sábado, 8 de dezembro de 2018

Sinister Pathway Triangle Orde


Somente quando se submeter à disciplina de seu “codex vampírico”, e à própria força de vontade, controlando as pessoas ao seu redor, que o vampiro estará orientado para o objetivo do vampirismo, pois se ele fizer progressivamente tal apelo à essa visão, chegará a um verdadeiro entendimento da natureza que constitui a Vontade do vampiro, o Príncipe das Trevas, na medida em que poderá experimentar essa Vontade como meio de criação.

Em certo estágio, quando o vampiro não é mais um recém-chegado ou neófito, ele começará a criar como um deus, pois aprendeu diariamente a pensar e a agir corretamente. O vampiro é, antes de tudo, um criador através de ferramentas mentais. E como ele pode colocar isso em prática?

1. Aprendendo a construir uma forma-pensamento poderosa e inteligente.

2. Dando o impulso, através do discurso correto, que animará o que ele está construindo para o seu próprio desenvolvimento, e assim permitindo que a forma-pensamento transmita a ideia pretendida, seja lá o que for.

3. Enviando sua forma-pensamento corretamente para os alvos (orientada para seu objetivo vampírico) e tão verdadeiramente direcionada que alcançará seu objetivo e realizará o propósito pretendido.

Essas regras podem parecer muito simples, mas é um guia seguro para a sabedoria oculta, permitindo que o iniciante passe nos testes para uma iniciação maior. Deixe-nos sempre expressar nossa verdade tal como é:

1. O vampiro estuda seus pensamentos e separa o falso do verdadeiro. Desta forma, ele está protegido.

2. O vampiro aprende o significado do glamour (ilusão), e no meio dele localiza a sua verdade. Desta forma, ele está protegido.

3. O vampiro controla suas emoções, pois as ondas que se elevam nos mares tempestuosos da vida podem engolir o nadador.

4. O vampiro tem sempre que lembrar que tem uma mente poderosa e deve aprender a usá-la para seu próprio bem.

5. O vampiro tem sempre que lembrar que, em seu trabalho mental, a concentração é fundamental para um pensamento poderoso.

6. O vampiro deve saber que cada pensamento tem um canal diferente de manifestação e que cada um é de natureza diversa, mas uma coisa só em essência.

7. O vampiro sempre deve agir como um pensador inteligente e aprender que não é correto prostituir seu pensamento como um animal para conseguir realizar desejos dos sentidos inferiores. Ele é um aristocrata.

8. A energia do pensamento é para ser utilizada para seu avanço vampírico e não desperdiçada com as futilidades humanas.

9. O vampiro constrói sua forma-pensamento com uma visão clara, um propósito definido, e com tal ele terá sucesso.

10. O vampiro sabe que seu modo de vida e seu modo de construção consciente ainda não é o objetivo final. Ele precisa se libertar do medo, dos ciúmes e nunca levar uma vida sem sentido. Assista sua aura para perceber esses defeitos.

11. O Vampiro observa as portas do pensamento como um sentinela expulsando o que não pertence à sua evolução vampírica.

12. Preste muita atenção para que suas palavras, fala e ação indiquem seus pensamentos. Os seus pensamentos de poder fazem você vitorioso nas ações.

13. Seja forte e busque isso acima de qualquer coisa e a qualquer custo.

14. O pensamento ocioso traduzido em palavras e ações cria uma prisão para você, assim como balbuciar com os tolos. Mantenha os arcanos vampíricos para você e seu clã, para evitar contra-tempos e desastres. Mantenha o silêncio e a luz negra continuará acesa.

15. Não transmita a ninguém suas fraquezas, também não lamente dos seus fracassos. Os pensamentos quando ligados ao “eu” e ao seu “destino” impedem o avanço mágicko.

16. O poder atrativo do pensamento e a atração energética do sexo é uma grande força.O ensinamento fundamental no vampirismo é de que toda a vida é importante (sagrada), especialmente a nossa sexualidade. Isto é porque o vampirismo vê o poder sexual como sendo a energia interna que alimenta nossa iluminação.

Essas simples colocações vampíricas são o fundamento seguro para o avanço do trabalho mágicko tornando o corpo mental tão claro e tão poderoso que o vampiro irá atingir seus objetivos ao máximo.

Magnetismo Vampírico

Quando nós vampiros estamos ao redor de pessoas irresistivelmente magnéticas, nos sentimos maravilhosos, nos sentimos inspirados e ágeis em ação. Sentimo-nos atraídos porque são como nós, entusiasmados com a vida. Eles têm uma visão ampla, eles têm confiança no que eles estão dizendo e fazendo, eles são enérgicos. Estamos cientes do magnetismo deles, mas também há uma leveza de ser, qualidades infantis de brincadeira, uma abertura que causa curiosidade. Eles são espontâneos e divertidos, vivem suas vidas sem cargas, não precisam perseguir duramente as coisas – o que quer que elas desejam, elas atraem sem esforço por causa de seu impulso magnético.

A ciência mais recente nos diz que os incontáveis bilhões de átomos de que o corpo é composto são carregados, todos e cada um deles, com magnetismo inerente ou nativo, cuja presença é necessária para manter seus elétrons e manter um tipo de “sistema solar” em que um orbe central exerce uma influência sobre os seus satélites, e esta influência, por sua vez, pelo magnetismo de uma força semelhante à conhecida como centrípeta, mantêm a distância do orbe dominante. Também nos dizem que cada átomo possui um poder reprimido que, se for solto, poderia destruir uma matéria muito maior que seu tamanho. Todos esses motores de força e energia estão entrando no corpo em bilhões diariamente, servindo a missão de criar e manter a vida, e passando para se juntar ao grande pano de fundo para o qual foram desenhados. Todo esse magnetismo é conhecido como um poder difuso e está espalhado por todo o corpo.

É reconhecido por todos os cientistas que o magnetismo tem uma utilidade maior do que aquilo que foi extraído dele até agora. Para entender como essa maior utilização pode ocorrer, revelaremos a maneira pela qual a célula vegetal que contém o germe da inteligência é criada pela “natureza” para fazer parte de formas dispersas de inteligência em uma massa coletiva que é chamada de cérebro.

Da mesma forma, a presença difusa ou dispersa do magnetismo nos incontáveis átomos do corpo, é desenhada coletivamente em gânglios, centros nervosos e no cérebro (o maior de todos os centros nervosos). Mas quando o processo de coleta desse magnetismo é levado para uma escala maior, descobrimos que existe no corpo um núcleo de magnetismo muito mais ativo. Quando o intelecto está unido ao magnetismo, o resultado é o magnetismo pessoal. Se você observar o homem e a mulher que são considerados os mais “magnéticos” na natureza, achará que quase sempre são pessoas que têm o que é chamado de “alma” em um nível mais expressivo – isto é, manifestam e induzem “sentimento” ou emoção. Eles manifestam traços de caráter e natureza semelhantes aos manifestados por atores e atrizes. Eles lançam uma parte de si mesmos, o que parece afetar aqueles que entram em contato com eles eles.

Observe um ator não-magnético, e você verá que, embora ele possa ter uma performance perfeita e que tenha adquirido os maneirismos, gestos e outras partes técnicas de sua arte, ele ainda não tem “algo a mais” e isso pode ser visto como a capacidade de comunicação do magnetismo pessoal. Aqueles que estão no segredo do show business, sabem muito bem que muitos dos atores bem-sucedidos que parecem queimar com paixão, sentimento e emoção no palco, realmente sentem pouco dessas qualidades ao agir na vida real- são como fonógrafos, produzindo sons que foram registrados neles. Mas se você investigar ainda mais, verá que essas pessoas induzem uma emoção simulada e mantêm firmemente em suas mentes, acompanhando-a com os gestos apropriados , falas e etc, até que se torne firmemente “configurada” ali e seja comprimida com a mentalidade, como um registro sempre acessível.

Dizem que se um ator em cena se deixar realmente levar por aquilo análogo ao que senti com intensidade na vida real, o resultado não será vantajoso, pois ele é superado com o sentimento e seu efeito está sobre si mesmo, e não sobre o seu público. O melhor resultado é dito ser obtido quando alguém experimenta pela primeira vez e senti a emoção, e depois a reproduz da maneira indicada acima, sem permitir que a emoção o controle.

Ler Sobre O Magnetismo Pessoal Não é Suficiente

Não importa o quão grande seja a sua capacidade de ler e entender variados livros, esse crescimento, essa lei, exige tempo e esforço para o trabalho da vontade. Não importa quão pobre possa ser sua capacidade em tal questão, esse crescimento é absolutamente alcançado se você colocar tempo razoável e esforço em sua aquisição. As árvores gigantes de nossos parques em qualquer lugar do mundo já foram sementes. O lento lapso de tempo atraiu a natureza para mudanças poderosos. O magnetismo não pode mais ser adquirido pela simples leitura de um artigo, ou pela prática apressada de seus exercícios. Um sábio oriental ou filosofo do ocidente não podem ser “produzidos” durante uma única experiência.

O crescimento magnético é naturalmente lento. Seus princípios, seus métodos e os resultados de seu estudo devem ser profundamente absorvidos e assimilados pelo eu subjetivo antes que se possa obter a reação do magnetismo na vida objetiva. Se você leu essas linhas corretamente, então aprendeu que o crescimento magnético e o desenvolvimento psíquico não podem ser apressados. Essas declarações são colocadas aqui porque, se tivessem aparecido no início do nosso trabalho, a perspectiva pareceria, talvez, desencorajadora e especialmente não teria sido entendida. Agora você entende porque trabalhou todos os nosso exercícios, e pode se dar o luxo de sorrir para o tal desânimo. Você pagou um preço pela obtenção de um potencial magnético, pois os ganhos compram as dores. A observação fiel dessas sugestões desenvolve muitas surpresas ao longo dl tempo. O crescimento do magnetismo envolve intensa e contínua concentração de pensamento no campo psíquico, e é muito provável que você possa achar necessário se proteger contra esse perigo. O método de defesa é brevemente indicado mais adiante.

Magnetismo e Carisma

A ideia de ter carisma pessoal e magnetismo é muitas vezes baseada em ter uma energia atraente que flui através de seu corpo e mente. Embora isso seja verdade, existem outros aspectos. Muitas pessoas acham que nasceram com o magnetismo, mas todos podemos começar a desenvolvê-lo, se não for um dos nossos traços fortes. Ter uma forte presença é mais sobre como você é percebido pelos outros. Como você os trata, vai influenciá-los muito, especialmente quando se encontra pela primeira vez. Então, deixe-me te falar sobre como pode realmente influenciar as pessoas para fazê-las pensar em você como uma influência poderosa.

Dicas para influenciar positivamente as pessoas:

1. Quando você se encontrar com alguém pela primeira vez, atue como se estivesse se encontrando com um amigo. Isso irá ajudá-lo a se sentir confortável e operar a partir de seu verdadeiro eu, em vez de colocar qualquer coisa na frente. Não seja excessivamente amigável, mas esteja interessado no que a pessoa tem a dizer, e deixe-a conduzir a maioria parte conversas.

2. A linguagem corporal é um ótimo negócio. Saiba mais sobre linguagem corporal. Cruzar os braços ou as pernas significaria que você está fechado para a pessoa ou a situação. Olhe as pessoas nos olhos ao falar. Olhar para elas nos olhos mostra que você não tem nada a esconder e não está evitando-as. Os vampiros sempre olham as pessoas nos olhos, são seus meios de poder.

3. Seja positivo. Ninguém gosta de estar com uma pessoa negativa. Ser positivo e feliz faz você ser uma pessoa atraente, isso ajuda você a contagiar outras pessoas e também é uma tomada de energia.

4. Trabalhar em boa postura. Mantenha sua postura corporal ereta, não caia. Isso irá ajudá-lo a parecer mais firme, criando uma boa impressão.

5. Ajude as pessoas que merecem. Elas não sabem como fazer algo que você faz? Eles apreciariam a sua ajuda. No entanto, não execute demasiadas tarefas e saiba quando dizer “não”. Ajudar as pessoas fará você se sentir bem, criando um senso de poder e valor. E certamente outros se sentem bem com você quando recebem sua ajuda.

Nosso auto-programa de magnetismo pessoal:

• Aumente sua popularidade

• Atraia pessoas e circunstâncias que forçam você a melhorar a alimentação

• Proteja-se de pessoas que sabotam sua energia

• Impulsione a autoconfiança

• Construa redes pessoais de amizade com as vítimas

Poder da Consciência Vampírica

Vampiros fazem magia, pois isso faz parte de suas vidas. No entanto, definir o que realmente é magia pode ser muito difícil. Mesmo os praticantes ocultistas discordam de uma definição geral de magia porque é uma arte pessoal. Magia é muito mais do que feitiços como forma de reivindicar poder sobre outra pessoa, de controlar ou prejudicar. Este é um mal entendido que define de imediato que o vampirismo é uma prática maldosa. Embora a magia tenha sido usada com tais intenções, este não é absolutamente o propósito da magia vampírica.

Aleister Crowley definiu magia como: “A ciência e a arte de causar mudanças em conformidade com a vontade”. Magia, de fato, é uma arte e uma ciência, com regras e estrutura. Os vampiros não têm códigos morais, mas apenas condições que permitem que a magia ocorra. E, como arte, a magia também tem um componente criativo e individual, desde que esteja de acordo com as “leis científicas da magia”.

“Causar transformação e mudança” é um assunto importante aqui. Os vampiros não especulam, mas fazem coisas acontecerem. E a transformação combina com a intenção/vontade. O vampiro está aprendendo a trabalhar com a transformação ou mudança, aprendendo a lida com as forças que criam, moldando o resultado combinando a intenção com o métodos certos. “Dobrar e moldar” são duas palavras para se lembrar. O vampiro está dobrando e moldando a ocorrência natural para ajustá-la a sua vontade.

Durante a sua transformação como vampiro, você precisa de treinamento, pois todos precisamos ver os resultados de nossos esforços para se tornar o que tanto desejamos. Um vampiro está trabalhando com energias o tempo todo. Todo indivíduo descreve a experiência de uma maneira única, então temos muitas vezes opiniões divergentes sobre as energias psíquicas. Diferentes tradições vampíricas, clãs e famílias chamam essas forças por diferentes nomes, e um nome tem uma conotação cultural específica.

Um vampiro em seu tempo de transformação precisa de métodos para direcionar as energias através da vontade e da intenção. Métodos sempre envolvem uma consciência alterada, resultante de uma prática ou ritual meditativo, a razão pela qual a meditação, os rituais e as ferramentas são tão comuns nas tradições vampíricas, pois servem ao propósito maior de nos ajudar a direcionar nossa energia e intenção.

Se você observar bem, coisas estranhas as vezes acontecem ao seu redor. Você pode fazer com que os relógios parem, pode criar uma sobrecarga nos dispositivos elétricos, queimar as lâmpadas ou fazer com que o carro quebre, tudo de forma inconsciente. Quando você está chateado, as pessoas podem ter acidentes ao seu redor, e geralmente você se sente mal por isso.

Todo esse processo é contrário a magia. O vampiro está diretamente associado a metafísica prática ou ocultismo (esoterismo) que se desenvolve no subconsciente, mas não é dominado por seus fenômenos. O vampiro que é obviamente um mago sempre avançará em sua melhoria, e a transformação ao longo do tempo mudará devidamente o curso e o seu modo ser.

A Descida na Escuridão


Abandone a esperança, todos vós que entrais aqui!

—Dante, Inferno, Canto 3-

O que se segue é difícil e desconfortável. Hillman adverte que o nigredo “fala com a voz do corvo, predizendo acontecimentos terríveis”, e Dante nos diz: “Abandone a esperança, todos vós que entrais aqui”. Contudo, além dessas advertências, eu gostaria de fornecer algum encorajamento. O artista Ad Reinhardt apontou que temos uma tendência natural a nos afastarmos de tais experiências, mas ele nos encorajou a “esperar um minuto”, para manter-se firme – porque olhar para a escuridão requer um período de adaptação. A recompensa por ficar está disponível para aqueles que têm fé suficiente para resistir à “duração infinita”. Ficar com a escuridão permite que algo aconteça que nos escaparia se fôssemos precipitados. Se resistirmos à nossa tendência natural de fugir diante de experiências dolorosas, poderemos descer aos aspectos sombrios do inconsciente, o que é necessário se quisermos fazer contato com o que Goethe chama de “natureza infinita” . Virar-se para tal escuridão requer certa disposição para fazer companhia ao sofrimento e fazer uma descida ao inconsciente. A grande obra de Goethe, Fausto, foi essencial para Jung, que certa vez disse que “não se pode meditar o suficiente sobre Fausto” . Edinger também observou que esse trabalho é de “grande importância para a compreensão psicológica do homem moderno”.

Para Jung, Goethe estava nas garras de uma descida, um processo arquetípico, um processo também vivo e ativo dentro dele como substância viva, o grande sonho do mundo arquetípico. Era o principal afazer para Goethe e essencial para seu objetivo de penetrar nos segredos sombrios da personalidade. Na abertura de Fausto, magnum opus de Goethe, Fausto reflete sobre o nigredo da “noite”:

“Eu estudei agora, para meu pesar, Filosofia, Direito, Medicina, e – o que é pior – teologia de ponta a ponta com diligência. No entanto, aqui estou eu, um tolo miserável e ainda não mais sábio do que antes. Eu me tornei mestre e doutor também, e por quase dez anos eu levei meus jovens estudantes a uma feliz perseguição para cima, para baixo e de todas as formas – e descobrir que não podemos ter certeza. Isso é demais para o coração suportar! Bem posso saber mais do que todos aqueles idiotas, aqueles médicos, professores, oficiais e sacerdotes, não se incomodar com escrúpulos ou dúvidas e não temer o inferno nem seus diabos – mas também não me alegro com nada, não sei nada que eu ache que vale a pena e não imagine que o que eu ensino possa melhorar a humanidade ou torná-la piedosa. Nenhum cachorro iria querer ficar assim! … Ai! Eu ainda estou confinado à prisão, maldito buraco de pedra onde a luz do sol penetra através do vidro pintado. Restrito por esta grande massa de livros que vermes consomem, que a poeira cobriu e que até o teto-cofre estão intercalados com papéis sujos. E você ainda se pergunta por que seu coração está ansioso e seu peito contraído, por que uma dor que você não pode contar para inibe sua vitalidade completamente! Você está cercado, não pelo mundo vivo em que Deus colocou a humanidade, mas, em meio a fumaça e mofo, apenas por ossos de animais e dos mortos…sustentada pela esperança, a imaginação uma vez subiu ousadamente em seus voos sem limites. Agora que nossas alegrias estão destruídas no abismo do tempo, ela se contenta em ter um escopo limitado. No fundo do coração, ela rapidamente faz seu ninho, aí ela engendra tristezas secretas e, naquele berço inquieto, destrói toda a alegria silenciosa…”

Nessa condição da alma, neste berço de trevas onde a luz fraca do Sol mal penetra que encontramos o Sol Niger. Meu primeiro encontro com a imagem do sol negro começou inocentemente. Ocorreu enquanto trabalhava com uma mulher que relatou o seguinte sonho:

“Estou em pé na Terra. Eu penso: Por que eu deveria fazer isso quando posso voar?” Como estou voando, acho que gostaria de encontrar meu guia espiritual. Então eu noto, agarrando a minha cintura, uma pessoa. Eu acho que isso pode ser o meu guia. Eu ‘chego atrás de mim mesmo’ e puxo a figura para a frente para que eu possa olhar na cara. É uma jovem esquizofrênica. Eu sei que este não é o meu guia. Eu a coloquei de lado e continuei minha jornada para o sol. Pouco antes de chegar lá, um vento vem e me leva de volta à Terra.”

A jornada para o céu e para a ala solar é um tema comum, se não universal. James Hillman nos diz que “a vida humana não pode deixar de voar…enquanto respiramos ar e falamos ar, somos banhados em sua imaginação elementar, necessariamente iluminados, ressonantes, ascendentes”. Para ele, “aspiração, inspiração, o gênio é estruturalmente inerente, uma tensão pneumática dentro de cada alma”. A função da asa, nos diz Platão, é pegar o pesado e elevá-lo nas regiões acima, onde os deuses moram. De todas as coisas relacionadas com o corpo, a asa tem a maior afinidade com o divino. Temas semelhantes são confirmados na arte, no folclore, na mitologia clássica, na escultura e na poesia. O movimento para cima e para fora parece ter uma qualidade universal. Na festa de Ícaro, Sam Hazo escreve:

“O poeta imita Ícaro. Ele é inspirado a ousar a impossibilidade, mesmo que isso signifique que ele pode e possivelmente falhará na tentativa. Seu destino é tentar encontrar a língua do silêncio, para dizer o que está além dos dizeres, para cunhar do ar que ele respira um alfabeto que cativa como a música. Sua vitória, se é que chega, deve necessariamente ser uma vitória do instante, uma segunda fossa lírica de triunfo, rápida como um beijo”.

O estudo de Hazo sobre Ícaro valoriza a necessidade de fuga – se uma alma quiser ter um vida vibrante e criativa. É importante, como analista, aprender como sustentar essas ascensões pneumáticas e espirituais, conhecer o valor do espírito puro e, ao mesmo tempo, ter consciência dos seus perigos. Como uma mariposa atraída por uma chama, nossas almas icarianas estão em perigo quando, em nossas aspirações, nos esquecemos de nossos corpos na Terra e do chamado a uma vida integrada. Para analistas, se não para poetas, o “beijo rápido” deve estar ligado a um relacionamento mais estável com nossas possibilidades transcendentes, de modo que nossos olhos também estejam fixos em “asas de cera” e no perigo de almas queimadas e buracos negros.

Tivemos o benefício dos mitos de Phaethon, Ixion, Bellerephon e Ícaro para nos lembrar do lado perigoso de voar muito alto e muito perto do sol, de se tornar a presa de Poseidon. O problema para Ícaro não é que ele deseje voar (pois isso é uma emanação natural e saudável de nosso potencial constitucional), mas que há uma diferença importante entre uma imaginação corpórea fundamentada e um vôo gnóstico defensivo ou ingênuo que deixa o corpo e a escuridão para trás. Os analistas em geral aprenderam a olhar o “vôo” e o “espírito” com o olho de Brueghel, e não com o de Ovídio. Em Metamorfoses, Ovídio descreve “o espanto de um pescador, um pastor e um lavrador quando viram Dédalo e Ícaro voando pelo céu, um acontecimento que foi interpretado como uma epifania dos deuses.”

Esse espanto é ilustrado na queda de Ícaro por Petrus Stevens e Joos de Momper. Pieter Brueghel, por outro lado, em sua “Paisagem Com a Queda de Ícaro” (1558, Museu Real de Bruxelas), “inverteu o tema de Ovídio de enfatizar os humildes camponeses que continuam seu trabalho sem sequer olhar o céu ou, em Ícaro, este último reduzido a uma figura insignificante que caíra no mar.” Para os analistas, identificar-se com qualquer uma dessas perspectivas tem consequências ciclópicas. É importante olhar com os dois olhos, para ver através das perspectivas tanto de Ovídio quanto de Bruegel, com um olho para a epifania e para o mar da terra, ou nós mesmos estamos perdidos em unilateralidade.

O desejo de meu paciente de sair da Terra pode muito bem ter sido motivado espiritualmente, mas, em caso afirmativo, também foi uma fuga da dor associada à imagem da menina esquizofrênica limítrofe, uma imagem patológica de angústia psicológica. Pode-se imaginar a psique dizendo a ela: “Vire-se em direção a essa figura das trevas que se agarra a você. Esse é o seu guia.” Esse giro não era imaginável, e seu ego sonhador pneumático era dirigido com uma única intenção: ir para o céu, para o sol. Confrontando-se com essa direção estava o espírito do vento que a levou de volta à Terra e, no momento, a aterrou gentilmente. Na alquimia, é importante que o espírito pneumático permaneça em conexão com a Terra, como imaginado no Viridarium Chymicum de Stolcius. Na figura abaixo, o pássaro que voa alto está ligado à criatura pequena e lenta da Terra, que impede o espírito de voar para longe. Quando a ligação com a Terra não é honrada, o aterramento pode emergir inconsciente e severamente. Eu não posso dizer se o que se seguiu foi de alguma forma relacionado à negligência do lado sombrio da psique ou foi uma parte do seu destino biológico e espiritual, mas como o nosso trabalho continuou, encontramos um lado mais destrutivo da imagem do Sol Niger.

Em uma sessão analítica, minha paciente relatou que sentiu algo ameaçador em seu peito. Ela descreveu como uma bola escura que tinha longos fios atingindo todo o corpo. Sua inclinação era estender a mão e levantá-la. Entre as sessões, em uma imaginação ativa, ela desenhou a imagem que sentia estar alojada em seu peito. Era um sol brilhante com um denso centro preto e longos tentáculos fibrosos.

Depois de desenhá-lo, ela sentiu que a imagem não era suficientemente ameaçadora e sentiu a necessidade de desenhá-la novamente. Ela desenhou uma segunda imagem, na qual o centro preto tinha aumentado de tamanho e o brilho do amarelo foi substituído por um campo vermelho. As longas fibras negras permaneciam, e havia muitas formas negras circulares que meu paciente descreveu com horror como uma explosão de embriões mortos esqueléticos.

Era como se ela tivesse trazido à superfície um sol negro comprimido e explodindo que parecia prefigurar sua capacidade de verbalizar lembranças dolorosas de sua inquietação inassimilável e a loucura de seus sentimentos suicidas. Apesar dessa recuperação e do processo que iniciou, a imagem, como um demônio devorador, não diminuiu. Pouco depois, ela relatou um sonho em que sentia que uma guerra nuclear era inevitável. Enquanto lutava com essas imagens, ela sofreu um aneurisma na região anterior do cérebro e chegou perto da morte. Ela perdeu a visão em um olho, mas sobreviveu. Não pude deixar de sentir alguma ligação entre a imagem do sol negro e o incidente médico, que quase lhe custou a vida e levou à cegueira parcial. Isso me levou a pensar se havia algum incidente documentado de um tipo similar.

Ao pesquisar a literatura analítica, deparei com o caso de Robert, publicado pelo analista australiano Giles Clarke em Harvest (1983). Seu artigo é intitulado “Um Buraco Negro Na Psique”. Nele, ele descreve o caso de Robert, um homem de vinte e nove anos que estava lutando com algo que parecia impossível de integrar ou explicar em termos de teorias convencionais, psicodinâmicas. Clarke descreve um sonho de Robert, no qual há uma imagem de um buraco negro no qual o mundo todo desaparece. Astronomicamente, um buraco negro é um sol ou uma estrela que entrou em colapso sobre si mesmo, criando um vácuo que suga toda a matéria para dentro de si, uma “visão científica” do Sol Negro. Para Clarke, a psicologia do buraco negro está ligada ao fracasso da vida psíquica e a algo que é um objeto inassimilável e intolerável de ansiedade e pavor. Ele a conecta com uma espécie de atrofia crônica e psíquica que às vezes pode ser literalmente fatal. O sonho de Robert foi seguido por uma série de imagens perturbadoras e sintomas físicos debilitantes. Clarke relata imagens de um “bebê natimorto”, um “nascimento de mutante ou monstro”, abortos e um “aborto espontâneo”. Robert “desenvolveu enxaquecas, sua visão sofreu, seu paladar e olfato atrofiaram, e suas pernas formigaram e doeram”. Finalmente, Robert ficou gravemente doente e morreu de câncer.

Outro encontro com o sol negro é relatado no livro de Ronald Laing “O Self Dividido”, onde ele fala do surgimento do sol negro em seu tratamento de Julie, que foi diagnosticada com esquizofrenia. Por um lado, Julie imaginou ser qualquer um de um grande número de personalidades famosas, mas internamente não tinha liberdade, autonomia ou poder no “mundo real”. Como ela podia ser qualquer um que ela se importasse em mencionar, ela não era ninguém. Ela estava “aterrorizada pela vida: “a vida iria amassá-la como uma polpa, queimar seu coração com um ferro quente vermelho, cortar as pernas, mãos, língua, seios”. A vida foi concebida nos mais violentos termos e ferozmente destrutivos imagináveis. Ela afirmou que “nasceu sob um sol negro”, e as coisas que viviam nela eram bestas selvagens e ratos que infestaram e arruinaram sua cidade interior.

As imagens de Julie são ampliadas na descrição de Von Franz do  Sol Niger como o lado destrutivo do deus Sol, lembrando-nos que Apolo é o deus não só do Sol, mas também de ratos e lobos e que o lado escuro do Sol é demoníaco e seus raios queimam a vida até a morte. Ele é um deus sem justiça e traz a morte para os vivos. Laing prossegue observando que essa imagem antiga e muito sinistra do sol negro surgiu, para Julie, independentemente de qualquer leitura; ainda assim, ela descreveu a maneira como os raios do sol negro queimavam e a enrugavam, e sob o sol negro ela existia como uma coisa morta. Sua existência, então, foi retratada em imagens de dissolução e completamente árida. Essa morte existencial, essa morte-em-vida, era seu modo predominante de estar no mundo. Nessa morte não havia esperança, nem futuro, nem possibilidade. Tudo já havia acontecido. Não havia prazer, nenhuma fonte de satisfação possível, pois o mundo estava tão vazio e tão morto quanto ela.

Em Alchemy, von Franz escreve sobre o lado sombrio do Sol como destrutivo, injusto e demoníaco. Ela se refere a esse aspecto do Sol Negro, onde o sol é tão quente que destrói todas as plantas. Ela relembra uma história da Indochina que relata que um sol muito quente foi disparado ao amanhecer por uma figura de herói ligada a Saturno. Para Von Franz, a sombra do Sol como “um Sol sem justiça, que é a morte para os vivos”, reflete “uma consciência mal funcionante” que rejeita o lado de Deus. Ela afirma: “Se a consciência funciona de acordo com a natureza, a escuridão não é tão negra ou tão destrutiva, mas se o Sol ficar parado, fica enrijecido e queima a vida até a morte.””Quando a psique perde seu ritmo natural e se fixa em complexos, o inconsciente se torna destrutivo..

Essa versão do sol negro apareceu em minha análise de longo prazo com um padre católico. Houve um progresso significativo em sua análise de uma depressão séria e de desejos suicidas em curso, e ele estava em grande parte saudável, com exceção do que parecia ser um complexo crônico e mortal que ainda ocorria regularmente. Nestes momentos, ele sentia que estava em um “buraco negro”. Ele desligava o sentido maior de sua vida e queria morrer. Suas sensibilidades até então racionais pareciam estar ficando delirantes. Ele sentia que sua pele era muito ‘frágil’ para ele realmente aproveitar a vida e relatou que ele não poderia sair ao sol como pessoas comuns. Para ele, o Sol era vingativo e havia uma longa série de sonhos em que o Sol o queimava severamente.

O paciente relatou esse sonho: “eu estava descansando ao sol. Enquanto eu estava lá, o calor penetrou na minha pele e meus ossos se sentiram confortáveis. Em seguida eu estava tomando banho e mal pude tocar minha pele. Eu olhei com uma sensação de alarme, percebendo que minha pele estava muito vermelha em cada centímetro quadrado. Eu não sabia como isso aconteceu, exceto que a queimadura era completa. Minha pele estava vermelha e quente ao toque, tão queimada que mal consegui tocá-la. Eu sentia muita dor e não sabia o que fazer.” Nesse sonho, meu paciente pensava no sol como uma força hostil, não muito diferente daquela retratada pela pintura de William Blake, na qual ele é “uma esfera vermelha e sangrenta, desencadeando sua fúria em uma humanidade oprimida”.

No andamento dessa análise, o paciente e eu fomos capazes de descompactar uma quantidade considerável de significado relacionado a esse sintoma / símbolo / imagem do sol vingativo, incluindo um complexo paterno significativo, seu autodiagnóstico em chamas e as demandas abrasadoras de seu perfeccionismo e expectativas. Também discutimos a ideia do Self queimando suas inflações e ameaçando a postura do ego, fazendo com que seja doloroso até se mexer. Este trabalho provou ser valioso. Ao longo dos anos, houve períodos em que o Sol se tornou suave, aquecido e positivo, e sua pele estava bem bronzeada, integrando parte da escuridão. Na minha op  inião, ele era um padre que tinha aceitado uma boa parte da materia sombria, tanto pessoal quanto coletiva. Mas, apesar disso, seu sol hostil continuou a retornar. Depois de uma de nossas sessões, meu paciente escreveu a seguinte reflexão na qual ele estava tentando comunicar suas frustrações e a implacável dor que ele chamou de sua “barreira de pele”. Ele comparou isso ao seu trabalho nas escrituras e a um “texto teimoso” do qual não conssguia se livrar: “Isso desafia a interpretação que me satisfaz. Meu desejo é eliminar o texto, mas não posso. Eu não tenho escolha. O texto me confronta e tenho que lidar com isso. Eu muitas vezes odeio o texto! Eu gostaria que nunca tivesse sido escrito. Ainda tenho que lidar com isso. Meu refrão de pele é meu texto teimoso. Insisto em trazê-lo e voltar a ele, porque não estou satisfeito com nenhuma interpretação. Ainda não chegamos a algo com o que eu possa viver. É nesse momento crucial que digo que você não pode fazer nada por mim. Eu perco a confiança no nosso trabalho para resolver este problema.” Para meu paciente, tudo o que foi realizado não foi longe o suficiente. Ele estava pronto para parar o nosso trabalho “a menos que lidemos com o meu texto de pele teimoso para que eu possa viver”. Nossa capacidade de se relacionar com o que realmente se tornou um demônio ameaçador era, na melhor das hipóteses, uma tentativa que estragou a sua vida e o seu mundo tornou-se cada vez mais sombrio e deprimido. Ele afirmou que “a vida cheira mal” e que “o Sol” continuou a queimá-lo. Desde que ele sentiu que não havia razão para viver, a morte era a única coisa que era real.

Este aspecto do Sol Negro pode se mostrar quando a consciência se torna crítica. Alquimicamente, o calor é aumentado demais, e a pele do ego é queimada, enegrecida ou torturada com críticas pungentes, produzindo vergonha e ameaçando a integridade corporal. Hillman descreve um processo similar de mortificação – quando o ego se sente preso ou pregado. É um momento de sintomas e as “esmagadoras mortificações sádicas da vergonha” . Na figura abaixo, sentimentos semelhantes são expressos em um ponto de análise em que uma mulher estava revivendo sentimentos profundos de vergonha. Ela viveu “uma infância protegida” e descreveu “muita censura”, “sentir-se constantemente embaraçada” e inferior.

As faces masculinas da autoridade religiosa são “longas, severas, magras, com os olhos sem pestanejar”. Na pintura que ela fez, vemos o olho concentrado da autoridade masculina, que parece um mau olhado ou o lado sombrio dos “reis religiosos”, clérigos e bispos com suas mitras e custódia. Na extrema direita, uma figura segura a custódia, que aparece tradicionalmente como um raio de sol. A custódia é um utensílio que é usado para conter a presença da Hóstia consagrada, que se acredita ser a divindade viva, o Sol refletindo a imagem transformada do Deus-homem. Mateus 17: 2 diz: “e ele foi transformado diante deles e seu rosto resplandeceu como o sol, e suas vestes tornaram-se brancas como a luz”. Para nosso sonhador, o brilho do ostensório tornou-se monstruoso, as duas palavras – ostensório e monstruosidade – compartilhando a mesma raiz, e foi usado para envergonhá-la e atacá-la, funcionando como um Sol Negro, criando vergonha. O ataque de seus acusadores era também uma prova fálica prestes a arrebatar a mulher (note a cruz atrás dela).

Outra imagem do aspecto destrutivo do Sol Negro pode ser vista na vida do poeta Harry Crosby. A vida do poeta está em seus diários, intitulada Sombras do Sol, e na biografia de Wolff sobre ele, intitulada O Sol Negro: O Breve Trânsito e o Eclipse Violento de Harry Crosby. Crosby é descrito como um bonito e rico aristocrata que, com sua esposa, Caresse, escandalizou a sociedade de Boston. Caresse se divorciou de seu primeiro marido, Richard Peabody, sobrinho do lendário diretor de Groton, para se casar com Harry. Juntos, eles fundaram a Black Sun Press em Paris, que publicou excelentes edições das obras de Lawrence, Crane, Pound, Proust e outros. Um dos romances de Harry é retratado por Edward Germain em sua introdução a Shadows of the Sun. Ali, Germain sugere que é quase impossível não ler esses diários como o romance de oitenta anos do poeta com a morte, consumado no final da tarde de terça-feira, 10 de dezembro de 1929, em um apartamento emprestado em Nova York no Hotel des Aristes. Harry Crosby e uma de suas amantes tiraram os sapatos e deitaram-se juntos em uma cama. Então Harry apertou uma pistola automática belga de calibre 25 na têmpora esquerda de Josephine Rotch Bigelow e explodiu a cabeça dela. Por duas horas Harry pode ter ficado vivo ao lado dela com o braço embaixo da cabeça dela. Depois apontou a pistola para a testa e puxou o gatilho.

Para nossos propósitos, uma das conexões notáveis com nosso tema é a obsessão de Harry pelo sol, o que fica evidente em seu trabalho intitulado “Carruagem do Sol”. Alguns dos títulos de seus poemas são “Quadras do Dol”, “Rhapsodia Solar”, “Anjos do Sol”, “Sol-Fantasma” e “Sóis Em Perigo”. Muitos desses versos são obcecados pela morte, e pode-se imaginar como o biógrafo de Crosby, Geoffrey Wolff, que “o sol realmente derrubou Harry, inspirou-o e o cegou também” . Uma das imagens mais pungentes da obsessão de Harry com o Sol é retratada em seu poema “Heliofotografia”:

”Aqui encontra-se o Sol no meio da escuridão:

Negro Negro Negro Negro
Negro Negro Negro Negro
Negro Negro Negro Negro
Negro Negro Negro Negro

Sol

Negro Negro Negro Negro
Negro Negro Negro Negro
Negro Negro Negro Negro
Negro Negro Negro Negro”

Wolff está ciente de que “o sol negro não foi uma invenção de Harry”, e ele iguala-o ao Sol Níger dos alquimistas, “matéria prima, o inconsciente” no estado básico, não trabalhado. O que Germain sugere que Harry buscou, mas não conseguiu encontrar, foi a necessidade, como o Sol, de ressuscitar além de seu próprio pôr-do-sol, um projeto cheio de paradoxos e ambiguidades. Ele observa:

“O sol que deu mar, solo e vida também olhou para baixo sem piedade para suas criações e secou-as, queimou-as, e elas não conseguiram brilhar, piscando enquanto a vida falhava.”

Harry Crosby não foi o único poeta a lutar com o Níger Solis. Em sua obra intitulada “O Sol Negro: Depressão e Melancolia”, Julia Kristeva, linguista francesa e psicanalista lacaniana, escreve sobre o poeta Gerard de Nerval e seu poema “O Desdichado”, ou “Os Deserdados” (1859). Kristeva acredita que o poema foi escrito em um ataque de loucura em uma tentativa de superar um sentimento de privação e escuridão. Parece que Kristeva pode até ter derivado esse título de uma estrofe arrepiante no poema de Nerval que contém uma imagem do Sol Níger. A estrofe diz o seguinte:

“Eu sou saturnino – desolado, desconsolado,
O príncipe de Aquitânia que com a torre desmoronou: minha solitária estrela está morta – e é meu salário carregar o sol negro da Melancolia”.

O poema de Nerval é sua resposta à perda de um ente querido: “Minha solitária estrela está morta”. Para Nerval, ele é um despojado e seu mundo desmoronou, ou seja, a “Torre desmoronou”, por assim dizer, não “Sol Negro da Melancolia”. Para Kristeva, o “Sol Negro” é uma “metamorfose deslumbrante”, brilhante e negra ao mesmo tempo, um “coisa” que é acarinhada na ausência do olhar e marca uma perda irreparável. Tradicionalmente, pensa -se que o que se perde no luto comum não é isolado de um processo de luto em si, cujo resultado é perdido na memória ou, segundo Kristeva, na linguagem simbólica. No entanto, algumas pessoas que não podem deixar as coisas irem e que negam a perda, criam uma situação de luto irremediável e uma tristeza fundamental à qual se apegam. Para Kristeva, tal situação pode se expressar como um apego a um sol escuro, enterrado em uma cripta de inexprimível afeto saturnino. Esse tipo de presença interior é realmente uma ausência, uma luz sem representação, uma tristeza que é “a expressão mais arcaica de uma ferida narcisista não simbolizável e indizível” que se torna o “único objeto” de apego da pessoa deprimida.

Ao longo desse processo de pesar extraviado, a relação com um ente querido é transformada em apego a um afeto inexprimível, incorporado por engano. Esse afeto toma o lugar do outro; sua qualidade numinosa é mantida com adesão mística. Assim, em última análise, para Kristeva, o sol negro é uma “coisa”, uma marca de luto patológico, cujo brilho parece resumir a “força ofuscante de um humor desanimado”. Kristeva está ciente das associações alquímicas com Sol Niger e situa a melancolia de Nerval e o sol negro no contexto do nigredo alquímico, que “afirma a inevitabilidade da morte” e que, nesse caso, “é a morte do ente querido e do eu que se identifica com o próximo”. Para Kristeva, Nerval era um “viajante incansável” que, depois de um “ataque de loucur, retirou-se por algum tempo da cripta de um passado que o assombrava”. Seu mundo estava cheio de “sepulturas” e “esqueletos” e “inundado de irrupções de morte”. Foi em tal contexto, diz Kristeva, que Nerval escreveu “O Dedertado”.

Kristeva chama o poema de Nerval de “arca de Noé”, embora temporária – temporária porque Nerval parece ter cometido suicídio. Na madrugada de 26 de janeiro de 1955, Nerval foi encontrado pendurado na Rue de la Vieille-Lanterre. Na análise de Kristeva, embora o Sol Niger possa ter servido para inspirar o processo criativo de Nerval, isso significa, em última instância, repressão e morte em massa. Para Nerval, a aspereza de Saturno impedia a vida humana e ligava o deus ao aspecto literal da morte do sol negro e ao seu papel de ogro e pai terrível. Este aspecto de Sol Niger – a destruição como o resultado inevitável da criação – pode ter sido a origem do mito de Saturno devorando seus filhos assim que Rhea deu à luz a eles. Na pintura “Saturno e Seus Filhos”, de Marten van Heemskerck, Saturno é retratado como o impulso para devorar seus filhos, um processo que tem sido ligado à melancolia, e que está escrito na imagem ao lado de Saturno. Sua cor é considerada negra e também está associada ao inverno, à noite, à morte e à distância.

Jung e Von Franz ligaram Saturno a Sol Niger, e Hillman reuniu uma rica fenomenologia das características do deus “da astrologia, da medicina dos humores, da tradição e iconografia [e] das coleções dos mitógrafos. Hillman confirma o aspecto mortal de Saturno: “O emblema senex do crânio significa que todo complexo pode ser imaginado a partir de seu aspecto de morte, seu núcleo psíquico final onde toda a carne e aparência são removidas e não há nada desses pensamentos esperançosos que poderia vir a ser a interpretação ‘final’ do complexo no seu fim.” Além disso, e em conexão com seu aspecto da morte, Saturno também está ligado a ideias sobre a Terra e o tempo. Às vezes, Saturno é um grande mestre, como era o caso de um homem que, ao se aproximar da meia-idade, estava preocupado com o “tempo passando”, “envelhecimento” e, finalmente, com “morte”.

Um ex-paciente em minha clínica ilustrou alguns desses temas. O paciente tinha acabado de completar quarenta anos e estava lutando com o que passamos a chamar de questões da meia-idade, incluindo um confronto com doenças, pais idosos e a perda de um ente querido. Esses conflitos precederam o seguinte sonho: “estou em um espaço aberto. O chão é de cor alourada e há um círculo grande e muito escuro, com muitos metros de diâmetro, talvez uns quarenta. É uniformemente escuro (como a pele de um africano) com bandas concêntricas pouco visíveis que irradiam do centro. Muitos homens africanos altos aparecem. Eles são tão negros que quase têm um brilho azulado. Eu também faço parte de uma equipe e descubro que vamos fazer algum tipo de dança nesse círculo. Há um outro homem branco, e nenhum de nós está familiarizado com essa dança, então tentamos nos unir para não nos destacarmos individualmente. No entanto, outros homens africanos preenchem rapidamente o espaço entre nós e estamos separados. Os africanos são amigáveis, mas são ferozes. Todo mundo fica com as mãos como se estivéssemos prontos para fazer flexões, com as cabeças apontadas para o centro do disco preto. Nossas pernas irradiam para fora como os raios de uma roda. Agora temos que correr no sentido horário na posição de flexão, um pouco como um caranguejo. É muito difícil de fazer pois leva uma força considerável. Fico feliz de estar fazendo minhas flexões. Percebo que estamos fazendo algum tipo de dança do sol e que representamos os raios do sol enquanto percorremos seu perímetro”.

O paciente tinha muitas associações e lembranças ligadas a essa imagem. Aqui quero me concentrar em sua angústia em se tornar um homem de quarenta anos. Ele notou que não estava se sentindo bem e relatou uma condição terrível, incômoda, dores de cabeça e muitas idas ao médico. Ele afirma que estava começando a sentir os efeitos do tempo e da perda e que, recentemente, também havia sofrido muita exposição à mortalidade. Ele queria “fazer as pazes” com seus medos ou sentir que eles poderiam assustá-lo de outras maneiras “além do óbvio”. Ele comentou que “quando sua vida está cheia. . .então você sente a sombra como um ladrão” e lembrou-se de alguém dizendo que “é uma coisa assustadora amar o que a mão da morte pode tocar”. Ao participar do ritual temporal de se mover no sentido horário em torno de Sol Niger, o paciente se viu em um relacionamento com as mesmas coisas que ele teme. Sendo assim, era difícil, como fazer um exercício no qual ele se aproximava do núcleo escuro e depois empurrava para cima e para longe dele, o tempo todo se movendo para o lado como um caranguejo junto com o fluxo do tempo. É digno de nota que seu signo solar é Câncer, o caranguejo, e que o sonhador passou a sentir que seu movimento refletia sua própria identidade e destino. Na parte inferior da imagem original havia duas fotos não mostradas aqui para fins de anonimato: um dos sonhadores usando óculos de sol, com seu cachorro, e o outro de um africano tão negro que ele tem um brilho azulado.

Enquanto o sonhador refletia sobre o sonho, sentia que estava sendo iniciado no tempo e em sua mortalidade humana. Ele teve que se conectar com essa escuridão e se juntar à primordial dança humana com o ciclo do tempo. A importância da dança como uma forma primordial de encenação ritual é descrita pelo poeta Gary Snyder, que afirma que a dança já teve uma conexão com o “drama ritualístico, a imitação de animais ou o traçado do labirinto da jornada espiritual”. Snyder acredita que perdemos contato com essa conexão e que é tarefa do dançarino e do poeta recuperá-la – “para nos colocar em contato com nossas raízes arcaicas, com o mundo em sua nudez, é fundamental para todos nós: nascimento – amor – morte e o simples fato de estar vivo”. A importância do ritual e da iniciação como temas ligados à dança também é elaborada por Steven Lansdale, que observa que as cerimônias e danças iniciáticas têm a intenção de ensinar aos iniciados o que eles precisam para sobreviver em ambientes hostis. Para nosso sonhador, encarar as questões da meia-idade eram realmente duras realidades, e, neste caso e em escala pessoal, poderíamos imaginar a arte do sonho servindo uma função singular ao artista criativo ao atrair o espírito ascensional para o corpo, o sentimento e tempo. Esse movimento descendente também requer um tipo de morte, em que nos aproximamos das forças misteriosas da criação e da destruição.

A expressão espontânea do sol negro também pode ser encontrada na arte de crianças traumatizadas. Em seu trabalho, os pesquisadores Gregorian, Azarian, DeMaria e McDonald estudaram crianças armênias que foram traumatizadas por terremotos e que haviam testemunhado “morte e destruição esmagadoras”. Nestas imagens, o sol negro aparece frequentemente sobre o local em que o trauma aconteceu como experiência. Um exemplo particularmente notável é mostrado na figura a seguir, uma imagem feita por uma menina de sete anos de idade, Varduhy, que foi traumatizada por um terremoto. Aqui o sol negro está no céu acima dos prédios destruídos cercados por nuvens vermelhas de fumaça. Foi relatado que ela começou a temer tudo em seu mundo: o sol, a chuva, o raio, o granizo, os animais, os edifícios e assim por diante. Os autores notaram tiveram um espanto ao encontrar essa imagem “um tanto incomum” em seus estudos de arte infantil, mas também comentaram que as referências a ela “podem ser encontradas em muitas fontes diferentes”.

Por exemplo, existem vários tipos de sóis negros usados com significados diferentes nas tradições mitológicas e metáforas da poesia em todo o mundo. Primeiro de tudo, o sol negro tem sido referido como uma imagem apocalíptica indicando escuridão e melancolia, medo e terror, morte e não-ser, retribuição e esquecimento. É digno de nota que, nas passagens bíblicas, o sol negro está ligado a terremotos: a terra tremerá diante deles, os céus tremerão. O sol e a lua serão escuros.E, novamente, no livro de Apocalipse: Quando ele abriu o sexto selo, eu olhei, e eis que houve um grande terremoto; e o sol ficou negro.

Os autores do estudo das crianças mencionado anteriormente concluem que “quando terremotos e outros desastres naturais” ocorrem, “o senso de segurança é questionado e colocado em questão”. “O próprio sol sempre foi sinônimo de luz, compreensão, o racional, o lógico, o vivificante. No entanto, para essas crianças, o sol é pintado de preto. O doador de vida ficou escuro. O racional tornou-se irracional, a clara lucidez do sol foi eclipsada pela escuridão e a noite do desastre e do trauma. Essa descrição é pertinente à próxima série de pinturas, feitas por uma mulher em uma análise de longo prazo.

Sua primeira imagem tem um toque estranho. O sol negro acima é surpreendente já que a cena, reproduzida  em escala de cinza, na pintura original parece agradável e colorida. As montanhas verdes, as águas azuis e a vida aquática, à primeira vista, podem dar a impressão de que tudo está bem, o que nos leva a pensar sobre o surgimento do Sol Niger em tal contexto. Em uma inspeção mais detalhada, é importante notar que o rosto da sereia é altamente estilizado, feito com delineador, rouge, batom e assim por diante.

Essa persona foi um fator importante que encobriu sua escuridão interior. Outro detalhe que se pode ligar ao Sol Niger é a âncora negra na cauda da sereia, que talvez a esteja puxando para sentimentos mais profundos e que, curiosamente, chama nossa atenção para um tubarão que parece estar atacando ou pronto para atacar. O rosto da sereia, como o rosto do meu paciente, não registra a dor interior. Em outra pintura (não incluída neste livro), um tema semelhante é continuado em um retrato de uma mulher infantil com uma corda em volta do pescoço e um céu escuro atrás dela. Como a sereia, a figura tem um rosto sorridente incongruente e parece totalmente inconsciente das implicações horripilantes de sua situação. Mais tarde, o paciente escreveu o seguinte poema:

“Quebrado…
…como uma vidraça quebrada por uma tempestade
Cada minúsculo pedaço de mim está espalhado muito além do reparo…
Todos os meus brilhantes sonhos apenas caídos ali…”

O que aconteceu no decorrer da análise foi a história de uma infância horrível envolvendo abuso sexual emocional,) e físico. Minha paciente relatou que sua mãe a acorrentou ao berço, a abandonou e lhe disse que desejava que ela nunca tivesse nascido. Seus aniversários eram sempre marcados por essa declaração da mãe e, em vez de achar que seu nascimento era algo a ser celebrado, ela não sentia nada além de vergonha. Eventos como esses deixaram a paciente se sentindo muito pequena e alienada, trancada e desconsiderada, jogada no lixo.

A primeira é a imagem de uma criança pequena em uma cadeira gigantesca com enormes portas fechadas ao fundo; outra pintura retrata uma criança em uma lata de lixo com uma figura materna aparentemente jogando um sapato por uma janela. Parece que, para ela, o sapato caiu. Seguindo essas auto-expressões dramáticas, havia dois autoretratos. No primeiro, ela é uma árvore despojada; todas as suas folhas são azuis. Ela escreve em um dos ramos: “Sem respeito próprio”, e o sangue de seu coração se derrama sobre a cabeça como a vermelhidão da vergonha e da raiva crescente. Com o tempo, sermões e clichês do falso eu não mais funcionaram para ela, e seu humor sarcástico veio à tona. Em resposta àqueles que diriam coisas para ela, como “é melhor ter amado e perdido do que nunca ter amado”, ela escreve ao lado de seu segundo autoretrato estas linhas: “Sim, certo. E é melhor esquiar e quebrar todos os ossos do seu corpo do que nunca ter esquiado! E é melhor ter criado pitbulls e ser despedaçado do que nunca ter criado pit bulls! E suponho que é melhor ter bebido limpador de ralo e dissolvido suas entranhas do que nunca ter bebido limpador de ralo?” O peso desses sentimentos contribuiu para que ela se sentisse alienada de si mesma e de Deus, sem saber para onde ir. Às vezes, esses sentimentos levaram à ideação suicida e ao desejo de dizer adeus a esse mundo. Em um ponto de nosso trabalho, ela produziu o seguinte desenho que resumia seus sentimentos de estar oprimida por suas emoções.

(Imagem)

Este trabalho se assemelha a uma mortificação pessoal na qual ela enfatiza seus sentimentos de inadequação, aprisionamento, luto, imobilização, desesperança, inutilidade, fragmentação, desorientação, ressentimento, perda, caos e vazio. O polvo não é capaz de agitar-se para o alto e para fora das articulações, que se estendem, agarram-se e estão ligados a um centro escuro. Eu acho que não é muito difícil ver o polvo, com o seu centro escuro e penetrante, tentáculos semelhantes a raios, como a outra versão do Sol Niger.

Em nossa análise e descida à escuridão, descobrimos que o Sol Niger está presente em suas formas mais literais e destrutivas, em incidentes de destruição fisiológica e psicológica, aneurismas cerebrais, cegueira, câncer, esquizofrenia, delírios, desespero, depressão, mortificação narcisista, humilhação, dor, assassinato – suicídio, trauma e morte – é um spoiler geral da vida. Podemos começar a imaginar o que os alquimistas chamam de domínio da experiência nigredo. “Nicholas Flamel afirmou que na época do nigredo, a “matéria é dissolvida, é corrompida’”. Tais experiências têm estado conosco desde tempos imemoriais; a vida pode ser cruel, e a barbárie dos seres humanos em relação um ao outro reflete essa selvageria. O universo – apesar de toda a sua luz criativa e beleza – dá pouco consolo às almas devastadas enquanto viajam pela vida. À luz fria do sol negro, entendemos o que Conrad chama de “coração das trevas” e o horror do “choro” tão vividamente retratado por Eduard Munch e os alquimistas. A face fria do Sol Niger é, como observa a analista junguiana Sylvia Perera, “totalmente indiferente” e age como um franco-atirador ou terrorista com um abandono sombrio em nome de algum sol infernal para destruir a luz e a própria vida. Para Perera, esse é o reino da deusa suméria Ereshkigal, rainha do Mundo Inferior e dos mortos, “ilimitada, irracional, primordial”. Ela diz, ecoando o que foi documentado até agora, que esse reino contém uma energia que começamos a conhecer através do estudo dos buracos negros e da desintegração dos elementos, bem como através do processo de fermentação, decadência e atividades cerebrais inferiores que regulam o peristaltismo, a menstruação, a gravidez e outras formas de vida corporal.

Ereshkigal é como Kali, que através do tempo e do sofrimento implacavelmente desmorona todas as distinções em seus fogos indiscriminados. Ela simboliza o abismo que é a fonte e o fim, a base de todo ser. Nesse aspecto negro, Kali, a deusa hindu associada à morte e descrita como “uma das personificações mais inebriantes da energia primordial no drama cósmico” é adorada pelos tântricos.

Os tantricos acreditam que “sentar ao lado de cadáveres e outras (horripilantes) imagens da morte” no terreno de cremação acelera seus esforços para libertar-se do apego ao ego e ao corpo. A figura abaixo, uma imagem pintada pelo artista Maitreya Bowen, retrata o terrível aspecto de Kali em uma forma que lembra o sol negro. Em uma de suas mãos esquerdas, Kali segura uma cabeça decepada, indicando a aniquilação do ego, e em outra ela carrega a espada da extinção física. Em volta do pescoço estão muitos crânios humanos, que refletem o processo de morrer, que ela representa. Imagine cada um desses crânios como representando um caso em que o Sol Niger terminou com uma partícula da alma humana.

Vemos Kali em seu aspecto hediondo copulando com Siva. Seu ato de amor acontece no corpo de um cadáver que está queimando em uma pira funerária. Os cemitérios eram os lugares favoritos dos ritos tântricos porque o ser humano espiritual surge resplandecendo da morte simbólica do corpo. No poema “Kali, A Mãe”, Swami Vivekananda, um famoso discípulo de Sri Ramakrisna, que trouxe os antigos ensinamentos da Vedanta para o Ocidente, escreve sobre o terror e a necessidade de abraçar sua deusa:

“Kali, a mãe. As estrelas são apagadas.
As nuvens cobrem as nuvens.
É a escuridão vibrante, sonora.
No rugido, vento girando
São as almas de um milhão de loucos
Apenas soltos da prisão
Arrancando árvores pelas raízes
Varrendo tudo do caminho
O mar se juntou à luta
E agita as ondas da montanha
Para alcançar um céu inclemente
O lampejo de luz lúgubre
Revela por todos os lados
Mil e mil tonalidades de Morte sujas e negras – Dispersões de pragas e tristezas
Dançando loucas de alegria
Venha Mãe, venha! Pois o terror é o teu nome, a morte está na tua respiração, e cada passo tremendo destrói o mundo para você
Tu tempo, o Todo-destruidor!
Venha, ó mãe, vem!
Quem se importa com o amor da miséria
E abraça a forma da dança da Morte
Dança na Destruição, Para Ele a Mãe vem”

Para o poeta May Sarton, o que precisamos abraçar é expresso em um poema chamado “A Invocação de Kali”:

“O reino de Kali está dentro de nós. A destruidora, a deusa selvagem, acorda no escuro e tira nosso sono. Ela se move através do sangue para envenenar a gentileza. Ela nos impede de ser o que desejamos ser; a ternura murcha sob suas leis de ferro. Podemos segurá-la como um lunático, mas é ela que desce, que está sangrando com suas garras. Como, então, libertá-la ou chegar a um acordo com o próprio vulcão, o poder feroz da erupção de ferimentos, gritos de alarme? Kali entre seus crânios deve ter sua hora.

Um quadro de Kali do século XIX de Kali mostra um reino terrível, onde a cura e transformação permanecem como dúvida. Hillman distingue entre a jornada noturna do herói e a descida ao submundo. A principal distinção que Hillman faz é que o herói “retorna da jornada marítima noturna em melhor forma para as tarefas da vida, enquanto a nekyia leva a alma para a profundidade por si mesma, de modo que não há ‘retorno’”. Não há benefício óbvio para justificar a descida às trevas. Hillman, como Jung, vê com um olhar obscuro que se recusa a voltar-se para as devastações da alma humana através de qualquer perspectiva salvacionista teleológica ou simplesmente inocente. Sua visão é gelada e compara o inferno mais profundo com o reino dos pântanos de Cocytus, o lago congelado do nono círculo de Dante, onde há uma ausência de calor humano e onde o sentimento de escuridão é transmitido pela ausência de contraste na luz fraca

A estudiosa Dorothy Sayer diz: “Sob o clamor, sob os círculos monótonos, sob as chamas do Inferno, aqui no centro da cidade perdida, jaz o silêncio, a rigidez e o eterno frio congelador”. Uma das mais profundas descrições deste estado foi escrita pelo filósofo romeno Emil Cioran (1911-1995) em “Nas Alturas do Desespero”. Cioran foi chamado de “conhecedor do apocalipse, um teórico do desespero”. Aqui está uma passagem extensa de sua reflexão “sobre a morte”:

“Por que não queremos aceitar que se pode nutrir meditações vivas sobre a morte e o mais perigoso? Questão existente? A morte não é algo de fora, ontologicamente diferente da vida, porque não há morte independente da vida. Entrar nos estado de morte não significa, como comumente se acredita, especialmente pelos cristãos, dar o último suspiro e passar por uma região qualitativamente diferente da vida. Significa, ao contrário, descobrir no curso da vida o caminho para a morte e encontrar, nos sinais vitais da vida, o abismo imanente da morte. Para o cristianismo e outras crenças metafísicas na imortalidade, a passagem para a morte é um triunfo, uma abertura para outras regiões metafisicamente diferentes da vida. Ao contrário de tais visões, o verdadeiro sentido de agonia parece-me estar na revelação da imanência da morte na vida. Ver como a morte se espalha neste mundo, como mata uma árvore e como ela penetra nos sonhos, como ela murcha uma flor ou uma civilização, como ela atormenta o indivíduo e a cultura como uma praga destrutiva, significa estar além das lágrimas e arrependimentos, além de sistema e forma. Quem não experimentou a terrível agonia da morte, erguendo-se e espalhando-se como uma onda de sangue, como o aperto asfixiante de uma cobra que provoca alucinações aterrorizantes, não conhece o caráter demoníaco da vida e o estado de efervescência interna do qual surgem grandes transfigurações. Tal estado de embriaguez negra é um pré-requisito necessário para entender por que alguém deseja o fim imediato deste mundo. Não é a embriaguez luminosa do êxtase, em que as visões paradisíacas conquistam-no com seu esplendor e elevam-se a uma pureza que sublima a imaterialidade, mas uma louca, perigosa, ruidosa e atormentada embriaguez negra, na qual a morte aparece como uma horrível sedução. Experimentar tais sensações e imagens significa estar tão próximo da essência da realidade que tanto a vida quanto a morte abandonam suas ilusões e alcançam em você sua forma mais dramática. Uma agonia exaltada combina vida e morte em um horrível turbilhão: um satanismo bestial toma lágrimas da volúpia. A vida como uma longa agonia no caminho da morte nada mais é do que outra manifestação da dialética demoníaca da vida, na qual as formas são dadas apenas para serem destruídas. O sentimento do irrevogável, que aparece como uma necessidade inelutável indo contra a corrente de nossas tendências mais íntimas, é concebível apenas por causa do demonismo do tempo. A convicção de que você não pode escapar de um destino implacável e que o tempo não fará nada senão desdobrar o dramático processo de destruição é uma expressão de agonia irrevogável. O nada não é, então, salvação? Mas como pode haver salvação no nada? Se a salvação é quase impossível através da existência, como pode ser possível através da completa ausência de existência? Como não há salvação nem na existência nem no nada, que este mundo, com suas leis eternas, seja despedaçado!

Cioran, como Hillman, tenta enxergar além das fantasias salvacionistas. Sua descrição fere nosso narcisismo e afronta nossos egos e é uma violência para nossas identidades complacentes. Para o analista junguiano Wolfgang Giegerich, esse corte doloroso é necessário; a alma deve ser arrancada com violenta inversão de orientação. Para ele, o ‘mortificatio’ e o ‘putrefactio’ são operações lógicas no imaginário material e químico, mas, se o são, é importante não perder de vista o fato de que essas operações são dolorosamente pessoais e resistem à nossa dialética edificante. O último sentimento de Cioran é repetido em Job na excelente tradução de Stephen Mitchell. Job grita:

“Amaldiçoado o Dia em que nasci e a Noite que me forçou a sair do útero. Esse dia lance trevas na memória; deixe que nunca seja criado; deixe afundar de volta no vazio. Deixe o caos dominá-lo; deixe nuvens negras dominá-lo; deixe o sol ser arrancado do céu. Deixe o esquecimento encobrir isso; deixe os outros dias negarem isso; deixe os eons engolirem isso. Naquela noite, que nenhuma criança que nasceu seja bendita, que nenhuma mãe tenha gritado de alegria. Deixe os feiticeiros acordarem a Serpente para destruir esse dia com a praga eterna. Deixe as estrelas que brilhavam nesse dia se extinguirem!”

Fonte:https://www.projetozarzax.com.br/alquimia-proibida/

O Lado Negro da Luz


Quando você vê a sua matéria escurecendo, regozije-se, pois este é o começo do trabalho. 

– Rosarium Philosophorum-

Jung considerava a alquimia de um modo que poucas pessoas, se é que alguma, antes dele imaginara. A alquimia na maioria das vezes havia sido relegada ao status de anacronismo histórico ou escondida dentro dos limites do ocultismo esotérico. Para a mente contemporânea, os alquimistas eram vistos trabalhando em seus laboratórios, tentando desesperadamente transformar o chumbo em ouro. Na melhor das hipóteses, sua prática era vista como um precursor da moderna ciência da química. Jung começou suas reflexões com uma atitude semelhante, mas à medida que sua pesquisa se aprofundava, ele concluiu que os alquimistas falavam em símbolos sobre a alma humana e trabalhavam tanto com a imaginação quanto com os materiais literais de sua arte. O ouro que eles estavam tentando produzir não era o ouro comum ou vulgar, mas um aurum non vulgi ou aurum philosophicum – um ouro filosófico (Jung, 1961). Eles estavam preocupados com a criação do homem superior e a perfeição da natureza. Em uma entrevista de 1952 na conferência de Eranos, Jung declarou que “as operações alquímicas eram reais, apenas essa realidade não era física, mas psicológica. A alquimia representa a projeção de um drama tanto cósmico quanto espiritual em termos de laboratório.

A opus magnum tinha dois objetivos: o resgate da alma humana e a salvação dos cosmo. Esse movimento trouxe a alquimia ao reino do pensamento contemporâneo e foi o início de uma psicologia da alquimia sustentada. Ver a alquimia dessa maneira – como arte psicológica e simbólica – foi um grande avanço para Jung e uma chave para desvendar seus mistérios. A exploração e desenvolvimento desse insight levou Jung a finalmente ver na alquimia uma fonte fundamental, um pano de fundo e a confirmação de sua psicologia do inconsciente. Sua imaginação foi captada pelas idéias e metáforas da alquimia, com seus dragões, matéria de sofrimento, cauda de pavão, alambiques, athanors, leões vermelhos e verdes, reis e rainhas, olhos de peixes, árvores filosóficas invertidas, salamandras e hermafroditas, sóis negros e terra branca, metais (chumbo, prata e ouro), cores (preto, branco, amarelo e vermelho), destilações e coagulações e uma rica variedade de termos latinos. Todas essas imagens são, para Jung, a melhor expressão possível de um mistério psíquico que enunciou e ampliou sua visão amadurecedora dos paralelos entre a alquimia e sua própria psicologia do inconsciente.

Jung vê tudo isso como projetado pelos alquimistas em matéria. O esforço deles era trazer a unidade das partes díspares da psique, criando um “casamento químico”. Jung via como tarefa moral da alquimia a unificação dos elementos díspares da alma, simbolicamente representados como a criação da Pedra Filosofal. Da mesma forma, a psicologia de Jung trabalha com os conflitos e a dissociação da vida psíquica e tenta provocar a misteriosa “unificação” que ele chama de “totalidade”. Em “C. G. Jung Speaking”, Jung descreve o processo alquímico como “difícil e repleto de obstáculos; a obra alquímica é perigosa. Logo no começo você encontra o ‘dragão’, o espírito ctônico, o ‘diabo’ ou, como os alquimistas o chamam, a ‘negritude’, o nigredo, e esse encontro produz sofrimento.

Ele prossegue dizendo que “ em termos psicológicos, a alma encontra-se nos espasmos da melancolia trancada em uma luta com a ‘sombra’. O Sol Niger, é uma das imagens mais importantes representando esta fase do processo e esta condição da alma. Geralmente essa imagem é vista como fase específica da parte inicial da opus e diz-se que desaparece “quando a aurora” emerge. Tipicamente a negritude é dissecada, e então o ‘diabo’ não tem mais uma existência autônoma, mas reencontra a unidade da psique. Então a Opus Magnum está acabada: a alma humana está [completamente] integrada.

Em minha experiência, esse é um objetivo idealizado da alquimia, e há um perigo em contornar o núcleo autônomo das trevas que sempre permanece como uma marca da condição de qualquer humanidade. Assim, minha abordagem da imagem do sol negro faz uma pausa com a negritude em si e a examina por si mesma, não apenas como um estágio no desenvolvimento da alma. Como tal, vemos que a própria negritude prova conter em seu próprio reino o ouro que buscamos em nossas tentativas de transcendê-lo. Esse foco contribui para uma nova apreciação da escuridão interior. A exploração de Jung foi influenciada pelo alquimista do século XVII Mylius, que se refere aos antigos filósofos como a fonte de nosso conhecimento sobre o Sol Niger. Em vários lugares em suas obras, Jung escreve sobre Sol Niger como uma imagem poderosa e importante do inconsciente. Considerar a imagem no contexto do inconsciente é tanto reconhecer sua vastidão e qualidade desconhecida quanto colocá-la no contexto histórico da psicologia profunda e da tentativa da psique de representar o irrepresentável. Imaginar o Sol Negro dessa maneira é vê-lo em seu sentido mais amplo, mas Jung também extraiu da literatura alquímica uma fenomenologia rica e complexa, embora dispersa, da imagem.

O sol negro, a negritude, o putrefactio, a mortificação, o nigredo, o envenenamento, a tortura, a morte, a decomposição, a podridão e a morte formam uma teia de inter-relações que descrevem um eclipse de consciência aterrador, ainda que muitas vezes provisório. O nigredo, o estágio negro inicial da obra alquímica, foi considerado a operação mais negativa e difícil na alquimia. É também um dos mais numinosos, mas poucos autores além de Jung exploraram o tema em suas muitas facetas. Além dos aspectos que acabamos de descrever, Jung também encontra nessa imagem da negritude uma latência não manifesta, uma sombra do Sol, bem como um Outro Sol, ligado tanto a Saturno quanto a Yahweh, o primus anthropos.

Em sua maior parte, o Sol Negro é equacionado e entendido apenas em seu aspecto de nigredo, enquanto sua dimensão mais sublime – seu brilho, sua iluminação escura, seu Eros e sua sabedoria – permanece no inconsciente. Imagino meu trabalho com o Sol Negro como um experimento em psicologia alquímica que está preocupado com esta imagem difícil e enigmática e com a nossa compreensão das trevas. Minha alegação é que a escuridão historicamente não foi tratada de maneira hospitaleira e que permaneceu no inconsciente e se tornou uma metáfora para ela. Foi visto principalmente em seu aspecto negativo e como um fenômeno secundário, constituindo-se em si uma sombra – algo para integrar, para se mover através e além. Ao fazê-lo, sua importância intrínseca é frequentemente ignorada. Essa atitude também foi perpetuada na alquimia, que coloca a escuridão no início do trabalho e a vê principalmente em termos do nigredo. No entanto, no uso do Sol Negro, há uma sugestão de uma escuridão que brilha. É esse brilho da imagem paradoxal que captura minha atenção. Como é possível imaginar uma escuridão cheia de luz ou brilho que contém as qualidades da luz e da escuridão? Jung observou que a escuridão “tem seu próprio intelecto peculiar e sua própria lógica, que deve ser levada muito a sério”, e é minha intenção dar a escuridão o devido estudo – não apressar além dela, mas entrar em seu reino para aprender mais sobre seus mistérios. Virar-se para a escuridão dessa maneira é uma estranha inversão de nossa propensão comum.

Para entender mais completamente a mudança para a escuridão, é importante primeiro fazer uma pausa e considerar o quanto a primazia histórica da luz infundiu nossa compreensão da própria consciência. A imagem da luz e sua correspondente metáfora do sol estão fundamentalmente entrelaçadas com a história da consciência. Nossa linguagem demonstra a penetração dessas imagens e é difícil imaginar uma maneira de pensar que não se baseie nelas. No mito, ciência, filosofia, religião e alquimia, encontramos essas metáforas amplamente disseminadas. Nossa linguagem é repleta de metáforas de iluminação: trazer à luz, esclarecer, iluminar e assim por diante, todos servem nestes e em muitos outros contextos. Em “Memories, Dreams, Reflections”, Jung parece ter capturado algo da experiência primordial que deve ter sido geradora no desenvolvimento do culto ao sol. Ao visitar a tribo Elgonyi da África, escreve Jung, “o nascer do sol nessas latitudes era um fenômeno que me dominava todos os dias”. Ele continua descrevendo suas observações um pouco antes do amanhecer, quando tinha o hábito de observar nascer do sol: “No início, os contrastes entre a luz e a escuridão seriam extremamente agudos. Então os objetos assumiriam o contorno e emergiriam na luz que parecia encher o vale com um brilho compacto. O horizonte acima de branco ficou radiante. Gradualmente, a luz pareceu penetrar na própria estrutura dos objetos, que se iluminaram interiormente até que finalmente brilharam translúcidos, como pedaços de vidro colorido. Tudo se transformou em cristal flamejante. O grito do sino tocou no horizonte. Nesse momento, senti como se estivesse dentro de um templo. Foi a hora mais sagrada do dia. Bebi essa glória com deleite insaciável, ou melhor, num êxtase atemporal.” Jung prossegue dizendo que, “por incontáveis eras, os homens adoraram o grande deus que redime o mundo, saindo das trevas como uma luz radiante nos céus. Na época, eu entendi que dentro da alma desde seus inícios primordiais tem havido um desejo de luz e uma vontade irreprimível de sair da escuridão primordial.”

Contra esse pano de fundo, é evidente para Jung por que para os Elgonyi o momento em que a luz vem é ligado à Deus. Jung reconhece a importância do sol e da luz em seus escritos alquímicos, onde afirma que a alma é “um olho destinado a contemplar a luz”. Da mesma forma, James Hillman, um analista junguiano, bem como o fundador da psicologia arquetípica, questiona se o “olho humano prefere a luz às trevas” e se os seres humanos são “heliotrópicos, fundamentalmente adaptados à luz” . O poder dessa imagem também é reconhecido pelo filósofo pós-moderno Jacques Derrida que comenta: “cada vez que há uma metáfora, há sem dúvida um sol em algum lugar, mas em cada vez que há sol, a metáfora inicia”.

A importância da metáfora do sol é ainda mais delineada por Mircea Eliade, historiador e estudioso da religião, que encontra um paralelo entre a adoração do sol e a disseminação da civilização e dos reis. Eliade documenta a predominância das religiões do sol: “onde a história está em marcha, graças a reis, heróis ou impérios, o sol é supremo.” A majestade do sol emprestou seu poder à significação da pessoa e do ofício do rei. Ambos os arquétipos do Sol e do Rei são altamente complexos, arquetípicos e imagens com múltiplos significados. Este tema foi extensivamente estudado pelo analista junguiano John Perry em seu “Senhor dos Quatro: Mito do Pai Real; o analista junguiano Robert Moore e o mitologista e terapeuta Douglas Gillette em “The King Within”; e mais recentemente como o arquétipo da renovação em “Reflexões Psicológicas sobre o Envelhecimento, a Morte e o Renascimento do Rei” pelo analista junguiano Stephenson Bond.

O sol tem sido tradicionalmente associado a atributos masculinos na cultura patriarcal, mas essa atribuição foi relativizada e desestabilizada por estudos como Eclipse do Sol, de Janet McCritchard, que demonstra uma ampla gama de atributos femininos para o sol ao longo do tempo e da cultura. No que diz respeito à psique “masculina”, o sol, particularmente em relação ao rei, foi considerado uma representação de Deus na terra. Reis eram considerados sagrados.

A Figura mostra uma imagem do Rei Sol em seu trono. Em geral, o Rei Sol reflete uma força dominante da realidade histórica, cultural e psíquica. Como uma figura interior, ele é fundamental para a vida e para uma psique que funciona bem. Há uma longa tradição do Rei e do Sol refletindo as qualidades da ordem racional, estabilidade, força vital, vitalidade, bênção, alegria e luz. O Sol e o Rei iluminam o mundo. O trabalho de Moore e Gillette argumenta que o rei interior, como uma expressão da masculinidade madura, não deve ser equiparado aos abusos do patriarcado e do poder e à sombra do rei como tirano. Como princípios arquetípicos, o Sol e o Rei não são em si destrutivos ou problemáticos para a cultura ou a vida psíquica das pessoas. Pelo contrário, como observado anteriormente, eles aumentam a vida e são essenciais para a psique. O problema começa quando essas forças arquetípicas dominam um ego em desenvolvimento ou imaturo, inflando-o e corrompendo-o. Quando o ego se identifica com o poder transpessoal do rei e o ego se torna rei, o tirano está próximo e a energia do rei pode ser devoradora.

Em suma, o rei e o tirano são irmãos na psique arquetípica. O lado sombrio devorador e opressivo da energia do rei tem sido ligado em nosso tempo ao patriarcado e à visão apolínea unilateral que estabeleceu as bases para uma crítica raivosa de nossas atitudes psicológicas e culturais. Se o Sol liderou nosso caminho até o presente, com todos os avanços que o trouxeram, também levou a uma massiva repressão e desvalorização do lado sombrio da vida psíquica. “Há tantas maneiras de se perder na luz quanto no escuro”, diz a contadora de histórias e poeta Madronna Holden, que reconhece o perigo que ocorre quando a luz perde o contato com o princípio da escuridão. No nível cultural, muitas vezes perderam-se em nossa perspectiva espiritual, apolínea, patriarcal e masculina. Nossas raízes nas línguas européias e uma visão de mundo cartesiana levaram a um “elitismo pessoal” e cultural que alimentou as acusações de racismo e colonialismo. Na medida em que esses julgamentos têm validade, eles refletem uma sombra coletiva, cultural e filosófica. A luz que o olho estava “destinado a contemplar” mostrou um ponto cego em relação à própria visão?

Moore e Gillette observaram que, quando o rei se senta em seu trono e é o centro do mundo, “mundo” se define como aquela parte da realidade que é organizada e ordenada pelo Rei. ”O que está fora dos limites de sua influência é a não criação, o caos, o demoníaco e o não-mundo. Esta situação prepara o terreno para uma massiva repressão e desvalorização do “lado negro” da vida psíquica. Cria uma totalidade que rejeita a interrupção e recusa a outra de dentro de seu recinto narcísico. Para alguns filósofos – Heidegger, Foucault, Derrida e outros – há uma tendência perigosa na modernidade em direção ao fechamento e ao reducionismo tautológico: “totalização, normalização e dominação” . Levin observou que por trás de nossa tradição visionária ocidental está a sombra do falocentrismo, logocentrismo e uma “heliopolítica” impulsionada pela violência da Luz. Em outras palavras, a preocupação com a modernidade é que ela é governada pelo desejo e poder masculinos e por uma racionalidade egocêntrica que serve a agendas políticas que escondem a violência intrínseca.

Em sua obra “Writing and Difference”, Derrida fala da violência da Luz e do imperialismo da teoria a ela associada. Ele observa que esse tipo de violência também incomodou o filósofo Emmanuel Levinas, cujo trabalho visava desenvolver uma teoria ética libertada o máximo possível da violência implícita no pensamento metafísico ocidental. Se concordarmos com os filósofos e críticos de nossa tradição, pode-se imaginar nosso tempo como alguém preso à sombra tirânica de um Rei Sol que carrega dentro de si as sementes de sua própria destruição. É possível imaginar essa situação como enraizada em uma identificação inconsciente com o Rei e a Luz? Se assim for, tal identificação inconsciente colore a psique e tem importantes consequências pessoais e culturais. No nível mais pessoal, os analistas abordaram tais preocupações não tanto filosoficamente, mas como se manifestam em situações clínicas. Em “A Anatomia da Psique”, o analista junguiano Edward Edinger, por exemplo, cita as expressões de inflações reais inconscientes em “explosões de afeto, ressentimento, prazer ou exigências de poder”. O refinamento desses afetos é difícil. Como uma figura interior, o primitivo rei / ego deve passar por uma transformação não apenas em nossa cultura, mas também na vida das pessoas. A alquimia reconhece esse fato quando vê que o rei está no começo – a matéria-prima da pedra filosofal – e que ele precisa ser purificado e refinado ao passar por uma série de processos alquímicos, eventualmente morrendo e renascendo.

Na alquimia, o processo de morrer, matar e escurecer é parte da operação da mortificatio. Essa operação é um componente necessário do processo de transformação do Rei e de outras imagens da materia prima, como o Sol, o Dragão, o Sapo e a condição de inocência. Edinger dedica um capítulo da “Anatomia da Psique” a esse processo. O processo mortificatório era frequentemente considerado tortuoso e como a “operação mais negativa da alquimia”. “Tem a ver com escuridão, derrota, tortura, mutilação, morte e apodrecimento. O processo de apodrecimento é chamado de putrefactio, a decomposição que decompõe os corpos orgânicos.” Edinger esquematizou e mapeou essa operação reproduzida em um exemplo do que ele chama de “pensamento agrupados” – pensando em elaborar uma rede de significados expandidos derivados de uma imagem central. O processo vai e volta, retornndo à imagem central de novo e de novo, construindo um rico conjunto associativo de imagens interconectadas, algo como uma teia de aranha. O resultado de tal pensamento é uma rica tapeçaria de elaboração em torno de uma imagem central. A figura mostra a colocação estrutural de imagens relacionadas (por exemplo, o assassinato do Rei, o Dragão, o Sapo, veneno, derrota, humilhação, tortura, mutilação, o assassinato do inocente, cadáveres, e apodrecendo, bem como a colocação desta operação em relação a outros processos alquímicos).

As gravuras alquímicas também nos ajudam a visualizar o processo. O objetivo final da mortificação do rei é purificação, morte e transformação. Esse processo é significado por uma série de imagens alquímicas que foram reproduzidas por Jung, Edinger, Von Franz e outros. Essas imagens poderosas e complexas se prestam a múltiplas interpretações, mas geralmente parecem refletir os muitos aspectos do processo de mortificação necessário para a transformação alquímica. Os sujeitos a serem transformados são frequentemente representados por um velho rei, um dragão, um sapo ou o sol no processo de ser ferido ou morto por um taco, espada ou veneno, afogado ou devorado. A fenomenologia desse processo visa deslocar ou alterar a antiga função dominante do ego consciente ou o estado instintivo e subdesenvolvido da psique inconsciente. É uma ferida ou morte que prepara o eu primitivo para uma mudança fundamental. Na “Morte do Rei”, de Stolcius, vemos o rei sentado em seu trono. 22 Dez figuras estão uniformemente alinhadas atrás dele preparando-se para ferí-lo até a morte. Em outro gráfico intitulado “Sol e Lua Matam o Dragão”, Sol e Lua também estão prestes a golpear um dragão. Como observado, essa criatura é freqüentemente uma “personificação da psique instintiva”. A luta com o inconsciente também é retratada no Livro da Lambspring, onde um guerreiro com espada na mão encontra um dragão cuja cabeça ele deve cortar. Um verso descrevendo esta imagem declara: “Aqui você vê uma fera negra na floresta, cuja pele é da mais escura tinta, se algum homem corta sua cabeça, sua escuridão desaparecerá”.

Lidar com o dragão requer tanto um assassinato quanto um envolvimento incisivo com a base instintiva da psique. A Figura abaixo é da Dança da Morte de Hans Holbein. A imagem mostra a morte derramando uma bebida para o rei. O tema do envenenamento também está ligado à representação alquímica do Sapo, que é uma variação simbólica do “dragão venenoso” e representa o resultado da vida desenfreada e desestruturada. O sapo como materia prima se afoga em sua própria ganância e fome. Morre, fica negro, apodrece e está cheio de veneno.

O alquimista aquece os restos do sapo e sua cor muda de preto para muitas cores, para branco, para vermelho, indicando o processo de transformação. O veneno que contém é então transformado em um pharmakon, um elixir que pode levar à morte e / ou regeneração. Outra imagem bem conhecida da mortificação do rei pode ser encontrada na obra alquímica “Splendor Solis”. O rei no fundo está se afogando e passando por um processo de dissolução. Ele representa o ego inflado se dissolvendo em suas próprias águas excessivas. Diz-se que este processo torna possível ao rei rejuvenescer.

Outras imagens alquímicas, como as ilustrações do gravador do século XVII Balthazar Schwan, sobre o ferimento de Sol pela Lua retratam a penetração do inconsciente no corpo do ego consciente. Em um gráfico bem conhecido, o Sol é ferido pela mordida do leão verde, seu sangue flui para a Terra enquanto ele é lentamente devorado. Tem havido muitos comentários alquímicos sobre a imagem. O aspecto devorador do leão é representado neste emblema, que foi primeiro anexado a um manuscrito do Rosarium Philosophorum do século XVI. Ele mostra o leão devorando o sol, com o sangue do Sol que sai de sua boca. Abraão iguala o sol com a matéria prima dos alquimistas, “ouro”, que é devorado e dissolvido para obter o “esperma” do ouro, a semente viva da qual o ouro puro pode ser cultivado. A idéia é que a energia solar bruta deve escurecer e passar por um processo mortificatório que a reduz à sua matéria primordial. Só então as energias criativas podem produzir um produto purificado. Nesta imagem, o espermatozóide do ouro não se refere ao fluido seminal comum do homem, mas sim a um “princípio semimaterial”, ou aura seminal, a potencialidade fértil que prepara o Sol para o casamento sagrado com sua contraparte, a escuridão, que serve para produzir uma criança filosófica ou pedra e é nutrida pelo sangue mercurial que flui do encontro mortal do Leão e do Sol. O sangue – chamado de mercúrio vermelho – é considerado um grande solvente. Psicologicamente, há nutrição no ferimento. Quando o sangue psicológico flui, ele pode dissolver as defesas endurecidas. Isso pode ser o começo da produtividade real.

Nos sonhos, a imagem do sangue geralmente conota momentos em que sentimentos e mudanças reais são possíveis. O tema da ferida também pode sugerir uma inocência oculta, que também é motivo de mortificação. A cor verde do leão, que é chamada de “ouro verde”, sugere algo imaturo ou inocente, além de crescimento e fertilidade. O alquimista imaginou essa inocência, às vezes chamada de leite virgem, como uma condição primária, algo sem a Terra e ainda não enegrecida. As fantasias típicas do leite virgem são frequentemente mantidas emocionalmente em pessoas intelectualmente sofisticadas e desenvolvidas. Idéias inconscientemente mantidas podem incluir sentimentos como “a vida deve ser justa”, “Deus irá proteger e cuidar de mim como um bom pai”, “coisas ruins não acontecerão comigo porque eu vivi de acordo com este ou aquele princípio”, “eu fui bom ou fiel, como alimentos saudáveis, e faço exercício”, e assim por diante. Quando a vida não confirma tais idéias, o ego inocente, fraco ou imaturo é ferido e frequentemente superado com sentimentos de mágoa, autopiedade, opressão, agressão e / ou vitimização. O ego ferido pode carregar esse ferimento de várias maneiras. O processo de escurecimento pode levar a um tipo de cegueira e estase perigosa da alma que então fica trancada em uma ferida, em mágoa ou raiva, congelada em pedra ou gelo, ou fixada no fogo. Do ponto de vista alquímico, essas atitudes inocentes devem passar por esse processo mortificatório – e atitudes inocentes aguardam o trabalho necessário da alquimia.

Hillman observa que o escurecimento começa em “queimar, ferir, amaldiçoar, apodrecer a inocência da alma e corromper e deprimi-lo no nigredo, que reconhecemos por seu mau cheiro [uma mente perdida em introspecção sobre], suas causas materialistas para o que deu errado. Procurar o que deu errado é, muitas vezes, procurar no lugar errado. O que não é visto pela alma ferida é que o que está acontecendo sob a superfície e no processo de enegrecimento é a morte da inocência imatura – um nigredo que mantém uma possibilidade transformadora e uma experiência que abre o olho escuro da alma. Como Edinger coloca, a alma “entra na porta da escuridão”. Jung refere-se à descida às trevas como nekyia. Em Psicologia e Alquimia, Jung usa essa palavra grega para designar uma “jornada ao Hades”, uma descida à terra dos mortos. Nos mitos, como é o caso em toda a literatura junguiana, há muitos exemplos de tais jornadas. Jung menciona a Divina Comédia de Dante, que Dante inicia com uma declaração da experiência do nigredo. Ele escreve:

“No meio da jornada de nossa vida, descobri que estava em uma floresta escura, pois o caminho certo, de onde eu me desviara, estava perdido. Ah eu! Quão difícil é dizer a selvageria daquele lugar selvagem, um simples pensamento me traz de volta o medo! Tão amargo foi, a morte é um pouco assim.”

Jung também observa o clássico Walpurgisnacht no Fausto de Goethe e os relatos apócrifos da descida de Cristo ao inferno. Edinger dá mais exemplos da nekyia, citando descrições do livro de Job, “Pilgrim’s Progress de Bunyan”, e “The Wasteland de TS Eliot”. Suas próprias contribuições para esse tema estão em seu estudo de Moby Dick de Melville, que ele subtitula “An American Nekyia” e a que ele se refere como um Fausto americano. Paralelos adicionais são citados por Sylvia Perera, que observa o japonês Izanami, o grego Kore-Perséfone, a psique romana e as heroínas de conto de fadas que vão a Madre Hulda ou Baba Yaga. Em “Descent to the Goddess”, seu próprio trabalho, ela estuda o tema a partir da perspectiva da iniciação das mulheres e retoma a história suméria de Inanna e Ereshkigal, a Deusa das Trevas. Poder-se-ia continuar citando numerosos exemplos ao longo da história e através das culturas. Como Edinger observa, “o tema não tem fronteiras nacionais ou raciais. É encontrado em toda parte porque se refere a um movimento psíquico necessário e inato que deve ocorrer mais cedo ou mais tarde, quando o ego consciente exauriu os recursos e as energias de uma dada atitude de vida.

A nekyia finalmente leva ao desvanecimento da luz do ego e a uma morte capturada em “The Hollow Men” por Eliot :

“Esta é a terra morta
Esta é a terra dos cactos
Aqui as imagens de pedra são levantadasa
Aqui eles recebem a súplica da mão de um homem morto Sob o brilho de uma estrela desvanecida.”

A imagem da estrela desvanecida de Eliot ou a perda de luz é dada em representação gráfica na figura a seguir que mostra um homem em uma “depressão severa” sofrendo a morte em um vale de estrelas desvanecidas.

Na alquimia, a perda da luz faz com que a alma se queime, seque e se perca, deixando apenas restos de esqueletos. Isso é ilustrado na figura abaixo que Fabricius chama de “Os medos e horrores dos condenados”. No texto alquimista Splendor Solis (1582), a morte é retratada por um sol negro queimando em uma paisagem desolada. É este lugar queimador da alma que devemos entrar se quisermos entender o processo do Sol Niger e o nigredo.

Jacques Bergier - Melquisedeque

  Melquisedeque aparece pela primeira vez no livro Gênese, na Bíblia. Lá está escrito: “E Melquisedeque, rei de Salem, trouxe pão e vinho. E...