terça-feira, 13 de março de 2018

Uma nota sobre Arnold Krumm-Heller por Carlos Raposo


Se os outros não fossem tolos,nós teríamos que ser.
(William Blake, em Provérbios do Inferno)

Em um dos posts por aqui já publicados, avaliei criticamente a “participação” de Rudolf Steiner na Ordo Templi Orientis. Exatamente dentro do mesmo contexto que envolveu o nome do pai da Antroposofia com a O.T.O., qual seja, relacionado aos planos de Reuss para torná-la uma Ordem internacionalmente tanto conhecida quanto admirável, ainda no primeiro decênio do século XX outros nomes de expressivo valor aparecem como seus supostos representantes diretos. Entre eles, encontra-se o bem conhecido nome de Arnold Krumm-Heller (1876-1949), costumeiramente citado como Frater Huiracocha.

A presente nota visa apresentar, en passant, a importância que a Ordo Templi Orientis teve na vida de Krumm-Heller e vice-versa.

Médico militar, funcionário público, Doutor Honoris Causa em arqueologia pela Universidade do México e ministro do governo desse país na Suíça e na Alemanha (Dalmor, 1989: 252), além de ocultista de origem germana-mexicana, Arnold Krumm-Heller foi o principal responsável pelo desenvolvimento daquela que hoje é reconhecida como uma das mais tradicionais, respeitáveis e reservadas linhas rosacrucianas do século XX, a Fraternitas Rosicruciana Antiqua (ou F.R.A.). Diga-se que em uma de suas muitas viagens por países da América do Sul, foi justamente Krumm-Heller que no início da década de 1930 trouxe e fundou a F.R.A. no Brasil.[1] Em suma, a vida de Arnold Krumm-Heller é repleta de situações que certamente despertarão o interesse de todos os que lidam com ocultismo, Ordens esotéricas e Sociedades Secretas, iniciações, etc.

Todavia, naquilo que concerne estritamente a O.T.O., ao que tudo indica infelizmente não há muito a se dizer em relação a Frater Huiracocha. Ocorre que no início de 1908, Theodor Reuss, inebriado com fixa ideia de expandir sua Ordem e levá-la também às terras latinas, viu em Krumm-Heller essa oportunidade e o nomeou Representante Geral da Ordem para o México (Koenig,1994:22). Assim, em 15 de março do mesmo ano, Huiracocha era feito Xº O.T.O. para aquele país (Koenig, 1994:155).[2]

But the song remains the same. Como repetidamente ocorria nas afoitas investidas de Reuss, após um contato inicial deveras promissor, pouco ou nada acontecia. Deste modo, embora com status legal de representante da O.T.O. de Reuss para o México, o fato é que Krumm-Heller simplesmente não chegou a desenvolver qualquer tipo de trabalho ou iniciativa, mínima que seja, relacionada a esta Ordem propriamente dita. Até mesmo pelo contrário, as poucas situações que o ligam ao líder universal da O.T.O. sugerem que ele de certo modo teria preferido, aos poucos, distanciar-se dos propósitos e da ideologia defendidos pela Ordem de Reuss.[3] Nesse sentido, Krumm-Heller fez o mesmo tanto com suas linhas de iniciações gnósticas quanto com sua principal Ordem, a F.R.A., afastando-as quase que completamente de qualquer influência que seu superior direto na O.T.O. pudesse exercer sobre suas atividades iniciáticas.

Entretanto, ressalte-se que a atitude externa de Huiracocha em relação a O.T.O. não era no sentido de rechaçá-la. Quando necessitava buscar referências para si mesmo, Krumm-Heller usava francamente o nome da O.T.O., apresentando-se como um dos altos iniciados desta organização. Por exemplo, no Capítulo “Todo Irradia” de seu notório livro Logos, Mantram, Magia, Huiracocha declara abertamente que: “Yo [...] que soy miembro de más de veinte sociedades secretas, como la O.T.O. y A. A. en los cuales tengo el último grado…”. Evidentemente, Krumm-Heller caprichosamente omite o fato de que toda sua participação na O.T.O. se limitava a uma indicação formal como Xº desta Ordem, e nada mais.

Em outras palavras, temos no caso da relação entre Huiracocha e a O.T.O. uma espécie de curiosa e conveniente situação: ambos mutuamente se usavam para se auto-afirmarem. Ou seja, se por um lado, não importando a completa ausência de qualquer atividade de Krumm-Heller como membro da O.T.O., ele se apresentava como alto iniciado desta; por outro, desconsiderando a completa omissão operacional de Krumm-Heller em relação a O.T.O., a própria Ordem (como hoje ocorre com suas diversas ramificações remanescentes), dada a fama e credibilidade de Huiracocha, o relaciona como um de seus mais proeminentes e ilustres membros.

Certamente esse tipo de relacionamento dará o que pensar. Por um lado, quem sabe, uns dirão que essa relação reflete uma espécie de linda harmonia simbiótica; por outro, todavia, é bem mais provável que se conclua que tudo não passa de pura e frustrante embromação.

Bibliografia
DALMOR, E.R. 1989: Quién fue y Quien és en Ocultismo. Buenos Aires: Kier.
KRUMM-HELLER, 1990. A. Logos, Mantram, Magia. Buenos Aires: Kier.
KOENIG, Peter-Robert. 1994: Das OTO-Phänomen. München: AWR.
CROWLEY, Aleister; MOTTA, Marcelo Ramos. 1981: The Equinox, Vol. V nº4 – Sex and Religion. Nashville: Thelema Publising.

Notas de Rodapé    
Site da F.R.A. no Brasil: http://www.fra.org.br/ 
Uma outra referência que merece ser mencionada, agora vinda de Marcelo Ramos Motta, cita Frater Huiracocha como possuidor apenas do VIIIº O.T.O. (Crowley e Motta, 1981:XVIII). Entretanto, ressalte-se que Motta não menciona quais foram as fontes nas quais se baseou para fazer essa afirmação. Em outras palavras, há dúvidas sobre a veracidade da informação por ele prestada. 
Mais uma vez, pesou sobre isso a pouca credibilidade despertada por Reuss (leia aqui o texto sobre Theodor Reuss).