Uma Introdução à Obra de Kenneth Grant
Kenneth Grant foi um dos ocultistas mais influentes do Século 20. Ele deixa para trás um corpo substancial e formidável de trabalho que vai ser explorado e desenvolvido ao longo dos próximos anos. O que se segue aqui é um estudo introdutório de sua obra - uma base para a consideração mais profunda, mais substancial de seu trabalho no futuro.
Nascido em Essex em 1924, Kenneth Grant desenvolveu um intenso interesse pelo oculto desde tenra idade, bem como uma devoção ao longo da vida ao Budismo e outras religiões orientais. Ele comentou em algum lugar de seus escritos que o misticismo oriental foi seu primeiro amor – uma indicação não só de quão bem versado ele foi, mas talvez mais importante ainda, seu elevado sentido do imanente. Grant relata em Outside the Circles of Time como havia se deparado com uma cópia de Magick in Theory and Practice — na em Zwemmers, na Charing Cross Road – no final dos anos 30 ou início dos 40. Neste período, ele também tinha descoberto The Book of Pleasure de Austin Osman Spare na Atlantis Bookshop de Michael Houghton na Museum Street.. Após mergulhar nas obras de Crowley, finalmente conseguiu fazer contato com ele em 1944, escrevendo para o endereço fornecido no The Book of Thoth1 que acabara de ser publicado. Visitando-o várias vezes, Grant posteriormente ficou com ele em ‘Netherwood’ em Hastings em 1945, imerso em Magia. Muitos anos depois, Grant escreveu um livro de memórias deste período de sua vida, Remembering Aleister Crowley. É evidente que a partir de observações em seus diários e em outros lugares, que Crowley desenvolveu uma grande estima por Grant, vendo nele o potencial para se tornar um futuro líder da O.T.O..
Foi nessa época que Grant se encontrou pela primeira vez com o desenho de Lam feito por Crowley, ou “O Lama” como Crowley se referia a ele. Tendo oferecido a Grant um desenho de seu portfólio, ele ficou inicialmente hesitante quando Grant selecionou o desenho – ou, como Kenneth apontou, Lam o escolheu. Eventualmente, ele transmitiu o desenho a Grant após um ataque de asma extremamente ruim o qual Grant ajudou a aliviar ao correr para o médico de Crowley a fim de conseguir heroína. Crowley se referiu a este incidente em seu diário de 08 de Maio de 1945: “Aussik ajudou bastante; dei-lhe ‘O Lama’ …” O desenho foi posteriormente reproduzido em The Magical Revival e Outside the Circles of Time, e passou a ocupar um papel cada vez mais proeminente no corpo de desenvolvimento do trabalho de Grant.
Após a morte de Crowley, em dezembro de 1947, Kenneth e Steffi Grant estavam entre os presentes no funeral de Crowley, e foram posteriormente membros do pequeno círculo que se esforçou para manter a memória de Crowley e seu trabalho vivo. Crowley nomeou Karl Germer – então vivendo nos EUA – como seu sucessor, e sua Vontade estipulou que seus documentos deveriam ser enviados para Germer. Preocupado que deveria haver cópias dos documentos mais importantes no caso de alguma coisa acontecer a eles enquanto em trânsito, Grant e, posteriormente, Gerald Yorke resolveram fazer cópias datilografadas daqueles que consideraram de importância particular. E foi bom que assim fizessem, uma vez que a coleção de documentos de Germer foi roubada de sua viúva Sascha em 1967 por membros da Loja Solar e, posteriormente, destruída em um incêndio. As cópias datilografadas feitas por Grant, Yorke e outros formaram a base do arquivo que Yorke mais tarde passou para o Instituto Warburg da Universidade de Londres, e que continua a ser acessível a pesquisadores.
Durante o final dos anos 1940 e início dos anos 1950, um pequeno círculo de ocultistas se reuniu em torno dos Grant, desenvolvendo como o núcleo de um grupo de trabalho. Germer tinha patenteado Grant em 1951 para formar um ‘Capítulo’ da O.T.O. Fora desta desenvolveram a New Isis Lodge como uma célula dependente da O.T.O., com uma estrutura de graus e programa de trabalho que foi influenciado pela Astrum Argenteum de Crowley, bem como pela O.T.O. como era nos dias de Crowley. A relação com David Curwen foi fundamental para Grant obter uma cópia de um comentário de um adepto Kaula sobre um texto tântrico, o Anandalahari. Este comentário deu importantes ‘insight’ sobre a magia sexual tântrica, aproximando a magia sexual de uma direção muito diferente daquela de Crowley. A abordagem de Crowley é basicamente solar-fálica, para não dizer falocentrica; há grande ênfase na importância das energias sexuais masculinas, mas muito pouco sobre as energias femininas. Muitas vezes, a parceira é considerada como pouco mais do que um copo no qual o magista verte o seu bindu. O texto Kaula abordava o assunto de uma perspectiva diferente, acentuando o papel dos kalas e como eles variam ao longo do ciclo menstrual.
No lançamento formal da Loja, em 1955, os Grant emitiram um Manifesto da New Isis Lodge no qual eles falaram da descoberta de um planeta além de Plutão, o Ísis transplutônico, e o que isto poderia significar para a evolução da consciência neste planeta:
Uma nova e convincente influência está envolvendo a Terra e como ainda há poucas pessoas que estão abertas ao influxo das vibrações sutis dessa influência.
Seus raios procedem de uma fonte ainda inexplorada por aqueles que não estão em harmonia com ele em essência e em espírito, e que encontra seu foco presente no universo exterior no transplutônico planeta Ísis.
No íntimo do homem, também, esta influência tem um centro que começará lentamente a se agitar na humanidade como um todo conforme a influência se fortalece e floresce. Como ela está no início de seu curso em relação ao homem, no entanto, muitos séculos passarão antes que ele possa valer-se totalmente das grandes potências e energias que essa influência está silenciosamente e continuamente concedendo a todos os que sabem identificar o núcleo interno do seu ser com seus corações profundos e inescrutáveis.
É certamente óbvio que os Grants não estavam falando sobre a descoberta de um planeta físico; tal descoberta poderia ter sido mais relevante para uma revista astronômica. Se tivermos em mente que a Primeira Sephira, Kether, é atribuída a Plutão, então um planeta transplutônico seria ‘Um Além do Dez’, o Grande Exterior. Grant expressou isso, desse modo, alguns anos mais tarde, em Aleister Crowley and Hidden God:
Em O Livro da Lei, a deusa Nuit exclama: “Meu número é onze, conforme todos seus números que são nossos”, que é uma alusão direta à A\A\ou Ordem da Estrela de Prata, e seu sistema de Graus. Nuit é o Grande Exterior, representada fisicamente como “Infinite Space and the Infinite Stars thereof” - isto é, I s i s.2 Nuit e Isis são assim identificadas no Livro da Lei. Isis é o espaço terrestre, iluminada pelas estrelas. Nuit é o exterior, ou espaço infinito, a escuridão eterna que é a fonte secreta da Luz; Ela é também, em um sentido místico, o Espaço Interior e o Vasto Intimo.
Germer havia uma vez, como Crowley, considerado Grant como potencialmente um futuro líder da O.T.O. (ver, neste contexto, os extratos de suas cartas à Grant, publicadas no artigo ‘It’s an Ill Wind That Bloweth’3 em Starfire Volume I nº 5, Londres, 1994). No entanto, ele estava essencialmente descontente com alguém que se desviava da linha que, após a morte de Crowley, a única coisa a fazer era simplesmente preservar e promover o trabalho de Crowley. Além disso, ele também não ficou feliz quando Grant se recusou a recolher dinheiro dos membros da sua Lodge. Ele ficou ainda mais irritado ao saber que Grant tinha formado conexões com Eugen Grosche, um antigo adversário de Germer da Alemanha na década de 1920. Ele exigiu que Grant retratasse seu Manifesto; quando ele recusou, Germer emitiu uma Nota de Expulsão. Grant simplesmente ignorou a expulsão e continuou com a New Isis Lodge como uma loja dependente da O.T.O., confiante de que seu trabalho mágico lhe permitia fazer a conexão direta com a corrente mágica no centro da O.T.O., assim substituindo a autoridade de Germer e tornando a expulsão irrelevante. Esta confiança na sua posição como sucessor de Crowley se reforçou ao longo dos anos subseqüentes com o desenvolvimento de sua obra mágica e mística.
A New Isis Lodge tinha um programa de trabalho que começou em 1955 e foi concluído em 1962, embora a Loja continuasse a operar até meados de1960. O desenvolvimento de algumas técnicas mágicas interessantes e inovadoras, um relato de alguns de seus trabalhos é dado em Hecate’s Fountain, escrito no início dos anos 80, mas não publicado antes de dez anos mais tarde. As experiências de Grant na New Isis Lodge foram a base para seu trabalho subsequente, talvez mais aparente nos volumes posteriores das Trilogias com a publicação de duas das transmissões reificadas durante o curso de Funcionamento da Lodge. Uma dessas transmissões foi a requintada e delicada Wisdom of S’lba (Sabedoria de S'lba) que foi incorporada no sétimo volume das Trilogias, Outer Gateways, publicado em 1994. O outro foi The Book of the Spider (O Livro da Aranha), em torno do qual Grant teceu seu volume final das Trilogias, The Ninth Arch (2002).
A New Isis Lodge não é muito mencionada nos primeiros livros de Grant. Tenho a impressão de que, embora o trabalho realizado na Lodge fosse formativo para Grant – a fundação de seu posterior corpo de trabalho – por isso mesmo isto é a percepção cumulativa destilada ao longo de sucessivos anos que permitiu Grant entender plenamente as realizações daqueles anos anteriores, e de levar o trabalho para outro nível. O potencial desses anos veio a ser concretizado muitos anos após a Loja ter cessado seu trabalho. Lembro-me dele comentando comigo no início dos anos 90 que ele tinha recentemente se deparado com material de arquivo que havia sido guardado por muitos anos, e que ao passar por isso novamente uma fresca corrente de iniciação havia sido deflagrada.
No decorrer dos anos de 1959 a 1963, os Grants produziram uma série de monografias, as Carfax Monographs, cada uma sobre um assunto diferente. Anos mais tarde, em 1989, estas foram reeditados num só volume como Hidden Lore. Mais recentemente, elas foram republicados, desta vez com material adicional, como Hidden Lore, Hermetic Glyphs (Fulgur, 2006).
Uma das influências mais importantes sobre Kenneth Grant foi Spare.
Em 1949 ele e sua esposa Steffi conheceram o artista e escritor ocultista. Eles permaneceram amigos até a morte de Spare em 1956, apoiando-o com alguns fundamentos essenciais da vida, bem como materiais para seu trabalho artístico, e esse contato desencadeou um renascimento no trabalho de Spare. Grant tinha há algum tempo tomado um vivo interesse na magia e misticismo de Spare, assim como em sua arte, e em especial nos sistemas de sigilos que Spare tinha apresentado em The Book of Pleasure (O Livro do Prazer), publicado pela primeira vez em 1913. Fora exceções notáveis, como o desenho de 1928 “Teurgia” não obstante, os sigilos estavam geralmente ausentes do trabalho de Spare depois da Primeira Guerra Mundial, e ele confessou a Grant que ao longo dos anos, ele tinha esquecido os princípios subjacentes ao sistema. Estimulado pelo interesse e entusiasmo de Grant, Spare aplicou-se a recuperar esses princípios, e os sigilos ressurgiram em muitos de seus desenhos e pinturas dos anos 40 e 50. O resultado dos último poucos anos de sua vida foi uma espécie de renascimento para Spare, um florescimento tardio.
Este renascimento incluiu o trabalho escrito, que Grant datilografou para ele, no processo de fornecimento de críticas e comentários, e insistindo na elucidação onde ela parecia benéfica. Muito deste trabalho final foi posteriormente publicado pelos Grants em Zos Speaks! (Fulgur, 1998), junto com cartas e extratos diários que documentam seu tempo com Spare, bem como reproduções de obras de arte de Spare. Em sua morte, Spare legou a Kenneth seus manuscritos, originais datilografados, e livros. Incansável na promoção do trabalho de Spare ao longo dos anos subseqüentes, em 1975 os Grants publicaram o belo Images & Oracles of Austin Osman Spare (Muller, 1975; Fulgur, 2003), introduzindo seu trabalho – escrito e artístico – para um novo público. O renascimento do interesse em Spare nos últimos anos deve muito ao seus esforços.
Como Spare, em toda a sua obra Grant enfatizou a supremacia da imaginação. Longe de ser mero capricho ou fantasia, isto é de fato o principal meio para encontrar e explorar o universo e nosso relacionamento com ele. O trabalho de Grant é essencialmente dirigido à imaginação, soando ecos na consciência do leitor de sua obra. Como já vimos, Grant descreveu o Misticismo Oriental como seu primeiro amor, e durante os anos 50, ele mergulhou no Advaita Vedanta – a realização de que a consciência é indivisível – escrevendo uma série de artigos para revistas asiáticas, posteriormente coletados e publicados muitos anos depois como At the Feet of the Guru (Starfire Publishing, 2006). Embora muitas vezes pensado como um culto que glorifica a individualidade, Thelema é, de fato enraizada neste solo, tendo muito em comum com o Taoísmo.
Com John Symonds, executor literário de Crowley, Grant editou a expansiva e turbulenta autobiografia de Crowley, The Confessions (Cabo, 1969). Isto desempenhou um papel importante em trazer o trabalho de Crowley à atenção popular. Symonds e Grant construíram sobre isso, continuando a editar e publicar outros trabalhos de Crowley ao longo dos anos 70, especialmente The Magical Record of the Beast 666 (Duckworth, 1972) – uma seleção dos diários de Crowley – e Magical and Philosophical Commentaries on the Book of the Law (93 Publishing, 1974).
Ao longo dos anos, Kenneth Grant criou seu próprio corpo de trabalho, e em um artigo sobre o trabalho de Crowley – “Love Under Will”4, publicado na International Times durante 1969 – ele se referiu a um estudo seu que estava aguardando publicação, intitulada Aleister Crowley and the Hidden God. Sua editora, Muller, posteriormente, pediu-lhe para dividir o trabalho em dois volumes, o primeiro dos quais foi publicado em 1972 como The Magical Revival5. O segundo, emitido sob o título original Aleister Crowley and the Hidden God, em seguida no ano de 1973. Este foi o início das Trilogia Tifoniana, o nono e último volume da qual, The Ninth Arch, foi publicado em 2002 pela Starfire Publishing. Estes volumes compreendem um corpo substancial de trabalho que, embora eclético e abrangendo vastas áreas de magia e misticismo, está firmemente enraizado em Thelema. No decorrer deste trabalho, Grant levou Thelema à áreas para além do que muitas vezes são considerados os limites de trabalho de Crowley, no processo destacando a universalidade de Thelema e suas afinidades com uma ampla gama de tradições e disciplinas. O que se segue é um breve resumo de cada um dos volumes da Trilogia, ao longo do caminho, alguns temas serão destacados.
The Magical Revival (Muller, 1972; Starfire Publishing, 2009) foi um estudo e análise de uma variedade de tradições ocultistas que sobreviveram durante milhares de anos, e que estão agora a reviver em novas formas e com um renovado vigor. Em particular, a gênese e o desenvolvimento do Culto Draconiano ao longo das dinastias egípcias foi traçado, e contra este pano de fundo mais antigo foram examinadas as manifestações mais modernas, como Blavatsky, Crowley, a Golden Dawn, Dion Fortune, e Spare. Foi demonstrado que, embora essas sejam manifestações recentes, elas estão enraizadas na corrente mágica consideravelmente mais velha que tem nutrido e sustentado todas as florescências subsequentes. Incluído como uma lâmina no livro estava uma reprodução do desenho de Lam feito por Crowley, a primeira vez que tinha sido publicado desde a sua aparição original em The Blue Equinox em 1919.
No capítulo ‘Nomes Bárbaros de Evocação’, Grant adiantou a noção de similaridades entre os elementos dos Mitos de Cthulhu como elaborado na ficção de Lovecraft, e aspectos do trabalho de Crowley. Isto sugeriu que eles se basearam em arquétipos semelhantes no inconsciente coletivo. Em seu trabalho posterior, Grant algumas vezes jogou com o panteão de deidades, mas isso nunca sugeriu que as deidades eram reais, ou que deveriam ser adoradas.
Este foi sucedido pelo segundo volume, Aleister Crowley and the Hidden God (Muller, 1973). Que foi um estudo mais especificamente do sistema de Crowley de magia sexual, amplificado por uma consideração sobre o comentário Kaula acima referido. Grant resumiu o livro como se segue:
Este livro contém um estudo crítico do sistema de Aleister Crowley de magia sexual e suas afinidades com os antigos ritos Tântricos de Kali, a deusa negra de sangue e dissolução representada no Culto de Crowley como a Mulher Escarlate. É uma tentativa de fornecer uma chave para o trabalho de um Adepto, cujo vasto conhecimento do ocultismo era insuperável por qualquer autoridade Ocidental anterior. Tenho enfatizado a semelhança entre o Culto de Thelema de Crowley e o Tantra porque a atual onda de interesse no Sistema Tântrico faz com que seja provável que os leitores sejam capazes de avaliar mais detalhadamente a importância da contribuição de Crowley para o ocultismo em geral e para o Caminho Mágico em particular .
Houve também um capítulo sobre ‘Nu-Isis and the Radiance Beyond Space’, em que Grant se refere à New Isis Lodge e seu programa de trabalho.
O terceiro volume, Cults of the Shadow (Muller, 1975), explorou os aspectos obscuros do ocultismo que são frequentemente vistos negativamente como “magia negra”, o “caminho da mão esquerda”, etc. O impulso deste livro é apresentado no parágrafos que abre a Introdução:
Este livro explica os aspectos do ocultismo que muitas vezes são confundidos com ‘magia negra’. Seu objetivo é restaurar o Caminho da Mão Esquerda e reinterpretar seus fenômenos à luz de algumas das suas manifestações mais recentes. Isso não pode ser alcançado sem uma pesquisa de cultos primitivos e a fórmula simbólica que eles depositaram. Não existe campo mais rico para uma pesquisa dessa natureza e nem mais perfeito que um esqueleto sobre o qual encontrar isto que os sistemas de Fetiche da África Ocidental e sua florescência em pré-monumentais cultos Egípcios. Um tal exame é apresentado nos primeiros três capítulos, após o que os símbolos emergem para a luz de tempos históricos e aparecem sob a forma da Corrente Tântrica explicado nos Capítulos Quatro e Cinco.
Esta Corrente parece divergir em dois fluxos principais que refletem indefinidamente a divisão original entre os devotos dos princípios criativos feminino e masculino conhecidos tecnicamente no Tantra como o Caminho da Mão Esquerda e Caminho da Mão Direita. Eles são da Lua e do Sol, e sua confluência desperta a Serpente de Fogo (Kundalini), o Grande Poder da Magick que ilumina o caminho escondido entre eles – o Caminho do Meio – o caminho da Suprema Iluminação.
É o quase fracasso universal em compreender o funcionamento adequado do Caminho da Mão Esquerda que levou à sua depreciação – principalmente por conta de suas práticas não convencionais – e uma realização imperfeita dos Mistérios finais por parte daqueles que são incapazes de sintetizar os dois.
De particular interesse é um capítulo sobre o trabalho de Frater Achad (Charles Stansfield Jones) e o Æon de Maat, no qual Grant teve uma visão um tanto cética em relação a alegações de Frater Achad do alvorecer do Æon de Maat. Posteriormente, como podemos ver, Grant chegou a rever suas opiniões. O livro também contém capítulos sobre a obra de Michael Bertiaux, introduzindo Bertiaux a um público novo e levando a um aumento do interesse em seu trabalho.
A segunda Trilogia abriu com Nightside of Eden (Muller, 1977). No cerne deste está uma exploração dos Túneis de Set, que subjazem nos caminhos da Árvore da Vida. O trabalho de Grant foi baseado inicialmente sobre um breve e obscuro trabalho feito por Crowley, Liber 231, publicado pela primeira vez no The Equinox.
Este Liber consiste em sigilos dos gênios das 22 escalas da Serpente, aqueles das 22 células das Qliphoth, e alguns oráculos obscuros; isso evidentemente fascinou Grant, e a exploração dessas células das Qliphoth formaram um elemento importante do trabalho da New Isis Lodge.
Grant foi criticado em alguns setores por trabalhar com o que alguns consideram como aspectos maus e avessos de magia. Contudo, os aspectos mais escuros da experiência são tão necessários em compreender quanto os aspectos mais claros; uma compreensão de ambos é necessário. A seguinte passagem da Introdução à Nightside of Eden aborda este assunto:
Isso me leva ao ponto final: A menos que o ocultismo se torne criativo no sentido de se abrir a novas abordagens, modificando e desenvolvendo conceitos tradicionais e comumente revelando um pouco mais daquela Deusa Suprema, cuja identidade está escondida por trás do véu de Ísis, Kali, Nuit, ou Sothis, haverá estagnação no pântano de crenças tornadas inertes pela recente repentina aceleração da consciência da humanidade, que é quase aquém de miraculoso. Se a ciência do imanifesto não é permanente aterrada em um estágio pré-púbere, enquanto as ciências manifestadas sobem para o espaço, o ocultista maduro deve deixar de lado os brinquedos de superstição e enfrentar sem medo as Árvores da Eternidade, cujos troncos e ramos brilham com o fogo solar, mas cujas raízes são alimentadas na escuridão.
Embora esta passagem se refira especificamente ao Nightside of Eden, o caso aqui articulado de inovação e criatividade se aplica ao trabalho de Grant como um todo.
Ao longo do livro há várias referências ao Æon de Maat, fica claro que Grant tinha a essa altura revisto sua opinião anterior, um tanto cética, desse aspecto do trabalho de Achad. Na verdade, ele tinha por este tempo recebido o material de Margaret Ingalls (Soror Andahadna) que o levou a reavaliar o trabalho Achad sobre a entrada em 1948 de outro Æon que corre ao lado do Æon de Horus, os dois æons constituem uma dupla corrente.
Em 1980 Grant publicou Outside the Circles of Time (Muller, 1980; Starfire Publishing, 2008), um trabalho que abrange uma área extremamente vasta e expõe, para citar a sinopse de capa: “uma rede mais complexa do que se imaginava: uma rede não muito diferente da visão sombria HP Lovecraft de forças sinistras que espreitam na borda do universo”. Há muitos fios tecidos em uma rica e deslumbrante textura, um fio principal sendo a não-dualidade:
O mundo fenomenal não tem existência real para além da sua fonte noumenal. O mundo não está à procura de alguém, o mundo não sabe nada de ninguém, mas as pessoas estão procurando o mundo e estão fracassando em encontrá-lo, porque elas são o mundo e estão realmente procurando por si mesmas. Mas porque elas não são refinadas, não são sutis, não são silenciosas, porque elas são brutas e cheias de ruídos, o mundo aparece-lhes também como grosseiro e cheio de ruídos. Elas são identificadas com estas qualidades, elas são as qualidades, e, portanto, não podem controlá-las.
Somente através do refinamento do bruto para o sutil, do mundo do objeto para o mundo do sujeito, do mundo de vigília para o mundo do sonho, só assim pode ser encontrada a chave do poder “oculto”. Pode ser encontrado apenas em silêncio total, quando a mente tenha deixado de pensar, quando a boca tenha cessado de falar, quando o olho tenha cessado a projeção de imagens. Só então a fórmula do sonho controlado conduz para o despertar total da ilusão de viver.
É, portanto, necessário se habituar à ideia, viver perpetuamente com a idéia, que a totalidade da vida de um indivíduo – tudo o que pode ser lembrado dela – foi composta pelo indivíduo como uma peça de teatro é composta por um dramaturgo. É uma invenção, um lila, uma máscara ou dança no qual o indivíduo é o único ator, e até mesmo este ator é apenas uma figura no jogo. Ele não é real; nenhum objeto pode ser real, pois não há absolutamente coisa nenhuma. Nenhuma coisa é Nuit, e ela não é uma coisa precisamente neste sentido particular de um jogo de poder (shakti) evoluindo um drama sem fim de luz e sombra que aparece para a entidade como sujeito e objeto. Mas a objetividade é um sonho, pois ali não há sujeito, nenhum sonhador; há apenas um sonhando. É somente quando essa verdade é profundamente percebida que o sonho é resolvido em sua origem, que é o bindu conhecido como Hadit, no coração de Nuit ...
Hadit se dissolve em Nuit, alguma coisa em coisa alguma, objeto em sujeito, e sujeito – finalmente – naquela subjetividade absoluta que, sendo livre de ambos objetividade e subjetividade, permanece indescritível.
O livro é mais famoso, talvez, por destacar a obra de Soror Andahadna, uma sacerdotisa contemporânea de Maat, cujo trabalho tinha paralelos com a obra de Frater Achad várias décadas antes. Muitos Thelemitas têm problemas com o Æon de Maat. Tanto quanto eles concebem, cada Æon dura 2.000 anos, estamos nos inícios do Æon de Horus, então Maat é um caminho ainda distante. Eles vão ecoar a réplica famosa de Crowley para o jovem Grant: “Maat pode esperar!”. No entanto, a seguinte passagem de Outside the Circles of Time coloca a questão de forma muito mais interessante:
Mitos e lendas são do passado, mas Maat não deve ser pensada em termos de æons passados ou futuros. Maat está presente agora para aqueles que, conhecendo os ‘alinhamentos sagrados’, e ‘os Portais de Intervalo Interior’6, experimentam a Palavra sempre chegando, sempre emanando, da Boca, nas sempre novas e sempre presentes formas que estão continuamente sendo geradas a partir do místico Atu ou Casa de Maat, a Ma-atu ...
Mas o livro é sobre muito mais. É uma potente tecelagem de uma série de linhas aparentemente diversas em uma única, larga e potente corrente. Apesar dos livros de Grant serem cada um diferente de seus antecessores, Outside the Circles of Time pareceu anunciar um salto para uma dimensão diferente.
Outside the Circles of Time foi o último dos livros de Grant publicados pela Muller, e houve uma pausa de 12 anos até 1992, quando a Skoob Publishing lançou Hecate’s Fountain. Grant tinha originalmente concebido este como um registro dos rituais da New Isis Lodge. No entanto, como é frequentemente o caso, o trabalho tomou uma dinâmica própria e lançou adiante uma flor muito diferente. O livro foi ainda tecido em torno do trabalho da Lodge. No entanto, este trabalho foi ilustrado como relatos anedóticos de funcionamentos específicos, demonstrando em particular o que Grant designa como ‘tantra tangencial’ pelo qual um trabalho mágico tem curiosos e às vezes alarmantes efeitos colaterais em desacordo com o seu propósito aparente. Grant rastreou estas anomalias para uma interface catalítica que ele chamou de “Zona Malva”, existente entre os reinos do sonho e do sono sem sonhos. Há movimentos, espiralados e turbilhonados na Zona Malva que dão origem a espectros frágeis, sonhos, imagens que entram na consciência e se vestem pela imaginação.
A terceira Trilogia abre com Outer Gateways , publicado pela Skoob em 1994. Este livro continuou e ampliou alguns dos temas do Hecate’s Fountain. Continha um longo relato das vertentes diversas de O Livro da Lei, explorou o trabalho de Crowley em relação ao Sunyavada, e teve algumas coisas notáveis a dizer sobre o potencial criativo da gematria:
Uma percepção, um conceito, ou um número – qualquer objeto de fato – não tem nenhuma relação real com qualquer outra percepção, conceito ou número. A relação só existe na consciência do observador, a consciência que é o fundo sobre o qual todos os objetos aparecem como imagens em uma tela. Não há associação de idéias, nenhuma correspondências de qualquer natureza, entre os números ou as idéias que eles representam, exceto na consciência do sujeito delas, porque nenhuma coisa existe como uma entidade objetiva.
As implicações dessas considerações não são geralmente reconhecidas, embora sejam de grande importância. Os números podem significar para o cabalista precisamente o que ele deseja que eles significam no âmbito do seu universo mágico. Eles têm uma existência relativa, mas nenhuma realidade objetiva.
Os números podem, portanto, serem utilizados como um meio mágico de invocar energias específicas latentes na consciência do magista. Em outras palavras, os números podem ser vistos como entidades que são identidades objetivas aparentes, ou personalidades, pois eles são um com o poder objetivo do magista.
O poder dos números não está nos números em si, mas sempre e somente no magista. Se sua mente está muito bem provida com números mágicos (ou seja, números significativos para ele) não há limite, quantitativamente falando, para os mundos que ele pode estruturar a partir energias deles (shaktis). Esta é a base da ciência dos números, e os fundamentos da numerologia como uma arte criativa distinta de um medidor meramente interpretativo das probabilidades fenomenais. O magista não tem como objetivo prever o futuro – o que implicaria que aquilo já existiu – e sim muito mais criá-lo de acordo com as leis de seu universo mágico.
Gematria criativa é, portanto, a ciência e a arte de projetar outros mundos ou ordens de seres, em harmonia com as vibrações simbolizadas por números, que tornam as vibrações diretamente acessível.
Gematria é usada ao longo trabalho de Grant para sustentar um insight que já existe, em vez de para deduzir um insight a partir de uma relação gematrica percebida.
No entanto, o núcleo do livro foi, sem dúvida, The Wisdom of S'lba e os vários capítulos de análise que foram anexados. S'lba é uma bela, altamente carregada e rica transmissão recebida durante muitos anos por Kenneth Grant desde o final dos anos 30, a maior parte dela foi reificada durante os anos da New Isis Lodge.
Há uma boa dose de incompreensão sobre a natureza das transmissões. Não é um caso de simplesmente tomar o ditame de uma entidade desencarnada. O contato com o que é referido como os planos internos é muito mais complexo e mais sutil do que isso. Tomemos por exemplo a seguinte nota introdutória de Grant:
As séries de versos intitulado coletivamente como Wisdom of S’lba ... não foram escritas em um determinado momento ou lugar, embora o estado de consciência em que foram recebidos fossem invariavelmente o mesmo. O processo foi iniciado já no ano de 1939 quando a Visão de Aossic se manifestou pela primeira vez na forma descrita no Outside the Circles of Time(capítulo 8).
A visão se desenrolava esporadicamente ao longo do tempo de associação de Aossic com Aleister Crowley e Austin Osman Spare. Mas o aspecto dinâmico do Trabalho, isto é, a integração da Visão em um todo coerente, ocorreu durante o período de existência da New Isis Lodge .
Em uma entrevista com a Skoob publicada pouco antes de Outer Gateways fosse liberado, respondendo a uma pergunta sobre S'lba, Grant disse: “Isto foi ‘destilado’, por um processo prolongado que se estendeu por muitos anos, desde os intensivos Rituais realizados na New Isis Lodge entre 1955-1962”.
Como mencionado acima, Grant estabeleceu pela primeira vez em O Renascer da Magia sua tese de que houve sugestivas analogias entre os elementos do panteão de Lovecraft e aspectos da obra de Crowley. Há uma passagem em Outer Gateways que coloca a função destes e outras ‘deidades’ similares em uma luz muito diferente:
... Como outros registros de inclassificáveis fases da história da Terra, o Culto de Cthulhu sintetiza o subconsciente e as forças externas à consciência terrestre. Pode-se dizer de passagem que a verdadeira criatividade só pode ocorrer quando essas forças são invocadas para inundar com sua luz a rede mágica da mente. Para fins de explicação a mente pode ser encarada como dividida em três salas, o edifício que as contém sendo o único princípio real ou permanente. Estas salas são:
1) Subconsciência, o estado de sonho;
2) Consciência mundana, o estado de vigília;
3) Consciência transcendental, velado em não-iniciado pelo estado de sono.
Os compartimentos são ainda concebidos como estando conectados com a casa que os contém, por uma série de conduites ou túneis. A casa representa a consciência trans-terrestre. As forças invocadas – Cthulhu, Yog-Sothoth, Azathoth, etc – são então entendidas, não como entidades malignas ou destrutivas, mas como as energias dinâmicas da consciência, as funções das quais são para afastar a desilusão de existência separada (as salas da nossa ilustração).
O próximo volume, Beyond the Mauve Zone, foi lançado pela Starfire Publishing em 1999. É, como o próprio nome sugere, uma consideração mais profunda da região entre o sono sem sonhos e o sonhar que fecunda a imaginação e, em particular uma consideração de vários métodos de acesso à Zona Malva. Há três capítulos sobre o Rito Kaula da Serpente de Fogo, dando muito mais material ao comentário Kaula inicial obtido a partir de David Curwen. Há também uma análise prolongada do Liber Pennae Praenumbra recebido por Soror Andahadna, e um registro do trabalho do autor sérvio Mihajlovic Zivorad Slavinski.
O volume final das Trilogias, The Ninth Arch, foi lançado pela Starfire Publishing em 2002. Ele consistiu de um comentário versículo por versículo sobre uma transmissão recebida no decorrer do funcionamento da New Isis Lodge, Liber OKBISh, ‘O Livro da Aranha’. Esta transmissão começou durante um trabalho mágico de Qulielfi, o 29° Túnel de Set, por volta de 1952. A medium principal para as transmissões era uma sacerdotisa conhecida como Soror Arim. Ela aparece no romance de Grant Against the Light como Margaret Leesing. Ela não era o único medium para as transmissões, mas ela jogou o papel mais importante e coordenou o trabalho de várias sacerdotisas da Lodge.
O Livro da Aranha é essencialmente uma coleção de oráculos enigmáticos que foram recebidos ao longo de vários anos, e estavam em retrospectiva organizados em 29 capítulos, cada um de 29 versos; alguns dos versos não foram ouvidos, ou foram perdidos, mas isso é o padrão básico. Um par de anos após a transmissão inicial ser recebida, a Corrente mais uma vez tornou-se ativa. Esta transmissão subsequente proporcionou um menor número de versos, e foi orgaizado em 3 capítulos adicionais, novamente de 29 versos cada.
Transmissões não são uma questão de estabelecer algum tipo de contato de rádio com uma entidade desencarnada e transcrever o que ela tem a dizer. Uma transmissão pode ser através de qualquer dos sentidos. Muitas vezes ela será intuída ou sutilmente apreendida, com a imaginação como catalisador. A imaginação não é mero capricho ou fantasia, mas sim a bagagem que a palavra tem acumulado em tempos modernos. É cósmica, embora existam áreas individuais de consciência da imaginação, e é nessas áreas em torno do indivíduo de que ele ou ela está mais diretamente consciente, que nós consideramos como ‘nossa’ imaginação. A verdade é, porém, que não é nossa, mas uma área comum ou cósmica – um continuum, o local de alcance em que somos mais imediatamente conscientes.
A Transmissão assume muitas formas. É um fluxo de inspiração para as áreas mais pessoais de imaginação, e, muitas vezes, tornam-se trajadas em formas extraídas da subconsciência pessoal. Nós vemos isso na obra de Lovecraft por exemplo, muito da inspiração ocorrida através de sonho, e expressada através de imagens tiradas a partir da leitura extensiva e devaneios da infância de Lovecraft. Como a luz é refratada através da sua passagem através de um prisma ou um pedaço de vidro colorido, ou como o sol ajustado através da matéria atmosférica produz um concurso de cores gloriosas e agitadas, assim a transmissão de uma Corrente será colorida pelas áreas pessoais de imaginação através do qual ela passa. O vento, por exemplo, somente se torna evidente nas folhas agitadas da árvore por meio do qual ele se move, os perfumes os quais ele agita, a pele contra a qual ele roça, as formas nas quais ele redemoinha a areia do deserto.
Na época dos trabalhos da New Isis Lodge que atrairam e então incubaram esta Corrente comunicada, a principal Sacerdotisa, Margaret Leesing, e outros foram apanhados em ficção ocultista, e em dois livros em particular – Dope por Sax Rohmer e The Beetle por Richard Marsh. A este tempo, New Isis Lodge tinha desenvolvido uma técnica ritual mágica que envolveu a dramatização da ficção. Como Kenneth Grant descreve em The Ninth Arch:
Como já mencionado na Introdução Geral deste livro, os ritualistas da New Isis Lodge utilizaram certos romances e histórias como outros magos podem usar pinturas ou composições musicais para afetar perichoresis e encontros astrais. Eles entravam em um conto como eles podiam entrar em uma determinada imagem, uma cena, um deserto, uma sala de visitas abarrotada, ou outra jurisdição. Aplicado ao romance, o processo se desenvolve dramaticamente como uma experiência cinética vívida que se torna assustadoramente oracular. Nós usamos, principalmente, o romance de Richard Marsh The Beetle, e ‘A Tale of Chinatown’ ou Dope de Sax Rohmer, por nenhuma outra razão senão porque a Vidente chefe tinha lido recentemente estes escritos, e porque outros membros da Loja também estavam familiarizados com eles. O conto de Marsh, em particular, foi escolhido porque continha o único registro publicado conhecido do presente autor de Children of Isis, e, portanto, parecia en rapport 7com a Wisdom of S’lba e com os oráculos de OKBISh.
Estas são as circunstâncias, o prisma, o vidro colorido, através dos quais os versículos do Livro do Aranha são expressos. Existem referências, por exemplo, de personagens como Shöa, a Mulher Maligna; Sin Sin Wa, o Chinês vilão e sábio; Tling-a-Ling, seu corvo de estimação e familiar; Tûk Sam, seu venerado Ancestral; todos esses personagens são extraídos do livro Dope de Sax Rohmer. Há referências a Limehouse, a Ho-Nan, a Chandu, ao Rio Amarelo, às trilhas de papoula, que são locais desenhados também de Dope. Há a languidez do sonho, do devaneio, as imagens parecem flutuar, mudar, se unir – emergir, tremer, cair para trás. Há também referências a personagens extraídos de outras histórias, como Helen Vaughan e Sra.Beaumont da história de Arthur Machen, The Great God Pan. Existem máscaras, roupas e não têm intenção de apontar para profundidades de significado inerente às histórias de que esses personagens são desenhados. Há referências a cenas de novelas, como The Brood of the Witch Queen8 de Sax Rohmer, ou personagens de histórias de Lovecraft, como Joseph Curwen em The Case of Charles Dexter Ward9.
Há muito nos versos de O Livro do Aranha que expõe sobre a vida de Kenneth Grant, e parece, por vezes, como se a Corrente comunicada fosse direcionada principalmente para ele. Somos todos nós expressando uma Corrente comunicada de energia mágica. Nenhum de nós pode expressar uma verdade absoluta, mas transmitir a verdade como a vemos. O trabalho de um adepto é sempre em um sentido intrínseco a ele ou ela. A luz é uma, mas as lâmpadas são muitas, e cada lâmpada transmite aquela luz de sua própria maneira.
Personagens não-ficcionais também são tecidos nesta Rede da Aranha. No decorrer do Livro da Aranha, tornamo-nos conscientes de uma doutrina de avatares, em que várias pessoas vivem ao mesmo tempo, cada um sendo personificações de uma entidade. Como qualquer um que tenha lido Against the Light saberá, isso é relativo a uma bruxa chamada Awryd, uma antepassada de Grant, que foi executada por bruxaria no século XVI. Awryd retorna, sob a forma de Margaret Leesing, Soror Arim, a vidente principal, e antes dela, Yelda Paterson, a bruxa-mentora de Spare. No entanto, a situação se torna mais complexa quando várias pessoas vivem ao mesmo tempo, são cada qual avatares de Awryd – por exemplo, Margaret Leesing e Clanda Fane, ambas contemporâneas de Grant na New Isis Lodge. Alguns dos avatares são personagens tirados da ficção, como Helen Vaughan de The Great God Pan de Machen, ou Besza Loriel do romance de Grant The Stellar Lode.
Há referências a David Curwen, um contemporâneo de Grant na New Isis Lodge que tinha um forte interesse em alquimia; na Teia da Aranha ele é elencado como um avatar de Joseph Curwen, o alquimista cuja escura presença paira em uma das melhores histórias de Lovecraft, O Caso de Charles Dexter Ward.
Seguindo esta breve consideração das Trilogias Tifonianas, o que é que constitui a Tradição Tifoniana que é central para a obra de Grant? ‘Tifoniana’ não é um rótulo preciso, como é visível em uma consideração do verbete no Glossário para Typhon, Draco, Ta-Urt e tópicos relacionados através das Trilogias Tifonianas; há uma grande quantidade de diversidade. Embora a ênfase tenha mudado durante o período de trinta anos entre as publicações da primeira e os volumes finais, nenhuma desses verbetes por si só são definições da Tradição Tifoniana. Em vez disso, cada um deles articula uma faceta disto, não importa o quão importante essas facetas individuais podem, à primeira vista, parecerem. É mais proveitoso, portanto, não olhar para uma definição rigidamente aderida – sem dúvida ou debate, mas permitir que a intuição detecte uma coerência e continuidade subjacente em execução ao longo destas passagens.
Se há uma coisa que poderia ser dito para caracterizar a Tradição Tifoniana então é comungar com o que alguns têm chamado de ‘Exterior’, se isso for considerado como os confins do espaço para além do terrestre, ou as varreduras de consciência além da humana. Neste contexto, ‘O Exterior’ sempre pode ser somente um termo relativo, uma vez que a partir da perspectiva do continuum da consciência não existe dentro ou fora.
Em Beyond the Mauve Zone Grant analisa o texto Maatiano transmitido Liber Pennæ Prænumbra a partir de uma perspectiva Tifoniana, e faz a seguinte observação:
É neste ponto que a divergência aparece entre o Caminho de Aiwass-Lam e aquele de N’Aton que prefigura uma forma de realização futura da consciência humana – em outras palavras, nós mesmos como devemos aparecer em algum tempo futuro. Como deve ser evidente por esta altura, nós refutamos este postulado em favor da noção de que a consciência em sua fase humana é um fenômeno transitório de modo geral, um mero flash na imensidão do Espaço-Tempo (Nu-Isis). Transmissões tais como as Estâncias de Dzyan, Liber AL, o Necronomicon, e, mantemos, o próprio Liber Pennæ Prænumbra nesta posição, não dão suporte à noção de uma identificável máscara humana para a consciência se perpetuar indefinidamente. Mas todos cuja vontade seja efetuar – como a frase de Nema diz – “o salto mutacional em ser uma nova espécie” devem estar preparados para abandonar o conceito de consciência ‘humana’ com todas as suas dualisticas implícitas.
Essas profundezas da consciência são muito mais profundas e mais amplas do que a consciência humana, que como indicada na citação acima está transitória e relativamente superficial. A Gnose Tifoniana está interessada com o encontro e exploração dessas profundezas. Como Crowley comentou em um post-scriptum ao Capítulo 30 de Magick without Tears:
Eu pensei nisso como um bom plano para colocar a minha fundamental posição por si só em um post-scriptum; para enquadrá-la. Minha observação do Universo me convence de que há seres de inteligência e poder de uma qualidade muito maior do que qualquer coisa que possamos conceber como humano; que eles não são necessariamente baseados nas estruturas cerebrais e nervosas que conhecemos, e que a primeira e única chance para a humanidade avançar como um todo é os indivíduos fazerem contato com tais Seres.
Era convicção de Crowley de que o Trabalho do Cairo de 1904, que levou ao contato com Aiwaz e à recepção de O Livro da Lei, foi o primeiro de uma série de comunicações. Depois de afirmar sua crença em The Confessions que não havia mais nenhuma razão a priori para duvidar da existência de inteligência desencarnada, ele afirma:
O caminho é, portanto, claro para mim vir a frente e afirmar positivamente que eu tenha aberto a comunicação com uma tal inteligência, ou melhor, que eu tenha sido selecionado por ele para receber a primeira mensagem de uma nova ordem de seres.
De fato tem havido mais mensagens ou comunicações. O Trabalho do Cairo de 1904 foi seguido, sete anos mais tarde, pelo Trabalho de Abuldiz, e sete anos depois pelo Trabalho de Amalantrah. Todos os três trabalhos foram caracterizados por contato com inteligencias præter-humanas que transmitem informação. Havia também uma série de textos transmitidos conhecidos como Os Livros Sagrados10, como por exemplo os sigilos e expressões gnômicas que constituem o Liber 231.
Tampouco tinha esse contato sido limitado a Crowley. Isto tinha continuado além de sua morte com o Liber OKBISh e The Wisdom of S'lba, ambos reificados – como delineado acima – durante o período de atividade de New Isis Lodge. Sem dúvida, tem havido outras transmissões, e haverão mais no futuro. Estas são irrupções dos estratos mais profundos da consciência em percepção.
Bem como suas Trilogias, Grant também publicou vários volumes de poesia e uma série de contos e novelas. 1963 viu a publicação de seu primeiro volume de poesia, Black to Black and other poems. Uma coleção intensa e comovente de poemas, este foi seguido em 1970 pelo The Gull’s Beak and other poems. Um terceiro volume foi lançado pela Starfire Publishing em 2005, Convolvulus and other poems; este incluiu os dois volumes anteriores e acrescentou uma terceira coletânea, inédita, Convolvulus: Poems of Love and the Other Darkness. Este volume coletado incluiu esboços de Austin Osman Spare, alguns dos quais haviam sido especialmente desenhado para Grant por Spare.
Grant começou a escrever contos ainda jovem, e escreveu seu primeiro romance no início dos anos 50, Grist to Whose Mill? (em breve será publicado pela primeira vez). Outros se seguiram, e foram publicados a partir de 1996. A maioria desses romances foi escrita durante o período de New Isis Lodge, e revisado antes da publicação. Eles caracterizam personagens, muitos dos quais foram baseados em um maior ou menor grau nos membros da Lodge. Grant lançou uma luz sobre isso em suas notas de sobrecapa para o segundo volume da série, Snakewand & the Darker Strain:
Essas histórias, e outros contos nesta série, foram escritos na sequência de rituais realizados ao longo de um período de sete anos da New Isis Lodge. Muitos eram os magistas e médiuns que passaram pela Lodge, e alguns deles aparecem na série de novelas. Suas personalidades mundanas não podem ter aparecido incomum para a observação casual, mas quando alongadas e siderealisedas pelas perspectivas únicas que seus papéis mágicos criados por eles, eles alcançaram uma apoteose, uma epifania. Este fenômeno extraordinário demonstrou as alturas e as profundezas que a natureza humana é capaz de escalar e alcançar plenamente, no frenesi delirante inspirado por sua arte. Estes contos são igualmente orientados para o outro lado de uma realidade raramente vislumbrada fora de um Círculo carregado magicamente.
Apesar de reter uma devoção a Crowley, Spare, e muitos outros místicos e ocultistas, cujo trabalho influenciou toda a sua vida, Grant nunca foi um seguidor, mas, pelo contrário, criou o seu próprio caminho a partir de uma série de influências, transformado através do cadinho de sua experiência místico e mágica. Ele tinha agudamente a percepção do princípio do parampara ou linhagem espiritual, pelo que é da responsabilidade de um iniciado desenvolver o trabalho de seu predecessor, o predecessor, neste caso, sendo Crowley. No curso desse desenvolvimento, novas vias de abordagem são abertas, enquanto outras são encontradas para ser talvez agora redundante. Desta forma, um corpo de trabalho é uma coisa viva, desenvolvido por sucessivas gerações de iniciados.
A obra de Kenneth Grant foi rica, diversificada e eclética, tecida de muitas vertentes e destilada a partir de muitas fontes. No entanto, sua principal influência foi Crowley, e Thelema é o cerne de seu trabalho. Na esteira de sua morte, a tarefa imediata é garantir que toda a sua obra publicada seja mais uma vez impressa e prontamente disponível, e continuar a explicação dos princípios que subjazem a esse trabalho. Além disso, todavia, o corpo de trabalho que ele desenvolveu irá, por sua vez, ser continuado, trabalhado e reconstruído por aqueles que vem depois dele. Esta é o maior testemunho de que qualquer um de nós pode esperar.
Eu gostaria de encerrar este levantamento preliminar com uma passagem da Introdução a Outside the Circles of Time. Aqui, Grant deu uma visão sobre os objetivos de seu trabalho, a passagem em questão é sucinta e lindamente expressa:
Um último ponto é relevante aqui, e digo isso sem desculpas. Não é meu propósito tentar provar coisa alguma, o meu objetivo é construir um espelho mágico capaz de expressar algumas das imagens menos elusivas vistas como sombras de um æon futuro. Isso eu faço por meio de sugestão, evocação, e por aquele oblíquo ‘conceito de Intervalo Interior’ que Austin Spare definiu como ‘Nada-Nada’11. Quando isto é compreendido, a mente do leitor torna-se receptiva ao influxo de certos conceitos que podem, se recebidos não falseadamente, fertilizar as dimensões desconhecidas de sua consciência. Para atingir este objetivo uma nova forma de comunicação tem de ser desenvolvida; a linguagem ela mesma tem que renascer, revivida, e dada a um nova direção e um novo momentum. A imagem realmente criativa é nascida da imaginação criativa, e esta é – em última análise, um processo irracional que transcende a compreensão da lógica humana.
É bem conhecido que os cientistas e matemáticos tem desenvolvido uma linguagem críptica, uma linguagem tão elusiva, tão fugaz, e ainda assim tão essencialmente cósmica que ela forma um modo quase cabalístico de comunicação, muitas vezes mal interpretada por seus próprios iniciadores! Nossa posição não é completamente desesperadora, pois estamos lidando principalmente com o complexo corpo-mente em sua relação com o universo, e o aspecto corpóreo está profundamente enraizado no solo da senciência.
Nossas mentes não podem entender, mas nas camadas mais profundas do subconsciente onde a humanidade compartilha uma cama comum, há o reconhecimento imediato. Similarmente, um magista elabora sua cerimônia em harmonia com as forças que ele deseja invocar, de modo que um autor deve prestar atenção considerável à criação de uma atmosfera que seja adequado para suas operações. As palavras são seus instrumentos mágicos, e suas vibrações não devem produzir meramente um ruído arbitrário, mas uma sinfonia elaborada de reverberações tonais que desencadeiam uma série de ecos cada vez mais profundos na consciência de seus leitores. Não se pode supra-enfatizar ou superestimar a importância dessa forma sutil de alquimia, pois é nas nuances, e não necessariamente nos significados racionais das palavras e números empregados, que a magick reside. Além disso, é muito frequente na sugestão de certas palavras não utilizadas, ainda que indicadas ou empregadas por outras palavras que não tenham relação direta com elas, que produzem as definições mais precisas. O edifício de uma realidade-construção, às vezes pode ser erigido apenas por uma arquitetura de ausência, segundo a qual o edifício real é ao mesmo tempo revelado e ocultado por uma estrutura alienígena assombrado por probabilidades. Estes são legião, e é a faculdade criativa do leitor – acordado e ativo – que podem povoar a casa com almas. Então, este livro pode significar muitas coisas para muitos leitores, e coisas diferentes para todos; mas a nenhum deles pode significar absolutamente nada, pois a casa é construída de tal maneira que nenhum eco pode ser perdido.
Notas de Rodapé:
1 Publicado no Brasil como O Livro de Thoth – O Tarot, pela Anúbis Editores e Madras Editora, 2000, São Paulo.
2 Deixei no original em Inglês para que pudesse fazer sentido o objetivo da frase. Sua tradução: “Infinito Espaço e as Infinitas Estrelas deste”.
3 Este artigo foi traduzido para língua Portuguesa como: ‘É um Vento Ruim que Sopra’. Tradução de Marcelo Santos publicado no sítio de Peter König em: http://www.parareligion.ch/sunrise/sta3_p.htm
4 Artigo traduzido por Cláudio César de Carvalho como “Amor Sob Vontade”, 2011. Publicado em: http://www.kennethgrant.blogspot.com.br/
5 No Brasil foi publicado pela Madras Editora como O Renascer da Magia, 1999, São Paulo.
6 No original em Inglês in between ness. Esta combinação de palavras é indicativo de uma “situação intermediária ou ínterim”, contudo, Grant tipificava esta “situação intermediária” como uma espécie de estado de Vazio (Sunnyatta com está explícito na Escola Budista Mahayanna ou o Tao), sem espaço e tempo, pura percepção. O leitor deve considerar que este Vazio não é uma negativa da existência (niilista), mas sim que está “localizado” entre a Afirmação & Negação desta. A verdadeira Kumbhaka seria análoga a este Vazio.
7 En rapport seria uma espécie de afinidade ou ligação mais intimista.
8 O Senhor da Magia Negra, publicado no Brasil pela Global Editora e Distribuidora Ltda, 1973, São Paulo.
9 O Caso de Charles Dexter Ward publicado no Brasil pela L&PM Editores, 1988, Porto Alegre. Há edições mais recentes publicadas.
10 Traduzido para a língua Portuguesa como Os Livros de Thelema, organizado e traduzido pelo Instituto Aleister Crowley (IAC) e publicado pela Madras Editora, 1997, São Paulo. Em 1998 houve uma outra tradução intitulada Os Livros Sagrados de Thelema, com ©Ordo Templi Orientis (EUA) publicado pela Anúbis Editores e Madras Editora, São Paulo.
11 Geralmente nas traduções para o português é colocado para Neither-Neither (um conceito de Spare para o Vazio) como Nem-Nem, uma vez que neither significa realmente nem nesta linguagem, no entanto, prefiro traduzi-lo como Nada-Nada que alude uma referência mais íntima e profunda com o Vazio ou mesmo Nuit. O leitor deve perceber que Nada é igual a 56, por si só além de ser um valor numérico de grande relevância para Magick (5+6=11) também conota Nu (56) como uma Corrente Celestial que é o complemento de Ísis, a Corrente Terrestre, isto quer dizer, sua manifestação (Manifesta-Ação) como percepção daquela Corrente na consciência do adepto.