quarta-feira, 5 de setembro de 2018

O karma coletivo (Annie Besant)


Antes de dar por completas estas imperfeitas considerações, temos de considerar aquilo que chamamos de Karma Coletivo, o complexo no qual estão tecidos osresultados dos pensamentos coletivos, dos desejos e atividades de grupos, sejam eles grandes ou pequenos. Os princípios a trabalhar são os mesmos, mas os fatores são menos numerosos, e essa multiplicidade aumenta bastante a dificuldade para compreender seus efeitos. 
A ideia de considerar o grupo comum como um grande indivíduo não está fora das cogitações da ciência moderna, e esses grandes indivíduos geram karmas ao longo de linhas semelhantes às que estivemos estudando. Uma família, uma nação, uma sub-raça, uma raça, não passam, todas elas, de grandes indivíduos, cada qual com um passado atrás de si, cada qual sendo o criador do presente, cada qual com um futuro pela frente, futuro ainda em formação. Um ego que venha a fazer parte de um indivíduo tão grande tem de partilhar do seu karma geral; seu próprio karma especial levou-o a ele, e deve ser trabalhado dentro dele, oferecendo o karma maior, muitas vezes, condições de agir ao menor. 

O karma nacional (Annie Besant)


Vamos pensar no karma coletivo de uma nação. Face a face com ele, o indivíduo é relativamente indefeso, pois nada do que fizer pode livrá-lo da influência desse karma, e só lhe cabe manejar suas velas da melhor maneira possível. Mesmo um Mestre só pode modificar ligeiramente o karma nacional ou mudar a atmosfera de um país. 
A ascensão e a queda das nações acontecem por causa do karma coletivo. Atos de retidão ou de criminalidade nacional levam-nos a nobres ou baixos pensamentos, amplamente dirigidos pelas ideias nacionais, e trazem consigo ou a ascensão ou o declínio. Os atos da Inquisição Espanhola, a expulsão de judeus e de mouros da Espanha, as atrozes crueldades das conquistas do México e do Peru foram crimes nacionais que arrancaram a Espanha da sua esplêndida posição de poder e a reduziram a uma relativa pobreza. 
Mudanças sísmicas – terremotos, vulcões, inundações – ou catástrofes nacionais como a fome e a peste, são, todas elas, casos de karma coletivo, trazido pelas grandes correntes de pensamentos e ações de um caráter mais coletivo do que individual. 
Tal como com a família, acontece com a nação, em grau maior e com a atmosfera criada pelo passado dessa nação. Tradições nacionais, costumes, pontos de vista, exercerão vasta influência na mente de todos os que nela vivem. Poucas são as pessoas que podem livrar-se inteiramente dessas influências e considerar a questão que afeta o seu país sem qualquer prevenção, encarando-o de um ponto de vista diferente do que o do seu próprio povo. Daí o surgimento de atritos e suspeitas entre as nações, daí as opiniões distorcidas quanto aos motivos que os fizeram surgir. Muitas foram as guerras que eclodiram em razão da diferença na atmosfera do pensamento que rodeava os combatentes em perspectiva, e essas dificuldades são multiplicadas quando as nações nascem de diferentes troncos raciais, como, por exemplo, os italianos e os turcos. Tudo o que o conhecedor do karma pode fazer nesses casos é compreender o fato de que suas opiniões e pontos de vista são, em grande parte, produto da personalidade mais forte da sua nação, e evitar a prevenção tanto quanto possa, dando o peso exato a opiniões obtidas através do ponto de vista da nação antagônica. 
Quando o homem se vê agarrado pelo karma nacional a que ele não pode resistir – digamos que seja membro de uma nação conquistada – deve estudar calmamente as causas que a levaram a ficar subjugada, e deve pôr-se a trabalhar para remediar essas causas, tentando influenciar a opinião pública, usando caminhos que erradicariam essas causas.

O karma familiar (Annie Besant)


Consideremos o karma coletivo de uma família. A família tem uma atmosfera de pensamento que lhe é própria, em cuja coloração entram suas tradições e costumes, o modo de encarar o mundo exterior, seu orgulho pelo passado e seu forte sentido de honra. Todas as formas de pensamento de um membro da família serão influenciadas por essas condições, formadas durante centenas de anos, e delineando, modelando, colorindo os pensamentos, desejos e atividades do indivíduo nela recém-nascido. As tendências que ele apresentar e que conflitem com a tradição da família, serão suprimidas, sem que ele tenha consciência do fato. As “coisas que um homem não deve fazer” não terão atrativo para ele. Ele será elevado para ficar acima das várias tentações, e as sementes do mal que essas tentações po deriam ter revigorado desaparecem, em silêncio, atrofiadas. O karma coletivo da família lhe dará oportunidade de distinção, abrirá caminhos que lhe serão de utilidade, trará vantagens na luta pela vida e lhe garantirá o sucesso. 
Como lhe aconteceu nascer em condições tão favoráveis? Pode tratar-se de vínculo pessoal com alguém que já faz parte da fa mília, pode tratar-se de um serviço prestado em vida anterior ou de um laço de afeição; nesse caso, são aproveitados os resultados dos velhos karmas familiares, em virtude de seu passado coletivo de coragem, capacidade e utilidade de alguns de seus membros, que dei xaram uma herança de consideração social como patrimônio. 
Quando o karma familiar é mau, o indivíduo nela nascido sofre, como se beneficia no primeiro caso, e o karma coletivo prejudica seu bem-estar, da mesma forma que o promove no primeiro caso. 
Em ambos os casos, porém, o indivíduo formou em si próprio, por hábito, características que pedem, para seu exercício integral, o ambiente proporcionado pela família. Entretanto, um forte laço pessoal, ou um serviço incomum, podem, sem isso, levar um homem a uma família da qual ele se beneficiou, dando-lhe, assim, uma oportunidade que ele geralmente não mereceu, mas que obteve por algum ato especial do seu passado. 

Velhas amizades (Annie Besant)


Outro fato de grande importância é o de que somos levados pelo karma a entrar em contato com pessoas que conhecemos no passado. Com algumas delas temos dívidas, enquanto outras estão endividadas conosco. Homem algum faz sozinho a sua longa peregrinação, e os egos aos quais ele está ligado por muitos laços de um passado comum vêm de toda parte do mundo para junto dele, no presente. 
Conhecemos alguém, no passado, que passou adiante de nós em sua evolução; por acaso nós lhe prestamos algum serviço, formando-se com isso um laço kármico. No presente, esse laço nos leva para a órbita da sua atividade, e recebemos, de fora de nós, um novo impulso de força, um poder que não é nosso, impelindo-nos a ouvir e a obedecer. 
Vimos muitos desses benéficos laços kármicos dentro da Sociedade Teosófica. 
Há muito, muito tempo, Aquele que agora é conhecido como o Mestre K. H. caiu prisioneiro numa batalha contra o exército egípcio e foi generosamente favorecido e abrigado por um egípcio de alta categoria. Milhares de anos depois, a nascente Sociedade Teosófica precisou de auxílio, e o Mestre, voltando os olhos para a Índia, à procura de alguém que o ajudasse nesse grande trabalho, vê seu velho amigo do Egito e de outras vidas, agora o Sr. A. P. Sinnett, editando o principal jornal anglo-indiano, The Pionner. Como de costume, o Sr. Sinnett vai a Simla. 
Madame Blavatsky também vai para lá, a fim de que se forme o laço. O Sr. Sinnett é levado para a influência imediata do Mestre, recebe suas instruções e torna-se o autor de O Mundo Oculto e do Budismo Esotérico, levando a milhares de pessoas a mensagem da Teosofia. Ganhamos esses direitos pelo auxílio que prestamos no passado, o direito de ajudar em níveis mais elevados e com alcance mais amplo, ao mesmo tempo que também somos auxiliados pelo estreitamento dos antigos laços de amizade conquistados no serviço, e regiamente recompensados pelo dom inestimável do conhecimento, obtido por um e semeado, amplamente, para muitos. 

O karma da Índia (Annie Besant)


Há muito tempo, o East and West, jornal do Sr. Malabari, publicava um artigo que dizia que o karma da Índia seria o de ser conquistada – obviamente uma verdade, caso contrário essa conquista não teria acontecido – e que ela deveria, portanto, aceitar seu destino de servir e não modificar as condições existentes – o que é, obviamente, um erro. 
O conhecedor de karma teria dito: Os hindus não foram os donos originais deste país. Eles vieram da Ásia Central, conquistando a terra, subjugando os povos que ali viviam e reduzindo-os à servidão. Durante milhares de anos, conquistaram e governaram, e geraram o karma nacional. Pisotearam as tribos conquistadas, fizeram-nas suas escravas, oprimiram-nas, aproveitaram-se delas. O mau karma assim produzido trouxe para eles, por sua vez, muitos invasores: gregos, mongóis, portugueses, holandeses, franceses, ingleses. Ainda assim, a lição do karma não chegou a ser aprendida, embora os milhões de intocáveis sejam uma prova viva das perversidades que sofreram. Agora, os hindus pedem para fazer parte do governo de seu próprio país, e estão sendo prejudicados por esse mau karma nacional. Que tratem de pedir enquanto podem o aumento de liberdade para si mesmos, que tratem de resgatar o que foi feito a esses intocáveis, dando-lhes liberdade social e elevando-os na escala social. A Índia deve redimir-se do mal que fez e limpar suas mãos da opressão que antes exerceu. Assim, modificará seu karma nacional e construirá o alicerce da liberdade. O sentimento público pode ser mo dificado, e toda pessoa que falar com amabilidade e bondade com um subalterno estará ajudando nesse sentido. Entrementes, todos os que foram levados para essa nação pelo seu karma individual devem reconhecer os fatos como são, mas trabalhar pela modificação dos que são indesejáveis. O karma nacional pode ser modificado, assim como o karma individual, porém, do mesmo modo como as causas não tiveram continuação, o mesmo deve acontecer com os efeitos, e as novas causas adotadas apenas podem modificar lentamente os resultados que vêm se ampliando desde o passado. 

Calamidades nacionais (Annie Besant)


O karma que produz catástrofes sísmicas e outras calamidades nacionais carrega, em sua varredura, grande número de pessoas, cujo karma contém morte súbita, doenças ou prolongado sofrimento físico. É interessante e instrutivo observar a forma pela qual as pessoas que não têm essas dívidas são tiradas para fora da cena de uma grande catástrofe, enquanto outras se apressam para se envolver nela. Quando um terremoto mata certo número de pessoas, sempre haverá as que “escaparam milagrosamente” – umas chamadas por um telegrama, outras por negócios urgentes, etc. – e também milagrosamente há o afluxo de pessoas que chegam a esse lugar a tempo de serem mortas. Se tal chamado fosse impossível para os que devem se salvar, então um outro arranjo, por exemplo, uma viga que evitasse o desabamento de grandes pedras, os protegeria da morte. 
Quando está para acontecer uma catástrofe, as pessoas que têm o karma individual apropriado reúnem-se nesse lugar, como na enchente de Johnstown, na Pensilvânia, no grande terremoto e incêndio de São Francisco. Num terremoto no norte da Índia, há muitos anos, houve vítimas que se tinham apressado, afobadamente – para serem mortas. Outras deixaram o lugar na noite anterior – para serem salvas. A catástrofe local é usada para acabar karmas particulares. Ou um carro que está levando uma pessoa para a estação é detido por um bloco da rua, e a pessoa perde o trem. Ela se zanga, mas o trem sofre um desastre e ela está salva. 
Isso não quer dizer que o bloqueio estava ali para fazê-lo parar, mas que foi utilizado para esse fim. Em Messina, os que não tinham de morrer foram resgatados dias depois do terremoto, e em mais de um caso foi possível fazer chegar comida a eles, para mantê-los vivos, comida essa trazida por um agente astral. Em naufrágios, a segurança ou a morte dependem do karma de cada um. Algumas vezes, um ego tem um débito de morte súbita a pagar, mas isso não estava incluído na dívida que precisaria resgatar durante a encarnação presente, e sua presença em algum acidente provocado pelo karma coletivo oferece a oportunidade de resgatar sua dívida “antes do tempo”. O ego prefere agarrar a oportunidade e livrar-se do karma, e seu corpo é abatido com os dos demais. 

O que vem do passado (Annie Besant)



Outro ponto de grande importância a recordar é que o karma do passado tem características muito mescladas. Não nos cabe enfrentar apenas uma única corrente, a totalidade do passado, mas um curso d’água feito de correntes que se dirigem para vários pontos, algumas opondo-se a nós, outras nos ajudando; a verdadeira força que temos de enfrentar, o resultado que ficar quando todas essas forças de oposição tiverem se neutralizado mutuamente, pode ser a que não está, de modo algum, longe da nossa possibilidade de dominar presentemente. Diante de um caso de mau karma do passado, temos de nos aferrar a ele, esforçando-nos por dominá-lo, lembrando-nos de que ele encarna uma parte apenas do nosso passado, e que outras partes desse passado estão conosco, fortalecendo nos e revigorando-nos para a batalha. O esforço presente, levado a cabo com o acréscimo dessas forças do passado, pode ser, e com frequência é, o bastante para dominar as situações que nos são adversas. 
Ou – tornamos a dizer – uma oportunidade se apresenta e hesitamos em aproveitá-la, temendo que nossos recursos sejam inadequados para atender às responsabilidades que ela traz. Ela, porém, não estaria ali a não ser que o nosso karma a tivesse trazido até nós como fruto de um desejo do passado. Tratemos de captar essa oportunidade, de forma corajosa e tenaz, e veremos que esse simples esforço desperta forças latentes que dormitavam em nós e que desconhecíamos. 
Elas estavam à espera de estímulo exterior para despertar e se tornarem ativas. 
Assim, muitos dos nossos poderes, criados pelo esforço do passado, estão a dois passos da expressão e só precisam da oportunidade para florescer em ação. 
Devemos visar sempre algo mais do que aquilo que pensamos que estamos em condições de fazer – não uma coisa totalmente fora de nossa capacidade atual, mas aquilo que parece apenas estar fora do nosso alcance. Enquanto nos esforçamos para alcançar esse objetivo, todas as forças kármicas adquiridas no passado vêm em nosso auxílio para nos fortalecer. O fato de que quase podemos realizar algo significa que trabalhamos com esse algo no passado, e o vigor acumulado por esse esforço está conosco. O fato de podermos fazer um pouco significa o poder de fazer mais e, mesmo que fracassemos, o poder demonstrado no máximo passa para o reservatório das nossas forças. O fracasso de hoje representa a vitória de amanhã. 
Quando as circunstâncias são adversas, ocorre o mesmo: pode ser que tenhamos chegado ao ponto em que um esforço a mais represente sucesso. É por isso que Bhishma aconselha o esforço em qualquer situação e diz esta frase encorajadora: “O esforço é maior do que o destino.” O resultado de muitos esforços passados tomou corpo no nosso karma, e se lhe acrescentarmos o esforço atual, ele pode adequar nossas forças para que alcancemos nossa meta. 
Há casos em que a força do karma do passado é tão grande que esforço algum no presente pode ser suficiente para vencê-la. Ainda assim, esse esforço tem de ser feito, pois são poucos os que sabem quando um desses casos acontece com eles e, em última análise, o esforço feito diminui a força kármica para o futuro. Às vezes, um químico trabalha durante anos para descobrir uma força, ou uma combinação de matéria que lhe dê possibilidade de alcançar o resultado desejado, e com frequência vê-se frustrado, mas não se dá por vencido. Ele não pode modificar os elementos químicos, não pode modificar as leis das combinações químicas, mas aceita o fato resmungando, e nisso consiste “a sublime paciência do pesquisador”. Contudo, o conhecimento do pesquisador, sempre maior em vir- tude de seus pacientes experimentos, chega, por fim, ao ponto que o leva a encontrar o resultado que deseja. Esse é o espírito que o estudante do karma precisa adquirir; ele deve aceitar o inevitável sem queixas, mas, sem descanso, procurar os métodos através dos quais lhe seja garantida a obtenção da sua meta, seguro de que sua única limitação é a sua ignorância e de que o conhecimento perfeito deve significar o perfeito poder.