Julius Evola
Em apêndice ao que acabamos de expor no que se refere a evocações suprassensíveis com base erótica, indicaremos brevemente o conteúdo real das experiências do Sabbat e igualmente das chamadas missas negras.
A «demonologia» dos séculos passados é, na sua generalidade, um assunto interessante que espera ainda ser estudado convenientemente. Este ponto de vista não é professado nem pelos autores que, do ponto de vista teológico, tudo imputam ao satanismo, como sucedeu outrora com os juízes da Inquisição, nem por aqueles que desejariam reduzir tudo a puras superstições ou a fatos derivados da psicopatologia e da histeria. Os defensores do segundo ponto de vista — psiquiatras e psicanalistas — esforçaram-se recentemente por destruir toda a interpretação teológica e sobrenatural através de provas experimentais, indicando os casos em que simples tratamentos psicoterapêuticos fizeram desaparecer variados fenômenos atribuídos anteriormente a influências ou a contatos demoníacos. Este fato confirma a superficialidade que caracteriza tudo aquilo a que nos nossos dias se convencionou chamar «científico» ou «positivo». Desprezou-se, contudo, a possibilidade de certos indivíduos tarados apresentarem de fato distúrbios psíquicos reais, mas de tudo isso não constituir senão uma simples condição ou causa ocasional para a manifestação ou inserção supra-sensível de fatos de ordem diferente. Em todos os casos deste género é evidente que, se dum modo ou do outro, se consegue «curar» o indivíduo, as manifestações cessarão uma vez que desapareceu a sua possibilidade material sem que isso no entanto tenha algum significado quanto à sua verdadeira natureza, e à existência duma dimensão mais profunda nos fenômenos observados. Abstraindo, evidentemente, outros casos que, por pertencerem ao passado, não se podem tornar objeto dum exame apropriado, mas que foram, no entanto, incluídos no número daqueles que fornecem o pretexto à interpretação psicopatológica simplista que acabamos de indicar.
Quanto ao Sabbat, e mesmo que se estabeleça uma larga margem para aquilo que se pode atribuir à superstição e à sugestão (sugestão espontânea ou criada nos acusados no decorrer do processo) estão confirmados certos fatos de experiência interior de estrutura suficientemente constante e típica. Com o fim de propiciar estas experiências em determinados indivíduos, predispostos ou não, empregavam-se substâncias cujos efeitos eram análogos aos dos filtros. Do lado material, figuram entre estas substâncias quer os pós afrodisíacos, quer os narcóticos e os estupefacientes — os textos dessa época mencionam a beladona, o ópio, o acónito, o quadrifólio, o meimendro, as folhas de choupo, certas espécies de papoila, etc. além das gorduras animais que facilitavam as misturas, permitindo confeccionar unguentos, que por absorção cutânea intoxicante provocavam um duplo efeito. Obtinha-se, por um lado, um sono profundo e a libertação da força plástica da imaginação para a produção de imagens de sonhos lúcidos e de visões; e por outro, o despertar da força elementar do sexo e a sua ativação nesse plano extático-visionário e imaginativo. Os outros mencionam, contudo, uma espécie de consagração ritual das substâncias empregadas — diz-se por exemplo: «n’oubliant pas en teste composition l’învocatîon particulière de leurs démons, et cérémonies magiques instituées par iceux» O. Estas palavras aludem, evidentemente, a uma operação secreta tendo por fim dar uma «eficácia» especial à ação das drogas em questão. É evidente que este fator deveria ter uma importância fundamental neste conjunto. Reconhecer-lhe, ou não, uma certa realidade, depende, por exemplo, da medida em que se crê não se reduzirem os sacramentos a simples cerimônias simbólicas. É, certamente, devido a este fator que se verifica a diferença entre a ação geral e desordenada que os estupefacientes e os afrodisíacos podem, ainda hoje, exercer nos novatos, e a ação específica ligada a fatos evocadores que dava origem às experiências do Sabbat. Poderemos, enfim, supor como fator ainda mais essencial, algo como uma «tradição»: um fundo fixo de imagens deveria ser transportado por uma corrente psíquica coletiva, na qual se inseria cada individualidade, no próprio ato de se agregar aos grupos que se entregavam a tais práticas, daí derivando uma grande concordância nas experiências fundamentais.
Na sua Daemonomania, Johannes Vierres tinha sustentado já a tese, oposta à de Bodin, de que embora estas experiências tivessem por base uma influência sobrenatural (o «diabo») se produziam num estado do sono ou de transe, em que o corpo se mantinha imóvel no mesmo lugar, enquanto o indivíduo supunha dirigir-se fisicamente para o Sabbat. Görres narrou certas experiências feitas no século XIV por um beneditino (seguidas de outras até pelo próprio Gassendi) com pessoas que, depois de terminados os preparativos rituais para se dirigirem ao Sabbat, foram amarradas aos seus leitos e observadas. Caíam, freqüentemente, num sono profundo, letárgico ou cataléptico, a ponto de não serem despertadas nem por queimaduras ou picadas. Seja como for, encontramos nas informações que chegaram até nós uma constante, isto é, que «para ir ao Sabbat» era necessário adormecer depois de untado com um ungüento e de ter pronunciado fórmulas determinadas. A interpretação mais simples seria, pois, que se tratava de orgias da imaginação erótica, vividas durante o sono. Contudo, aquele que sabe que este estado implica uma alteração do nível da consciência no ensinamento tradicional hindu, ou seja, a passagem virtual ao chamado plano «subtil», pode pensar em qualquer coisa mais do que uma fantasmagoria sugestiva do mesmo gênero de um sonho banal. Por outro lado, de Nynauld, autor por nós já citado, distingue, ao classificar as diferentes espécies de ungüentos segundo a sua ação, vários que poderiam provocar «tin transport qui ne se fait pas simplement par illusion estant endormy profondément», isto é, que teriam como efeito senão uma verdadeira deslocação, pelo menos uma bilocação: um «ir ao Sabbat», diverso duma pura alucinação solitária e subjetiva.
Poderemos considerar esta última possibilidade como sendo real, na medida em que, se admite, em princípio, a realidade em certos casos de fenômenos de bilocação; sabemos que são também mencionados na vida dos santos cristãos (1). Devemos contudo notar que no decorrer dos controles acima indicados se constataram menos casos de desdobramento como o que se verificava naquele que, imobilizado e inanimado no seu leito por virtude das drogas, podia por vezes relatar com exatidão o que se passava à sua volta (Görres). Não devemos, pois excluir completamente a possibilidade de experiências, que sendo embora essencialmente «psíquicas» não tiveram todavia o caráter de irrealidade dos sonhos comuns e das alucinações dos esquizofrênicos, apresentando, ao contrário, uma dimensão objetiva sui generis. Não devemos excluir também a possibilidade de terem persistido, na Idade Média, resíduos de ritos extremamente antigos, extáticos, que culminavam no ato sexual, como se fosse um sacramento, e que apresentavam muitas das características atribuídas ao Sabbat. Figurava neles uma divindade cornuda denominada Cernunnos, tendo sido descoberto por baixo dos alicerces do templo da Grande Deusa cristã, Nossa Senhora de Paris, um altar consagrado a esta divindade (2). Qualquer que tenha sido o plano sobre o qual se desenvolveu a experiência dos adeptos, devemos notar que os participantes da cerimônia, real ou vivida num transe lúcido, fizeram confissões espontâneas, sem tortura — morriam sem medo e sem remorso, convencidos de terem assegurado a vida eterna. As jovens declaravam ter assistido à cerimônia por êxtase para com o deus, sentido no seu coração e na sua vontade, diziam que o Sabbat era a «religião suprema», que se tratava do verdadeiro paraíso, fonte de prazeres extáticos de tal ordem que seria impossível descrevê-los; orgulhavam-se das suas experiências e afrontavam a morte com a mesma firmeza tranquila dos primeiros Cristãos (3).
No que se refere todavia ao conteúdo das experiências do Sabbat propriamente ditas, trata-se em particular de evocações imprecisas de arquétipos e de situações rituais relacionadas justamente com os antigos cultos. Podemos se quisermos referirnos à subconsciência coletiva considerada como receptáculo de imagens já vividas, capazes de se atualizarem de novo, de ser revitalizadas no plano subtil, às quais se misturam, contudo, toda a espécie de resíduos do subconsciente individual, pois devemos lembrar-nos igualmente que, em princípio, os sujeitos destas experiências pertenciam ao povo, e não tinham nem uma preparação, nem uma tradição regulares, comparáveis à dos Mistérios antigos. Temos além disso de ter em linha de conta o fato duma deformação ou degradação particular devido à presença duma tradição diferente estigmatizante, como sucedia com a tradição cristã, que a tudo quanto era sexo atribuía um caráter pecaminoso. Nestas circunstâncias, e num regime de evocações confusas e desordenadas, podem bem surgir nas manifestações formas «antinômicas» e «diabólicas». O demonismo não se refere, freqüentemente, senão à maneira particular e distorcida como se apresentam motivos e figuras dum culto precedente, no âmbito dum outro culto que o segundo veio substituir. Deparamos com numerosos casos na história das religiões. Quando, no mecanismo do subconsciente se revitalizaram resíduos psíquicos deste gênero, sucede que tomem facilmente como apoio imagens contrárias, demoníacas, até mesmo satânicas (4).
Podemos, pois, pensar que aquele que tentava experiências como as do Sabbat, raramente se apercebia do seu conteúdo real, não o vivendo senão indiretamente, através da fantasmagoria, da sarabanda, do modo de fornecer de boa-fé confissões conformes ao cenário diabólico que os inquisidores já tinham montado. Diremos, finalmente, algumas palavras a propósito do elemento animal que figura nestas fantasmagorias. Deveremos recordar aqui os efeitos eventuais duma agitação das camadas mais profundas, pré-pessoais do ser, onde se encontram também as possibilidades latentes e as co-possibilidades animais excluídas pelo processo evolutivo que formou a figura humana típica. Estas possibilidades que tomam também uma parte importante no totemismo dos povos primitivos, podem ser ativadas e arrastadas no processo evocatório e produzir por projeção (quase como através da sua «assinatura») imagens humano–animais ou deformações animalescas da figura humana, correspondendo, em geral, àquilo que no processo global desperta de mais degradado e informe (como antiforme). Porém este processo é igual sob todos os outros aspectos ao desenfreamento dionisíaco e aos antigos ritos de iniciação eróticoorgíaca.
S. de Guaita, na base de informações de autores — como Buguet, N. Remígius, Bodin, Del Rio, Binsfeldins, Dom Calmet, etc. — que, no decorrer dos séculos passados, se ocuparam deste assunto (5), reconstruiu a estrutura principal das experiências do Sabbat nos seguintes termos: No encontro diabólico a «rainha do
Sabbat» aparecia como uma jovem nua de particular beleza montando um carneiro negro (diz-nos Pierre de Lancre: «Toutes celles que nous avons vues qualifiées du tiltre de Roynes estaient douces de quelque boanté plus singulieres que les aultres».
O bode iniciava a virgem por meio duma série de sacramentos (encontramos o equivalente desta cerimônia na consagração tântrica das mulheres por meio do nyâsa) sendo ungida e depois violada sobre o altar. Seguia-se uma orgia geral, pandêmica, em que o modo antinômico da manifestação em que se verificava um eros elementar, isto é, um eros no estado livre, e destituído de qualquer forma, se dramatizava por vezes através de relações adúlteras, incestuosas, ou contra a natureza — à parte a experiência duma posse carnal, polimorfa e simultânea vivida pela nova sacerdotisa. Sobre o seu corpo estendido, como que sobre um altar palpitante, o bode transformado em figura humana, ou semi-humana, oficia, oferecendo trigo ao «Espírito da Terra», princípio de toda a fecundidade, libertando por vezes pássaros, como rito simbólico duma libertação para os assistentes (evocação do «demônio da liberdade» — e recordamos que um dos nomes dados a Dionísio, em Roma, era também Liber). Amassava-se uma bola para se proceder a uma «confarraetio», isto é, a uma comunhão por meio da ingestão de parcelas distribuídas aos assistentes. Pensa-se que no fim da cerimônia a rainha do Sabbat se levantava, e, vítima triunfante, gritava uma fórmula como a seguinte: «Raio de Deus, ataca se ousas»; num rito do mesmo gênero, de base sexual, cuja existência na Slavónia está confirmada até ao século XII, a fórmula empregada teria sido:
«Alegremo-nos hoje, porque Cristo foi vencido (6).» Um elemento a seu modo objetivo teria sido constituído pelo fato de que aquele que participava nesta iniciação orgíaca teria obtido a revelação de segredos e processos, como os da composição de filtros, venenos ou elixires. Parece estar suficientemente confirmada a posse de semelhantes dons (7). Segundo os dados recolhidos, em certas formas de Sabbat invocava-se Diana e com ela Lucifer, transposição evidente, «invertida» do deus masculino luminoso (8). Sabe-se que na área germânica Vrowe Holda constituía uma figura central; possuía os traços ambivalentes, suaves e terríveis de distribuidora de graças e destruidora, que já foi por nós analisada no arquétipo feminino; aqui o monte de Sabbat e da noite de Walpurgis confundia-se com aquele que Vénus teria elegido para seu domicílio, o qual, segundo as perspectivas cristãs, se teria transformado num local demoníaco e de pecado. No caso dos ritos reais, é significativo o fato de serem freqüentemente celebrados próximo das ruínas de templos pagãos e de destroços antigos (por exemplo o cume do Puy-de-Dôme, no Auvergue, onde se encontravam os restos de um templo de Ermete), de dolmens e de outros monumentos megalíticos.
Observou-se com freqüência que no cenário fantasmagórico do Sabbat reaparece, com a figura do bode, o hircus sacer, animal simbólico sagrado, identificado pelos gregos ora a Pã, ora ao próprio Dionísio, pelo qual as jovens se deixavam possuir num dos cultos da Antiguidade egípcia, no sentido duma hierogamia. A mulher nua, adorada como deusa viva, é uma variante dum antigo tema mediterrânico; recordamos já, por exemplo, que na área egeia, o culto da deusa se confundia freqüentemente com o da sua sacerdotisa, e mencionamos também o fato de subsistirem resíduos análogos nas cerimônias orgíacas secretas de certas seitas eslavas. Tinham sido atribuídas aos Gnósticos, embora tendenciosamente, certas estruturas rituais semelhantes à do Sabbat; assim, Marco, o Gnóstico, teria desflorado jovens excitadas que fazia subir desnudadas ao altar, consagrando-as por este meio e tornando-as profetisas. Se este fato tiver correspondido à verdade, tratar-se-á evidentemente da técnica de iniciação sexual que já analisamos, mencionando também o fator específico constituído pelo desfloramento. Através do testemunho de Plínio (9) sabe-se também que se realizaram, na Antiguidade, Sabbats noturnos sobre o monte Atlante: danças desenfreadas e desencadeamento orgíaco das forças elementares do homem com a presença ou a manifestação de antigas divindades da natureza. Devemos pois pensar que a base do Sabbat foi constituída por uma reativação destas estruturas rituais, baseadas numa obscura libertação de energias no plano subtil: no qual podem efetivamente atuar formas de arquétipos e verificar-se formas de êxtases raramente realizadas no domínio da consciência em estado de vigília. Veremos, de resto, suficientemente confirmada a idéia de que mesmo no caso de ritos praticados com pessoas humanas reais, com atos materiais e acessórios físicos, a condição necessária para que esses ritos tenham qualquer eficácia, é que a consciência se desloque exatamente para o plano subtil.
Aludimos já às causas técnicas da «diabolização» da experiência, e ao papel que nela pode ter desempenhado um fator específico, isto é, a inibição e a condenação teológica da sexualidade próprias ao cristianismo. Em princípio devemos, contudo, considerar também a possibilidade dum emprego instrumental consciente de tudo quanto apresente a característica dum substrato demoníaco e informe, refreado pelas formas duma religião determinada: utilização esta que está ligada ao objetivo de uma transcendência particular destas formas e duma participação potencial no incondicionado. Poderíamos dizer, de um modo talvez mais claro, que apresentando-se a forma nestes casos como uma limitação, aquilo que se encontra abaixo da forma será perigosamente mobilizado como meio contra ela para atingir o que está acima (a esta forma correspondem, sobretudo nas religiões teístas, figuras divinas determinadas, dogmas, preceitos positivos, interdições, etc.). Em casos anômalos em que se fica, apesar de tudo, na corrente psíquica da tradição correspondente, uma técnica como esta pode apresentar efetivamente traços de uma contra-religião, de uma religião invertida, ou de «satanismo».
Neste contexto convém pôr em evidência um pormenor interessante. Segundo a descrição do Sabbat, o crisma da fé satânica dos participantes teria sido um beijo obsceno (l’osculum sub cauda) dado ao deus do rito, à sua imagem, ou àquele que o representava como oficiante. Contudo, em certos testemunhos, declarava-se claramente que não era exigido qualquer rito deste gênero. Seja como for, poderá tratar-se duma versão deformada de modo incrível e obsceno, dum fato totalmente diverso. O próprio De Lancre observa que o ato de que se tratava realmente dizia respeito a um segundo rosto negro que o ídolo ou o oficiante tinham atrás da cabeça, por vezes sob a forma de máscara presa à nuca, o que o fazia apresentar dois rostos, tal como a cabeça de Janus (10). É assaz transparente o simbolismo de tudo isto: se a face anterior e clara representava o Deus «exterior» e manifesto, a face posterior e negra era o símbolo da divindade abissal, informe e superior à forma; é a divindade a que se referem os Mistérios egípcios na fórmula do último segredo: «Osiris é um deus negro», encontrando-se também na primeira patrística grega alusões muito precisas a esta fórmula, influenciadas pela misteriosofia e pelo neoplatonismo, como, por exemplo, em Dionísio, o Aeropagita. Assim, em lugar dum rito obsceno de feitiçaria, poderia tratar-se duma profissão de fé ou duma «adoração» cujo objeto era justamente a divindade informe no quadro da técnica acima indicada, isto é, da utilização daquilo que é inferior à forma para atingir aquilo que lhe é superior, «o deus negro», o Deus Ignotus. E contudo difícil saber em que medida é este o verdadeiro significado em várias cerimónias e cultos obscuros, entre os quais poderiam incluir-se igualmente as missas negras.
Embora as informações de que dispomos a propósito destas, e das suas celebrações efetivas, sejam raras e duvidosas, é-nos contudo suficientemente confirmada a técnica duma inversão «diabólica» do ritual católico. Abstraindo aqui o modo absolutamente blasfematório, grotesco e sacrílego próprio a descrições como o relato romanceado de Huysmans, o pouco que chega ao nosso conhecimento referese a operações de finalidade menos extática do que baixamente mágica: como, por exemplo, no caso da missa negra que Catarina de Médicis teria feito celebrar. De qualquer modo, reaparece na estrutura da cerimónia a dos ritos antigos do Mistério afrodisíaco e tudo quanto era vivido na fantasmagoria do Sabbat actuava, aqui, no plano da realidade. O centro do rito era efetivamente constituído por uma mulher nua estendida sobre o altar desempenhando o seu corpo essa função. A posição por vezes indicada — pernas afastadas de forma a mostrar o sexo — os sacrum, «la boca sacra», segundo a expressão dum texto hermético — era a mesma que se encontrava representada por várias antigas divindades femininas mediterrânicas. Parece-nos que o rito, à parte a celebração invertida da missa, se desenvolvia duma forma idêntica à que foi descrita para o Sabbat. O pormenor mais horrível, o sacrifício duma criança frente ao altar, conduz-nos para além da ideia duma contrafacção demoníaca do rito do sacrifício eucarístico da missa, ao tema dos sacrifícios e efusão de sangue com que a Deusa se deleitava em numerosas formas de culto antigo, mas podia também, por outro lado, tratar-se de uma técnica mágica, tendente a fornecer um corpo para a sua presença real num dado lugar.
Apresentamos, em seguida, um pormenor importante, relacionado não somente com este ponto particular, mas com a generalidade da questão: julgava-se ser absolutamente necessário que o rito fosse praticado por um padre regularmente ordenado. Com efeito, segundo a doutrina católica, e exceptuando aqueles que pretendem ter sido consagrados directamente pelo Senhor, somente o padre pode operar o mistério da transubstanciação das espécies, por meio dum poder objetivo que lhe podem impedir de exercer interditando-o, mas que, graças ao character indelebilis que lhe confere a ordenação não pode ser destruído ou revogado. Acontece, pois, que os ritos indicados não podem ter qualquer eficácia se não se acreditar que o oficiante dispõe desse poder de transubstanciação, capaz de evocar e ativar presenças reais nas espécies sensíveis, não somente nas coisas inanimadas (como a hóstia eucarística) como também nos seres humanos. Deveria verificar-se um «mistério» deste género, ou pensava-se que ele tinha acontecido na própria pessoa da mulher nua estendida no altar, de modo a provocar nela uma incarnação mágica momentânea do arquétipo, do poder da mulher transcendente da deusa. Tendo-se evocado esta força supra-sensível podia conceber-se também a sua utilização operacional. Devemos notar, todavia, que o emprego da técnica da contra–religião com a ativação de tudo quanto é informe e inferior e que é refreado por uma tradição histórica comporta um risco extremo, pois pressupõe nos oficiantes uma qualificação particular, excepcional, a fim de que o conjunto não se transforme num «satanismo» no sentido próprio, pejorativo e unicamente tenebroso da palavra. O perigo é menor nos casos em que certos ritos análogos de magia sexual, dentro do quadro duma tradição não antitética que lhes é própria, não se servem da técnica de inversão nem apresentam o carácter antinómico de que falámos, como sucede nos exemplos de que nos ocuparemos em breve.
Parece que a divindade que presidia às práticas de magia negra nos séculos XVII e XVIII era essencialmente feminina. Chamava-se Astaroth, nome cuja raiz é a mesma de Astarte, Ashtoreth, Attar, Ash-tur-tu, etc., o que faz supor que estivesse relacionado com Astarte-Ishtar (nas línguas semíticas o th — Astaroth — é a desinência do plural) e o seu sexo era também indeterminado (11). As missas negras eram então oficiadas por mulheres.
Resta-nos sublinhar, como última observação relativa ao Sabbat, que, mesmo empregando as mesmas técnicas, as experiências no plano subtil não se reduzem a simples orgias oníricas de fantasia erótica individual, mas implicam evocações e contactos reais, que só com dificuldade serão possíveis para o homem moderno. Já não existe o clima psíquico necessário, e um processo crescente de materialização encerrou o indivíduo em si próprio, na sua simples subjetividade. Exceptuando casos verdadeiramente excepcionais, o único plano de experiências possíveis para além dos processos psíquicos normais é tal que, em princípio, se podem aplicar interpretações banais de género das de Jung ou entram então no campo a que se dá agora o nome de «psicodélico» e se relaciona com o uso profano e desordenado de algumas drogas.
Retirado de “A metafísica do sexo” de Julius Evola.