CAPÍTULO 1
1 Ora aconteceu no trigésimo ano, no quarto mês, no dia quinto do mês, que estando eu no meio dos cativos, junto ao rio Quebar, se abriram os céus, e eu tive visões de Deus.
Comentário: Aconteceu segundo alguns, em um Shabat, sábado, que é dia especial a estudo da Torá. Abrir os céus é uma experiência mística.
2 No quinto dia do mês, já no quinto ano do cativeiro do rei Joaquim,
3 veio expressamente a palavra do Senhor a Ezequiel, filho de Buzi, o sacerdote, na terra dos caldeus, junto ao rio Quebar; e ali esteve sobre ele a mão do Senhor.
Comentário: Joaquim significa, em hebraico, Jeová tem estabelecido ou levantado. Refere-se ao quinto ano, dos trinta de cativeiro. Quebar significa em hebraico, abundante. Quinto mês é Thamus.
4 Olhei, e eis que um vento tempestuoso vinha do norte, uma grande nuvem, com um fogo que emitia de contínuo labaredas, e um resplendor ao redor dela; e do meio do fogo saía uma coisa como o brilho de âmbar.
5 E do meio dela saía a semelhança de quatro seres viventes. E esta era a sua aparência: tinham a semelhança de homem;
6 cada um tinha quatro rostos, como também cada um deles quatro asas.
7 E as suas pernas eram retas; e as plantas dos seus pés como a planta do pé dum bezerro; e luziam como o brilho de bronze polido.
8 E tinham mãos de homem debaixo das suas asas, aos quatro lados; e todos quatro tinham seus rostos e suas asas assim:
9 Uniam-se as suas asas uma à outra; eles não se viravam quando andavam; cada qual andava para adiante de si;
10 e a semelhança dos seus rostos era como o rosto de homem; e à mão direita todos os quatro tinham o rosto de leão, e à mão esquerda todos os quatro tinham o rosto dé boi; e também tinham todos os quatro o rosto de águia;
11 assim eram os seus rostos. As suas asas estavam estendidas em cima; cada qual tinha duas asas que tocavam às de outro; e duas cobriam os corpos deles.
Comentário: a experiência mística da carruagem de Deus, Merkabah, com suas rodas e seres viventes. Refere-se não apenas a qualidades desses animais, como têm interpretado alguns autores, mas a ordens de anjos. Rodas são da ordem de ofanim, e “viventes” significa hayot, sendo animais que formam espécie de querub (querubim), ou melhor, uma esfinge. Esses animais sagrados e cósmicos, místicos, são depois chamados de “bestas”, em Apocalipse. Logo, a chave é cabalística, não meramente moral, na sua significação. Também não é mero disco voador, como tentam alguns superficialmente interpretar. Essas rodas nos levam a pensar também na “árvore da vida” da cabala, que é ao mesmo tempo o homem universal, Adão Kadmon. Segundo o Zohar, o termo se traduz em anjos, ou shinan, sendo a letra hebraica shin (shor) o boi, a letra nun (necher) a águia, a letra alef (aryeh) o leão. Já o nun final representa o homem. Tais animais também são uma forma de referência astrológica, pois os planetas (rodas) se encaixam na árvore da vida, e assim são os animais que simbolizam os signos astrológicos. São também os 4 elementos e os 4 pontos cardeais, sendo que em cada direção está um desses seres angélicos. O mais importante é que pode esse quaternário se relacionar ao tetragrama, ou melhor, ao Santo Nome, IHVH, que se traduz para Jeovah ou Javé habitualmente, mas que entre judeus era Nome impronunciável, substituído por Adonai. Assim atesta o Salmo 68:17: “Os carros de Deus são miríades, milhares de milhares”. Ou melhor traduzido: “no carro de Deus há milhares de miríades de schinan (anjos)”. Para esses anjos há quatro nomes gravados para sua atividade. O carro superior está gravado com os quatro nomes, ou quatro letras do tetragrama sagrado. Essa é a semelhança do rosto do homem, pois os animais sobem para buscar o rosto do homem. Esse homem místico é conhecido como Norá. E os nomes estão gravados no trono, e pensamos assim na “imagem e semelhança” descrita em Gênesis, que é uma semelhança mental, não corporal, como muitos traduzem. E as rodas são os “luzeiros” (meerot), descritos também no livro de Gênese, e mais que astros, são os animais ou bestas, anjos.
12 E cada qual andava para adiante de si; para onde o espírito havia de ir, iam; não se viravam quando andavam.
13 No meio dos seres viventes havia uma coisa semelhante a ardentes brasas de fogo, ou a tochas que se moviam por entre os seres viventes; e o fogo resplandecia, e do fogo saíam relâmpagos.
14 E os seres viventes corriam, saindo e voltando à semelhança dum raio.
15 Ora, eu olhei para os seres viventes, e vi rodas sobre a terra junto aos seres viventes, uma para cada um dos seus quatro rostos.
16 O aspecto das rodas, e a obra delas, era como o brilho de crisólita; e as quatro tinham uma mesma semelhança; e era o seu aspecto, e a sua obra, como se estivera uma roda no meio de outra roda.
Comentário: O caminho do raio através da árvore da vida cabalística, passando pelas rodas e signos ou planetas, os “animais” ou “bestas”. Diz-se que essas rodas correm de um lado para o outro, e ninguém as pode seguir. As rodas são as bestas descobertas. Roda é Metatron, o mais exaltado dos anfitriões, e aquele que está diante da “Face”, o anjo da Face. Outros nem podem “olhar” para a Face. As não descobertas são as que estão abaixo de Yod e He. Compreendem o firmamento do céu. Logo, algumas se elevam acima da compreensão do homem, e em direção ao Nada Infinito, o En Sof. Como traduz David Cooper, o primeiro versículo: “Com o princípio, En Sof criou Deus, os céus e a terra” (Gen. 1:1). Sai assim do pensamento, ou na “cabeça” de Deus, pois como ensinam os hermetistas, a Criação é mental, e tudo está na mente do Todo.
17 Andando elas, iam em qualquer das quatro direções sem se virarem quando andavam.
18 Estas rodas eram altas e formidáveis; e as quatro tinham as suas cambotas cheias de olhos ao redor.
19 E quando andavam os seres viventes, andavam as rodas ao lado deles; e quando os seres viventes se elevavam da terra, elevavam-se também as rodas.
20 Para onde o espírito queria ir, iam eles, mesmo para onde o espírito tinha de ir; e as rodas se elevavam ao lado deles; porque o espírito do ser vivente estava nas rodas.
Comentário: Quatro pontos cardeais, como já tratamos. O brilho se refere à presença divina, ou Shekinah. As rodas sustentam o firmamento e têm alma. O olho egípcio representava o sol, ou o próprio Hórus. Muitos sóis ou estrelas, muitos olhos. O espírito parece ser uma referência a vida ou consciência dos corpos celestes, e dos anjos.