quarta-feira, 5 de setembro de 2018

Os três destinos (Annie Besant)


“Deus criou o homem à sua própria imagem”, diz uma Escritura Hebraica, e as Trindades das grandes religiões são os símbolos dos três aspectos da consciência divina refletida na triplicidade do ser humano. O Primeiro Logos dos teosofistas, o Mahadeva dos hindus, o Pai do Cristão, têm a Vontade como característica predominante, e ela faz sentir o poder da soberania, a Lei pela qual o universo é construído. O Segundo Logos, Vishnu, o Filho, é Sabedoria, poder que tudo sustenta e tudo permeia e pelo qual o universo é preservado. O Terceiro Logos, Brahman, o Espírito Santo, é o Agente, o poder criador, pelo qual o universo é levado à manifestação. Nada existe na consciência divina ou humana que não se encontre dentro de uma dessas formas de Autoexpressão. 
Repetindo: a matéria tem três qualidades fundamentais, que correspondem, separadamente, a cada uma dessas formas de consciência. Sem elas, a matéria não poderia se manifestar, assim como a consciência não poderia se expressar. Ela tem inércia (tamas), o fundamento de tudo, a estabilidade necessária à existência, a qualidade que corresponde à Vontade. Tem mobilidade (rajas), a capacidade de ser movida que corresponde à Atividade. Tem ritmo (sattva), o equalizador do movimento (sem o qual o movimento seria caótico, destrutivo), que corresponde à Cognição. O sistema Ioga, considerando tudo do ponto de vista da consciência, chama a essa qualidade rítmica “cognoscibilidade”, que leva essa matéria a ser conhecida como Espírito. 
Tudo isso está na nossa consciência, afetando o ambiente, e todo o ambiente afeta a nossa consciência, constrói o nosso mundo. A inter-relação entre a nossa consciência e o nosso ambiente é o nosso karma. Com essas três formas de consciência, tecemos nosso karma individual, a inter-relação universal entre o Eu superior e o Não Eu superior, especializada por nós nessa inter-relação individual. 
Quando nos erguemos acima da separatividade, o individual torna-se de novo a inter-relação universal, mas essa inter-relação universal não pode ser transcendente enquanto durar a manifestação. Essa especialização do universal e a posterior universalização do especial constroem os “eternos caminhos do mundo”: a Trilha do Atual, para ganhar experiência; a Trilha do Retorno, trazendo para casa feixes de experiências. Essa é a Grande Roda da Evolução, tão inflexível quando observada do ponto de vista da matéria e tão bela quando observada do ponto de vista do Espírito. “A vida não é um grito, é uma canção.” 

A compreensão da verdade (Annie Besant)


Isso parece óbvio. De onde, então, surge o instinto geral de que a bondade, na vida, deve ser seguida de sucesso? Podemos combater um erro com êxito apenasquando compreendemos a verdade que está no cerne desse erro, dando-lhe vitalidade e levando-o à sua expansão e persistência. A verdade, nesse caso, é que, colocando-se de acordo com a lei divina, o homem terá a felicidade, como resultado dessa harmonia. O erro está em identificar o sucesso mundano com a felicidade, pondo de lado o elemento tempo. Um homem que vai entrar no ramo dos negócios resolve ser honesto, resolve não procurar tirar vantagens injustas dos outros. Ele vê os que são desleais e inescrupulosos passarem à sua frente; se for fraco, sentir-se-á desencorajado e, talvez, se resolva a imitá-los. Se for forte, dirá: “Trabalharei em harmonia com a lei divina, não importa quais sejam os resultados terrenos.” Daí por diante, a paz interior e a felicidade estarão com ele, mas ele não terá sucesso. Apesar disso, com o correr do tempo, até isso pode acontecer com ele, porque o que ele perde em dinheiro ganha em confiança, entretanto o homem que trai uma vez, pode trair novamente a qualquer tempo, e ninguém mais confiará nele. Numa sociedade competitiva, a falta de escrúpulos traz sucesso imediato, enquanto numa sociedade cooperativa a consciência “valerá a pena”. Dar salários de fome aos trabalhadores forçados pela competição a aceitá-lo pode levar a um sucesso imediato sobre os rivais nos negócios, e o homem que paga salários decentes para os empregados pode ver-se ultrapassado na corrida para a riqueza, mas com o tempo terá melhor rendimento de trabalho e, no futuro, contará com uma colheita de felicidade, pois para isso lançou a semente. Temos de decidir sobre a nossa conduta e aceitar seus resultados, sem reconhecer nem o dinheiro, nem a injustiça como pagamento da bondade, enquanto a astúcia inescrupulosa obtém aquilo que busca. 
Uma história hindu, instrutiva, se não agradável, fala sobre um homem que tinha prejudicado a outro. O prejudicado foi pedir justiça ao rei. Quando lhe foi dito que ele próprio deveria escolher a punição a ser dada ao seu inimigo, o homem pediu ao rei que enriquecesse aquele que o prejudicara. Quando lhe perguntaram a razão do seu estranho comportamento, com um riso sardônico ele disse que a fortuna e a prosperidade terrena dariam àquele homem a oportunidade de fazer o mal, e assim acarretariam para ele amargo sofrimento na vida após a morte. O pior inimigo da virtude costuma ser uma situação material folgada, e essa situação, que é vista como um bom karma, muitas vezes é, ao contrário, um mau karma em seus resultados. Muitas pessoas que vivem razoavelmente na adversidade, desmandam-se na prosperidade, e se intoxicam com os deleites terrenos. 
Vamos considerar de que forma um homem afeta o seu ambiente, ou, para usar uma frase científica, de que forma um organismo atua no seu ambiente. 
O homem afeta o seu ambiente de inúmeras maneiras, que podem, todas, ser classificadas em três formas de autoexpressão: afeta-o pela Vontade, pelo Pensamento e pela Ação. 
O homem evoluído tem a possibilidade de reunir energias e de fundi-las numa única, pronta para destacar-se dele e causar ação. Essa concentração das suas energias numa força única, mantida em suspenso no seu interior, presa e pronta para extroverter-se, é a Vontade, que é uma concentração interior, uma forma da tríplice autoexpressão. Nos reinos subumanos e nas divisões mais inferiores do humano, os objetos que dão prazer e os que infligem dores em torno da criatura viva sugam suas energias, e chamamos essas energias multifárias, vindas à tona pelos objetos externos, de seus desejos, sejam de atração ou de repulsão. Só quando todas essas energias são atraídas, unidas e dirigem sua mira para um único fim é que podemos chamar essa energia, pronta para manifestar-se, de Vontade. Essa Vontade é a Autoexpressão, isto é, a expressão dirigida pelo Eu superior. 
O Eu superior determina a linha a ser tomada, baseando sua determinação na experiência própria. Nos mundos humanos, sejam subumanos, sejam inferiores, os desejos são fatores importantes do karma, dando nascimento aos resultados mais variados; no mundo superior, a Vontade é a causa kármica mais vigorosa e, à medida que o homem transforma desejos em Vontade, ele “governa as estrelas”. 
A forma de Autoexpressão chamada Pensamento pertence ao aspecto do Eu superior pelo qual o homem se torna ciente do mundo exterior, o aspecto da Cognição. Com ele, o homem obtém conhecimento, e a atuação do Eu superior sobre o conhecimento obtido e o Pensamento. Isso, repito, é um importante fator no karma, pois é criativo, e, como sabemos, constrói o caráter. 
A forma de Autoexpressão que afeta diretamente o ambiente, a energia que emana do Eu superior, é Atividade, a ação do Eu superior sobre o Não Eu superior. 
O poder de concentrar todas as energias numa só Vontade, o poder de se tornar ciente do mundo exterior é a Cognição; o poder de afetar o mundo exterior é a Atividade. Essa atividade, ou ação, é inevitavelmente seguida por uma reação vinda do mundo exterior – o karma. A causa interior da reação é a Vontade; a natureza da reação é devida à Cognição; o provocador imediato da reação é a Atividade. Essas três coisas tecem os fios da corrente kármica. 

O homem nos três mundos (Annie Besant)


O homem, como sabemos, vive normalmente em três mundos: o físico, o emocional e o mental, e é colocado em contato com cada um desses mundos através de um corpo fornecido por esse tipo de matéria. E atua em cada um desses mundos por meio de um corpo apropriado. Portanto, ele cria resultados em cada um desses corpos, de acordo com as respectivas leis e poderes, e todos eles estão dentro dos limites da lei do karma que tudo abrange. Durante sua vida diária, quando acordado, o homem está criando “karma”, isto é, resultados, nesses três mundos, a que chega pela ação, pelo desejo e pelo pensamento. Quando seu corpo físico está adormecido, o homem está criando karma em dois mundos – o emocional e o mental – e a quantidade de karma então criado por ele depende do estágio de sua evolução. 
Podemos nos restringir a esses três mundos, porque os que estão acima deles não são habitados conscientemente pelo homem comum; mas devemos, apesar disso, lembrarmo-nos de que somos como árvores, cujas raízes estão fixadas em mundos mais altos e cujos galhos espalham-se para os mundos inferiores em que vivem os nossos corpos mortais, e nos quais nosso discernimento está trabalhando. 
As leis trabalham dentro de seus próprios mundos, e devem ser estudadas como se sua atuação fosse independente. Tal como cada ciência estuda as leis que funcionam dentro do seu departamento, mas não esquece o trabalho mais amplo de condições de maior alcance, o homem, quando está trabalhando em três departamentos – o físico, o emocional e o mental – lembra-se da extensão da lei que inclui todos eles dentro da sua área de atividade. Em todos os departamentos as leis são invioláveis, imutáveis, e cada uma delas produz seus efeitos totais, embora o resultado final da sua interação seja a força eficiente que permanece quando todo o equilíbrio de forças opositoras foi alcançado. Tudo quanto é verdade no que se refere às leis em geral é verdade para o karma, a grande lei. Estando pre- sente a causa, os acontecimentos devem seguir-se. Retirando ou acrescentando causas, entretanto, eles podem modificar-se. 
Uma pessoa se embriaga. Acaso poderá dizer: “Meu karma é embriagar-me”? 
Essa pessoa embriagase devido a certas tendências que tem, por causa da presença de companheiros libertinos e graças a um ambiente onde a bebida é vendida. Suponhamos que essa pessoa deseje dominar esse hábito pernicioso. Ela conhece as três condições que a levaram à embriaguez. Pode dizer: “Não sou forte o bastante para resistir às minhas tendências quando estou na presença da bebida e na companhia de libertinos. Não irei mais a lugares onde há bebidas, nem andarei mais com homens que me estimulem a beber.” Ela muda as condições, eliminando duas delas, embora não consiga eliminar imediatamente a terceira, e o novo resultado é que ela não se embriaga mais. Ela não estará “interferindo em seu karma”, mas confiando nele, e um amigo seu estará “interferindo no karma dela” se a convencer a se manter distante de companheiros de farra. Não há ordem kármica para que um homem se embriague; o que existe é apenas a presença de certas condições em cujo meio ele certamente irá embriagar-se. Há, na verdade, uma outra forma de modificar essas condições: o desenvolvimento de uma vigorosa força de vontade. Isso também introduz uma condição nova, que modificará o resultado – por adição, e não por eliminação. 
No único sentido em que um homem pode “interferir” com as leis da natureza ele tem completa liberdade para fazer isso, tanto quanto quiser e puder. Ele pode inibir a gravidade através de um esforço muscular. Nesse sentido, ele pode interferir no karma tanto quanto quiser, e deve interferir quando os resultados forem contestáveis. Esta expressão, entretanto, não é feliz, sendo possível que seja mal compreendida. 
A lei é a seguinte: determinadas causas trazem determinados resultados. A lei é imutável, mas o jogo dos fenômenos está sempre mudando. A causa mais poderosa entre todas as causas é a vontade e a razão humanas, que, apesar disso, são omitidas, na maior parte das vezes, quando as pessoas falam em karma. Nós somos causas, porque somos a vontade divina, unos com Deus no nosso ser essencial, embora prejudicados pela ignorância e trabalhando através de matéria grosseira, que emperra a nossa ação, até que consigamos conquistá-la e espiritualizá-la. A imutabilidade do karma não é a imutabilidade dos efeitos, mas da lei, e é isso que nos torna livres. Seríamos escravos de verdade num mundo onde tudo acontece por acaso. Nossa liberdade e segurança dependem do conhecimento que temos desse mundo regido por leis. Na Idade Média, os alquimistas de forma alguma eram livres para chegar aos resultados que desejavam, mas tinham de aceitar os resultados como quer que viessem, imprevistos e, na maioria deles, indesejados, mesmo que isso representasse os seus mais sérios prejuízos. 
O resultado da experiência poderia ser um produto útil, ou reduzir o experimentador a fragmentos. Roger Bacon colocou em ação causas que lhe custaram um olho e um dedo, e, em certa ocasião, essas causas atiraram-no ao chão da sua cela, desacordado. Fora daquilo que conhecemos estamos sempre em perigo, e qualquer causa que ponhamos em ação pode nos desgraçar, porque, a maioria de nós, nos mundos mental e moral, somos Rogers Bacons. Dentro do nosso conhecimento podemos ter movimentos livres e seguros, tal como os bem treinados químicos modernos. Em todos os três mundos nos quais vivemos é igual- mente verdade que, quanto mais sabemos, mais podemos prever e controlar. Visto que a lei é inviolável e imutável, o conhecimento é uma condição indispensável para a liberdade. Estudemos, então, o karma, e usemos o nosso conhecimento na orientação da nossa vida. São muitas as pessoas que dizem: “Oh! Como eu gostaria de ser boa!”, e não usam a lei para criar as causas que têm como resultado a bondade. É como se um químico dissesse: “Oh! Como eu desejo ter água!”, e não fosse em busca das condições que produzissem essa água tão desejada. 
Devemos recordar, novamente, que cada força atua em sua linha específica, e que quando certo número de forças se intrometem num ponto específico, a força resultante é a consequência de todas elas. Em nossos dias de escola, aprendemos como se constrói um paralelograma de forças e assim descobrimos a resultante da sua composição; o mesmo se dá com o karma, quando podemos entender o conflito de forças e sua composição para obter um único resultado. Ouvimos pessoas perguntando por que um homem bom fracassa nos negócios, enquanto um mau homem obtém sucesso. Não há, entretanto, uma conexão causal entre bondade e ganho de dinheiro. Bem, poderíamos dizer: “Sou um homem muito bom, por que não posso voar pelos ares?” A bondade não é causa para o voo, nem para trazer dinheiro. Tennyson tocou numa grande lei, em seu poema “Salário”, quando declarou que o salário da virtude não era o “pó”, nem o repouso, nem o prazer, mas a glória de uma imortalidade ativa. “A virtude é a sua própria recompensa”, no mais alto sentido dessas palavras. Se você for autêntico, sua recompensa está no fato de a sua natureza tornarse mais verdadeira; isso acontece, sucessivamente, com cada virtude. Os resultados kármicos só podem ser da mesma natureza das suas causas. Eles não são arbitrários, como as recompensas humanas. 

O karma não esmaga (Annie Besant)


O karma é a grande lei da natureza, com tudo o que isso implica. Assim como podemos nos mover no universo físico com segurança, conhecendo suas leis, também podemos nos mover nos universos mental e moral com segurança, na medida em que aprendermos as suas leis. No que se refere aos seus defeitos morais mentais, a maioria das pessoas está de fato na posição do homem que desiste de subir escadas por causa da lei da gravidade. Elas se sentam, impotentes, e dizem: “Essa é a minha natureza. Não posso evitá-la.” Na verdade, essa é a natureza do homem, a que ele criou no passado, e que representa o “seu karma”. 
Com o conhecimento do karma, entretanto, o homem pode modificar a sua natureza, tornando-a, amanhã, diferente do que é hoje. Ele não está preso a um destino inevitável, imposto de fora; ele vive num mundo sujeito a determinadas leis, repleto de forças naturais que ele pode utilizar para alcançar o estado de coisas que deseja ter. Conhecimento e vontade – eis do que esse homem precisa. Ele precisa compreender que o karma não é uma força que esmaga, mas a manifestação de condições a partir das quais os resultados crescem. Enquanto ele viver descuidadamente, de uma forma leviana, será como um homem boiando num regato, batido por qualquer tronco que passe, empurrado por qualquer sopro casual de vento, apanhado por qualquer remoinho inesperado. Isso significa fracasso, desgosto, infelicidade. A lei dá-lhe possibilidade de alcançar com sucesso os seus fins, e coloca ao seu alcance forças das quais pode se utilizar. Ele pode modificar, mudar, refazer em outras linhas a natureza do que é inevitável, resultado de seus desejos anteriores, de seus pensamentos e ações: essa natureza futura é tão inevitável quanto a presente, sendo o resultado das condições que esse homem prepara agora, deliberadamente. “O hábito é uma segunda natureza”, diz o provérbio, e o pensamento cria hábitos. Onde existe a Lei nenhuma realização é impossível, e o karma é a garantia da evolução do homem rumo à perfeição mental e moral. 
Precisamos, agora, aplicar essa lei à vida humana comum, aplicar o princípio à prática. A perda da relação clara entre os princípios eternos e os acontecimentos transitórios foi o que tornou a religião moderna tão inoperante na vida comum. 
Um homem limpará seu quintal quando compreender a relação entre a sujeira e a doença; mas deixa seu quintal mental e moral sem limpeza, porque não vê a relação entre seus defeitos morais e mentais e as terríveis experiências do apósmorte com que as religiões o ameaçam. Por isso, ou ele não acredita nas ameaças e segue descuidadamente seu caminho, ou espera fugir às consequências fazendo um pacto artificial com as autoridades. Em ambos os casos, ele não limpa o caminho. Quando compreender que a lei é tão inviolável nos mundos mental e moral como no mundo físico, é possível esperar-se que ele se torne razoável nos primeiros dois mundos, como já é no último deles. 

Uma lição da lei (Annie Besant)


Essa é a grande lição ensinada pela ciência à atual geração. De há muito, muito tempo, as religiões ensinaram isso dogmaticamente mais do que racionalmente. A ciência prova que o conhecimento é a condição da liberdade e que só quando o homem tiver conhecimento é que poderá se impor. O homem de ciência observa as sequências. Realiza repetidamente os testes da sua experiência e elimina tudo o que é casual, colateral, irrelevante. E devagar, com segurança, descobre o que constitui uma invariável sequência causativa. Uma vez seguro dos fatos, age com certeza indubitável, e a natureza, sem sombra de recuo, recompensa com o sucesso a racionalidade da sua segurança. 
Dessa segurança nasce a “sublime paciência do pesquisador”. Luther Burbank, na Califórnia, semeará milhões de sementes, selecionará alguns milhares de plantas, cruzará algumas delas, e assim marchará, pacientemente, para os seus fins. Ele pode confiar nas leis da natureza, e, se falhar, saberá que o erro partiu dele, não delas. 
Há uma lei da natureza que dá às massas de matéria a tendência de mover-se na direção da terra. Deveria eu dizer, então: “Não posso subir escadas? Não posso voar no ar?” Não. Há outras leis. Eu oponho à força que me prende ao chão uma outra força armazenada em meus músculos, e, por esse meio, levanto o meu corpo. Uma pessoa cujos músculos estejam enfraquecidos pela febre pode ter de ficar no chão, indefesa. Eu, porém, rompo essa lei, conclamo a força muscular e subo as escadas. 
A inviolabilidade da Lei não retém – a Lei liberta. Ela torna a Ciência possível e racionaliza o esforço humano. Num universo sem lei, o esforço seria vão, a razão seria inútil. Seríamos selvagens, tremendo sob o aperto de forças estranhas, incalculáveis, terríveis. Imagine-se um químico num laboratório onde o hidrogênio é agora inerte, mas logo mais se tornará explosivo, em que o oxigênio proporciona vida hoje e sufoca amanhã! Num universo sem lei não ousaríamos fazer um só movimento, pois não saberíamos qual seria a ação que ele iria provocar. Nós nos movemos com segurança, é verdade, porque contamos com a inviolabilidade da lei. 

A meditação prática (Annie Besant)


Toda a teoria da meditação está apoiada sobre essas leis do pensamento, pois meditação nada mais é que o pensamento deliberado e persistente dirigido a um alvo específico, sendo, assim, uma poderosa causa kármica. Usando o conhecimento e o pensamento para modificar o caráter, você pode obter, rapidamente, o sucesso desejado. Se nasceu covarde, pode pensar em si próprio como um homem corajoso; se nasceu desonesto, pode pensar em si próprio como honesto; se nasceu mentiroso, pode pensar em si próprio como verdadeiro. Tenha confiança em si mesmo e na lei. Há um outro ponto que você não deve esquecer. O pensamento concreto encontra sua realização na ação, e se você não traduzir em ação o seu pensamento, por reação natural, estará enfraquecendo-o. 
Na linha do pensamento, uma ação persistente deve seguir-se a ele; de outro modo o progresso será lento. 
Compreenda então que, embora você não possa evitar o caráter com que nasceu, e apesar de isso ser um fato que deve influenciar profundamente o seu destino presente, marcando a sua linha de atividade nesta vida, ainda assim você pode, pelo pensamento e pela ação nele baseada, modificar esse caráter inato, eliminar as suas fraquezas, suprimir as suas falhas, fortalecer as suas boas qualidades e ampliar a sua capacidade. Você nasceu com determinado caráter, mas pode mudá-lo. O conhecimento lhe é oferecido como forma de fazer essa mudança, e cada qual deve levar esse conhecimento à prática por si mesmo. 

Pensamento, o construtor (Annie Besant)


O pensamento trabalha sobre a matéria. Cada mudança de conscientização é recompensada com uma vibração da matéria, e uma mudança semelhante, embora frequentemente repetida, traz vibração idêntica. Essa vibração é mais forte na matéria que está mais próxima de nós, e a matéria que está mais próxima de nós é a do nosso corpo mental. Se você repetir um pensamento, ele repete a vibração correspondente e, assim, quando a matéria tiver vibrado de uma forma particular uma vez, é mais fácil para ela vibrar de novo do mesmo modo do que uma forma nova; e quanto mais você repetir esse pensamento, com maior presteza terá a resposta vibratória. Dentro em breve, depois de muita repetição, a tendência estará instalada na matéria do seu corpo mental, para repetir automaticamente, por conta própria, essa vibração. Quando isso acontece – já que na conscientização a vibração da matéria e a do pensamento estão inseparavelmente ligadas – o pensamento aparece na mente sem qualquer atividade prévia por parte da consciência. 
Desde que você pensou em alguma coisa – uma virtude, uma emoção, um desejo – e, deliberadamente, chegou à conclusão de que é uma coisa desejável possuir essa virtude, sentir essa emoção ou ser movido por esse desejo, você, serenamente, põe-se a trabalhar no sentido de criar o hábito de pensar. 
Você pensa nisso de propósito todas as manhãs, durante uns poucos minutos, e logo observa que o pensamento nasce em você espontaneamente (consequência da referida atividade automática da matéria). Você persiste na criação do pensamento, até ter formado um vigoroso hábito de pensar, hábito que só pode ser transformado por um processo igualmente longo de pensar no sentido oposto. 
Mesmo contra a oposição da vontade, o pensamento retorna à mente – como várias pessoas percebem quando não conseguem dormir em consequência da volta involuntária de pensamentos importunos. Se você estabeleceu o hábito, digamos, da honestidade, automaticamente agirá com honestidade, e se certa rajada de desejo o arrasta à desonestidade em alguma ocasião, o hábito da honestidade irá atormentá-lo como você jamais atormentaria um ladrão contumaz. Você criou o hábito da honestidade; o ladrão não tem esse hábito; portanto, você sofre mentalmente quando o hábito é rompido ao passo que o ladrão nada sofre. A persistência no fortalecimento desse hábito mental até que ele se torne mais forte do que qualquer força que possa surgir para pressioná-lo cria o homem confiável: ele, literalmente, não pode mentir, não pode roubar; ele construiu para si mesmo uma virtude inexpugnável. 
Pelo pensamento, então, você pode adquirir qualquer hábito que resolva obter. 
Não há virtude que você não possa criar pelo pensamento. As forças da natureza trabalham com você, porque você sabe como usá-las e elas se tornam suas reservas. 
Se você ama seu marido, sua mulher, seu filho, sabe que essa emoção de amor leva felicidade aos que a sentem. Se espalhar o amor para os outros, o resultado será um aumento de felicidade. Vendo isso, você, que deseja a felicidade de todos, deliberadamente começa a pensar em dar amor para os outros, num círculo cada vez maior, até que essa atitude de amor seja a sua atitude normal com relação a tudo e a todos. Você criou o hábito do amor e generalizou uma emoção fazendo dela uma virtude, porque a virtude é apenas uma boa emoção que se tornou geral e permanente. 
Tudo está sob a lei: você não pode obter capacidade mental ou virtude moral sentado, parado, nada fazendo. Você pode obter ambas essas coisas com pensamento firme e perseverante. Pode construir sua natureza moral e mental pensando, porque “o homem é criado pelo pensamento; ele se torna aquilo que ele pensa, portanto, pense”¹ naquilo que deseja ser, e, inevitavelmente, isso virá ao seu encontro. Assim, você irá tornar-se um atleta mental e moral, e seu caráter crescerá rapidamente: você elaborou no passado o caráter com que nasceu; agora você está elaborando o caráter com que irá morrer, e com o qual voltará. Isso é o karma. Cada qual nasce com um caráter, e o caráter é a parte mais importante do karma. O muçulmano diz que “o homem nasce com seu destino enrolado no pescoço”, visto que o destino de um homem depende unicamente do seu caráter. 
Um caráter forte pode dominar as circunstâncias mais desfavoráveis e ultrapassar os obstáculos mais difíceis. Um caráter fraco é abatido pelas circunstâncias e fracassa diante do mais trivial dos obstáculos.