A Heptarquia Mística é um dos pilares do sistema mágico revelado ao mago e matemático John Dee no século XVI, em comunicações espirituais conduzidas com o médium Edward Kelley. Trata-se de um sistema teúrgico e angelical, centrado na interação com sete governantes celestiais — reis e príncipes espirituais — que regem os dias da semana e os poderes planetários, formando uma estrutura sagrada de poder e sabedoria divina. Diferente, mas complementar ao mais conhecido sistema enochiano, a Heptarquia é uma espécie de prelúdio espiritual, um código angélico de governo e autoridade divina sobre o cosmos e o espírito humano.
Contexto Histórico: O Nascimento da Heptarquia
Entre os anos de 1581 e 1583, John Dee iniciou uma série de operações espirituais buscando contato com inteligências celestiais. Através das visões mediúnicas de Kelley, Dee foi instruído por anjos — especialmente o arcanjo Uriel — sobre uma série de nomes, símbolos e métodos rituais que compõem a "Heptarchia Mystica" ou "Governo dos Sete". Este sistema está detalhado no manuscrito homônimo de Dee, que se conserva até hoje como um dos documentos mágicos mais importantes do Renascimento esotérico.
A Heptarquia antecede o sistema enochiano mais complexo, e muitos estudiosos acreditam que ela tenha servido como base de treinamento espiritual para Dee antes que ele recebesse revelações mais avançadas sobre os Aethyrs e as Torres de Vigia.
A Estrutura da Heptarquia
A palavra "heptarquia" deriva do grego hepta (sete) e arche (governo), significando literalmente "governo dos sete". Esse número está profundamente enraizado na tradição esotérica ocidental, correspondendo aos sete dias da semana, aos sete planetas clássicos, aos sete arcanjos e aos sete céus do pensamento hebraico e cristão.
Os Sete Reis e Príncipes
A estrutura central da Heptarquia é composta por sete reis e sete príncipes, cada um associado a um dia da semana e a um planeta:
Dia | Planeta | Rei | Príncipe |
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Domingo | Sol | Babalel | Bornogo |
Segunda | Lua | Blisdon | Bagenol |
Terça | Marte | Bobogel | Befafes |
Quarta | Mercúrio | Bnaspol | Butmono |
Quinta | Júpiter | Bynepor | Brorges |
Sexta | Vênus | Baligon | Bagenol |
Sábado | Saturno | Bralges | Bralges |
Esses nomes variam ligeiramente em algumas versões dos manuscritos, e alguns príncipes podem assumir cargos diferentes dependendo da operação mágica em questão. Os reis representam a autoridade espiritual superior; os príncipes, o poder operativo ou mundano.
Os Sinais e Sigilos
Cada entidade possui um selo mágico — um glifo simbólico desenhado em tinta especial sobre pergaminho ou cera consagrada. Estes selos são usados para invocação, comunicação e como âncoras de presença espiritual. Um dos mais importantes é o Sigillum Dei Aemeth, o “Selo de Deus da Verdade”, um poderoso mandala geométrico que funciona como o núcleo visual da Heptarquia.
Esse selo contém nomes divinos, símbolos planetários e estruturas cabalísticas entrelaçadas com significados profundos. Ele é colocado sob o cristal ou espelho de visão durante as operações mágicas.
Instrumentos de Trabalho
A prática heptárquica envolve diversos instrumentos mágicos específicos, incluindo:
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A Tábua da Prática (Table of Practice): uma superfície mágica contendo nomes divinos e estruturas geométricas.
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O Anel de Salomão: usado para autoridade sobre os espíritos.
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O Cristal ou Espelho Negro: através do qual os anjos se manifestam.
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Instrumentos planetários: como bastões, pantáculos e incensos específicos para cada dia/planeta.
O Propósito da Heptarquia
A Heptarquia não visa apenas a manifestação de fenômenos sobrenaturais. Seu propósito central é alinhar o operador com a ordem divina do universo, colocando-o em contato direto com os governantes celestiais que regem o tempo, os destinos e os ciclos da existência.
Esse "governo espiritual" é uma metáfora do equilíbrio entre o microcosmo (o ser humano) e o macrocosmo (o universo). Ao trabalhar com os reis e príncipes, o mago busca restaurar o equilíbrio entre sua vontade e a Vontade divina, purificando seu espírito e ganhando acesso à sabedoria que transcende o mundo material.
A Prática Ritual
As operações da Heptarquia Mística seguem um padrão rigoroso:
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Preparação espiritual: jejum, oração e confissão são recomendados. O mago deve estar em estado de pureza.
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Consagração dos instrumentos: cada objeto deve ser criado conforme instruções angelicais específicas e purificado com rituais apropriados.
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Escolha do dia certo: cada rei e príncipe atua melhor em seu dia regente.
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Criação do espaço ritual: o local deve ser sagrado, com o Sigillum Dei Aemeth e os selos posicionados corretamente.
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Invocação: feita com fórmulas específicas, geralmente em latim ou em inglês elisabetano, pedindo permissão aos reis e príncipes para manifestação.
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Comunicação ou operação mágica: o espírito pode entregar visões, revelações ou cumprir tarefas espirituais e mundanas.
Simbolismo Esotérico
A Heptarquia é uma representação simbólica do governo divino em ação. Os sete reis e príncipes correspondem a forças arquetípicas, que operam tanto nos céus quanto na psique humana. Cada um deles representa uma dimensão da alma e uma fase do caminho espiritual: iluminação (Sol), emoção (Lua), força (Marte), comunicação (Mercúrio), expansão (Júpiter), amor (Vênus) e restrição (Saturno).
O sistema também é profundamente influenciado pela angelologia cristã, pela cabala hermética e pelas tradições alquímicas da época, fazendo da Heptarquia um sistema completo de desenvolvimento espiritual e mágico.
Influência Posterior e Relevância Atual
Apesar de menos conhecido que o sistema enochiano das Chaves e Torres, a Heptarquia Mística influenciou significativamente ordens como a Golden Dawn, e ocultistas como Aleister Crowley, que via no trabalho com os sete uma ponte entre o plano físico e os arcanos espirituais.
Hoje, o sistema é estudado por magistas cerimoniais, alquimistas espirituais e estudantes sérios da tradição enochiana. Sua prática exige disciplina, ética e compromisso com o caminho da iluminação — não apenas com resultados mágicos.
Conclusão
A Heptarquia Mística representa um dos sistemas mais ricos e estruturados da magia renascentista. Ela é ao mesmo tempo uma cosmologia, uma filosofia espiritual e um conjunto operacional de técnicas mágicas para contato com os anjos e reorganização da alma humana segundo padrões divinos. É um convite à nobreza interior, ao serviço sagrado e ao estudo profundo das forças que regem o cosmos — tanto externo quanto interno.