septentrional la tierra emerge de las aguas -que en teoría deberían cubrirla enteramente de acuerdo con la disposición natural de los elementos en sus lugares naturales respectivos- formando el continente habitado, que se extiende desde el Ganges en el oriente hasta Cádiz en Occidente (no existen las Islas Canarias) a lo largo de 180 grados. Yen el centro está Jerusalén, de acuerdo con la tradición geográfica medieval de base en la Escritura, pues dice Ezequiel: «Esta es Jerusalén: yo la puse en medio de las gentes y de las tierras que están en derredor suyo» (5,5). Esta ecumene comprende Europa, Asia y Africa hasta la zona tórrida o ecuatorial, que Dante concibe -a diferencia de Aristóteles- habitable y de hecho habitada por los llamados Garamantas. Por tanto, el tránsito por la superficie de la tierra al hemisfério austral, que está completamente cubierto por las aguas, salvo la montaña del Purgatorio, es posible y de hecho esta es la base para la “loca” navegación (“il folle volo”) que Dante atribuye a Ulises en el canto XXVI del Infierno, en el curso de la cual-y llevado de la sed natural de saber- el héroe homérico pasó las columnas de Hércules y penetró en el Atlántico bajando hacia el sur hasta que avistó a lo lejos una enorme montaña (el Purgatorio), antes de que un torbellino enviado por Dios pusiera fin con la muerte aesa loca empresa.


Pero dejemos esta alegoría sobre la Filosofía-Ciencia y su límite y concentrémonos en la cosmología sublunar. ¿Cuál es la causa de que, contra el orden natural inicial de los elementos, emerja la Tierra parcialmente sobre las aguas? Este el el problema que poco antes de morirse planteó Dante en la Quaestio de aqua et terra. Allí dice que va a responder a la pregunta en términos estrictamente naturales, esto es, en el marco del conocimiento puramente natural del hombre, lo cual significa al margen de consideraciones de otro orden, esto es, al margen de la revelación y la enseñanza de la fe. Dice que la emergencia de la tierra tiene una causa final y una causa eficiente. La primera (la causa de las causas) es explicada por Dante en los siguientes términos, muy técnicos, que muestran su gran familiaridad con la filosofía:


la intención de la naturaleza universal es que todas las formas que se hallan dentro de la potencia de la materia prima se realicen y existan en acto conforme a la razón de su especie propia, para que así la materia prima según su totalidad se halle bajo todas las formas materiales (…). Razón: como todas las formas que están en la potencia de la materia, idealmente están en acto en el motor del cielo, según dice el Comentador (Averroes) en su libro Sobre la sustancia del cielo, si todas estasformas no estuvieran siempre en acto, el motor del cielo fracasaría en la difusión completa de su bondad, lo cual no se puede afirmar. Y como, además, todas las formas materiales de las cosas que pueden engendrarse y corromperse, a excepción de las formas de los elementos, exigen materia y sujeto mezclado y complejo, (…) y la mezcla no puede existir si los elementos que tienen que mezclarse no se encuentran juntos, como resulta evidente, es necesario que exista una parte del universo en donde todas las cosas que deben mezclarse, esto es, todos los elementos, puedan encontrarse unos con otros. Esta parte no podría darse si la tierra no sobresaliera de las aguas en alguna parte. Por tanto, como toda naturaleza obedece a la intención de la naturaleza universal, fue necesario que la tierra, además de la naturaleza simple que la lleva hacia abajo, tuviera otra naturaleza por la cual pudiese obedecer a la intención de la universal naturaleza, de manera que permitiera ser levantada en alguna parte por virtud del cielo, como sujeto obediente a quien manda (Disputa, XVIII, 45-48).


Y la causa eficiente es precisamente el cielo, pero no cualquier cielo o esfera celeste, sino sólo uno. ¿Cuál? Si tenemos en cuenta que todos los cielos tienen un único cuerpo celeste (un planeta) o bien ninguno (como es el caso del primum mobile sujeto del movimiento diario), sólo queda una esfera capaz de ser causa eficiente de la emergencia de la tierra: la esfera de las fijas, poblada de estrellas. En efecto, el elevado número de estrellas y otros accidentes de las mismas en el hemisferio septentrional (Dante da por supuesto que muy diferentes a las del hemisfério austral) es el agente que hace elevarse a la tierra sobre las aguas:


Una es la virtud de una estrella, y otra es la virtud de otra estrella; y una la eficacia de una constelación y otra la de aquélla; y una es la virtud de las estrellas que están del lado de allá del equinoccio, y otra la de aquellas que se encuentran del lado de acá del equinoccio. (…)


Y como esta tierra emergida se extiende desde la línea equinoccial hasta la línea que describe el polo del Zodíaco alrededor del polo del mundo, resulta manifiesto que la causa elevadora se encuentra en aquellas estrellas que están en la región del cielo contenida entre esos dos círculos (entre el ecuador y el círculo polar ártico), bien levante la tierra por medio de la atracción, como el imán atrae al hierro, bien por medio del impulso, produciendo vapores impelentes (Disputa, XXI, 71-73).


Los Cielos


Por lo que al mundo celeste se refiere esta verdad va más allá de lo teorizado por Aristóteles y coincide con los desarrollos posteriores de Ptolomeo y los astrónomos y filósofos árabes. Frente a la concepción aristotélica (expresada en el libro segundo del De caelo y en MetafísicaXII) de que cada movimiento celeste independiente constituía una esfera concéntrica de un total de 55 y la colocación del Sol inmediatamente encima de la Luna, Dante sigue a Ptolomeo y a la cosmología islámica en la colocación del Sol sobre Mercurio y Venus, así como en la concepción de una esfera o “cielo” para cada planeta, lo cual disminuye el número de esferas celestes a siete planetarias más la esfera de las estrellas fijas. Además, si ésta era la última esfera según Aristóteles, el primum mobilesujeto del movimiento diario, Dante postula con Ptolomeo, más allá de la octava esfera de las estrellas fijas, una novena esfera (el primum mobile propiamente dicho sujeto del movimiento diario) para asignar a la esfera de las estrellas fijas el lentísimo movimiento de precesión estelar por el que las estrellas se desplazan en sentido contrario al movimiento diario un grado cada cien años. He aquí el texto del Convivio:


Tolomeo, observando que la octava esfera tenía varios movimientos, pues veía que el círculo de ésta se apartaba del círculo directo, que todo lo mueve de oriente a occidente, obligado por los principios filosóficos, que necesariamente exigen un primer móvil simplicísimo, supuso la existencia de otro cielo superior al estrellado, el cual hacía esta revolución de oriente a occidente, la cual digo que se cumple casi en veinticuatro horas (…). Así que, según Tolomeo, de acuerdo con lo que enseñan la astronomía y la filosofía, despues de observar los movimientos referidos, los cielos son nueve (Convivio, II, III, 5-6).


Las Inteligencias o Ángeles


Pero nuestra exposición de la teoría cosmológica de Dante quedaría incompleta si no atendiéramos a la cuestión de los ángeles, esto es, a la cuestión de los motores de los cielos. El Convivio ya había dicho: «Hay que saber, en primer lugar, que los motores de aquellos cielos son sustancias separadas de la materia, es decir, Inteligencias, a las cuales la gente vulgar llama ángeles» (II, IV, V, 2). Con Aristóteles y con el aristotelismo islámico y latino Dante sabe que el movimiento celeste requiere para su actualización constante la existencia de una sustância en acto, sin potencia o sea sin materia, que lo mueva: un motor inmóvil que es necesariamente una Inteligencia separada. Además, cada movimiento celeste independiente requiere una Inteligencia y así para Aristóteles había 55 Inteligencias o motores inmóviles, pero para el peripatetismo islámico, que partía de la simplificación ptolemaica a nueve cielos o esferas, había nueve Inteligencias separadas o diez si unimos el Intelecto agente del mundo sublunar, con el cual se une la humanidad. Dante sabe también, como los filósofos peripatéticos, que las Inteligencias son concebidas por el vulgo como ángeles. Ahora bien, ¿cuántas Inteligencias-ángeles hay? ¿Hay sólo, como pretenden Aristóteles y Averroes, tantas Inteligencias como esferas celestes? En el Convivio Dante ha añadido al texto que acabamos de citar: «Y de estas criaturas, así como de los cielos, han opinado muchos diversamente, si bien la verdad, al fm, ha sido encontrada». ¿Cuál es la verdad?


En primer lugar, las Inteligencias son “criaturas”, es decir, producciones de Dios,


«Li angeli, frate, e ‘l paese sincero

nel quale tu se’, dir si posson creati»,


(enseña Beatriz en ParaísoVII, 130-131), si bien son criaturas eternas, porque al ser producidas inmediatamente (sin intermediario) por Dios no pueden dejar de ser eternas:


«La divina bonta, che da sé sperne

ogne livore, ardendo in sé, sfavilla

sí che dispiega le bellezze etterne.

Cio che da lei senza mezzo distilla

non ha poi fine, perché non si move

la sua imprenta quand’ ella sigilla»


(PARAÍSOVII, 64-69)

Pero, como criaturas, las Inteligencias son ontológicamente dependientes de Dios, el punto de que «depende il cielo e tutta la natura»


(PARAÍSO XXVIIL, 41-42).

En segundo lugar, Dante establece, de acuerdo con autores anteriores como Alberto Magno, que habrá que contar las Inteligencias motrices no a partir de los cielos o esferas, sino de los movimientos astronómicos que el cuerpo del planeta describe en el interior de la esfera de acuerdo con los cálculos de los astrónomos. Así, se dice en Convivio II, V, VI, 15 ss. que para el tercer cielo o esfera de Venus estos movimientos son al menos tres: el movimiento del epiciclo que porta al planeta sobre el deferente, el movimiento del deferente mismo y el de la participación en la precesión de los equinoccios. Y’aún cabría añadir el movimiento diario, «el cual movimiento sólo Dios sabe si es producido por alguna Inteligencia o por el rapto del primer móvil, cosa que me parece presuntuoso juzgar». Por eso habla Dante de ‘los motores’ del cielo de Venus, en plural, cuando se dirige a ellos como “Voi che intendendo il terzo ciel movete“. De esta manera, el número total de Inteligencias motrices se acercaría al calculado por Aristóteles, si bien el número efectivo acaso no sea determinable por la inteligencia humana.


En tercer lugar, ¿hay Inteligencias o ángeles más allá de los motores, es decir, de las conectadas con el movimiento celeste? Frente a Averroes, que pensaba que no, porque tales Inteligencias serían “ociosas”, Dante opina que sí las hay, incluso en número enormemente mayor que las Inteligencias motrices. En efecto, éstas llevan a cabo en cierto modo una tarea de gobierno del mundo y como la vida estrictamente contemplativa es mejor y más noble que la activa o civil, sería irracional si pensáramos que aquellas inteligencias disfrutaban de la bienaventuranza de la vida activa o civil en el gobierno del mundo y que carecían de la bienaventuranza de la vida contemplativa, que es más excelente y divina. Y como la que tiene la bienaventuranza del gobernar no puede tener la otra, porque su intelecto es uno y perpetuo, es necesario que haya otras fuera de ese ministerio que vivan consagradas exclusivamente a la especulación.


Y como esta vida contemplativa es más divina, y cuanto más divina es una cosa, más parecido tiene con Dios, resulta evidente que esta vida es más amada por Dios; y si es más amada, más abundante ha sido y es su bienaventuranza; y si con más abundancia se ha visto regalarla, ha recibido de Dios más vivientes que la otra. De todo lo cual se concluye que el número de aquellas criaturas es mucho mayor de lo que sus efectos (esto es, los movimientos celestes) demuestran (Convivio, II, IV, V, 10-12).


El Paraíso


Como el Infierno, el Paraíso es una realidad cosmológica; forma parte de la creación. Su lugar es el Empíreo, realidad a la vez cosmológica y escatológica, como el Infierno. Para llegar hasta el Paraíso y culminar su viaje en la visión de Dios unitrino, de suerte que pueda cerrar su poema con el grandioso terceto


«Ma gìa volgeva il mio disio e ‘l velle,

sí come rota che igualmente è mossa,

l’ amor che move il sole e l’altre stelle»,


Dante debe atravesar las esferas celestes, desde la Luna hasta el Cristalino. Pero el Paraíso no es y no reside en el mundo celeste o supralunar, aunque cada cielo es movido por un orden de Inteligencias, desde los ángeles que mueven la esfera lunar hasta los serafines que mueven el Cristalino. Y sin embargo, a lo largo de su ascenso por las esferas celestes Dante se encuentra y dialoga con almas humanas bienaventuradas. ¿Cómo es posible? La duda se le presenta al mismo Dante al comienzo ya de la ascensión, en el cielo de la Luna. Y la resuelve doctoralmente Beatriz en el canto IV en los siguientes términos:


 «El serafín que más se deigloría,

Moisés, Samuel y aquel que se prefiera

de los dos Juanes, no digo ya María,

todos su asiento tienen en la misma esfera

que las almas que viste hace un momento,

y su dicha es igual de duradera:

del Empíreo son todos ornamento,

con diferentemente dulce vida

según que sientan el eterno aliento.

Las viste aquí, mas no porque cabida

les cupo en suerte aquí (en el cielo de la Luna), sino cual signo

de irde menos a más gloria y subida.

Vuestro ingenio requiere hablar condigno,

pues sólo así por el sentido aprende

lo que así se hace de entenderse digno.

Por eso la Escritura condesciende

con vuestra facultad, a Dios pie y mano

atribuyendo, mas otra cosa entiende»


(PARAÍSO IV, VV. 28-45).

δExcertos do Banquete

Libro Segundo


Capítulo VII


“Y existen estos Tronos, que han sido asignados al gobierno de este cielo, no en gran número, del cual los filósofos y los astrólogos diversamente estimaron sus circulaciones; aun cuando todos están de acuerdo en esto, que tantos son cuantos movimientos tiene. Los cuales, según el Libro de la Agregación de las Estrellas que está equipado con las mejores demostraciones de los astrólogos, son tres movimientos: uno según que la estrella se mueve hacia su epiciclo; otro, según que el epiciclo se mueve con todo el cielo juntamente con el del Sol; el tercero, que todo aquel cielo se mueve, siguiendo el movimiento de la esfera estrellada, de occidente a oriente, un grado en cien años. De forma que para estos tres movimientos hay tres motores.”


Capítulo VII


“Digo también que este espíritu viene por los rayos de la estrella; porque hay que saber que los rayos de cada cielo son las vías por las que desciende su virtud a las cosas de acá abajo. Y como los rayos no son otra cosa que una claridad que viene del principio de la luz por el aire hasta la cosa iluminada, y la luz no está sino en la estrella, y el otro cielo es diáfano, o sea transparente, no digo que de ninguna manera de este cielo venga ese espíritu, es decir ese pensamiento, sino de su estrella.”


Capítulo XIV


“Digo que el cielo de la Luna se asemeja a la Gramática, con el que se compara por dos propiedades. Porque si se observa bien la Luna, se ven en ella dos cosas que le son propias y que no se ven en las demás estrellas. Una es la sombra que tiene, que no es otra cosas que raridad de su cuerpo, a las cuales no se pueden apoyar los rayos del Sol y reflejar así como lo hacen en las otras partes; la otras es la variación de su luminosidad, porque ya luce de un lado, ya del otro, conforme a cómo el Sol la ve. Y estas dos propiedades las tiene la Gramática; porqué por no tener límite, los rayos de la razón no terminan en ella, en especial respecto de los vocablos; y luce ora aquí ora allá, en tanto que ciertos vocablos, ciertas declinaciones, ciertas construcciones están en uso que antes no estaban, y muchas ya fueron que todavía volverán a estar; como dice Horacio al principio del Arte Poética: “Renacerán muchos vocablos que ya murieron”.


El cielo de Mercurio se puede comparar a la Dialéctica por dos propiedades: pues Mercurio es la más pequeña estrella del cielo, pues la longitud de su diámetro no es mayor que doscientos treinta y dos millas, según Alfagrano, pues dice que tiene una veintiochoava parte del diámetro terrestre, el cual es de seis mil quinientas millas. La otra propiedad, es que más que ninguna otra estrella queda velada por la luz del Sol. Y estas dos propiedades están en la Dialéctica: porque la Dialéctica es menor en su cuerpo que ninguna otra ciencia, porque se compila y se termina en todo el texto que se halla en el Arte Viejo y en el Nuevo; y está más oculta que ninguna otra ciencia, en cuanto procede con más sofísticos y probables argumentos que otra.


El cielo de Venus se puede comparar con la Retórica por dos propiedades: una es la claridad de su aspecto, que es suavísima a ver más que ninguna otra estrella; la otra es sus apariciones, ya de mañana ya de tarde.. Y estas dos propiedades están en la Retórica: porque la Retórica es la más suave de todas las ciencias, porque tal se propone principalmente; y aparece de mañana, cuando ante el rostro del oyente el retórico habla, aparece de tarde, es decir de atrás, cuando el retórico habla por las letras, es decir por la escritura.


El cielo del Sol se puede comparar a la Aritmética por dos propiedades: una es que por su luz todas las estrellas se muestran; la otra es que el ojo no lo puede mirar. Y estas dos propiedades están en la Aritmética: porque por su luz se iluminan todas las ciencias, ya que sus objetos todos se consideran en razón de algún número, y al considerarlos siempre se procede según algún número. Así la Ciencia Natural tiene por sujeto el cuerpo móvil, el cual tiene en sí razón de continuidad la cual tiene en sí razón de número infinito; y la consideración más principal de la ciencia natural son los principios de las cosas naturales que son tres, a saber, materia, privación y forma, en las que se ve el número. No solamente en todos en conjunto, sino que en cada uno hay número, para quien bien sutilmente considera; porque Pitágoras, conforme dice Aristóteles en el primero de la Física, ponía como principio de las cosas naturales lo par y lo impar, pues considera que todas las cosas son número. La otra propiedad del Sol se ve también en el número, del cual trata la Aritmética: porque el ojo del intelecto no lo puede mirar; pues el número, considerado en sí mismo, es infinito, lo cual no podemos entender.


El cielo de Marte se puede comparar con la Música por dos propiedades: una es su hermosa relación pues, enumerando los cielos móviles comenzando por cualquiera, ya por el inferior ya por el sumo, ese cielo de Marte es el quinto, el que está en el medio de todos, es decir, de los primeros, de los segundos, de los terceros y de los cuartos. La otra es que Marte reseca y arde las cosas, porque su calor es semejante al del fuego; y por ello aparece inflamado de color, a veces más a veces menos, según la espesura o la rareza de los vapores que le siguen, los cuales por sí mismo se encienden, como en el primero de la Meteorológica se determina. Y por ello dice Albumasar que el inflamarse de estos vapores significa muerte de reyes y trasmutación de reinos; pues son efectos del dominio de Marte. Así Séneca dice que cuando la muerte de Augusto vio en lo alto una bola de fuego; y en Florencia, cuando comenzaba su destrucción, fue vista en lo alto una figura de una gran cruz, gran cantidad de estos vapores que siguen a la estrella de Marte. Y estas dos propiedades están en la Música que ella es enteramente sujeta a las leyes de armonía, como se ve en las palabras armonizadas y en los cantos, de los cuales tanto más dulce armonía resulta cuanto más bello es la relación: la cual, en esta ciencia es más bella, que en ninguna otra, porque es lo que principalmente se busca en ella. Además, la Música atrae a sí los espíritus humanos, que son como vapores del corazón, que por ella cesan de toda otra operación; y así el alma entera, cuando la oye, y la virtud de todos (los vapores) cuasi como que arrastran al espíritu sensible que recibe el sonido.


El cielo de Júpiter se puede comparar a la Geometría por dos propiedades: una es que se mueve entre dos cielos contrarios a su buen temperamento, como son el de Marte y el de Saturno; por lo que Tolomeo dice, en el libro citado, que Júpiter es estrella de complexión templada en medio de la frialdad de Saturno y del calor de Marte. La otra es que entre las estrellas blancas, se muestra casi plateada. Y estas cosas están en la ciencia de la Geometría. La Geometría se mueve entre dos contrarios a ella, así como entre el punto y el círculo – y llamo “círculo” en sentido amplia a todo redondo, sea cuerpo o superficie -; como dice Euclides, el punto es su principio, y, dice que el círculo es figura perfectísima en ella, a la que corresponde por ello tener razón de fin. Así entre punto y círculo, como entre principio y fin, se mueve la Geometría, y ambos contradicen su certeza, porque el punto por su indivisibilidad es inconmensurable, y el círculo por su arco es imposible de cuadrangular perfectamente, por donde es imposible medirlo a la perfección. Y además la Geometría es blanquísima, en cuanto carece de defecto de error o certidumbre, por sí misma y por su sierva la Perspectiva.


El cielo de Saturno tiene dos propiedades por las que se puede comparar con la Astrología: una es la tardanza de su paso por los doce signos, que requiere para cursar su carrera veintinueve años y más, según los escritos de los astrólogos. La otra es que está mas alto que todos los demás planetas. Y estas dos propiedades se encuentran en la Astrología: porque para recorrer su circunferencia, es decir para aprenderla, se requiere largo espacio de tiempo, sea por las demostraciones, que son más numerosos que en ninguna de las susodichas ciencias, sea por la experiencia que para bien juzgar se requiere en ella. Y además es la más alta de todas las otras. Porque, como dice Aristóteles en el comienzo del De Anima, una ciencia es de alta nobleza por la nobleza de su sujeto y por su certeza; y esta es más que las otras ciencias susodichas es noble y alta por la nobleza y altura de su sujeto, que es el movimiento del cielo; y alta y noble por su certeza, la cual es sin defecto, puesto que procede de perfectísimo y regularísimo principio. Y si alguien cree que tiene algún defecto, no es por parte de ella, sino, como dice Tolomeo, por negligencia nuestra a la que se debe imputar.”


Libro Cuarto

Capítulo II


El tiempo, según dice Aristóteles en el cuarto de la Física, es “número del movimiento, según el antes y el después”; y “número de movimiento celeste”, que dispone las cosas de aquí abajo diversamente para que reciban determinado influjo. Porque de una manera está dispuesta la tierra al principio de la primavera para recibir el influjo de las hierbas y las flores, y de otra manera en invierno; y de una manera está dispuesta una estación para recibir la semilla, y otra de otra. Y así en nuestra mente, en cuanto fundada sobre la complexión del cuerpo, conforme a la disposición del cielo está, dispuesta de una manera en un tiempo y de otra en otro.


El Esoterismo de Dante - René Guénon


Con estas palabras¹, Dante indica de una manera muy explícita que hay en su obra un sentido oculto, propiamente doctrinal, del que el sentido exterior y aparente no es más que un velo, y que debe ser buscado por aquellos que son capaces de penetrarle. En otra parte, el poeta va más lejos todavía, puesto que declara que todas las escrituras, y no solo las escrituras sagradas, pueden comprenderse y deben explicarse principalmente según cuatro sentidos: «si possono intendere e debbonsi sponere mas-simamente per quattro sensi»². Por lo demás, es evidente que estas significaciones diversas no pueden en ningún caso destruirse u oponerse, sino que deben al contrario completarse y armonizarse como las partes de un mismo todo, como los elementos constitutivos de una síntesis única.

Así pues, el hecho de que la Divina Comedia, en su conjunto, pueda interpretarse en varios sentidos, es una cosa que no puede prestarse a ninguna duda, puesto que tenemos a este respecto el testimonio mismo de su autor, ciertamente mejor cualifi-cado que todo otro para enseñarnos sobre sus propias intenciones. La dificultad comienza solo cuando se trata de determinar estas diferentes significaciones, sobre todo las más elevadas o las más profundas, y es también ahí donde comienzan natural-mente las divergencias de los puntos de vista entre los comentadores. Éstos concuerdan generalmente en reconocer, bajo el sentido literal del relato poético, un sentido filosófico, o más bien filosófico-teológico, y también un sentido político y social; pero, con el sentido literal mismo, esto no suma todavía más que tres, y Dante nos advirtió de buscar en ella cuatro; ¿cuál es pues el cuarto? Para nos, no puede ser más que un sentido propiamente iniciático, metafísico en su esencia, y al cual se vinculan múltiples datos que, sin ser todos de orden puramente metafísico, presentan un carácter igualmente esotérico. Es precisamente en razón de este carácter por lo que esse sentido profundo ha escapado completamente a la mayoría de los comentadores; y sin embargo, si se le ignora o si se le desconoce, los demás sentidos mismos no pueden ser aprehendidos más que parcialmente, porque él es como su principio, en el que se coordina y se unifica su multiplicidad.

Aquellos mismos que han entrevisto este lado esotérico de la obra de Dante han cometido muchas equivocaciones en cuanto a su verdadera naturaleza, porque, lo más frecuentemente, les faltaba la comprehensión real de estas cosas, y porque su interpretación fue afectada por prejuicios de los que les era imposible deshacerse. Es así como Rossetti y Aroux, que fueron de los primeros en señalar la existencia de este esoterismo, creyeron poder concluir de ello la «herejía» de Dante, sin darse cuenta de que eso era mezclar consideraciones que se refieren a dominios completamente diferentes; el hecho es que, si sabían algunas cosas, había muchas otras que ignoraban, y que vamos a intentar indicar, sin tener de ningún modo la pretensión de dar una exposición completa de un tema que parece verdaderamente inagotable.

Para Aroux, la cuestión se planteaba así: ¿fue Dante católico o albigense? Para otros, parece plantearse más bien en estos términos: ¿fue cristiano o pagano?³. Por nuestra parte, no pensamos que sea menester colocarle en un tal punto de vista, ya que el esoterismo verdadero es algo muy diferente de la religión exterior, y, si tiene algunas relaciones con ésta, eso no puede ser sino en tanto que encuentra en las formas religiosas un modo de expresión simbólico; por lo demás, importa poco que esas formas sean las de tal o cual religión, puesto que aquello de lo que se trata es la unidad doctrinal esencial que se disimula detrás de su aparente diversidad. Por eso es por lo que los antiguos iniciados participaban indistintamente en todos los cultos exteriores, según las costumbres establecidas en los diversos países donde se encontraban; y es también porque veía esta unidad fundamental, y no por el efecto de un «sincretismo» superficial, por lo que Dante ha empleado indiferentemente, según los casos, un lenguaje tomado ya sea al cristianismo, ya sea a la antigüedad grecorromana. La metafísica pura no es ni pagana ni cristiana, es universal; los misterios antiguos no eran paganismo, sino que se superponían a este4; y de igual modo, en la edad media, hubo organizaciones cuyo carácter era iniciático y no religioso, pero que tomaban su base en el catolicismo. Si Dante ha pertenecido a algunas de estas organizaciones, lo que nos parece incontestable, eso no es una razón para declararle «herético»; aquellos que piensan así se hacen de la edad media una idea falsa o incompleta, no ven por así decir más que su exterior, porque, para todo el resto, no hay nada en el mundo moderno que pueda servirles de término de comparación.

Si tal fue el carácter real de todas las organizaciones iniciáticas, no hubo más que dos casos donde la acusación de «herejía» pudo ser llevada contra algunos de sus miembros, y eso para ocultar otros agravios mucho mejor fundados o al menos más verdaderos, pero que no podían ser formulados abiertamente. El primero de estos dos casos es aquel donde algunos iniciados han podido librarse a divulgaciones inoportu-nas, corriendo el riesgo con ello de arrojar la turbación en los espíritus no preparados para el conocimiento de las verdades superiores, y también de provocar desórdenes desde el punto de vista social; los autores de semejantes divulgaciones cometían el error de crear ellos mismos una confusión entre los dos órdenes esotérico y exotérico, confusión que, en suma, justificaba suficientemente el reproche de «herejía»; y este caso se ha presentado en diversas ocasiones en el Islam5, donde no obstante las escuelas esotéricas no encuentran normalmente ninguna hostilidad por parte de las autoridades religiosas y jurídicas que representan el exoterismo. En cuanto al segundo caso, es aquel donde la misma acusación fue tomada simplemente como pretexto por un poder político para arruinar a adversarios que estimaba tanto más temibles cuanto más difíciles eran de alcanzar por los medios ordinarios; la destrucción de la Orden del Temple es su ejemplo más célebre…(…).


Astrologia de Dante Alighieri

 


La Divina Comedia

Esperanza Seco

Dante ha concebido su Divina Comedia como “la Enciclopedia del saber medieval; su Alegoría Didactica es a la vez, moral, política y religiosa; un poema de vasta erudición en la que entra la Astrología, Filosofia, Historia, considerado como un tratado científico, atesorando la imaginación con el cultivo de elementos mitológicos”.


La Divina Comedia


Estructura


La Divina Comedia, consta de tres partes: Il Inferno, Il Purgatorio, Il Paradiso.


El Inferno 34 cantos

El Purgatorio 33 cantos

El Paraíso 33 cantos


La obra, un gran poema, está escrita en tercetos, cosa que no se hacía en aquellos tiempos, sometida además a las reglas del arte, Unidad de Objeto, Unidad de Desarrollo. El autor demuestra ser un gênio poderoso, que comprende al mismo tiempo el todo y sus partes, que dispone con facilidad las mayores dimensiones y que planifica una verdadera Simetría, sin ver jamás obstáculo alguno. Sin embargo estaba fuera de las antiguas reglas del arte poético, no pertenecía propiamente a ningún género y Dante ni podía ser juzgado ni comparado, estaba conforme consigo mismo. Ningún poeta había conmovido las almas, ningún filósofo había penetrado en las profundidades del pensamiento y del sentimiento.


Una obra genial puede no ser original. En este caso está la Divina Comedia de Dante. Sin embargo, el poeta glorificó y perfeccionó aquello que por su gran amor a la lectura había acumulado en su mente. Aurelio Prudencio Clemente, poeta latino-cristiano, (348), escribe por primera vez en la poesía occidental del “mal de Satanás”, dando uma pintura de las penas infernales, que tienen mucha relación con El Infierno de Dante en su obra.


Arquitetura


La misma unidad en la concepción arquitectónica y el mismo prurito de simetría fisica y ética está presente en ambas descripciones, islámica y dantesca. Jerusalén es el quicio sobre el que gira el cosmos ultraterreno; bajo la corteza terrestre de su emplazamiento desciende el infierno, en cuyo último piso está encarcelado Lucifer. Sobre Jerusalén en posición vertical, se abre el Cielo teológico, morada de la Divinidad y de los elegidos. El número de las mansiones es igual en el reino de las penas que en el reino de la bienaventuranza e idéntico criterio moral sirve para subdividir unas y otras mansiones, de forma que cada lugar infernal viene a ser la antítesis de su correspondiente celestial. Recordemos el punto anterior, en que se habla de los tres círculos esféricos semejando conos invertidos para cada uno de las sedes ultraterrenas, que con idéntica simetría arquitectónica van ascendiendo hasta llegar a la cúspide, morada de Dios.


A todas estas semejanzas en el escenario se añaden muchísimas analogias en episodios y escenas, que a veces son literalmente idénticas, y de entre las cuales resaltan por su mayor relieve las siguientes: la clasificación de los habitantes del Limbo y la condición de su suplicio moral, análogas a las del Aaraf islámico; la negra borrasca de los adúlteros, que es el viento alcoránico de “Ad”; la lluvia ígnea que cae sobre los sodomitas, obligados a marchar circularmente; el suplicio de los adivinos, que llevan su cabeza vuelta hacia el Occipudio; Caifás crucificado en tierra y pisoteado por las gentes; los ladrones devorados por culebras; los autores de cismas y divisiones; la densa humareda que castiga a los iracundos en el Purgatorio, identica a la que anuncia el Alcorán para el día del juicio; la doble ablución en los dos ríos del Paraíso terrenal y el Encuentro de Dante con Beatriz, episodio nada cristiano y que es idéntico en conjunto y en pormenores a la escena de la entrada del alma en al paraíso islámico, después de su ablución en dos ríos y del encuentro con su prometida celestial y, finalmente, la descripción espiritualísima de la visión betífica mediante un lumen divino que produce un brillo exterior, claridad intelectual y deleite estático. El resto del poema dantesco, es decir, aquel que por no ser análogo al ‘Fotuhat‘ de Abanarabí de Murcia, los comentaristas de Dante han juzgado como producto de la inventiva del poeta, tampoco es original. En las leyendas medievales se encuentran absolutamente todos los elementos de que Dante se valió para la construcción del poema.


A dos categorías generales podemos reducir todos los elementos musulmanes descubiertos en las leyendas cristianas medievales, precursores de La Divina Comedia. Integran la primera categoría, cuantos elementos islámicos aparecen en ellas y reaparecen después en el poema dantesco, ya desarrollados, ya simplemente esbozados o implícitos. Alguno de estos elementos los citamos a manera de ejemplo, porque daría fe de los mayores y más desagradables suplicios que se describen en el infierno, dando cita, además de las leyendas cristianas en que han aparecido: Topografla infernal, dividida en siete zonas, según San Macario, Edda, o en ocho pisos, según Cantor de Regio Emilia. Suplicios infernales entre otros aún más horribles y macabros, las túnicas ígneas, dato atribuido a San Patricio, los sepulcros idem, al mismo autor, etc.


Jacques Bergier - Melquisedeque

  Melquisedeque aparece pela primeira vez no livro Gênese, na Bíblia. Lá está escrito: “E Melquisedeque, rei de Salem, trouxe pão e vinho. E...