As bases da Corrente 218 firmam‐se originalmente nos mitos sumérios contidos no poema épico Enuma Elish escrito há mais de 3000 anos. No mito babilônio, Tiamat, um monstruoso dragão feminino, é a mãe de tudo aquilo que existe e de todos os deuses. Ela é a personificação da água salgada, das águas do Caos. Tiamat tem originalmente Apsu como consorte. Apsu é a personificação do abismo primordial da água doce do mundo inferior. Da união de Tiamat e Apsu surgiram os primeiros deuses.
O comportamento dos primeiros deuses irritava o casal primordial e Tiamat e Apsu planejaram matar a própria descendência. Ea¹, deus da quarta geração após Tiamat e Apsu, descobriu os planos e engendrou um plano para matar Apsu.
Ea aguardou Apsu adormecer e o matou. Tiamat foi tomada por fúria violenta ao saber da morte de seu esposo, tomou seu filho Kingu² como novo consorte e criou um exército de onze demônios para vingar a morte de Apsu. Tiamat pretendia que seu filho e esposo se tornasse Senhor dos Deuses, deu a ele as Tábuas do Destino e o colocou à frente de sua armada.
Foi Marduk, filho de Ea e Damkina, quem enfrentou e venceu Tiamat e Kingu³. A vitória sobre os dragões do Caos conferiu a Marduk “poderes supremos”.
Marduk representa os poderes cósmicos que são combatidos pela Corrente 218 que, por sua vez, é representada pelos deuses anticósmicos e pelos onze poderes criados por Tiamat, ou seja, por Azerate.
Cosmos e Logos, Um Esboço de Definição
O cosmos nos é apresentado como a totalidade de um universo “ordenado”. Descrevem‐no como o espaço universal, composto de matéria e energia, regulado por certas leis.
À suposta lei universal e fixa, regedora da “harmonia”, Heráclito de Éfeso chamou “Logos”. “Logos” também significa Palavra, Verbo e Razão.
O evangelista João se referiu ao Cristo como sendo o Logos. “Adaptado”, o vocábulo passou a ser uma forma de sinônimo para Deus e para seu filho.
Para os filhos do Logos morto o universo está sob a lei de uma pretensa força criadora onipotente, responsável pela manutência da “harmonia”: o funesto e confuso “demiurgo”. O Logos Morto, a pretensa força criadora do “demiurgo”, os conceitos arcaicos, tolos e estagnados resumem a corrente cósmica, a Grande Ilusão de Maya.
Nesse contexto, encontramos Marduk ‐ o “demiurgo” ‐ associado a Javé.
Da Não Percepção ou da Percepção Ilusória
O homem ordinário (não) “percebe” o universo ao seu redor através de sentidos comuns, sendo ele mesmo parte do cosmos. O homem ordinário não percebe nada além de ilusão.
No estado de dormência há uma espécie de sensação de equilíbrio (falso‐), um caminho com o qual se conformar, uma senda que se segue guiado por outrem, por algo. Um “ir” junto aos “muitos”, um caminhar entre os vários. Um não ver aquilo que é. Um não‐ser. Um enaltecer da ilusão. Um doloroso sonho cósmico.
O indivíduo tem o Eu (Ego) plasmado, modelado pelas restrições impostas pelas correntes cósmicas, por Maya. O indivíduo comum É algo que não É.
Da Dominação do Pão e do Circo
Servilismo. Subserviência. Alienação. Prostração.
Cega sujeição à vontade alheia e aos interesses manipuladores daquilo que o próprio homem ordinário criou e que não controla. Alheação. Incapacidade.
O rebanho oprimido sob o jugo se deleita no que é franca e deliberada mentira, ilusão. Os muitos são os Vermes.
Da Caosofia
O vazio informe e a vacuidade ilimitada a que se referiu Hesíodo, a desordem e a confusão dos platônicos.
Estado indefinido de não‐ordem que antecedeu a pretensa obra do “demiurgo”.
Caos, o estado original do que está além e sob o abismo.
Propiciar o Caos é incitar, impelir e impulsionar Transformação.
Somente a transformação é contínua.
O cosmos é tridimensional, linear, causal, previsível. O caos é multidimensional, não linear, é acausal e imprevisível. No cosmos jazem forças. No caos, energia dinâmica explode mundos e possibilidades sem fim.
O cosmos precisou ser criado. O caos é causado por si, em si. Caos é potencial ilimitado em destruição (transformação) e criação. Nele estão todas as coisas manifestas e não‐manifestas.
Azerate
Divindade — Fórmula — Conceito
Azerate é formado pelos 11 demônios criados por Tiamat para ajudá‐la a vingar a morte de Apsu.
Azerate é o nome da Divindade amorfa e anticósmica originária da reunião dos Onze Arquidemônios das Qliphoth. É o Deus Híbrido formado pela totalidade dos aspectos de Nahema, Lilith, Adramelek, Baal, Belfegor, Asmodeus, Astaroth, Lucifuge Rofocale, Beelzebub e Moloch.
Azerate alude aos onze príncipes de Edom que reinaram ao sul do Mar Morto antes das guerras judaico‐romanas.
É a fórmula de consecução mágicka que opera a destruição dos véus da Ilusão que aprisiona e aliena.
Azerate é a união das onze potências da Árvore do Conhecimento que destroem a mentira sobre o Universo criado.
Azerate é a chave para as dimensões de poder além dos limites da consciência.
Azerate é o Dragão Negro de 11 Cabeças que vomita fogo, morte, destruição e terror.
218 é o número místico de Azerate e da Corrente Anticósmica.
Azerate evoca e manifesta o conceito maldito e banido do Onze sobre o Dez.
O Onze, aquele que sucede o Ciclo Eterno, aquele que traz destruição, antítese e embate ao cosmos.
Azerate é o Onze que é Sessenta e Seis.
66 é o número místico das Qliphoth e da Grande Obra.
Σ(1‐11) =66
Azerate é o duplo 109, a dupla Esfera da Iluminação.
Proposições Básicas da Corrente Anticósmica
Destruir os véus da Ilusão, trazer a condição de Caos ao universo manifesto.
A implosão impele e impulsiona dolorosa Transformação e Renascimento em Nox.
Fazer ruir estruturas decrépitas nas quais se fundamentam as idéias dos opositores da Vida.
Desfazer laços e cortar amarras que impedem o avanço e a evolução do indivíduo.
Proporcionar desafio ao indivíduo que, por vocação, aprende e faz guerra contra os agentes alienadores em todos os aspectos.
Trazer ao Universo manifesto as forças que combatem eternamente para que elas possam destruí‐lo tal como o conhecemos.
Trazer Morte ao Universo, propiciar Dissolução do Ego plasmado sobre os moldes da restrição imposta por padrões hipócritas, vazios e mentirosos.
A Corrente 218, Algumas Características Mais
Podemos dizer que a Corrente 218 é anticósmica, caótica, luciferiana e satânica.
É uma corrente por ser caracterizada pelo movimento acelerado das forças que a compõe.
É anticósmica por estar alinhada à Destruição dos conceitos estagnados de cosmos e logos tal como os conhecemos e por buscar a Dissolução da dispersão do Ego que concorre contra a verdadeira vontade.
É Caótica por não se apegar a conceitos estagnados, superficiais e submissos; por enfatizar que o processo verdadeiro de aprendizado e de evolução do indivíduo se dá através da própria experiência, do contato direto com as forças inerentes à corrente; por estar alinhada com muitas das idéias do que se costuma rotular como magia do CAOS; por ter como uma de suas proposições básicas trazer o CAOS ao Universo manifesto e Destruí‐lo como Ilusão, como Maya.
Luciferiana por propiciar ao indivíduo a possibilidade de evolução através do Conhecimento (Luz, Gnose Luciferiana).
Satânica por ser uma força de embate contra valores idiotas, hipócritas, ultrapassados, dominadores e alienadores.
O motor da Corrente é a força dinâmica de Azerate como Divindade, Conceito, Chave e Fórmula de consecução mágicka.
A fundamentação da corrente se dá a partir de um vasto sincretismo de ramos e vertentes do Caminho da Mão Esquerda. Tal sincretismo busca sintetizar a essência de cada aspecto que compõe a heterogeneidade e aplicá‐la na consecução das proposições fundamentais. Dentre as diversas tradições que coadunam forças que se combinam na Corrente 218 citamos: a magia do Caos, o Satanismo (Tradicional e Moderno), o Luciferianismo (Tradicional e Moderno), a tradição Draconiana, a tradição Tifoniana, a Bruxaria Sabática, a Qabalah Qliphótica, Thelema, o Tantra, a Quimbanda, o Vodu e cultos ligados à Morte.
Atualmente o Templo da Luz Negra na Suécia é o maior expoente relacionado à corrente anticósmica. O Templo é a evolução do trabalho iniciado pela Ordem Misantrópica Luciferiana (MLO). Seus principais trabalhos literários publicados são Liber Azerate, Liber Falxifer — The Book of the Left‐Handed Reaper e Quimbanda — Vägen till det Vänstra Riket.
Uma das principais manifestações artísticas relacionadas à Corrente 218 é o singular álbum Reinkaos, último trabalho da banda Dissection.
Algumas Divindades Anticósmicas
Kali e Shiva
Deuses hindus que conduzem à liberação removendo a ilusão do Ego. Kali é a toda‐consumidora do tempo (Kal), Deusa que traz Morte à falsa consciência, pois está além de Maya. Kali é uma das variadas formas de Devi, Mãe compassiva que traz liberação (moksha) aos seus filhos. Seus devotos adoram‐na com amor incondicional. É conhecida e adorada por vários nomes: Kalikamata, Kali Ma, Bhavatarini, Dakshineshvara, Kalaratri, Kottavei, Kalighat e Negra Mãe Divina.
Kali Ma é a dissolução e a destruição. Foi graças a ela que os deuses, feitos Shiva, puderam destruir Raktabija, pois Kali consumiu todo o sangue que jorrava dos ferimentos de Raktabija e ele não pôde mais se reproduzir.
Shiva é o Deus da destruição e regeneração, fogo consumidor da transformação, cujo olhar relampeja e destrói violentamente. É um dos Três formadores da Trimurti hindu. Shiva é chamado o Destruidor. Shiva e Kali
costumam ser adorados em crematórios a céu aberto, pois aludem à transitoriedade da vida material. O Lingam está para Shiva como a Yoni está para Kali: na destruição estão os elementos da geração.
Apsu
Deus primevo sumero‐acadiano das águas doces do submundo. Primeiro consorte de Tiamat.
Tiamat
Deusa Dragão senhora do Caos e das águas salgadas. Deusa das águas abissais e do oceano primevo. Na mitologia sumeriana é chamada Nammu. É provavelmente uma das divindades mais antigas do panteão sumeriano.
Kingu
Deus Dragão, filho de Tiamat. Seu sangue foi utilizado para criar a humanidade segundo o mito babilônio. Tiamat o tomou como esposo após a morte de Apsu.
Lúcifer
Insígnia máxima da não‐servidão, da rebeldia, do conhecimento aplicado e esclarecido. Beleza sem mácula. Portador do Archote, da Luz que guia “seus filhos” no tortuoso caminho da liberação.
Lilith
Negra Mãe Divina, Rainha da Noite e das Bestas da Escuridão, personificação da plena força feminina. Mãe, Bruxa, Irmã, Anciã e Meretriz. Egrégora primitiva do Lado Obscuro da Alma.
¹ Ea: deus das águas doces; patrono da magia e da sabedoria; dizia‐se que era onisciente.
² Tiamat e Kingu são chamados Dragões do Caos.
³ Segundo o mito babilônio, Marduk criou a humanidade com o sangue de Kingu.
Publicado originalmente em Lucifer Luciferax VII, páginas 15 à 21.