segunda-feira, 27 de janeiro de 2020

Nigromancia


A palavra Nigromancia provém do latim e essa por sua vez de Necromancia, “nekrós” (morto) e “mantéia” (previsão, adivinhação), um termo de origem grega que significa literalmente adivinhação através da evocação dos espíritos dos mortos. Seu surgimento encontra-se em meio às práticas religiosas das civilizações e povos da antiguidade tal como assírios, babilônicos, egípcios, gregos, romanos e etruscos. O geógrafo e historiador grego Strabo faz referência à Necromancia como a principal forma de adivinhação entre os persas.

Na antiguidade clássica havia muito interesse em Necromancia - a consulta dos mortos para adivinhação. Tanto os sacerdotes egípcios quanto os magos persas deveriam ser especialistas em Necromancia, e os papiros mágicos greco-egípcios certamente confirmam que a comunicação com os mortos fazia parte do repertório de um mago egípcio. O Necromanteion era um antigo templo dedicado ao deus do submundo, Hades, e sua consorte, a deusa Perséfone. Os antigos gregos acreditavam que enquanto os corpos dos mortos decaíam na terra, suas almas seriam libertadas e viajariam para o Mundo Inferior através de fissuras na terra. Dizia-se que os espíritos dos mortos possuíam habilidades que os vivos não tinham, incluindo o poder de predizer o futuro. Os templos foram, portanto, erguidos em lugares considerados como entradas para o submundo para praticar a Necromancia (comunicação com os mortos) e receber profecias. As pessoas podiam buscar conhecimento dos mortos dormindo em tumbas, visitando oráculos e tentando reanimar cadáveres e crânios.

Um dos casos mais famosos de Necromancia é o da denominada "Bruxa de Endor", descrito na Bíblia, em Samuel 1;28, onde essa convoca o espírito de Samuel na presença do rei Saul. O episódio bíblico foi amplamente aceito durante muito tempo como evidência irrefutável da existência da prática da bruxaria. Outro episódio exemplar de Necromancia encontrado na Bíblia está em Deuteronômio 18;9-12, onde os Israelitas são advertidos a evitar a censurável prática do Cananeus, de previsão do futuro por meio da evocação dos mortos.

Durante a Idade Média o termo Necromancia foi derivando para Nigromancia (nigro=negro), que é a antiga forma italiana e francesa, e passou a se referir ao conceito mais generalizado de conjuração de demônios. A mudança foi teológica, a crença cristã medieval afirmava ser impossível que os mortos, ou qualquer outro espírito intermediário (como gênios, elementais etc.), entrassem em contato e se comunicassem com os vivos e que seria mais razoável supor que os espíritos que acudiam as conjurações do nigromante fossem demônios disfarçados. Afinal somente Deus poderia chamar almas para à Terra na vida após a morte, e qualquer adivinhação deve basear-se no poder demoníaco, o que impedia a prática da Necromancia no sentido literal.

Assim doravante Necromancia seria conhecida como Nigromancia e passou a designar um tipo de Magia Cerimonial onde resultados maravilhosos são alcançados devido a invocação de espíritos malignos (isto é demônios); embora isso não significasse que seus praticantes também não convocassem outros tipos de espíritos.

De fato, ainda que a maioria dos espíritos convocados pelos nigromantes medievais fosse explicitamente demoníaca, a Nigromancia também invocava santos, anjos, gênios da natureza e (é claro) a alma dos mortos. Aliás, a distinção entre as almas inquietas dos mortos, demônios e espíritos elementais sempre foi distorcida nos textos nigromânticos, na melhor das hipóteses.

Em geral magos cerimoniais da Idade Média e Renascimento praticavam formas baixas e altas de Nigromancia. Suas operações envolviam círculos mágicos, rituais de exorcismos, consagrações talismânicas, adivinhações, conjuração de espíritos (anjos, deuses, fantasmas, elementais, demônios etc), simpatias ocultas e cristalomancia ritual. Tudo isso funcionava dentro de um contexto místico da Teurgia judaica-cristã cujos ritos abundam de referências textuais da Bíblia, o uso de salmos e litanias, observação de ciclos lunares, palavras de poder e magia astral derivada de fontes árabes. Alguns desses elementos remontam ao paganismo greco-romano ou germânico, enquanto o exorcismo vem do mesmo culto cristão, embora enxertado da tradição judaica. Quanto à magia astral essa alcança a Europa Ocidental por meio do mundo árabe, juntamente com a disseminação de imagens astrológicas, círculos ou espelhos com incenso, mirra ou outras substâncias.

O círculo como um catalisador de poder remonta à antiga magia judaica e sua principal função era concentrar o poder do mago sobre os espíritos. Parece, então, que o propósito de proteger o mago dos espíritos é uma derivação, menos presente nos manuais mágicos medievais, embora seja o mais difundido por seus detratores e pela literatura. A magia judaica incluí a magia salomônica que analisaremos mais abaixo. A caracterização esotérica de Salomão tornou-se popular em algumas correntes literárias da antiguidade tardia derivadas do Judaísmo e Cristianismo.

Historicamente falando a Magia Salomônica deriva de uma tradição hermética-secreta transmitida desde Alexandria no Egito (século VII) através dos grimórios gregos de Bizantio (a Hygromanteia) aos manuscritos em latim da Clavicula Salomonis, e sua encarnação inglesa como a Chave de Salomão.

Os textos mágicos salomônicos dizem terem sido escritos por Salomão que o transmitiu para os seus sacerdotes. A tradição afirma que Salomão recebeu a revelação do conteúdo de seus textos diretamente de Deus. Rituais mágicos nessa tradição incluem orações aos anjos e instruções para o uso de círculos mágicos e sacrifícios para conjurar espíritos utilizando selos e instrumentos mágicos confeccionados por seus praticantes.

Por sua vez os textos ocultos árabes tiveram origem em fontes persas e, finalmente, indianas e, possivelmente, na comunidade sabeana de adoradores de estrelas em Ḥarrān, no norte da Mesopotâmia. Um ramo intelectual dos sabeanos foi estabelecido em Bagdá no século IX e incluía Thābit ibn Qurra, autor de vários textos mágicos de imagens traduzidos para o latim.

O conceito do mal

Além da doutrina e do ritual da Igreja Católica, a Nigromancia também se apoiava na Magia Neoplatônica (Teurgia), Islâmica e Judaica, que tinha conceitos diferentes dos demônios. É natural que os nigromantes incorporassem conceitos não-cristãos que pareciam mais úteis para sua arte.

O conceito do mal absoluto encarnado na figura do diabo nem sempre era prevalecente entre os adeptos da Nigromancia. Isto porque existia também a crença nos espíritos neutros, cuja existência as autoridades da Igreja negavam veementemente. A ideia de espíritos neutros veio essencialmente de uma demonologia alternativa baseada na crença greco-romana em daimones que são “seres do mundo espiritual” mais ligados ao ambiente terrestre que ao espiritual propriamente dito e podiam ser tanto maléficos como benéficos. Neste caso, o daemon grego se aproxima ao conceito de Gênio (Djin Árabe) pois são tanto bons como maus (indiferentes) e podem assumir as mais diversas formas.

Nos versos Áureos, tradicionalmente atribuídos a Pitágoras (522-497 a.C), a palavra (daemon) se encaixava numa hierarquia de poderes, possivelmente humanos, que deveriam ser louvados normalmente. Os antigos gregos entendiam os daemones como espíritos intermediários entre a humanidade e os deuses superiores, que podem exercer uma influência benéfica ou maléfica sobre o destino humano. Esses espíritos passaram a ocupar uma posição intermediária na hierarquia sobrenatural; posição esta, às vezes, um pouco parecida com a de um Deus menor e considerada capaz de intervir em todo aspecto da atividade humana, se assim quisesse ou fosse compelida a fazer. A crença popular considerava-os como espíritos guardiões e o próprio Sócrates, por exemplo, afirmava ser inspirado por um daimon pessoal.

De forma semelhante também existe um tipo de magia árabe, e provavelmente proveniente da tradição babilônica, que consiste na utilização dos djins (gênios) que não eram inteiramente bons nem inteiramente maus, em que se bem se parecem com a humanidade, pois são capazes de realizar qualquer tarefa a que sejam compelidos. Existem, é verdade, bons e maus gênios, machos e fêmeas. Aqueles a quem a tradição diz terem sido aprisionados por Salomão num vaso de bronze e atirados no mar eram quase todos maus. Mas alguns eram bons, e outros, indefinidos.

A associação da Magia com o mal, e com os demônios em particular, teve seu início no fim da Antigüidade, período no qual a cristandade iniciou um longo processo de demonização da Magia. A Magia passou a ser vista como obra exclusiva de demônios perversos e os magos e feiticeiros como seus servos. Entretanto, os pagãos não tinham horror à Magia, pois não associavam com o Diabo (ou com seus equivalentes pagãos – Seth, Ariman e outros). A crença em hordas de demônios perversos pode ser considerada uma reinterpretação da Magia Pagã pela nova religião (Cristianismo). Posteriormente, Miguel Psellos (século XI), de Constantinopla, criou uma "hierarquia demoníaca", de influência neoplatônica; a distribuição das hostes dos caídos se espelha no Paganismo (DAIMONS). Então, teremos os demônios sendo distribuídos pelos elementos (inclusive o Éter).

Quando o Cristianismo alcançou o poder com o imperador Constantino, a Magia assumiu rapidamente a natureza cristã. No início a Igreja não era contra a prática da Magia, mas com o tempo terminou colocando-a sob a jurisdição do Diabo. Para a Igreja, o poder da Magia se originava nos “demônios”, que eram, aos olhos dos primeiros padres cristãos, simples espíritos do mal chefiados por Satã. Essa noção do mal absoluto encarnado em uma figura satânica era estranho as crenças e as práticas gregas, egípcias e babilônicas, países tidos como intimamente ligados às origens da Magia. Para os pagãos todos os deuses tinham um lado bom e outro mau, sendo que ambos eram necessários ao equilíbrio natural.

Assim o conceito primitivo da palavra daemon afasta-se do atual conceito de demônio maligno da tradição cristã. Na verdade não havia uma posição dualista clara entre daemones bons e maus. Essa teoria permaneceu influente no início da cristandade, mas na Idade Média os demônios maus haviam substituído decisivamente os daemones ambivalentes, pelo menos no mundo cristão. A partir de então o conceito de ambivalência do termo daemon foi abolido e a palavra passou a ter o sentido de espírito do mal e, consequentemente, de demônio maligno. Uma figura que jamais contribuiria para o bem do homem, mas era isto sim, seu mais horrível inimigo. De agora em diante, as pessoas que buscavam ajuda espiritual segundo os antigos costumes, e através de Daemom, passaram a ser vistas como fatalmente iludidas, e suas práticas como a pior espécie de Magia.
Magia Hermética & Magia Salomônica

Atualmente, duas grandes correntes de magia medieval culta são freqüentemente distinguidas: Magia Salomônica, a arte de invocar e controlar espíritos por meio da aplicação de certas fórmulas descritas nos grimórios, e Magia Hermética das traduções grega e árabe-latina, que é baseada na invocação de imagens astrais (talismãs). Essas duas tendências podem ser identificadas com a divisão entre os dois personagens míticos (ou seja Salomão e Hermes) aos quais muitos textos apócrifos, de um e de outro, foram atribuídos."

No entanto, tal distinção torna-se turva quando vamos às fontes, já que em muitos escritos de Magia Salomônica as imagens astrais desempenham um papel crucial, enquanto os rituais não estão ausentes de muitos textos de Magia Hermética (também chamada de 'magia astral' para incluir obras não atribuídas especificamente a Hermes), já que suas operações também são dirigidas a seres sobrenaturais associados às estrelas. Além disso, os poderes espirituais dos textos mágicos talismânicos nem sempre se manifestam como entidades e, quando o fazem, as entidades nem sempre se decompõem perfeitamente em anjos e demônios como na Magia Salomônica.

Nós também encontramos vários livros e manuscritos de magia, nos quais ambos os gêneros se mesclam pois as liturgias mágicas são adaptáveis ​​a múltiplos usos, assim como as liturgias católicas normais. Além do mais embora as cosmologias da Magia Salomônica e Hermética aparecem superficialmente diferente eles muitas vezes se complementam. Os textos mágicos herméticos apresentam o universo como integrado por um teia harmoniosa de conexões entre os mundos celestial e físico e descrevem como o praticante deve reunir coisas com naturezas correspondentes em seu ritual - espíritos, nomes, imagens, orações, horários, locais e materiais - para que a energia possa ser transferida dos corpos superiores para os inferiores e ser intensificado pela harmonia de todas as partes do corpo. Já o praticante da Magia Salomônica deve dominar os espíritos através do conhecimento de seus nomes, que ele costumava conjurar para estarem presentes e obedecê-lo. Mas ambos herméticos e textos salomônicos enfatizaram que o sucesso das operações mágicas dependia da vontade de Deus.

Estudantes modernos de ocultismo muitas vezes criticam o sistema de Magia Salomônica por considerá-lo “sujo e pesado” além de, na maioria das vezes, focado em questões puramente materiais, algo indigno de atenção para um verdadeiro estudioso da “elevada” filosofia Hermética. Entretanto o Hermetismo foi o veículo, desde a antiguidade, de um sistema de Magia Astral que muitas vezes foi considerada mais deplorável porque as orações, invocações e fumigações oferecidas aos espíritos planetários pareciam expressar um culto à idolatria planetária. Isso não era aceito pela Igreja que alertava aos seus fiéis que não deveriam adorar qualquer coisa ou pessoa além do único e Supremo Deus Trino.

Embora os textos mágicos medievais não incentivassem explicitamente o mago a adorar os planetas, não é difícil ver como essa suspeita surgiu. Por exemplo, o Picatrix fornece orações mágicas aos planetas e descreve quais animais são apropriados para sacrificar a eles. O sacrifício ritual de um animal antes de invocar os Espíritos de um planeta também faz parte das instruções para falar com os Espíritos de Mercúrio em um texto mágico produzido na corte de Alfonso X, o Livro de Astromagia (Livro de Magia Astral, c.1280 -1). Na imagem que acompanha as instruções para obter um anel mágico desses espíritos, o praticante se ajoelha ao lado de uma cabra que ele sacrificou e recebe um anel mágico de um anjo que é acompanhado por um cavalo. Um compartimento menor à esquerda da imagem maior representa Mercúrio como um homem montado em um pavão e o signo do zodíaco Leão, sob o qual a oração e o sacrifício foram feitos.

Os Livros Negros

Os livros com que os nigromantes estudavam, e se formavam, receberam o nome de grimórios ou “livros negros”. São livros de fórmulas mágicas, feitiços e rituais usados pelos antigos feiticeiros. Vários são conhecidos como o Livro da Magia Sagrada de Abra-Melin, O Grimório do Papa Honório (ou Liber Iuratus ), A Clavícula de Salomão, O Picatrix, O Livro de São Cipriano, Liber Razielis, Lemegeton (ou Pequena Chave de Salomão) etc. A origem desta “literatura” é, com efeito, ancestral, e se tem notícias da mesma desde a Alta Idade Média. A origem dos primeiros livros contendo ritos nigromânticos é meio obscura e até duvidosa. Até hoje ninguém conseguiu provas que confirmem que eles foram escritos na época que dizem terem sido, e pelas pessoas que os supostamente os assinam. Nesse rol de autores encontramos o mítico Rei Salomão, o Mago Abramellin, o Papa Honório e São Cipriano. Eles provavelmente são reminicências de manuscritos, ou até mesmo de outros livros, e de tradições orais que tem suas raízes na antiguidade tardia.

Os objetivos perseguidos pelos grimórios são basicamente influenciar as mentes, inclinações e os desejos dos outros (sejam eles pessoas, animais ou espíritos para que faça ou pare de fazer algo), atuar ou agir sobre a natureza física das pessoas e animais para fazer o bem ou o mal, influenciar os elementos do tempo ou alterar estados e eventos incertos e, finalmente, criar ilusões, descobrir segredos ou “ver” fatos do passado, presente ou futuro. A ambigüidade, flexibilidade e utilidade variada de tais “livros negros” contribuem para o seu interesse ainda nos dias de hoje.

O apelo dos textos mágicos, sem dúvida, residia na acessibilidade de suas cosmologias. Considerando que, para os teólogos medievais, o conhecimento preciso dos reinos e espíritos celestes, e dos meios para os humanos aproveitarem seu poder, era inapropriado e perigoso, expressando o que estava além do alcance dos homens e do Universo cristão, bem mais limitado. Já os textos mágicos povoavam o Universo com uma série de espíritos nomeados, com papéis cosmológicos particulares e habitações espaciais e temporais. Embora se acreditasse que existia um grande número de anjos - Agostinho havia postado um anjo para todas as coisas visíveis no mundo - a maioria desses anjos era deliberadamente sem nome nas principais fontes religiosas. Mas nos textos mágicos os espíritos eram designados ao ar, ventos, mar, terra e fogo, e aos corpos celestes de vários céus e partes dos céus. Da mesma forma, os dias, horas e estações do ano e seus nomes, características e poderes foram descritos para que o praticante de Magia pudesse usar esse conhecimento para chamar os espíritos, ou ordená-los a ajudá-lo. Por exemplo, Ascymor, um anjo de Marte, aparece em vários textos mágicos com origens principalmente judaicas que foram compilados sob o patrocínio de Alfonso X, rei de Castela. Ele era um anjo útil para invocar quando alguém queria inspirar amor e paixão entre duas pessoas, obter graça e amor de todos os homens ou falar com a lua e as estrelas, os mortos e os demônios.

Salomão, o Nigromante

Ainda que a maior parte dos grimórios remonte ao fim da Idade Média e início do Renascimento nós sabemos pela análise de seus conteúdos que as informações neles contidas são muito mais antigas. É o caso de uma série de textos mágicos que, dizem, representam a Magia Salomônica ou que “foram escritos” pelo Rei Salomão. O mais famoso é conhecido como “A Chave Maior de Salomão” ou “Clavícula de Salomão”.

A Magia de Salomão está intimamente ligada a Magia hebraica e babilonesa. Alguns estudiosos acreditam que o sistema originou-se com os judeus no período denominado de “Cativeiro da Babilônia” e após alcançar a Idade Média sofreu um processo de sincretismo cristão da doutrina de anjos e demônios. Uma das inúmeras edições da Chave nos diz como este livro foi enterrado com Salomão em seu túmulo e depois levado para a Babilônia por um príncipe desse país. “Todas as coisas criadas devem obedecer aos seus segredos”.

Salomão era famoso pela sua grande sabedoria e pelas lendas que contam que ele controlava vastas ordens de espíritos e Djînn. Provas circunstanciais demonstram que a Chave de Salomão realmente existiu, em uma forma ou outra, desde a antiguidade mais remota. Segundo os historiadores do assunto, e ao contrário do que seu título sugere, este livro não foi escrito pelo Rei Salomão. Supõe-se que Salomão tenha nascido em 1033 anos antes de Cristo. A maioria dos manuscritos originais é em francês e latim e datam dos séculos XVI e XVII d.C, entretanto há uma versão em grego do século XV d.C.

Mas precisamos recuar muito mais no tempo, em busca de provas de que a Chave ou algo muito parecido com ela, exista provavelmente há mais de dois mil anos. O historiador judeu do primeiro século, Flávio Josefo, conta como um exorcista chamado Eleazar expulsa na frente do imperador Vespasiano os demônios que possuíam um homem:

“meteu no nariz do possesso um anel que levava dentro uma das raízes prescritas por Salomão. Logo que o homem respirou o perfume, expulsou o demônio pelo nariz. O homem, então, desmoronou e o exorcista adjurou o demônio para nunca mais voltar. Invocava para isso o nome de Salomão e recitava os encantamentos que ele prescrevera.”

Antiguidade Tardia (cerca de 284—750).

Mesmo no fim da Antiguidade Clássica existiu um manuscrito de magia semelhante à Chave denominado“o Testamento de Salomão”, um antigo manuscrito pseudepigráfico, escrito em grego, atribuído supostamente ao Rei Salomão, no qual ele discorre sobre os demônios que teria subjugado com o poder de um anel dado pelo arcanjo Miguel e colocado a serviço da construção do grande Templo dedicado a Jeová. A datação do texto é incerta, mas provavelmente foi escrito entre os séculos I e III d.C.

Segundo esta obra, através de artes mágicas (ou milagres, ou o que lhe queiram chamar) o Rei Salomão capturou diversos demônios, com os quais construiu o famoso Templo de Jerusalém. A versão grega do Testamento de Salomão provavelmente foi escrita no Séc. 300-400 d.C., mas deve ser o resultado de várias traduções, tendo sua origem no mundo judaico. Com toda certeza, já existia e era conhecido no tempo de Jesus, mesmo que posteriormente tenha sofrido acréscimos cristãos.

O pesquisador Charlton Mc Cown afirma que as fórmulas e receitas mágicas do Testamento de Salomão o associam aos papiros mágicos gregos (PGM) que analisaremos depois. Ele identificou as principais idéias desse documento; isto é, demonologia, astrologia, angeologia, magia e medicina. Em outro documento conhecido como “Sabedoria de Salomão”, composto no primeiro século a.C, Salomão é retratado como o maior ocultista de sua época: estudou astrologia, magia das plantas, demonologia, adivinhação, mas também physika, ciência natural.

Os nigromantes medievais praticavam a Magia Salomônica com objetivo de dominar os demônios que, segundo lenda, haviam participado da construção do Templo de Salomão. Ainda que a maioria das pessoas acredite que a Magia Salomônica trabalhe exclusivamente com demônios estes estavam sempre subordinados aos anjos e, muitas vezes, o contato com os anjos era procurado diretamente. Textos conjurando anjos são geralmente orientados para a busca de conhecimento, seja local (por exemplo, recuperação de bens roubados), global (por exemplo, as artes liberais e filosofia), ou simplesmente busca do êxtase e da profecia.

O estudo das correntes de transmissão dos textos manuscritos de Magia Salomônica coloca problemas específicos, principalmente devido à destruição que afetou os primeiros manuscritos. Sabemos hoje que essa forma de magia é muito antiga, mesmo se os famosos manuscritos citados são do século XI ou mais tarde ainda. A Tradição Mágica Salomônica foi transmitida ao Ocidente Latino por gregos, judeus, árabes, bizantinos - o que estabelece suas raízes na antiguidade tardia e mesmo além.

Nigromancia Greco-Romana

Estudiosos ocultistas apontam para o fato que a origem mais remota do nigromante medieval pode ser rastreada até seu equivalente no mundo antigo. Falamos dos sacerdotes escribas dos papiros mágicos gregos (Papyri Graecae Magicae) do Egito helenístico, o produto de uma longa tradição transmitida através de várias civilizações antigas. Esses feiticeiros profissionais do mundo greco-romano tinham a fama de possuírem visão profética e de serem capazes de afetar a realidade por intermédio de sua compreensão do mundo dos daemons.

No mundo antigo, a maioria das pessoas olhava para o universo e o via habitado por seres invisíveis que, embora transcendentes no sentido da impossibilidade, via de regra, de não serem vistos ou tocados, sua presença interferia no mundo e na vida visível dos humanos. Segundo Elaine Pagels, os antigos egípcios, gregos e romanos imaginavam deuses, deusas e seres espirituais de diversos tipos, enquanto alguns judeus e cristãos, monoteístas ostensivos, falavam cada vez mais em anjos, mensageiros celestiais de Deus, e alguns até em anjos decaídos.

O repertório da magia antiga era uma mescla de diferentes culturas e incluía fórmulas persas, egípcias e hebraicas. As fórmulas desses papiros atende a todo tipo de desejo humano: cura de doenças, adquirir riquezas, poder e fama, ter sucesso no amor, descobrir um ladrão, ser aceito na corte, desvelar o futuro, separar casais, prejudicar e até mesmo matar um inimigo.

Na verdade, muitos dos chamados papiros mágicos não são mais que textos religiosos pagãos, não sendo possível separar rituais de “magia” daquilo que pode ser denominado “religião”, em um contexto antigo. Nos papiros mágicos a cultura da magia fundia-se quase que totalmente com a prática religiosa comum pois, como observa Gager, o mundo antigo era “povoado” com todos os tipos de seres sobrenaturais de diferentes ordens, e a maioria dos homens não teria pensado em dividir nas categorias “religioso” e “mágico”. O sincretismo religioso helenístico dos papiros mágicos incluía invocações a deuses gregos, como Toth (também identificado como Hermes); Osíris (governante do mundo subterrâneo) e Set (normalmente identificado com o grego Tífon); deuses e poderes judaicos, como Iao (=Yahweh como Jeová), Adonai e querubins; outras deidades do Oriente Próximo, como Isthar, da Babilônia.

As fórmulas e rituais dos receituários de magia greco-egípcia parecem derivar de antigos cultos esquecidos ou deliberadamente abolidos que chegaram a Magna Graecia ainda no período pré-histórico via Tessália, local que reza a lenda ocorreu a batalha entre os Titãs e os Deuses Olímpicos. Um antigo comentário de Eurípedes fala dos feiticeiros da Tessália (goetes), chamados de “condutores de espíritos” (psychagogoi), cuja habilidade consiste em ser capaz de enviar espíritos para atacar pessoas e também mandá-los de volta aos túmulos. Os tessalianos herdaram a Magia dos Persas. Devemos nos lembrar que os persas invadiram a Babilônia e dominaram todo o território da Mesopotâmia, portanto eram herdeiros da magia dos caldeus, povo semita de origem árabe, que ocupou o território correspondente à Mesopotâmia meridional.

Com a desintegração do Império Romano do Ocidente no século V (em 476 d.C) a Nigromancia Greco-Romana, ganhou uma sobre-vida no Império Bizantino que foi a continuação do Império Romano na Antiguidade Tardia e Idade Média.

A Magia Astral ou Magia Hermética tem raízes neoplatônica e árabe sendo desenvolvida pelos magos renascentistas Giovanni Pico della Mirandola e Marsilio Ficino e tornou-se popular no norte da Europa, principalmente Inglaterra, por Heinrich Cornelius Agrippa. Esse estilo de Magia era fortemente influenciado pela corrente literária proveniente de Bizâncio. O domínio bizantino era efetivamente a parte oriental do Império Romano centrada em Bizâncio (Constantinopla, Istambul moderna) que se separou do Ocidente latino em 364 dC. Seus legados intelectuais ajudaram a estabelecer as bases para a Renascença italiana: foi a queda de Constantinopla, em 1453, que libertou uma maré de estudiosos da leitura grega para a Europa Ocidental, particularmente Veneza. Com eles veio muito do conhecimento mágico e hermético que os gregos, por sua vez, herdaram dos egípcios. A Chave de Salomão (original) foi um desses textos.