quarta-feira, 5 de setembro de 2018

Sucessão (Annie Besant)


Vimos que, assim como a manifestação de um universo implica a manifestação de uma sucessão de fenômenos, a inter-relação universal torna-se a sequência de causa e efeito. Cada efeito porém, é, por sua vez, uma causa, e isso se repete infinitamente, porque a diferença entre causa e efeito não é da natureza, mas da relação. As inter-relações existentes no pensamento do Eterno tornam-se interrelações entre os fenômenos do universo manifestado – a porção do pensamento exteriorizada como um universo. Antes da manifestação de qualquer universo especial haverá, no Eterno, o pensamento sobre o universo que vai existir e suas inter-relações. O que existe simultaneamente no tempo e no espaço, no Eterno Agora, aparece, aos poucos, no tempo e no espaço como fenômenos sucessivos. 
No momento em que você concebe um universo feito de fenômenos, está obrigado a pensar nesses fenômenos sucessivamente, um após o outro; mas no pensamento do Eterno eles existem sempre, e nele a limitação da sucessão não existe. 
Mesmo nos mundos inferiores, onde as medidas do tempo são bem diferentes umas das outras, captamos um vislumbre das limitações crescentes da matéria densa. Mozart nos fala de um estado de inconsciência no qual recebeu uma composição musical como uma única impressão, embora em sua consciência alerta só pudesse reproduzir essa impressão única usando uma sucessão de notas. Ou então podemos olhar para uma pintura e receber uma só impressão mental: uma paisagem, uma batalha; mas uma formiga, movendo-se sobre essa pintura, não veria o todo, mas apenas impressões sucessivas dos trechos que percorresse. 
Pelo símile, pela analogia, podemos fazer alguma ideia da diferença de um universo tal como é visto pelo LOGOS e tal como é visto por nós. Para Ele, uma só impressão, um todo perfeito; para nós, uma sequência imensa, que vai se desdobrando devagar. Assim, o que para ele é inter-relação, para nós torna-se sucessão. Em vez de vermos a infância, a juventude e a velhice como um todo, vemos todas essas coisas sucessivamente, dia por dia, ano por ano. O que é simultâneo e universal torna-se sucessivo e particular para as nossas pequenas mentes, movendo-se sobre o mundo como a formiga sobre o quadro. 
Suba a uma montanha e volte os olhos para a cidade, e verá como as casas estão relacionadas umas com as outras, em quarteirões, ruas e assim por diante. 
Mas quando você descer da montanha, precisará passar de rua em rua, vendo cada qual separadamente, sucessivamente. Assim é com o karma. 
Vemos as relações apenas uma a uma, e uma depois da outra, sem sequer compreender as relações sucessivas, tão limitada é a nossa visão. 
Tais semelhanças nos ajudam, com frequência, a captar as coisas invisíveis, e podem agir como muletas para nossa imaginação vacilante. E, de tudo isso, extrairemos a pedra fundamental para o estudo do nosso karma. 
O karma é inter-relação universal, que é vista em qualquer universo como a Lei da Causação, em consequência do sucessivo aparecimento de fenômenos, no vir a ser, ou no aparecimento do universo. 



O eterno agora (Annie Besant)


Essa Lei Universal de Causação junta, num só todo, tudo o que acontece dentro de uma manifestação, dado que ela representa o inter-relacionamento universal. O inter-relacionamento entre tudo o que existe – isso é karma. Portanto, coexiste, simultaneamente, com o vir à existência de qualquer universo especial. Dessa maneira, o karma é eterno, como o EU Universal é eterno. Esse interrelacionamento sempre existiu. Ele jamais teve início e jamais terá fim. “O irreal não tem ser; o real nunca deixa de ser.” Não existe isoladamente, sozinho, fora de um relacionamento, e karma é a inter-relação de tudo o que existe. Surge durante a manifestação de um universo no que se refere a esse universo, e torna-se latente quando da sua dissolução. 
No Todo, tudo é, tudo existe sempre. Tudo o que foi, tudo o que agora é manifesto, tudo o que pode ser, todas as possibilidades, bem como todas as atualidades, estão sempre sendo, no Todo. O que é exterior, a existência que vai passando, o revelado, é o universo manifestado. O que é, como realidade, embora interior, não revelado, é o universo não manifestado. Mas o que está Dentro, o Não manifestado, é tão real como o que está Fora, o Manifestado. A inter-relação entre seres, dentro ou fora da manifestação, é o eterno karma. Um Ser jamais termina; portanto, o karma jamais termina; ele é, sempre. Quando parte daquilo que é simultâneo no Todo se manifesta como um universo, a eterna inter-relação torna- se sucessiva e é vista como causa e efeito. No Ser Único, no Todo, tudo está ligado a tudo, tudo está relacionado com tudo. No universo fenomenal, manifestado, esses vínculos e relacionamentos vão surgindo em acontecimentos sucessivos, ligados pela sua causa à ordem da sua sucessão no tempo, isto é, à medida queaparecem. 
Alguns dos estudantes recuam diante de um ponto de vista metafísico desse tipo, mas, a não ser que essa ideia do Ser Eterno, dentro do qual estão todos os seres, seja compreendida, não se pode alcançar o centro. Enquanto pensarmos a partir da circunferência, existe sempre uma indagação por trás de cada resposta, infinitos começos e fins, com um “por quê” atrás de cada começo. Se o estudante quiser fugir a isso, deve, com muita paciência, procurar o centro, e deixar o conceito do Todo mergulhar na sua mente, até que se torne parte sempre presente de seu aparelhamento mental. Então, os universos que se encontram na circunferência tornam-se inteligíveis, e a inter-relação universal entre todas as coisas, vista da simultaneidade do centro, torna-se, naturalmente, causa e efeito nas sucessões sobre a circunferência. Foi dito que o Eterno¹ é como um oceano, que atira universos ao ar, como se fossem ondas. O oceano simboliza o ser sem forma, sempre o mesmo. A onda, pelo fato de ser uma parte, tem forma e atributos. As ondas erguem-se e tombam, desmancham-se em espuma, e seus borrifos são mundos num universo. 
Ou podemos pensar em uma imensa catarata, como a do Niágara, onde a massa da torrente se une, antes de cair, quando, então, divide-se em gotas inumeráveis, que refletem separadamente a luz. E as gotas são como mundos. O arco-íris que formam é a vida multicolorida. A água, porém, é uma, enquanto as gotas são muitas. A vida é uma, enquanto os seres viventes são muitos. Deus, manifestado ou não manifestado, é um e o mesmo, embora seja diferente, embora mostre atributos na manifestação, e não os mostre na não manifestação. O LOGOS e Seu universo são um, embora Ele seja a unidade e o universo seja a diversidade. Ele é a vida; o universo é a forma. Na manifestação, o karma está latente, porque os seres do manifestado não passam de conceitos no não manifestado. Na manifestação, o karma está ativo, porque todas as partes de um mundo, de um sistema, de um universo, estão inter-relacionadas. A ciência declara que não pode haver movimento algum de uma parte sem afetar o todo; cientificamente, todos nós concordamos com isso. As inter-relações são universais, e nenhuma pode ser rompida, porque o rompimento de uma romperia a unidade do todo. A inviolabilidade da lei natural reside na sua universalidade, e uma brecha na lei, em qualquer parte da lei, significaria o caos universal. 

Causação (Annie Besant)


A ideia de causação tem sido contestada nos tempos modernos. Huxley, por exemplo, sustenta, na Contemporary Review, que nós conhecemos apenas a sequência não a causação. Disse ele que quando uma bola se move, depois de atingida pelo bastão, não diríamos que o golpe do bastão foi a causa do movimento, mas que esse golpe foi seguido pelo movimento. Esse ceticismo extremo foi fortemente demonstrado por alguns dos grandes homens do século XIX em reação contra a pronta credulidade e as muitas suposições não comprovadas da Idade Média. 
Essa reação teve sua utilidade, mas agora está desaparecendo aos poucos, como sempre acontece com os extremos. 
A ideia da causação nasce naturalmente na mente humana, embora não possa ser provada pelos sentidos. Quando um fenômeno for invariavelmente seguido por outro fenômeno durante longos períodos de tempo, os dois se tornam vinculados um ao outro em nossa mente, e quando um aparece, a mente, por associação de ideias, espera o segundo. Assim, o fato de a noite seguir-se ao dia desde tempos imemoriais dá-nos a firme convicção de que o Sol se levantará amanhã, como se levantou em incontáveis ontens. Contudo, a sucessão, por si só, não implica forçosamente uma causação. Não vemos o dia como causa da noite, nem a noite como causa do dia pelo fato de invariavelmente se sucederem um ao outro. 
Para confirmar a causação precisamos mais do que de uma sucessão invariável. 
Precisamos que a razão veja aquilo que os sentidos não são capazes de discernir: uma relação entre as duas coisas, relação que produz o aparecimento da segunda quando a primeira aparece. A sucessão do dia e da noite não é causada por nenhum desses dois fenômenos: ambos são causados pela relação da Terra com o Sol. Essa relação permanece imutável, e o dia e a noite serão os seus efeitos. Para que se veja uma coisa como causa de outra, a razão deve estabelecer entre elas uma relação que baste para que uma seja produzida pela outra. Então, e só então, poderemos de fato afirmar que houve causação. Aos vínculos que jamais são rompidos, e são reconhecidos pela razão como relação ativa, trazendo manifestações do segundo fenômeno sempre que o primeiro se manifesta, podemos chamar causação. Esses vínculos são a sombra das inter-relações existentes no Eterno, fora do espaço e do tempo, e se estendem sobre a vida de um universo sempre que existam condições para a sua manifestação. A cau sação é uma expressão da natureza do Logos, uma emanação da Realidade eterna. Sempre que existir interrelação no Eterno, demandando sucessão para sua manifestação no tempo, há causação. 



As leis da natureza (Annie Besant)


O próximo passo do nosso estudo consiste na consideração das “Leis da Natureza”. O universo inteiro está incluído nas ideias de sucessão e causação, mas quando chegamos àquilo que chamamos de leis da natureza, não temos possibilidade de dizer quais são as áreas sobre as quais elas se estendem. Os cientistas se sentem compelidos a falar cada vez com maior cautela, quando ultrapassam os limites da observação real. Causas e efeitos que são contínuos dentro da área da nossa observação podem não existir em outras áreas; trabalhos que aqui são vistos como invariáveis podem ser interrompidos pela irrupção de alguma causa que esteja fora do que é “conhecido” no nosso tempo, embora provavelmente não esteja fora do que pode ser conhecido. Entre 1850 e 1890 houve muitas exposições positivas quanto à conservação de energia e indestrutibilidade da matéria. Dizia-se existir no universo certa quantidade de energia, incapaz de diminuição ou de aumento; dizia-se que todas as forças eram formas dessa energia e que podiam ser transmudadas de uma para outra; dizia-se ainda que a quantidade de qualquer força conhecida, como o calor, poderia variar, mas não a quantidade total dessa energia. 
Assim como o número 20 pode ser formado de 20 unidades, ou de dois 10, ou de cinco 4, ou de 12 mais 8, e assim por diante, sempre com o mesmo total, assim acontece com as várias formas e a quantidade total. No que se refere à matéria, repetimos, declarações semelhantes foram feitas: ela era indestrutível, por isso permanecia sempre na mesma quantidade. Alguns, como Ludwig Buchner, declararam que os elementos químicos são indestrutíveis, que “um átomo de carbono sempre foi um átomo de carbono”, e assim por diante. 
Com essas duas ideias foi formada a ciência, e elas constituíram a base do materialismo. Agora, entretanto, sabe-se que os elementos químicos são solúveis, e que o próprio átomo pode ser um remoinho no éter, ou talvez um simples buraco onde não haja éter. É possível que haja átomos através dos quais a força flua para dentro, e outros através dos quais a força flua para fora – mas de onde? – para onde? A matéria física não poderá tornar-se intangível, desmanchar-se no éter? O éter não poderá dar nascimento a uma nova matéria? Tudo isso é duvidoso, antes tinha-se certeza disso tudo. Ainda assim um universo tem o seu limite intransponível. Dentro de determinada área só podemos falar com certeza de uma “lei da natureza”. 
O que é uma lei da natureza? O Sr. J. N. Farquhar, na Contemporary Review de julho de 1910, num artigo sobre hinduísmo, declarou que “se os hindus quiserem levar suas reformas adiante devem abandonar a ideia do karma”. Isso é como se alguém dissesse que, se um homem pretende voar deve abandonar a ideia de atmosfera. Compreender a lei do karma não significa renunciar à atividade, mas conhecer as condições sob as quais essa atividade é mais bem conduzida. O Sr. Farquhar que, evidentemente, estudou com zelo o moderno hinduísmo, não captou a ideia do karma como é ensinada na escritura antiga e na ciência moderna. 
Uma lei da natureza não é uma ordem, mas uma exposição de condições. 
Nunca é demais repetir isso, nem se insiste nisso com excessiva ênfase. A natureza não ordena isto ou aquilo. Ela diz: “Aqui estão certas condições e, onde elas existem, tais e tais resultados invariavelmente se seguirão.” Uma lei da natureza é uma sequência invariável. Se você não gostar dos resultados, mude as condições precedentes. Se conti nuar a ignorá-las, estará sem defesa, à mercê das forças impetuosas da natureza; se as conhecer, será o mestre, e essas forças irão servi-lo obedientemente. Toda lei da natureza é uma força que nos torna capazes e não nos constrange; mas o conhecimento é necessário para que se possa fazer uso de seus poderes. 
A água ferve a 100 graus centígrados, sob pressão normal. Essa é a condição. 
Se você sobe por uma montanha, essa pressão diminui: a água ferve a 95 graus.
Bem: água aos 95 graus não faz bom chá. A natureza estará proibindo que você tome um bom chá no topo de uma montanha? Nada disso. Sob pressão normal a água ferve na temperatura necessária para se fazer chá. Se essa pressão diminui, supra a sua falta, aprisionando o vapor que escapa, até que ele acrescente a pressão necessária, e poderá fazer o seu chá com água a 100 graus. Se quiser obter água com a união de hidrogênio e oxigênio, você precisa de uma certa temperatura, e poderá obtê-la com uma faísca elétrica. Se insistir em manter a temperatura a zero, ou em substituir o hidrogênio por nitrogênio, não poderá obter água. 
A natureza expõe as condições que bastam à produção de água, e você não pode modificá-las. Ela não fornece nem esconde a água: você é livre para obtê-la ou para ficar sem ela. Se a deseja, deve reunir os itens necessários, e assim realizar as condições exigidas. Sem essas condições, nada de água. Com elas, você inevitavelmente terá água. Você está preso ou é livre? É livre para obter as condições; está preso quanto aos resultados, quando as tiver obtido. Sabendo disso, diante de uma dificuldade, o cientista não fica sentado, indefeso; busca as condições sob as quais poderá obter o resultado desejado, aprendendo a estabelecer as condições, certo de que pode confiar nos resultados. 




Princípios fundamentais (Annie Besant)


Para compreender o karma, o estudante deve começar com uma visão clara de certos princípios fundamentais, porque a ausência de tais princípios provoca em muitos deles constante perplexidade e infinitas perguntas que não podem ter respostas completas sem que suas bases concretas sejam estabelecidas. Portanto, nestas considerações, começo com eles, embora sejam familiares para muitos dos meus leitores devido às exposições anteriores, feitas por mim mesma ou por outras pessoas. 
A concepção fundamental, sobre a qual repousa todo o pensamento posterior correto sobre o karma, é a de que o karma é lei – lei eterna, imutável, invariável, inviolável, lei que jamais pode ser rompida e que faz parte integrante da natureza das coisas. A ignorância dessa concepção é que leva o teosofista mal-informado a dizer: “Você não deve interferir no seu karma.” 
Entretanto, sempre que uma lei natural se manifestar, você deve interferir nela tanto quanto puder. Jamais ouvirá alguém lhe dizer: “Você não deve interferir na lei da gravidade.” Compreende-se que a gravidade é uma das condições que a pessoa precisa saber avaliar, a fim de ter total liberdade para se opor a qualquer inconveniente que ela possa causar, contrapondo-lhe outra força, construindo uma base segura para aquilo que, de outra maneira, viria a cair por terra sob a ação da gravidade, ou por outro motivo qualquer. 
Quando uma condição da natureza nos incomoda, usamos nossa inteligência para fugir dela, e ninguém sonharia, sequer, em nos dizer que não devemos “interferir” ou modificar qualquer condição que nos desagrade. Só podemos interferir quando temos conhecimento, pois não há possibilidade de aniquilar qualquer força na tural, nem de evitar que ela se manifeste. Podemos, entretanto, neutralizála, podemos desviar a sua ação se tivermos força suficiente para tanto. Embora  não possamos abater, em nosso benefício, uma só partícula dessa atividade, podemos resistir, nos opor, nos desviar dela, de acordo com o conhecimento que temos da sua natureza e de sua ação, segundo os meios de que dispomos. O karma não é mais “sagrado” do que qualquer outra lei natural: todas as leis da natureza são expressões da natureza divina, e nós vivemos e nos movemos dentro delas. Não são, porém, obrigatórias; são forças que armam as condições entre as quais existimos, e que atuam tanto interior como exteriormente. Quando as compreendemos podemos manipulá-las, e, se nossa inteligência evoluir, nos tornaremos cada vez mais seus senhores, até que o homem venha a se tornar um super- homem, e a natureza material passe a ser a sua servidora. 



Um estudo sobre o karma (Annie Besant)


Entre as muitas dádivas esclarecedoras transmitidas pela Sociedade Teosófica ao mundo ocidental, a que se refere ao conhecimento do karma talvez seja a segunda em importância, depois da lei da reencarnação. O conhecimento do karma afasta o pensamento e o desejo do homem do âmbito dos acontecimentos arbitrários, levando-os para a região da lei, colocando assim o futuro do homem sob seu próprio controle, a partir da extensão do seu conhecimento. 
A principal concepção de karma – “Tal como o homem semeia, assim colherá” – é fácil de apreender. Contudo, a sua aplicação detalhada na vida diária, o método de ação desse princípio e suas consequências a longo prazo são dificuldades que se tornam desnorteantes para o estudante, à proporção que amplia o seu conhecimento. Os princípios em que as ciências naturais se fundamentam são, em sua maioria, facilmente assimiláveis para as pessoas de regular inteligência e instrução comum; contudo, quando o estudante passa dos princípios para a prática, do esboço para os detalhes, descobre que as dificuldades pressionam e que, se quiser dominar totalmente o assunto, será obrigado a tornar-se um especialista e a devotar longos períodos para desembaraçar os emaranhados com que se defronta. O mesmo acontece com a ciência do karma: o estudante não pode permanecer sempre no período das generalidades. Deve estudar as subdivisões da lei primeira, deve procurar aplicá-la a todas as circunstâncias da vida, deve aprender até onde ela o obriga e de que forma é possível a libertação. Deve aprender a observar o karma como lei universal da natureza, e entender também que, ao considerar a natureza como um todo, só poderá conquistá-la e dominá-la obedecendo às suas  leis. 

Leis:naturais ou feitas pelos homens (Annie Besant)


Sobre essa matéria tem havido muita confusão no Ocidente, porque as leis naturais têm sido vistas como algo à parte das leis mentais e morais, embora essas leis mentais e morais sejam parte das leis naturais. Em muitas mentes as leis naturais têm sido confundidas com a lei humana, e o julgamento arbitrário da legislação humana foi transferido para o âmbito da lei natural. Leis que afetam fenômenos físicos livraram-se dessa arbitrariedade através da ciência, mas tanto o mundo mental como o mundo moral ainda são um caos de ilegitimidade. Não é uma ordem arbitrária de Deus, mas a imanência da natureza divina que condiciona a nossa existência, e onde quer que os profetas tenham decretado leis morais, estas foram manifestações de inevitáveis consequências para o mundo moral, conhecido pelos profetas e desconhecido por seus ouvintes ignorantes. Por causa dessa ignorância, os ouvintes transformaram essas manifestações em ordens arbitrárias de um legislador divino, enviadas através dele, em vez de considerá-las simples declarações de fatos concernentes à sucessão de fenômenos morais em uma área tão organizada como a física. 
A lei, em seu sentido social secundário, é um decreto escrito por alguma autoridade considerada legítima. Pode ser o decreto de um autocrata ou o ato de uma assembleia legislativa. Em ambos os casos, a força da lei depende de se reconhecer a autoridade que a impõe. Entre os hindus, encontramos ideias e leis feitas pelo homem como leis naturais. O rei, na concepção de Manu, é um autocrata, e os vassalos devem obedecer, mas acima do rei existe uma lei que atua automaticamente e faz parte da natureza das coisas. A despeito da sua autocracia, o rei fica tolhido pela lei suprema, que o esmagará, se ele a desconsiderar. A fraqueza oprimida – dizem – é o inimigo mais fatal dos reis: porque as lágrimas do fraco podem sabotar a base dos tronos, e o sofrimento da nação destrói o governante. 
Os mundos físico e super físico se interpenetram, e isso faz com que o que aconteça em um deles venha a ter resultados no outro. O rei e o seu conselho, na antiga Índia, faziam as leis do Estado, mas eram leis artificiais, não leis naturais; elas obrigavam os vassalos e eram impostas com penalidades. Eram, porém, leis inteiramente diferentes da lei natural. É uma pena que a mesma palavra deva ser usada para definir duas coisas tão diferentes como leis naturais e artificiais, apesar de elas poderem ser nitidamente reconhecidas por suas características. 
As leis artificiais são mutáveis: os que as fazem podem alterá-las ou revogá-las. 
As leis naturais são imutáveis: não podem ser alteradas nem revogadas, pois fazem parte da natureza das coisas. As leis artificiais são locais, enquanto que as naturais são universais. Em qualquer país, o roubo pode ser castigado com alguma penalidade escolhida pelo legislador. Às vezes, corta-se a mão do culpado, às vezes mandam-no para a prisão, outras vezes o enforcam. Apesar disso, a aplicação da penalidade depende da descoberta do crime. Como se trata de uma penalidade variável e artificial, da qual é possível escapar, não está, obviamente, relacionada, do ponto de vista da causa, com o crime que pretende punir. A lei natural não tem penalidades, mas uma condição segue-se invariavelmente à outra: se um homem rouba, sua natureza torna-se a de um cleptomaníaco, a tendência à desonestidade aumenta, a dificuldade em se manter honesto torna-se maior. Essa consequência aparece em todos os países, e o fato de os outros conhecerem ou não o ladrão não faz diferença. A penalidade, que é local e da qual é possível escapar, prova que a lei é artificial, e não natural. 
A lei natural é uma sequência de condições: quando determinada condição estiver presente, seguir-se-á invariavelmente uma outra. Se quisermos que apareça a condição no 2, devemos procurar ou tornar possível a condição no 1, e então a condição no 2 se seguirá, como consequência invariável. Essas sequências nunca variam quando deixadas à vontade; contudo, se uma nova condição for introduzida, o resultado será outro. Assim, a água corre por um canal em declive, de acordo com a força da gravidade, e se você despejar água na parte mais alta ela sempre correrá pelo declive. Entretanto, você pode obstruir o fluxo colo cando um obstáculo no caminho. Então, a resistência que o obstáculo opõe à força da gravidade a sustenta, mas a força da gravidade permanece ativa, e podemos encontrá-la na pressão que faz contra o obstáculo. A primeira condição é chamada causa; a condição resultante é o efeito. A mesma causa sempre produz o mesmo efeito, contanto que uma outra causa não seja introduzida. Neste último caso, o efeito será o resultado de ambas as causas.