sexta-feira, 9 de agosto de 2024

História dos Gnósticos Modernos


Conforme comentado nos últimos posts, irei compartilhar aqui com vocês a história dos principais desenvolvimentos gnósticos modernos. Nada mais especial do que começar a falar desse tema numa data importantíssima como a Páscoa. Nesta primeira parte, trarei a história de Fabré-Palaprat e sua proposta de restauração da Ordem do Templo e da Igreja Joanita. Ainda que essa história não seja necessariamente sobre um movimento gnóstico propriamente dito, mas sim templário e joanita, seus desdobramentos irão mais tarde ao encontro dos ressurgimentos gnósticos.


O RENASCIMENTO DA ORDEM DO TEMPLO

Fabré-Palaprat

Em 1804, Ledru de Chevillon de Saintot e Raymond Fabré-Palaprat  disseram restaurar a Ordem do Templo e a sua Igreja Joanita[1], divulgando pela primeira vez publicamente a carta de Larmenius,[2] transmitida desde 1324. Para tal restauração, eles basearam-se nesta carta, nos estatutos presentes em um manuscrito de 1705 e em um diário de procedimentos da Ordem do templo.


Esses documentos foram apresentados por Ledru, um médico. Ledru havia comprado esses documentos através da venda das propriedades do falecido Duke du Cosse-Brissac, um ex-grão-mestre da Societé d’Aloya, que foi criada em Paris em 1789. A sociedade alegou ser (ou se diz) uma continuação da Ordem Templária medieval.


Embora iremos apresentar os Ritos maçônicos envolvidos na renovação da Ordem do Templo, não iremos nos debruçar sobre a Ordem do Templo de Palaprat, focando apenas em sua Igreja Joanita.


RITOS MAÇÔNICOS POR TRÁS DA RENOVAÇÃO DA ORDEM DO TEMPLO


Carta de Larmenius

O estudioso maçônico R.F. Gould em sua “História da Maçonaria”, publicado originalmente em 1902, sugere uma provável conexão entre a Ordem dos Templários de Fabré-Palaprat e várias Lojas Joanitas. Gould refere-se a “La Petite Resurrection des Templiers” (“A Pequena Ressurreição dos Templários”), uma sociedade criada em 1682, e a uma loja maçônica francesa chamada “Les Chevaliers de la Croix”, que existia na época da fundação da “Ordre du Temple” em 1804.


A conexão com La Petite Resurrection des Templiers foi feita por vários estudiosos maçônicos da época que afirmavam que os estatutos de 1705 eram uma falsificação. Segundo essas fontes, os estatutos foram forjados pelo padre jesuíta Bonani e na verdade eram referentes à ressurreição de uma sociedade de 1681 intitulada “Pequena Ressurreição dos Templários” e que tinha como um de seus membros o célebre Fenelon, que converteu o célebre Ramsay ao catolicismo romano, como fala John Yarker em seu livro “Arcane Schools”. Yarker continua afirmando que “de todo o modo, se de 1705, a Carta prova a existência de um ramo dos Templários Escoceses”. Papus afirmou que o Templarismo sempre existiu como uma “força revolucionária” na França. Desde meados da década de 1750, membros da Ordem do Templo decidiram mudar as suas atividades usais e começaram a se infiltrar na Maçonaria, criando Graus Superiores relacionados ao Templarismo. A influência templária nas Lojas Maçônicas foi tamanha que criou uma atmosfera que eventualmente “alimentou” a Revolução Francesa, também conforme Papus[3].


Segundo Massimo Introvigne, do CESNUR[4], no final do século XVIII, na época da Revolução Francesa, havia uma controvérsia nas Lojas maçônicas francesas sobre a subordinação do Templarismo à Maçonaria. Havia uma tendência entre os maçons de subordinar a Maçonaria ao Templarismo. Segundo Introvigne, o primeiro “desacordo” teve origem na Loja dos “Chevaliers de la Croix” (“Cavaleiros da Cruz”). Introvigne também menciona o envolvimento dos “Chevaliers de la Croix” na “descoberta” da carta de Larmenius.


A já mencionada Societé d’Aloya também é mencionada pelo Barão De Tschoudy em 1766. Ele se refere a eles como “Freres de Aloya”, um apelido para esses Cavaleiros Franceses da “Fraternidade de Jerusalém”. Na declaração anterior sobre a Societé d’Aloya, afirma-se que a sociedade foi estabelecida em 1789, o que está em contradição com a referência feita por De Tschoudy. Os arquivos de De Tschoudy foram doados após sua morte ao Conselho dos “Chevaliers d’Orient”, dos quais ele havia sido um membro ativo. Os “Chevaliers d’Orient” ou “Cavaleiros do Oriente” foram provavelmente fundados por volta de 1756. Diz-se que De Tschoudy esteve envolvido no desenvolvimento desse Rito. Por volta de 1972 este Rito sofreu alguns problemas, o que resultou no estabelecimento do “Conselho Soberano dos Cavaleiros do Oriente”, que aparentemente se uniu à sua própria prole, o “Conselho Soberano dos Príncipes do Segredo Real”, no mesmo ano. Mas parece que o “Conselho dos Cavaleiros do Oriente” existiu independentemente do “Imperadores do Oriente e do Ocidente” depois de 1762, como veremos mais adiante. As constituições deste sistema (“Rito de Perfeição” ou “Heredom” ou “Imperadores do Oriente e do Ocidente”) ainda são reconhecidas hoje como a base do Rito Escocês (15º grau, Chevalier d’Orient et de l’Epée, 17º Grau, Chevalier d’Orient et d’Occident). De Tschoudy também trabalhou em seu próprio sistema na França durante a década de 1760, que ficou conhecido como “Maçonaria Adonhiramita”. Em 1766, ele publicou seu trabalho mais importante, “L’Etoile Flamboyante ou La Societé Des Francs-Maçons, Considéré sous tous les Aspects”, ou seja, “A Estrela Flamejante ou a Sociedade dos Maçons, considerada sob todos os aspectos”. O que interessa aqui é que “L’Etoile Flamboyante”, de De Tschoudy, é a fonte da história sobre os “Pais Qadosh” ou “Os Cavaleiros da Estrela da Manhã”, também conhecidos como “Thebaid Solitaries”, nomes de seitas gnósticas supostamente ligadas aos Templários das Primeiras Cruzadas. De Tschoudy e seu movimento, através de seus escritos e sua influência no desenvolvimento de certos Ritos maçônicos, como o 17º grau da Maçonaria Escocesa, podem ser vistos como um “grau cristão esotérico” com o uso da alegoria dos Sete Selos, que foi uma das “forças invisíveis” por trás da fundação do “Ordre du Temple”.


No livro de Peter Partner, “Murdered Magicians: The Templars and Their Myths”, o escritor também sugere uma conexão entre a Loja maçônica “Chevaliers de la Croix” (“Cavaleiros da Cruz”) e o novo Templarismo de Fabré-Palaprat. Em 1806, um de seus membros originais, Antoine Guillaume Chéreau publica um livro chamado “Explication de la Croix Philosophique, suivi de la Explication de la Pierre Cubique” sobre as origens e o significado da Rose-Croix[5] (francesa). Chéreau era membro da “Ordem do Oriente” e dos “Chevaliers de la Croix”. A estrutura de Graus da “Ordem do Oriente” aparentemente sugere que os neófitos vinham do 18º grau do Rito Escocês do Grande Oriente. Muitos membros desta Loja pertenciam à mais alta nobreza francesa. Esses Ritos estavam relacionados e talvez por trás da formação de Ritos como a Ordem Templária de Fabré-Palaprat. Várias fontes (estudiosos, historiadores maçônicos, etc.) afirmam que esses Ritos eram as forças móveis “invisíveis” por trás da Ordem Templária mais visível, incluindo sua Igreja Cristã Primitiva.


A Ordem do Templo aparentemente anunciou oficialmente sua independência de qualquer organização maçônica em 1811, inclusive sua desconexão do Grande Oriente da França. Mas se afirma que sua conexão com os Chevaliers de La Croix permaneceu, assim como a ruptura “oficial” com a Maçonaria é duvidosa por muitos.


O EVANGELICON / O LEVITIKON


O “Evangelicon” é uma versão do Evangelho de João precedida por uma introdução e um comentário que leva o nome de “Levitikon” que foi escrita por Nicephorus, monge grego de Atenas. A Igreja Joanita de Fabré-Palaprat é baseada neste Evangelho de São João.


Palaprat comprou um manuscrito em um estande de livros usados em Paris em 1814 e posteriormente adotou o conteúdo deste manuscrito como a futura doutrina de sua Ordem do Templo. Este manuscrito consistia nas seguintes partes:


Doutrinas religiosas e rituais dos nove graus da Ordem do Templo, além de uma descrição da Igreja Joanita Templária, bem como uma explicação do termo Joanita.

O Evangelho de São João, sendo que os dois últimos capítulos (20-21) estão perdidos. Não constam os milagres presentes neste livro como a transformação da água em vinho, os pães e peixes e a ressurreição de Lázaro, assim como algumas referências a Pedro, o que inclui a história de Jesus falar que Pedro seria a rocha sobre a qual ele fundaria a sua Igreja.

Podemos dizer que o Levitikon é uma versão gnóstica do Evangelho de São João. Há inclusive quem diga que seria a forma original[6] deste Evangelho, antes das edições posteriores que formaram ele como conhecemos hoje. Ele também afirma que “Nosso Senhor era um iniciado dos Mistérios de Osíris”[7].


Em 1811, a Ordem publicou o “Manuel des Chevaliers de L’Ordre du Temple”, impresso para circulação privada entre seus membros. Ambas as publicações, o Manual e o Levitikon, relatam que a Ordem do Templo continuou existindo desde os dias de Jacques De Molay. Desses manuscritos, Fabré-Palaprat compôs a história Joanita dos Templários. Para ele, revela-nos J. M. Ragon, os Templários aprenderam com os “Iniciados do Oriente” tal doutrina judaica relacionada a São João Apóstolo e, logo após, renunciaram à religião de São Pedro e se tornaram Joanitas, recebendo também tal sucessão diferenciada da Igreja Católica. Ele seria o Grão-Mestre Templário da época, em uma sucessão ininterrupta desde De Molay. Porém, o desejo de Fabré-Palaprat de ser reconhecido pelo Grão-Mestre da “Ordem de Cristo” portuguesa como o sucessor de De Molay foi negado.


Palaprat também disse ser o herdeiro da sucessão apostólica de São João, concedida de Grão-Mestre Templário a Grão-Mestre Templário desde a época de Payens até chegar a ele. Apoiando-se nesta sucessão, em 1828[8], ele funda a “Église Johannites des Chrestiens Primitif” (“Igreja Joanita dos Cristãos Primitivos”).


L’EGLISE JOHANNITES DES CHRETIENS PRIMITIF


Palaprat em seu paramento de Grão-Mestre Templário

A Igreja Joanita dos Cristãos Primitivos era uma reorganização da doutrina do Levitikon de Fabré-Palaprat e também era conhecida como uma “Alta Iniciação”. Fabré-Palaprat afirmou que havia recebido um legado do Oriente e esses contatos desconhecidos aparentemente estavam associados aos Cavaleiros Templários e, através dos Cavaleiros, aos “Joanitas” da Judéia.


 L’Eglise Johannites des Chretiens Primitif foi co-fundada por Palaprat com o Senhor Mauviel, um eclesiástico que foi consagrado em 1800 em Paris como Bispo constitucional de Cayes no Haiti. Fabré-Palaprat foi ordenado sacerdote pelo Bispo de Lot (e mais tarde por Mauviel). No mesmo dia em que ocorreu a transmissão no Haiti, 29 de julho de 1810, Palaprat consagrou Machault como Primado da Igreja Joanita. Machault consagrou o Senhor Chatel na Igreja Joanita em 1831. Dom Chatel mais tarde recebeu o título de “Bispo dos Gauleses”, criando a proeminente, mas com curta vida, “Eglise Catholique Franchise” com Diocese em Paris, Bruxelas e Nantes.


Palaprat em seu paramento de Soberano Pontíficie e Patriarca da sua Igreja Joanita

Ferdinand Chatel era um clérigo cuja “Eglise Catholique Franchise” proclamava a liberdade da autoridade Papal com uma liturgia falada em francês. Algumas fontes afirmam que a E.C.F. de Chatel foi fundada antes de seu envolvimento com a Igreja Joanita. Ele estava buscando uma autoridade para consagrá-lo Bispo de sua nova Igreja e encontrou-a na Igreja Joanita de Palaprat. Já este precisava de algum tipo de Primaz e encontrou-o em Chatel.


A Igreja Católica Francesa de Chatel foi estabelecida em “algumas antigas Lojas” de Montmartre em 1831. Infelizmente a relação entre Fabré-Palaprat e Chatel não durou muito. De fato, parece que Chatel foi expulso da Igreja Neo-Templária por ter tido problemas com seus amigos maçons. Os Templários ou Joanitas reuniram-se e julgaram-no herege em um Sínodo, no qual Chatel foi representado por uma boneca de pano. Este não seria o fim dos problemas da nova religião.


Segundo o estudioso maçônico Albert G. Mackey em seu livro “Lexicon of Freemasonry” (1871), a “doutrina joanita” propagada por Fabré-Palaprat causou um cisma na Ordem dos Templários. A Ordem neo-Templária aparentemente começou como uma Ordem “perfeitamente ortodoxa” e quando Fabré-Palaprat introduziu a doutrina Joanita muitos membros se opuseram à “nova religião”. Fabré-Palaprat se proclamou o Soberano Pontífice e Patriarca da Igreja Joanita e exigiu que todos os Templários aceitassem a “nova” fé. As consequências dessa mudança de visões religiosas foram ainda maiores porque haviam mais membros ortodoxos que reforçaram o cisma.


Chatel

A Igreja Joanita continuou enfrentando muitas dificuldades e parece que após a morte de Fabré-Palaprat em 1838 a Ordem do Templo e a Igreja Joanita declinaram. Afirma-se que embora a Ordem dos Templários ortodoxa desapareceu, a Igreja Joanita continuou as suas atividades em segredo. O pequeno círculo de nobres franceses e belgas que lideravam as atividades da Ordem continuou com a Igreja Joanita em pequenos grupos selecionados. Há indícios de que fora desses círculos um grupo evoluiu na Bélgica até chegar décadas depois a uma Loja chamada “KVMRIS”.


A Loja KVMRIS foi a primeira e principal Loja Martinista de Bruxelas, originalmente criada em 1892. Uma possível pista que fornece uma conexão entre os remanescentes da Ordem dos Templários de Fabré-Palaprat e sua Igreja Joanita à Loja KVMRIS é um documento publicado em 1840 pela “Ordre du Temple” em Bruxelas, Bélgica. O documento representava os estatutos “originais” da Convenção dos Templários, realizada em Versalhes em 1705, na qual Philippe, o duque de Orleans, foi nomeado Grand-Maitre da “Ordre du Temple”. Estes estatutos foram publicados pela “Imprimerie de l’Ordre du Temple” em Bruxelas, Bélgica. A Carta de transmissão contida neles menciona Fabré-Palaprat como o 46º Grão-Mestre da Ordem dos Templários.


A Ordem do Templo sofreu um cisma após a morte de Fabré-Palaprat, dividindo defensores e oponentes da Igreja Joanita. Chatel[9] continuou a liderar esta Igreja após a morte de Fabré-Palaprat. Os dois ramos da Ordem do Templo, liderados pelo conde Julio de Moreton de Chabrillan (defensor da Igreja Joanita) e pelo almirante William Sydney Smith reconciliaram-se em 1841 com Jean-Marie Raoul.

Vintras

O livro “Ordre des Chevaliers du Temple” possui uma lista dos sucessores de Fabré-Palaprat, na que Raoul é mencionado como “Grand Maitre” de 1840 até 1850. Um certo Vernois, que foi nomeado Grão-Mestre da “Ordre du Temple”, dissolveu-a. Em 1892, Joséphin Péladan (1859-1918) recebe a “regência” da Ordem neo-Templária, que lhe foi dada por alguns membros sobreviventes. E aqui é feita uma conexão com a Loja KVMRIS anteriormente citada. Péladan havia fundado em 1891 sua própria ordem, “Ordre de la Rose-Croix Catholique et Esthetique du Temple et du Graal”. Vários martinistas belgas também foram membros da Ordre de la Rose-Croix et Catholique de Péladan, entre eles homens como Francis Vurgey, Nicolas Brossel e Clement de Saint-Marcq. Brossel e Vurgey foram os primeiros dirigentes da Loja KVMRIS. Os elementos gnósticos que influenciaram as obras de membros da Loja como Clement de Saint-Marcq faziam parte da doutrina da Igreja Joanita. Afirma-se que Clement de Saint-Marcq também foi membro da Igreja Gnóstica de Jules Doinel.


Não há muita informação sobre as atividades de Péladan como “Grande Maitre” da “Ordre du Temple” e parece que Péladan estava muito mais interessado nas atividades de sua própria Ordem Rosacruz do que no desenvolvimento da Ordem neo-Templária. O livro “Ordre des Chevaliers du Temple” relata um congresso templário internacional realizado em Bruxelas em 1894. Com exceção do ramo inglês dos Templários, todas as outras Ordens Templárias Europeias foram representadas na Convenção de Bruxelas. Foi decidido estabelecer um “Secretariado Internacional” sob a direção dos líderes da Loja “KVMRIS”, Brossel e Vurgey. Mais tarde, eles foram sucedidos por Selliers de Moranville, Georges le Clément de Saint-Marcq, Georges le Roy van Daems, Oscar Jamar, Arthur van Hecke, Carlos Mosias e Joseph Daems. A próxima data que é dada no livro é a data da fundação da “Ordre souverain et militaire du Temple de Jérusalem” (OSMTJ) ou “Ordem Suprema Militar do Templo de Jerusalém” ou ainda “Ordo Supremus Militaris Templi Hierosolymitani” em 1932.


Conforme relatado anteriormente, a sucessão da Igreja Gnóstica Joanita Templária por Bricaud foi recebida de B. Clément, que era membro da Igreja Gnóstica Universal de Bricaud. Ainda não há informações sobre a afiliação de Clément à Igreja Joanita neo-Templária. Mas vários membros (mais antigos) das ordens místicas e ocultas francesas (movimento Martinista, Memphis-Misraim, R+C de Péladan, etc.) estavam conectados às várias “igrejas subterrâneas” existentes na França na época. A linhagem dos Templários é confirmada por várias fontes, afirma Koenig, como, por exemplo, a filial francesa e belga do G.I.D.E.E da Papus que também apresentava uma sucessão da Ordre du Temple de Fabré-Palaprat. De acordo com o Bispo Bertil Persson[10], do Instituto St. Efraim, a linhagem da Igreja Joannita em que Fabré-Palaprat foi ordenado pode ser rastreada até 1726[11].


Vintras levitando

A sucessão joanita de Palaprat foi transmitida inclusive por outros segmentos tradicionais que a recebeu. Uma delas foi incorporada à Igreja Católica Gnóstica de Jean Bricaud. Outra foi incorporada à Igreja neo-albigense espanhola, que tinha ligações com o rito maçônico de Memphis-Misraim. Esta última sucessão vem de Michel Henri d’Adhemar (1801-1900), que foi consagrado por Chatel em 1836 (2 anos antes da morte de Palaprat), que consagrou Manuel Lopes de Brion (1830-1874) sob o nome episcopal de Orfeu V em 1857. Então, em 1860, de Brion (que também era um iniciador do Memphis-Misraim) consagrou Paul Pierre de Marraga (1823-1901) como Orfeu VI e iniciou de Marraga ao Memphis-Misraim.


Na próxima parte falaremos sobre Vintras antes de adentrarmos na história de Jules Doinel. Até lá!


Sâr Órion


Referências

↑1 Diz-se que Hughes de Payens foi investido com o poder apostólico patriarcal pelo Soberano Pontífice e Patriarca Theocleto, número sessenta e sete em sucessão direta desde São João Apóstolo, a quem havia sucedido. Esta sucessão joanita foi transmitida no seio da Ordem do Templo. Quando a Igreja Católica encerrou as atividades dos Templários, tal sucessão ainda continuou a ser passada no sigilo e no silêncio.

↑2 Manuscrito que detalha a transmissão da liderança dos Cavaleiros Templários após a morte de Jacques De Molay para Johannes Marcus Larmenius. Historicamente é tido como falsificação. Ainda que assim o seja, não haver um documento que comprove tal transmissão não necessariamente significa dizer que ela não exista.

↑3 Curiosamente tal informação é encontrada numa obra de Papus dedicada a Martinez de Pasqually e não especificamente ao Templarismo.

↑4 Center for Studies on New Religions.

↑5 Aqui encontramos uma possível conexão entre Rosacrucianismo e Templarismo.

↑6 Não época não se tinha a ideia de que os Evangelhos passaram por algumas edições até chegar naquilo que conhecemos hoje.

↑7 Patrick Brunout, em seu posfácio à “Explicação da Cruz Filosófica …” de Guillaume Chéreau, afirma que a Igreja de Palaprat também bebia das doutrinas maçônicas que consideram o Egito com origem e mantenedor das sociedades iniciáticas.

↑8 Algumas fontes afirmam que a fundação foi em 1830, ao invés de 1828.

↑9 Aqui encontramos uma provável controvérsia histórica ou uma pergunta ainda sem respostas. Se Chatel havia sido expulso, como ele liderou a Igreja após a morte de Palaprat?

↑10 Segundo Milko Bogaard, o Bispo Persson mantém o maior e mais preciso registro mundial de Bispos independentes.

↑11 O que não significa necessariamente dizer que por até agora não ter sido encontrados documentos que demonstrem uma sucessão ainda mais antiga que o século XVIII até chegar aos Templários ela não exista.



Jules Doinel

Continuando a História dos Desenvolvimentos Gnósticos Modernos, hoje falaremos sobre o movimento de Vintras, que surge um ano após a morte do criador do movimento joanita. Há quem estabeleça conexões entre os joanitas e os membros da Obra da Misericórdia. Há interessantes paralelos entre conceitos relembrados por este movimento e conceitos que serão trabalhados na Igreja Gnóstica, mais à frente. Como na primeira parte,  ainda que essa história não seja necessariamente sobre um movimento gnóstico propriamente dito, seus desdobramentos irão mais tarde ao encontro dos ressurgimentos gnósticos.

Um ano depois da morte de Palaprat, Pierre-Eugène-Michel Vintras (1807-1875) teve visões com São Miguel, São José, a Virgem Maria e o Espírito Santo. Ele foi informado da vinda do Paracleto e da Era do Espírito Santo. Tais princípios ecoam conceitos encontrados no Gnosticismo antigo, como no Tratado Tripartite, e as doutrinas de Joaquim de Fiore, do século XII, relativas às três eras: a Era do Pai, antes do Cristo, a Era do Filho, desde a encarnação de Jesus, e a Era do Espírito Santo, ainda porvir. Vintras também afirmou que ele foi informado que era a reencarnação do profeta Elias. Também é interessante saber que Vintras afirmou que lhe disseram que Charles Naundorf era o “verdadeiro rei da França”, pois se sabe que vários conhecidos ocultistas franceses e belgas da primeira metade do século XX eram “naundorfistas”[1]. Outra afirmação interessante, dita por Milko Bogaard, é que Vintras tinha uma espécie de “mentora”, a Madame Bouche, uma visionária que morava na Place St. Sulpice em Paris. Afirma-se que ela possuía uma conexão com os joanitas.


Vintras então formou um movimento baseado em suas visões chamado l’Ouvre de la Miséricorde (Obra da Misericórdia), que conseguiu atrair inclusive padres católicos romanos em um primeiro momento. Diz-se que neste movimento muitas pessoas presenciaram milagres como hóstias como que sangrando, vinho transformado em sangue, aparições, etc.


Lady Caithness

Em seu livro “História da Magia”, Eliphas Lévi faz um relato dos eventos que levaram Vintras a acreditar que fora “eleito” para proclamar a vinda do Paracleto. Lévi inicia seu capítulo sobre Vintras, intitulado curiosamente de “Alucinações”, informando o leitor sobre uma seita que rotula como “Salvadores de Luís XVII”. Agentes deste grupo estavam na Normandia, dos quais o pretenso Luís XVII afirmava ser duque. Esta seita aparentemente escolheu Vintras como seu “instrumento” de propaganda para o movimento. Serge Hutin em seu livro “Les Gnostiques” (publicado em 1958) refere-se aos Salvadores de Luís XVII como uma “Sociedade de Iluminados”, em contrapartida a Lévi. É geralmente afirmado que este grupo começou como uma organização estritamente política que mais tarde se transformou em uma organização quase mística. Hutin também nos informa que Naundorf fundou uma “Igreja Católica Evangélica” no seio da Igreja Católica Romana. A doutrina de Naundorf foi publicada em “La Doctrine Celeste”, publicada em 1839. Lévi continua com a história em que Vintras é visitado por um ‘mendigo’ que o chama de Pierre Michel. Uma carta misteriosa endereçada a uma Sra.de Generès em Londres, escrita e assinada por M. Paul de Montfleury de Caen, é deixada para trás pelo estranho mendigo na mesa de Vintras. Não obstante o endereço, esta carta pretendia colocar perante o duque da Normandia as verdades mais importantes de nossa Santa Religião Católica, Apostólica e Romana.  Vintras passou então a se dedicar a Luís XVII. Houveram outras comunicações, como uma “epístola do paraíso” endereçada a Vintras por  Pierre Michel, o qual considerava Vintras como o Arcanjo Miguel “por uma associação de ideias que é análoga à dos sonhos”, critica Lévi em sua obra. 

Lévi afirma que esses milagres foram testemunhados por muitos membros bem respeitados da comunidade em várias ocasiões. Os padres da “Obra da Misericórdia” celebravam o “Sacrifício Provictimal de Maria”[2] no oratório de Tilly-sur-Seulles. Mas a oposição estava prestes a vir. Um ex-membro da seita de Vintras, Alexandre Geoffroi[3], publicou um panfleto em 1851 chamado “Le Prophète Vintras”, acusando Eugène Vintras de homossexualidade e condução de missas secretas nas quais todos os participantes estavam nus, etc.


A popularidade da Obra de Vintras acabou atraindo a ira do Papado. Em 1843 seu grupo de Tilly-sur-Seulles foi condenado pelo Papa Gregório XVI. Em 1841, o Bispo de Bayeux havia o denunciado por “ensinar doutrinas incompatíveis com a fé católica”. Por volta de 1842-43, Vintras foi preso sob acusação de trapaça e julgado em Caen, condenado a cinco anos de prisão. Após livre da condenação, em 1848, encontrou asilo na Inglaterra. Mas a oposição se tornou mais forte e depois de ter sido condenado pelo Arcebispos de Bordeaux e Nancy e mesmo pelo Papa Pio IX (em 1851, quase dez anos depois da condenação pelo Papa Gregório XVI), Vintras deixou a França e vagou pela Europa. Por fim, finalmente retornou a Lyon, onde fundou o “Sanctuaire Intérieur du Carmel d’Elie” ou “Santuário Interior do Carmelo de Elias”. Vintras também estabeleceu uma filial em Florença, Itália, o “Carmel Blanc”. Por alguns anos, a “Igreja do Carmelo”, como a Igreja de Vintras ficou conhecida, gozou de uma modesta prosperidade, com filiais estabelecidas na Espanha, Bélgica, Inglaterra (1848) e Itália (Florença).


Parece que Vintras acreditava que sua forma de ministério era uma renovação da Tradição Católica. As suas publicações, como por exemplo seu livro “Evangeli Éternel”, são escritas na tradição da Igreja Católica Romana. A maioria dos membros do culto de Vintras se considerava “cristãos fiéis”. Sua Santa Missa era idêntica à católica romana – a controvérsia sobre Vintras dizia mais respeito a seus “dons”. As “hóstias sangrentas”, as sessões com os Santos e a Virgem Santa etc. levaram à oposição ao seu culto, incluindo a proibição papal. O círculo de Vintras também incorporou o aspecto da Madona Negra em suas doutrinas. O aspecto de “Naundorf’” poderia ser outra razão para a oposição a Vintras. Ele também aparentemente atraiu outros pequenos movimentos que mais tarde se fundiram com a sua Igreja do Carmelo. Um desses grupos era os “Irmãos da Doutrina Cristã”, fundado em 1838 pelos três irmãos Baillard, todos sacerdotes. Os irmãos estabeleceram duas casas religiosas em Alsácia e Lorena. Suas doutrinas eram semelhantes às de Vintras, incluindo a ênfase na vinda do Espírito Santo.


Outro personagem polêmico do movimento é o padre Joseph-Antoine Boullan (1824-1893), que provavelmente é mais conhecido como o Abbé de Boullan. Boullan tornou-se ativo na década de 1850, quando fundou a “Sociedade para a Reparação de Almas”, juntamente com uma ex-freira, Adele Chevalier. Geralmente afirma-se que Boullan “se especializou” em “exorcizar demônios por meios não convencionais”. Depois de sua condenação por fraude e de cumprir pena na prisão, na qual ele foi suspenso de seus deveres sacerdotais, Boullan se apresentou voluntariamente no Santo Ofício (ou seja, a Inquisição) em Roma, que reverteu sua decisão anterior. As doutrinas de Boullan foram escritas em Roma na época e este caderno ficou conhecido como “Cahier Rose”, que mais tarde foi encontrado pelo romancista Joris Karl Huysmans após a morte de Boullan em 1893. O “Cahier Rose” aparentemente foi trancado na Biblioteca do Vaticano depois de ser descrito como um “documento chocante”. Há fontes que afirmam que Boullan foi “protegido pela Igreja” e se infiltrou no culto de Vintras com o único objetivo de derrubá-lo.


Selo Episcopal de Doinel

Aparentemente, Boullan conheceu Vintras pouco antes da morte deste em 1875. Boullan alegou ser a reencarnação de São João Batista, mas essa proclamação foi feita após a morte de Vintras, obviamente. Boullan juntou-se à Igreja do Carmelo de Vintras e tornou-se seu líder quando Vintras morreu. Logo depois, ocorreu um cisma, porque a maioria dos membros se recusou a aceitar a supremacia dele. Alguns seguiram o seu grupo dissidente, que permaneceu ativo até a sua morte em 1893. Por volta de 1889, o grupo de Boullan foi “infiltrado” por Stanislas de Guaita e Oswald Wirth. É geralmente assumido que a seita de Boullan usou um rito derivado de uma impressão do século XVIII do “Cult des Goules”. Boullan é retratado em “La Bas”, de Joris-Karl Huysmans, como Dr. Johannes. É bem provável que ele teria ficado virtualmente desconhecido para o mundo em geral se não fosse o trabalho de J. K. Huymans.


A “Igreja do Carmelo” provavelmente não era uma Igreja formal, parece que não havia hierarquia nem liderança estritas. Vintras não era Patriarca nem Bispo da Igreja. Vintras nomeou vários “Pontifs Divins”, com cada “Pontif” liderando um grupo ou comunidade. Segundo Terje Dahl Bergerson, homens como o Abbé Boullan, Abbé Roca e Louis Van Haeckel foram ordenados Pontifs Divins na Igreja do Carmelo. Após a morte de Vintras, esses homens, e provavelmente outros, estabeleceram suas próprias comunidades seguindo o modelo da Ordem Carmelita. Vários desses grupos desenvolveram sua própria Teologia. Alguns dos que seguiram Van Haeckel desenvolveram uma visão mais sombria das coisas e aparentemente se associaram a certos ocultistas que acreditavam na eficácia e precisão da Magia Negra onde também desenvolveram uma Teologia Luciferiana. Bergerson corrige esta informação mais tarde afirmando que as fontes (ou a sua interpretação delas) não eram confiáveis, pois tendo em vista o espírito heterodoxo das orientações esotéricas especificamente gnósticas e os nossos modernos ideais de humanismo, o mito de Lúcifer não seria nem um pouco sombrio[4].


Além disso, Bergerson também menciona outro descendente da Obra da Misericórdia de Vintras, John Kowalski (+1941), que continuou o trabalho de Vintras na “Ordem Maria Vitae”. A Ordem causou tanta controvérsia quanto o próprio Vintras, introduzindo certas ideias como a abolição do celibato entre o Clero, freiras e monges. A Ordem Maria Vitae tem sua própria igreja, “Eglise Vielle Catholique Maria Vitae”. A sua afiliação à Igreja do Carmelo descende de Feliksa Magdalen Kozlowskaya (+1912), que aparentemente “iniciou” Kowalski nos ideais e trabalhos do “Carmel Elie”, que tinha sua “sede” no início do século XX em Varsóvia, Polônia.


Finalmente, Bergerson menciona outro místico polonês “gnóstico”, Maria Naglowska (+ início do século XX). Naglowska aparentemente conhecia Pascal Beverly Randolph, com quem ela tinha algum tipo de relação de trabalho. Ela era uma mística carismática (“canalizava” ou “sintonizava” com a Virgem) que tinha “alguma conexão com uma igreja dissidente subterrânea, na companhia de um Magus do século XIX”. Em 1931 ela publicou a obra “Magia Sexualis” de Randolph, também foi mencionada na história da Ordo Templi Orientis Antiqua onde supostamente estudou Vodu com o próprio Jean-Maine.


Eugène Vintras morreu em 7 de dezembro de 1875 em Lyon, deixando para trás seus “Pontifs Divins”, que continuaram esta Igreja subterrânea. De acordo com Tau Charles Harmonius II (Cokinis), “o movimento dessa ecclesia oculta persistiu por todo o século XIX na França e atraiu muitos Grão-Mestres das Ordens Arcanas, que também continuaram a se mover nas sombras dos movimentos místicos e esotéricos deste período fascinante”.


Na terceira parte do nosso texto, em nossa próxima publicação, falaremos enfim sobre Jules Doinel. Até lá!


Referências

↑1 Movimento construído em torno da hipótese de que um certo Karl Wilhelm Naundorf, um aventureiro, “emergiu” em Berlim em 1810 e alegou ser filho do rei francês Louis XIV e Maria Antonieta.

↑2 Uma espécie de rito de purificação no qual onde se buscava a libertação dos grilhões da matéria e a aproximação da redenção espiritual que viria através da Terceira Era.

↑3 A. E. Waite revela-nos que provavelmente não foi Geoffroi que escreveu.

↑4 Por exemplo, a interpretação do mito de Lúcifer por H. P. Blavatsky não tem nenhuma correlação com algo sombrio ou de Magia Negra e o mesmo se aplicaria à doutrina de Van Haeckel. Em contrapartida é válido ressaltar que há sim grupos que podem utilizar deste simbolismo para fins negativos, mas não seria este o caso aqui, para Bergerson.


Enfim chegamos à história do surgimento da Igreja Gnóstica. Nesta parte, conheceremos melhor Jules Doinel, saberemos como a Ecclesia Gnostica surgiu, a sua sucessão espiritual, qual a relação de Lady Cathness com esse “ressurgimento” gnóstico e conheceremos o Sínodo Sagrado da Igreja. Peço especial atenção às nota de rodapé, pois algumas informações que estão nesta parte são geralmente omitidas de muitos textos em português que tratam do tema, omissões estas que reforçam ideias preconceituosas que não existiam dentro do círculo esotérico francês do final do século XIX, mas que algumas escolas hoje reforçam através de deturpações históricas e interpretativas.


Jules Doinel

A “Igreja Gnóstica Católica Universal” foi fundada espiritualmente[1] em 21 de setembro de 1890 por Jules Doinel (Jules-Benoît Stanislas Doinel de Val-Michel, 1842 – 1903). Doinel era maçom[2], espírita e bibliotecário. Como espírita praticante, começou a ser confrontado com visões de aspectos femininos da Divindade das mais variadas formas, ficando convencido de que era seu destino participar da restauração do aspecto feminino divino e dar-lhe seu devido lugar na religião. Em 1888, Doinel descobriu na biblioteca de Orléans um documento datado de 1022 que foi escrito por um precursor dos cátaros, um certo Cônego Stephan de Orléans, um dos precursores do Catarismo que foi condenado à fogueira por heresia pela Igreja Romana no mesmo ano. Doinel começou a ficar fascinado pelos cátaros e seus antecessores, os Bogomilos, os Paulicianos, os Maniqueus e vários outros movimentos gnósticos. Ele estudou suas doutrinas e ficou convencido de que “o Gnosticismo era a verdadeira religião por trás da Maçonaria”.


Na segunda metade do século XIX, na França, um interesse crescente pelo movimento cátaro havia sido desenvolvido. Por volta de 1874, foi publicado um livro de sucesso, intitulado “Histoire d’Albigenses”, escrito por Napoléon Peyrat, Federico Mistral e outros[3]; em 1896, apareceu a revista “Montsegur”, publicada por Prosper Estieu e, por fim, Joseph Péladan publicou seu pequeno tratado “de Parsifal a Dom Quixote, o segredo dos trovadores”. O hype cátaro conquistou toda a França e foi de especial interesse para os ocultistas parisienses no final do século XIX. A contribuição de Doinel para o hype cátaro na época foi a sua lenda da primeira missa gnóstica que foi realizada no castelo de Montsegur”.


O ponto culminante ocorre quando Doinel tem uma visão do Eon Jesus, assistido por Bispos bogomilos,que o encarrega da tarefa de estabelecer uma nova Igreja, consagrando-o como Patriarca, Bispo de Montségur e Primaz dos Albigenses. A partir desse momento, Doinel passa a procurar insistentemente por contatos com espíritos Cátaros e Gnósticos nos mais diversos salões espíritas – levando-o a se associar com Lady Caithness e seu círculo.


Lady Marie Cathness

Maria de Marietegui (1842-1895), Lady Marie Caithness, duquesa de Pomar, foi abordada por volta de 1882 por H. P. Blavatsky, Coronel Olcott e Annie Besant para estabelecer o ramo francês da Sociedade Teosófica. A Duquesa organizou sessões no mesmo oratório que, ao longo dos anos, serviu como “Santuário de Meditação” da “Societe d’Theosophique de Paris”. Ela foi um dos primeiros membros da Sociedade Teosófica e uma influente espírita. O Espiritismo era altamente influente para os ocultistas da época. Muitos deles eram afiliados aos círculos espíritas e faziam uso de práticas que pertenciam ao “currículo espírita” (sessões de comunicação, psicografia, etc.). Essas práticas eram no geral aceitas no movimento ocultista até então. Muitos escritos[4] daquele período (1875-1925) que hoje são considerados “Clássicos do Ocultismo” foram escritos sob orientação. Visões, aparições, vozes etc. eram comumente aceitas no movimento ocultista como uma comunicação genuína com o mundo Supernal. Essa confiança comum nessas práticas e experiências explica o sucesso de pessoas como Jules Doinel. Atualmente, esse aspecto é geralmente negligenciado[5] nos escritos sobre a história do movimento ocultista no fim do século XIX.


Lady Caithness era de origem espanhola. Casada com o inglês Lord Caithness. Ela herdou uma fortuna incrível depois que seu primeiro marido morreu, o Duque de Pomar, e possuía um palácio em Nice, chamado “Tiranti”. O palácio em Nice tornou-se um local de encontro de espíritas e ocultistas. Uma das visitantes foi Helena Petrova Blavatsky, anos antes de estabelecer a Sociedade Teosófica. O círculo de Lady Caithness atraiu muitos dos conhecidos espíritas e ocultistas do “renascimento francês do Ocultismo” no final do século XIX. Lady Caithness era uma discípula de Anna Kingsford, da ST. Ela se considerava a reencarnação de Mary Stuart. Doinel era associado de longa data de Lady Caithness.


A “Societe Théosophique d’Orient et d’Occident” (Sociedade Teosófica do Oriente e do Ocidente) era o ramo francês da Sociedade Teosófica liderado por ela. A Teosofia de Lady Caithness é influenciada por Anna Kingsford, o Cristianismo Esotérico de Jacob Boehme e Swedenborg, e um pouco afastada das tradições orientais dominantes nos ensinamentos da Sociedade Teosófica. Devido à formação espírita, também pesquisava na Sociedade fenômenos mediúnicos e parapsíquicos, o que incluiria também as comunicações com os espíritos. Algumas delas eram realizadas através de um pêndulo sobre um tabuleiro com letras marcadas. É interessante ressaltar que uma sessão realizada em 1881 tenha prenunciado à Duquesa “uma revolução na religião que resultaria na Nova Era de Nossa Senhora do Espírito Santo”. Lady Caithness dizia que mentes superiores falaram sobre uma Quarta Revelação (depois de Moisés, Jesus e os espíritas do Século XIX), que tinha como propósito criar uma religião verdadeiramente universal que conciliava os aspectos masculinos e femininos. Além disso, tentava conciliar o encontro de ocultistas e espiritualistas, rumo à esta religião universal.


É então com Lady Caithness, que Jules Doinel passa a receber comunicações cada vez mais frequentes solicitando que ele realizasse as tarefas devidas para o estabelecimento de uma Nova Igreja nos moldes gnósticos. Essas comunicações foram assistidas por muitos notáveis ocultistas[6] da época.


Uma das comunicações recebidas nestas sessões dizia o seguinte:


“Dirijo-me a você porque é meu amigo, meu servo e o prelado da minha Igreja Albigense. Estou exilada do Pleroma e sou o que Valentinus chamou Sophia-Achamoth. Sou o que Simão, o Mago, chamou Helena-Ennoia; para mim sou o eterno Andrógino. Jesus é a Palavra de Deus, Eu sou o pensamento de Deus. Um dia vou retornar à meu pai, mas preciso de ajuda nisso; requer as súplicas do meu irmão Jesus para que interceda por mim. Somente o infinito pode redimir o infinito e somente Deus pode redimir a Deus. Ouça bem: O Um traiu o quarto Um, logo o Um. E os Três são apenas Um: o Pai, a Palavra e o Pensamento. Estabeleça minha Igreja Gnóstica. O Demiurgo será impotente contra ela. Receba o Paráclito” (Extrato de uma comunicação entre Doinel e um Espírito “quem Valentino chamou de Sophia-Achamoth”).


Em outras sessões, Canon Stephan e Guilhabert de Castres, Bispo cataro de Toulouse no século XII que foi martirizado em Montségur, entraram em contato com ele.


A Sucessão Espiritual de Doinel

Em setembro de 1889, o Mais Alto Sínodo de Bispos do Paracleto  consistindo de 40 Bispos cátaros, se manifesta e revela seus nomes para Jules Doinel. Tais nomes mostram em uma longa pesquisa nos registros da Biblioteca Nacional Francesa uma precisão histórica admirável. O Sínodo apresenta-se como sendo capitaneado pelo mesmo Guilhabert de Castres que já aparecia noutras sessões. Nesta em particular os espíritos desencarnados dos antigos albigenses, unidos por uma voz celestial, impuseram suas mãos espirituais a Doinel e o consagraram Bispo da Santa Assembleia do Paracleto e da Igreja Gnóstica. Através de Guilhabert de Castres e outros, Doinel vai sendo instruído lentamente para reconstituir e ensinar a doutrina gnóstica fundando uma assembleia do Paracleto, que seria chamada Igreja Gnóstica, a qual se comporia de Perfeitos e Perfeitas[7] e teria como base os ensinamentos do quarto evangelho cristão, o Evangelho de João. A Igreja seria administrada por Bispos (homens) e Sofias[8] (mulheres) que seriam eleitos e consagrados segundo o Rito Gnóstico. Helena-Ennoia iria ajuda-lo neste intuito e eles se casariam espiritualmente.

Assim, Doinel proclama o ano de 1890 como sendo o ano de início da Era da Gnose Restaurada[9] e assume o ofício de patriarca da Igreja Gnóstica com o nome Valentin II, em homenagem a um dos pensadores gnósticos mais influentes do século II, Valentinus.


Com base nas doutrinas teológicas de Simão o Mago, Valentinus e Marcião, e com os sacramentos derivados do Catarismo[10], fortemente influenciado pela própria Igreja Católica Romana, Doinel compôs a sua Igreja Gnóstica. Ao mesmo tempo, a Igreja Gnóstica apresentava um sistema que poderia lembrar as escolas iniciáticas como a Maçonaria. A missa Gnóstica chamada de Fraction du Pain foi composta e a liturgia sacramental foi complementada com a inclusão de alguns sacramentos de origem cátara.


Sínodo Sagrado da Ecclesia Gnostica


Papus

Doinel logo ordena Bispos e Sophias, os quais elegiam um nome místico ao qual se precedia a letra grega Tau para representar a cruz grega ou o Ankh egípcio. Entre os bispos consagrados por Doinel se encontram figuras de grande proeminência do Ocultismo da época, entre eles temos: Gérard Encausse (1865-1916) mundialmente conhecido como Papus, que foi consagrado como Bispo de Toulouse com o nome de Tau Vincent; Paul Sedir (Yvon Le Loup, 1871-1926) como Tau Paulas, coadjutor (em segundo lugar) de Toulouse; Lucien Chamuel[11], Tau Bardesanes, Bispo de La Rochelle e Saintes; Louis-Sophrone Fugarion, Tau Sophronius, Bispo de Béziers; Albert Jounet (1863-1929), Tau Théodotus, Bispo de Avignon; Marie Chauvel de Chauvignie[12] (1842-1927), Sofia de Varsóvia com o nome de Esclarmonde; e Léonce-Eugène Joseph Fabre des Essarts (1848-1917) como Bispo de Bordeaux, com o nome de Tau Synesius. Tau Vincent, Tau Paulas e Tau Bardesanes[13] formariam o “Sínodo Sagrado da Ecclesia Gnóstica”. Milko Bogaard diz que uma associada próxima de H. P. Blavatsky, a Condessa de Adhemer, foi designada a Helena de Tau Valentin. François-Charles Barlet e Jules Lejay, ambos membros do Supremo Conselho da Ordem Martinista, também foram consagrados. No final de 1890, Doinel ingressou na Ordem Martinista de Papus e, segundo T.Apiryon, Doinel também se tornou membro de seu Supremo Conselho[14]. Doinel também era membro de um pequeno círculo oculto, “L’Institut d’études Cabalistiques”. Outros membros desse círculo cabalístico foram Firmin Boissin, Louis Lechartier e “Leo Taxil”.

A Igreja consistia em três níveis de afiliação: o alto clero, o baixo clero e os fiéis. O alto clero era composto por pares homem/mulher de Bispos e Sophias, responsáveis pela administração da Igreja. Eles foram eleitos por suas congregações e mais tarde confirmaram seu cargo por uma consagração formal dada pelo Patriarca. O baixo clero consistia em pares de diáconos e diaconisas, agindo sob a direção dos Bispos e Sophias, e eram responsáveis pela condução das atividades diárias da Igreja. Os fiéis, ou simples membros da Igreja, como os Parfaits (homens) e Parfaites (mulheres), designações que são traduzidas como “Perfeitos” e “Perfeitas”, derivadas do Catarismo.


Sedir

Em abril de 1890, Doinel publicou “La Gnose de Valentin”, no qual elogiou e agradeceu a Papus pela atenção dada à Igreja Gnóstica na revista mensal “l’Initiation”. Os decretos do “Santo Sínodo Gnóstico” apareceram na revista “L’Initiation”, de setembro de 1893. Outros textos publicados por Doinel para uso na congregação gnóstica: “Premiere Homélie” (sobre “A Sagrada Gnose”), setembro de 1890, “Restauração da Gnose”, “Fraccíon du Pain”, de setembro de 1893 (Missa Gnóstica, “A Partição do Pão”), maio de 1894, e o sacramento cátaro “l ‘Appareilamentum”, junho de 1894.

Uma declaração interessante é feita por Frater Navitae[15]: Doinel havia fundado sua Igreja Gnóstica Universal na esperança de reviver os ensinamentos de Orígenes, nome de grande importância para a fundação da Igreja Católica Romana e ele mesmo um ex-gnóstico. Orígenes foi um dos fundadores da Igreja Católica e um ex-gnóstico. Sabe-se que o Abade Júlio baseou suas doutrinas, através de Jean Sempé, em Orígenes. E, como veremos mais adiante, o sucessor de Doinel, Synésius, foi um discípulo de Abbé Julio.


Chamuel

Na próxima parte falaremos sobre a fraude de Taxil e a continuidade da Igreja Gnóstica através de Fabre Des Essarts.


Referências

↑1 Sem sucessão apostólica, mas espiritualmente de fato.

↑2 Membro do Grande Oriente da França.

↑3 Envolvidos com a “Compagnie des Jeux Floraux”.

↑4 A Doutrina Secreta de Blavatsky, O Livro da Lei de Crowley, etc.

↑5 Muito se deve a textos de alguns ocultistas que criticavam os fenômenos mediúnicos em contrapartida aos fenômenos que vivenciavam, como se os seus fossem superiores aos outros. Na realidade, por exemplo, mesmo os contatos de Blavatsky com os Mestres eram um contato mediúnico, mas se tentava explicar que este tipo de fenômeno não o era. Atualmente há uma negligência em relação a este tipo de situação, pois se considera apenas os textos críticos e desconsidera-se a própria história dos movimentos iniciáticos e os fenômenos que aconteciam com os seus principais líderes, que revelaria que muitas das vezes onde mais se criticava mediunidade mais ela caminhava ladeada com a iniciação.

↑6 Dentre ele podemos citar o Abade Roca, associado ao círculo de ocultistas de Stanislas de Guaita.

↑7 Embora tais denominações sejam originais do Catarismo, elas não assumem aqui o sentido de extremo ascetismo que possuíam e referem-se unicamente aos membros da congregação, sendo também muitas vezes associadas por Doinel com os conceitos deixados por Valentinus sobre as duas divisões superiores da raça humana – os Pneumáticos e os Psíquicos, únicos passíveis de serem “Perfeitos ou Perfeitas” (excluindo, consequentemente, os hilíacos da mesma classificação valentiniana). Somente indivíduos considerados com alta inteligência, refinamento e mente aberta eram admitidos na Igreja Gnóstica de Doinel.

↑8 O que demonstra que a consagração de Sophias (ou Episcopisas) acontecia desde o princípio do ressurgimento gnóstico.

↑9 O que faz 1890 o ano I da Era da Gnose Restaurada. Documentos de diversas Igrejas Gnósticas trazem um calendário que apontam em qual ano de tal Era estamos.

↑10 Consolamentum e Appareillamentum.

↑11 Papus, Sedir e Chaumel eram líderes e dignitários de diversas ordens esotéricas.

↑12 Primeira “Bispa”, ou mais corretamente, Episcopisa, que Doinel ordenou.

↑13 Papus, Sedir e Chamuel.

↑14 Doinel não aparece na lista de membros do Supremo Conselho da Ordem Martinista de 1891, então se especula que ele participou do Supremo Conselho entre 1893 e 1895, ano de seu rompimento com este movimento e, inclusive, com a sua Igreja.

↑15 Em um artigo intitulado “Apostolic Succession of Relevence to the E.G.C. and O.T.O.”.



Nesta parte 4 iremos falar do episódio conhecido como Fraude de Taxil, finalizando o período de Doinel, e chegaremos à Fabre Des Essarts como continuador de sua Igreja Gnóstica.


Lucifer Démasqué



Em 1895, Jules Doinel subitamente abdica do Patriarcado da Igreja Gnóstica e rompe seus laços com a Maçonaria e a Ordem Martinista – na qual havia sido introduzido por Papus, se convertendo ao Catolicismo Romano.


As razões da defecção de Doinel são obscuras, porém, provavelmente elas estão relacionadas com a sua ligação com Gabriel Antoine Jogand-Pages[1]. E é juntamente com a provável colaboração de Jogand-Pages que, sob o pseudônimo de Jean Kostka[2], Doinel lança o livro Lúcifer Desmascarado – onde ele ataca as organizações com as quais esteve ligado até então, a Igreja Gnóstica, a Maçonaria e o Martinismo.


Em seu livro, Doinel ao que parece também revelou um ritual que pertencia aos “Chevaliers Bienfaisants de la Cité Sainte” (CBCS), ordem interna do Rito Escocês Retificado de Willermoz. Esse ritual é conhecido como o “rituel d’armement”.


Gabriel Antoine Jogand-Pages, colaborador de Doinel em sua polêmica obra, foi o autor de uma das maiores campanhas da história do Ocultismo, iniciada na década de 1880. Após uma juventude anti-clericarista, se tornou maçom por um curto período[3], depois do qual se converteu ao Catolicismo, iniciando uma série de ataques através de livros e artigos contra a Maçonaria, o Rosacrucianismo, o Martinismo e outras organizações símiles. Em seus ataques, Léo Taxil acusava tais organizações de serem de origem satânica, controladas secretamente pela Ordem do Palladium supostamente dirigida por Albert Pike, e contrárias a toda Civilização Cristã Ocidental.


Durante longos anos Jogand apresentou as acusações contra tais organizações, alegando a realização de ritos inumanos de adoração ao diabo, de orgias obscenas e sacrifícios humanos no interior das mesmas, e da associação de todas elas sob um mesmo comando central secreto que respondia diretamente a satã em pessoa. Tal campanha alcançou tamanha notoriedade que levou Jogand até uma audiência oficial com o Papa Leão XIII. A fraude durou até abril de 1897, quando em uma assembleia composta por membros do clero católico romano e maçons de alto grau, Jogand revelou que tudo não passava de uma grande piada[4] que realizara contra a Igreja, para demonstrar a sua fragilidade e permeabilidade.


Coincidentemente, após menos de dois anos da exposição do engodo promovido por Léo Taxil, Doinel inicia correspondência com Fabre des Essarts. Sendo que em 1900 Doinel requisita sua reconciliação com a Igreja Gnóstica e sua readmissão como Bispo. Fabre des Essarts então reconsagra-o com o nome de Tau Jules, Bispo de Alet e Mirepoix. Em 1903, Doinel morre.


Uma explicação alternativa para o retorno de Doinel à Igreja Gnóstica, embora improvável, é que Doinel realmente nunca abandonou suas crenças gnósticas. Pensa-se que Doinel “colaborou” com Taxil para expor todas as mentiras e superstições que circulavam naquele momento com relação ao movimento de organizações iniciadoras, incluindo as da “sua” própria Igreja Gnóstica. Porém, tal explicação carece de verdade pois na prática o Doinel divulgou sim materiais fechados de tradições que fazia parte ou não e isso realmente aponta que ele abdicou daquilo que acreditava, fez coisas condenáveis e depois se arrependeu.


Tau Synésius: Fabre Des Essarts

A repentina saída de Doinel provocou uma relativa devastação na Igreja Gnóstica, porém ela sobreviveu sob o controle de um Sínodo de Bispos até 1896 quando Papus, Synésius, Sedir, Chamuel e outros convocaram um Sínodo no qual Tau Synésius, o Bispo de Bordeaux, poeta simbolista e estudioso do gnosticismo e do cristianismo esotérico, foi eleito para suceder Doinel como Patriarca. Tau Synésius era o nome místico de Léonce-Eugène Joseph Fabre des Essarts (1848-1917). O Sínodo Sagrado foi novamente realizado no oratório de Lady Caithness, que morreria em novembro de 1895[5].


Fabre Des Essarts

Fabre des Essarts, poeta e ocultista simbolista e amigo íntimo do Abade Julio – J.E. Houssay, começou a colaborar com Louis-Sophrone Fugairon (Tau Sophronius), estudioso do Catarismo e do Templarismo, para desenvolver a Igreja Gnóstica e introduzir novos elementos em seus ensinamentos. De acordo com Robert Ambelain, Fabre des Essarts era o “discípulo direto” do Abbé desde 1885. Des Essarts e Fugarion iniciam uma ênfase dentro da Igreja Gnóstica para a Teologia Gnósticae a Ciência Oculta, remodelando em parte o legado de Doinel. Mais tarde, Synésius introduziria elementos do Taoísmo (através de Matgioi, conde de Pouvourville) e Sufismo (através de Theophane Champrenaud) nos ensinamentos da Igreja Gnóstica. O Sínodo Sagrado (Papus, Sédir, Chamuel) também apoiou Fabre des Essarts a colocar a Igreja Gnóstica Universal (Eglise Gnostique Universelle) em comunhão com a Igreja Galicana.


Também é indicado que outra linhagem foi incluída no Sínodo Gnóstico de 1895 – a linhagem de Palaprat da “L’Eglise Johannites des Chretiens Primitif”, proveniente da participação e inclusão de Dom Mauviel e Mons. Chatel.


A Igreja Gnóstica de 1896 mudou seu nome várias vezes. “Église Gnostique Universelle Catholique” era como a Igreja Gnóstica era conhecida em 1893. O “Protocolo da União das Ordens Martinistas” de 1958 refere-se à Igreja Gnóstica de Doinel como a E.G.A.U. A “Église du Paraclete” a “Igreja do Paracleto”, era supostamente o nome da Igreja após a revelação de Doinel. Há também referências que apontam o nome “Église Albigeoise et Provencale”. Por fim, após 1900, a Igreja é geralmente referida como “Église Gnostique de France”.


Fugairon

Em 1899, Fugairon (Tau Sophronius) publicou um catecismo gnóstico chamado “Catéchisme Expliqué de L’Eglise Gnostique”. Em 1895, a primeira tradução francesa do “Pistis Sophia” havia sido publicada (por E. Amelineau), um livro ao qual L’Eglise Gnostique atribuiu a Valentinus. A nova fase da Igreja Gnóstica fez com que ela parecesse se tornar uma mistura de vários ensinamentos antigos. A doutrina também estava constantemente mudando e, portanto, foi decidido restaurar a ordem no óbvio “caos” em seus ensinamentos através do catecismo de Sophronius. Na época, os protagonistas da Igreja Gnóstica defendiam uma doutrina da igreja cujo conteúdo parecia ser uma mistura de vários ensinamentos antigos. A “doutrina” defendida também estava constantemente mudando e, portanto, foi decidido restabelecer a ordem no aparente “caos” dos ensinamentos por meio do Catecismo de Sophronius. O “Catéchisme Expliqué de L’Église Gnostique” contava com 400 páginas. No início do livro, a “Pistis Sophia” é mencionada, mas seu complexo sistema é tratado apenas superficialmente. Mais atenção é dada a Simão, o Mago e aos Valentinianos. É feita uma exceção às atribuições mágicas dadas em “Livres de Jeû”, dois textos adicionais de “Pistis Sophia”, o “Codex Brucianus”.


Como seu primeiro ato como Patriarca ordenado da Igreja Gnóstica, Fabre des Essarts reconsagrou o ex-Patriarca Doinel como Tau Jules, Bispo de Alet e Mirepoix. Outros Bispos consagrados por ele foram Léon Champrenaud (1870-1925), Tau Théophane, Bispo de Versailles; René Guénon[6] (1886-1951), Tau Palingénius, Bispo de Alexandria; Patrice Genty (1883-1964), Tau Basilide[7]; e Jean Bricaud[8] (1881-1934), Tau Johannes, Bispo de Lyon. Entre 1903 e 1910, Fabre des Essarts consagrou cerca de 12 Bispos, incluindo os já acima descritos.


Em 1900, foi publicada a primeira edição da revisão gnóstica “Le Reveil des Albigeois”.


A Igreja de Doinel, em seus dias, era mais simples, menos doutrinária e menos sincrética que esta reformulação. Frisava mais as ideias de Valentim e as expressões gnósticas como os cátaros. Pelo que parece, ele não percebeu as contradições existentes entre o dualismo das correntes como o valentinianismo e o catarismo e os ensinamentos da Tradição Esotérica Ocidental, mais particularmente da Ordem Martinista. A partir do momento em que ele se refere à Gnose como uma ciência universal e completa, ele não percebe que isto não é exatamente igual ao proposto pelo catarismo e é mais próximo do Esoterismo Ocidental e que isto, no futuro, faria a sua Igreja caminhar numa direção mais sincrética e universalista.


A doutrina da “Gnose Sagrada”, formulada por Doinel em sua “Premier Homélie” de 1890, foi desenvolvida e “completada” por Fabre des Essarts e Bricaud. Ambos trabalhavam no término dos rituais e no patrimônio ideológico da Gnose cristã renovada. Agora sim temos uma doutrina e uma organização muito mais formulada que a proposta inicialmente por Doinel. Há a adição de sacramentos, das figuras dos Arquidiáconos e das Arquidiaconisas, reformulações de sua estrutura organizacional, fazendo da sua Igreja essencialmente uma Igrejas de iniciados nos moldes de uma Ordem iniciática, com um sistema de sete graus baseados nos 33 graus do Rito Escocês Antigo e Aceito. Aqui temos os sete graus sendo relacionados a sacramentos e ordenações.


Em 1906 (7 de dezembro de 1906), Tau Synésius I foi convocado por um Sínodo Constitucional no “Santuário da Gnose” em Paris para uma declaração pública da doutrina da “Eglise Gnostique”. Uma constituição da Église Gnostique de Synésius foi redigida e representou “As Constituições e Ordenanças Municipais Aceitas de 1906”.


Com relação à direção da Igreja Gnóstica, a Constituição de 1906 declarou: “A Igreja Católica Gnóstica da França é estabelecida sob a direção de seu Patriarca com sede em Paris, França, e cujo título é “L’Eveque D’Montsegur” e que é Primus inter Pares (o primeiro entre iguais) e, portanto, democraticamente toma decisões importantes com a aprovação do Santo Sínodo; caso contrário, chamará o colégio metropolitano”.


Aparentemente a promulgação de 1906 atraiu dignitários ao Novo Santuário da Gnose, incluindo os Grandes Mestres e Hierofantes do Rito Antigo e Primitivo de Memphis-Misraim e também de várias Ordens rosacrucianas. Em grande parte, também se deve a Fabre des Essarts ter introduzido uma missa baseada ou derivada da “antiga tradição católica”. Por vezes a Igreja Gnóstica é referida como “L’Eglise des Inities”, a “Igreja dos Iniciados”, isto também porque, segundo Stephan A. Hoeller, nela católicos romanos que foram iniciados em ordens secretas de caráter maçônico, martinista, rosacruciano ou similar e que, portanto, sofreram excomunhão das autoridades romanas foram e estão aptas a participar dos cultos e receber os sacramentos na Igreja Gnóstica.


No início do século XX, a Igreja também incluiu um ‘Círculo Interno’, uma ‘Seção Esotérica’ reservada exclusivamente ao Clero. O trabalho iniciático desta sessão mais interna concentrava-se fortemente em Cabala, Alquimia e Teurgia. Uma de suas práticas teúrgicas era conhecida como “Batismo do Fogo”, pratica cerimonial que objetivava obter a Visão Beatífica de Jesus Cristo.


Na história da Igreja Gnóstica, fala-se de um certo grupo chamado “Chevaliers de Saint Montsegur”. Parece razoável pensar que os “Cavaleiros de Montsegur” foram o círculo interno iniciático da Ecclesia Gnostica.


Entre os “dignitários” que assumiram o compromisso com o Nova Santuário da Gnose estava, segundo Tau C.Harmonius II (R. Cokinis) e o Doutor Arnold Krumm-Heller (Tau Huirachoca), este consagrado por Tau Basilides. Sabe-se que Krumm-Heller era um discípulo do bispo Dr. Arturo Clement, que agia sob a égide de Jean Bricaud (Tau Jean II). Geralmente assume-se que ‘Basilides’ é Paul Genty. No entanto, um gnóstico alemão chamado Peithmann (Pastor Dr. E. C. H. Peithmann, 1865-1943) também carregava o nome místico de ‘Basilides’. Em uma obra alemã chamada “Lexikon des Geheimwissens” de H.E. Miers, afirma-se que Peithmann era membro da “Ordem do Graal”, uma das muitas ordens que foram fundadas no final do século XIX, mais exatamente fundada em 1893. Peithmann introduziu certas práticas de Magia Sexual nesta Ordem do Graal, que ele incorporou e desenvolveu mais tarde em uma igreja que ele fundou por volta de 1920, o “Altgnostische Kirche von Eleusis”, a “Antiga Igreja Gnóstica de Elêusis”. Koenig relata que a Igreja de Peithmann foi dedicada à “transformação da energia sexual” e à “libertação da semente da servidão”. Em 1923, Gustav Meyrink tornou-se membro da Igreja de Peithmann, embora sua afiliação tenha durado pouco tempo. Retornando a Krumm-Heller, numa “Revista Rosa-Cruz” publicada em Berlim, Krumm-Heller relata que foi Peithmann quem transmitiu a sua sucessão em 1930.


Tau C.Harmonius II também menciona o Dr. Rudolf Steiner e John Yarker como outros dignitários que “assumiram o compromisso”. Embora Steiner tenha sido fortemente influenciado pelo Rosacrucianismo e pelo Gnosticismo, não há evidências de que Steiner tenha sido membro da Igreja Gnóstica.


John Yarker ocupou muitos cargos e recebeu muitos diplomas honorários. Yarker manteve correspondência com quase todas as autoridades ocultas de seu tempo, incluindo Papus. Papus fez de Yarker o cabeça da Ordem Martinista para a Inglaterra e forneceu a ele um diploma honorário de “Doutor em Ciências Herméticas” em 1899. Em troca, Papus havia recebido em 1901 uma carta que o concedeu uma “Loja Swedenborgiana” chamada I.N.R.I. Embora seja bem provável[9] que Yarker também tenha recebido um título honorário da Igreja Gnóstica, não há provas do envolvimento dele com a Igreja.


Com o “consentimento” de Papus e outros martinistas, Bricaud rompe, em 1907, com a Igreja de Synésius para estabelecer a sua própria Igreja Gnóstica. Tal cisma foi um golpe devastador.


Após a morte de Fabre des Essarts, em 1917, Léon Champrenaud (Tau Théophane) assumiu o Patriarcado da Igreja Gnóstica. Patrice Genty (Tau Basilide) sucedeu a Champrenaud em 1921 e colocou a L’Eglise Gnostique de France em 1926 a favor da Église Gnostique Universelle de Jean Bricaud.


Referências

↑1 Que escreveria sob o pseudônimo de Leo Taxil.

↑2 Esse pseudônimo foi derivado do nome de um herói morto dos jesuítas poloneses, Stanislaus Kostka, no século XVI. O jesuíta polonês é mencionado em uma correspondência privada entre o romancista francês J.K. Huysmans e Jules Doinel. Essas correspondências são preservadas na “Bibliothèque de l’Arsenal”, arquivada como “Lettres de Jules Doinel” e “Lettres de J-K H”. Ambos se converteram ao catolicismo romano e, em 1895, Huysmans descreveu Doinel em uma correspondência privada como “homem muito educado e inteligente” que finalmente dedicou sua vida a Deus”.

↑3 Ele foi expulso de sua Loja.

↑4 Ainda assim até hoje vemos religiosos utilizarem informações contidas na fraude de Taxil como se fossem verídicas.

↑5 Considerando o ano de morte de Lady Caithness como 1895, é muito provável que, ao contrário do que geralmente se afirma, o Sínodo que elegeu Fabre des Essarts como patriarca ocorreu em 1895, antes da morte de Caithness.

↑6 Consagrado em 1909 após a sua expulsão da Ordem Martinista de Papus. Guénon tornou-se o editor de “La Gnose”, um periódico descrito como “o órgão oficial da Igreja Gnóstica Universal”.

↑7 Mais tarde este seria o último patriarca da “Eglise Gnostique de France”.

↑8 Consagrado Bispo aos 20 anos de idade.

↑9 Papus e seus sucessores sempre tentaram fundir Ordem Martinista, Igreja Gnóstica e Rito Antigo e Primitivo de Memphis-Misraim, do qual Yarker era Grande Hierofante. Tal estrutura é tida por Milko Bogaard como as três luminárias da escola francesa do Esoterismo Ocidental.



Nesta parte 5 chegamos ao período de Bricaud na Igreja Gnóstica. Aqui tivemos um cisma. A Conferência Internacional que ocorreu em Paris estava ainda com os ares do que ocorreu.


Jean Bricaud

Jean Bricaud estudara para ser sacerdote em um seminário católico devido ao desejo de seus pais. Aos 16 anos, deixou o seminário e começou a trabalhar como funcionário do Crédit Lyonnais. Em Lyon, começou a visitar Elie Alta (autor de “Le Tarot Égyptien, ses symboles, ses names are alphabet”, 1863), o espírita e terapeuta Bouvier, discípulo de Eliphas Jacques Charrot, que instruiu Bricaud na Cabala e na filosofia oculta. Em 1889, Bricaud se correspondeu com Brahme Kopp-Robur, que apoiou Bricaud a adotar uma religião incompreensível para a mente ocidental.


Jean Bricaud

Ainda no mesmo ano, Bricaud entrou em contato com Papus e é introduzido por este em sua Ordem Martinista. Em 1901, Synésius ordenou Jean Bricaud como bispo na Église Gnostique Nome episcopal de Tau Johannes, e deu-lhe a administração da diocese de Grenoble-Lyon.


Depois da consagração, recebe o grau de SI na Ordem Martinista em 1903. Antes de sua participação na Église Gnostique, Jean Bricaud, havia se envolvido com os movimentos fundados por Eugene Vintras e com a Igreja Joanita dos Cristãos Primitivos de Fabrè-Palaprat.


Como mencionado anteriormente, Fabre des Essarts introduziu novos elementos na Igreja Gnóstica. Aparentemente o interesse dele em Ocultismo não incluía a Ordem Martinista, pois, pelo que se sabe, ele em nenhum momento foi membro da Ordem Martinista de Papus. Muitos dos dignitários da Igreja neo-Albigense eram da Ordem Martinista, o que incluía seu Sínodo Sagrado e seu próprio fundador. Havia um “forte desejo” entre os martinistas de ter uma igreja mais intimamente ligada com a sua Ordem e também com uma estrutura mais intimamente relacionada com a Igreja Católica Romana.


Já em 1907, com o encorajamento de Papus, Bricaud rompe com Fabre des Essarts e funda seu próprio ramo da Igreja Gnóstica, cuja estrutura tinha mais paralelos com a Igreja Católica Romana do que com a Igreja Cátara, o que incluía inclusive o rito batismal com água e a ordenação de Sacerdotes. Além disso, a Igreja de Bricaud tinha muitos aspectos derivados do Martinismo – tanto Bricaud quanto Doinel eram Martinistas (Fabre des Essarts não era). A essa iniciativa de Bricaud e de Encausse se junta Fugarion e então é anunciada a fusão no ramo de Bricaud das três “igrejas” gnósticas francesas: a Igreja Gnóstica de Doinel, A Igreja Carmelita de Vintras e a Igreja Joanita de Palaprat – sob o título de l’Église Catholique Gnostique[1].


Em fevereiro de 1908, o sínodo episcopal da EGC elegeu Bricaud como seu Patriarca, sendo nomeado “Evêque Primat de France” (Bispo Primaz da França) na Igreja Gnóstica, sob o nome de Tau Jean II. Por ocasião de sua nomeação como Patriarca da nova Igreja Gnóstica, Jean Bricaud proferiu um sermão em Lyon. Logo após sua eleição como Patriarca da “Santa Igreja do Paracleto”, escreve um artigo denominado “Homélie”, onde afirma que há a necessidade de uma nova religião, já que o catolicismo não poderia atender as necessidades da sociedade moderna por mais tempo. Bricaud também inclui um batismo com água e um sacerdócio à sua Igreja.


De acordo com Gérard Galtier a EGC de Bricaud era mais direcionada ao Ocultismo e à Tradição Esotérica Ocidental em geral, enquanto a Église Gnostique de Fabré des Essarts era mais filosófica e “universalista”, incorporando inclusive elementos da metafísica oriental em seu sistema.


Congres Maçonnique Spiritualiste

Em Junho de 1908, Papus organiza em Paris no templo Comaçônico de “Le Droit Humain”, a Conferência Internacional Maçônica e Espiritualista. Papus, Victor Blanchard e Téder organizaram o congresso e muitos dos participantes pertenciam à “elite oculta” (francófona), com representantes e autoridades de Altos Graus maçônicos e dos mais diversos ritos de natureza espiritual.


Os principais temas do congresso foram Espiritismo, Magnetismo, Maçonaria Espiritual e Cristianismo Esotérico. Muitos oradores de destaque fizeram conferências sobre esses tópicos. Entre os palestrantes podemos citar Papus, Victor Blanchard, Albert Jounet, Phanég (conversa sobre “L’Occultisme Chrétien”), Joseph Heibling (“l’Initiation Hebraique et Les Sciences Occultes”) e Téder.


Fabre des Essarts, na época do congresso, era o patriarca da Igreja Gnóstica da França (a Igreja original do Doinel) e também deu uma palestra. O tema de Synésius era a Igreja Gnóstica e sua palestra ainda é um documento histórico valioso hoje porque foi feita imediatamente após o cisma de 1907. Aqui estão traduzidos alguns trechos do discurso original de Synésius que refletem os pensamentos e sentimentos dele em relação ao cisma ocorrido e seus pensamentos sobre o gnosticismo em geral.


“Queridas Irmãs e Irmãos, não conheço o controverso programa deste congresso. Terei apenas algumas palavras a dizer. Acima de tudo, é importante estabelecer claramente qual a qualidade que estou entre vocês. Foi Jules Doinel, com o nome místico de Valentín, designado pelo Altíssimo para restaurar a Santa Gnose que ordenou de acordo com os ritos dos antigos Albigenses, e entre os membros mais eminentes desta assembleia, vejo aqueles que assistiram à minha consagração naquela cerimônia piedosa. O Alto Sínodo me designou mais adiante para suceder a Jules Doinel com o título de Patriarca da Igreja Gnóstica da França e Bispo de Montségur, no qual nos lembramos do local em que nossos irmãos Cátaros aceitaram a coroa do martírio. É nesta transmissão direta, regular e autêntica que me investiram com capacidades episcopais e com o direito de conferir a iniciação gnóstica e os sacramentos de nossa religião majestosa. Qualquer reforma relacionada a esta Igreja sem nossa aprovação é considerada um cisma e uma heresia”.


Está muito claro como Tau Synésius se sentia em relação ao cisma de 1907. Segundo Synésius, existe apenas uma Igreja verdadeira, a “Église Gnostique de France”. A “Église Catholique Gnostique” de Bricaud e Papus de 1907 foi considerada por ele uma Igreja “herética”. Synésius continuou sua conferência informando à assembleia a existência do oratório da “Église Gnostique de France” em Paris, onde “ocorrem regularmente iniciações, mas devo acrescentar que nossas reuniões são absolutamente privadas”. Synésius continuou explicando que a intenção original da Igreja Cátara era “ser um templo aberto a todos”, mas, nesse momento, a Igreja era forçada a reconsiderar sua intenção original. “Tanto quanto o abade Vilatte, fechamos nosso umbral ao profano”.


Fabre des Essarts encerrou sua conferência dando algumas informações sobre o progresso da Église Gnostique da França no exterior. Ele mencionou brevemente um ramo da Igreja Gnóstica que aparentemente existia em Praga. Esse ramo era liderado por um certo “frère Jérôme”, que era o Patriarca do ramo boêmio. Synésius também mencionou o ramo belga, pequeno, mas muito ativo, como a Igreja na Espanha.


Gnostiche Katholische Kirche

Uma das inúmeras autoridades ocultistas da época que estavam no Congresso foi Theodor Reuss (1855-1923), cabeça da O.T.O., o qual investe Papus de poderes para estabelecer um Supremo Grande Conselho Geral dos Ritos Unidos da Antiga e Primitiva Maçonaria para o grande Oriente da França e das Dependências de Paris, delegando a Papus autoridade sobre o Rito de Memphis-Misraim.  Segundo os documentos publicados posteriormente, Theodor Reuss por sua vez havia recebido de Papus a autoridade Episcopal Primaz sobre a l’Église Catholique Gnostique, a qual passa a figurar em suas publicações como mais uma das organizações que tinham sua “Sabedoria e Conhecimento” concentrados na O.T.O.. Entretanto, Bricaud, Papus e Fugarion mudam o nome de sua Igreja para l’Église Gnostique Universelle (E.G.U.), relegando o nome anterior a Reuss, que passou a se utilizar do mesmo na tradução germânica de die Gnostische Katholische Kirche (G.K.K.).



Referências

↑1 Aqui finalmente as primeiras partes do trabalho se conectam com a Igreja Gnóstica em si


Continuando a nossa história, desta vez iremos conhecer Abbé Júlio, Jean Sempé e Giraud, figuras importantes para os fatos que virão e mesmo alguns que já citamos antes. Depois, vamos conhecer mais sobre a história da Igreja Gnóstica Universal (E.G.U.). Já estamos vendo desdobramentos que irão desembocar em acontecimentos após a morte de Papus, coisa que veremos a partir das próximas partes. Fique atento no texto e boa leitura!


Abbé Julio e Jean Sempé

O Abade foi um sacerdote católico até 1885, quando se tornou padre da Igreja Galicana da França. Em 1870, torna-se um herói nacional da guerra franco-prussiana, quando salvou a vida de dez homens feridos, devolvendo-os às linhas francesas sob fogo inimigo, na mesma noite em que guiou vinte soldados perdidos, através das linhas inimigas depois da noite, para um porto seguro.


Abbé Julio

Depois de servir a Igreja Católica Romana como vigário em várias aldeias francesas, recebe uma posição como vigário em Paris na “Eglise Saint-Joseph de Paris”. Suas ideias sociais e seu envolvimento na comunidade local são valorizados pelos paroquianos, mas isto certamente não foi apreciado pelos superiores do Abbé Julio. O Abade também atacou a “perversão” do clero católico romano na época, um assunto que ele dirigiu ao cardeal Richard em várias ocasiões. No livreto de Robert Ambelain, “Abbe Julio, Sa Vie, Sa Oeuvre, Sa Doutrine”, o abade relata uma dessas ocasiões, onde, em 1885, o Monsenhor Richard ameaçou Julio de o expulsar de Paris para uma paróquia na zona rural da França. No contexto da lembrança do Abade, ele também menciona Fabre des Essarts (Synesius) como “discípulo direto” de Julio, como declarado em um dos capítulos anteriores. Em 28 de fevereiro de 1885, a reputação de Abbé Julio é desonrada quando ele é acusado de fraude por dois “associados” do Cardeal Richard. Sua carreira dentro da Igreja Católica Romana acaba e ele a deixa. Nos anos seguintes, ele se envolve com a publicação de vários jornais e revistas religiosas, como “La Tribune de Clergé”, “L’Ami de L’Humanité” e “La Tribune Populaire”, órgão da democracia religiosa e da defesa do clero “em que seus sonhos de uma Igreja Católica realmente livre são propagados”.

No final da década de 1880, Abbé Julio encontra Jean Sempé, um  conhecido “curador da fé” ou, como os franceses dizem, um “guérisseur mystique extraordinaire” que usa a “seule prière” (a “oração única”). Jean Sempé ensina ao Abade que Cristo deu a seus discípulos a capacidade de impor as mãos nos pacientes para curar suas doenças. Abbé Julio recebeu de Jean Sempé o método de unir arquétipos da Sagrada Escritura antes de fazer certas orações, a fim de consagrar coisas como vinho, água com sal e óleo para serem usadas para combater as forças das trevas. Jean Sempé morreu em 1892 e suas orações foram publicadas em 1896 pelo Abbé Julio como “Prieres Merveilleuses pour la guerison de toutes les Malades Phisiques et Morales” (signe mystérieux de Jean Sempé). De acordo com o livro de Abbé Julio, Jean Sempé tinha “centenas de curas milagrosas em seu crédito, obtidas por meio dessas orações”. As orações publicadas no livro do Abade tinham múltiplas aplicações, preparadas para doenças físicas e mentais. A publicação mais famosa dele é “Livre des Secrets Merveilleux” (“Livro dos Segredos Maravilhosos”).


Jean Sempé

Abbé Julio estudou religião e a posição da Igreja sob a ótica do Ocultismo. Ele estudou o sentido esotérico dos Salmos e seus efeitos no ser humano. De acordo com ele, todas as doenças, incluindo as mentais, podem ser tratadas através do emprego dos Salmos, resultando em uma “re-harmonização”. Parece que suas doutrinas foram baseadas nos ensinamentos do gnóstico Orígenes, um dos fundadores da Igreja Católica.


Parece que o Abade estabeleceu uma capela em Paris, onde curou, abençoou e exorcizou, sob o lema de “Não há nada oculto que não será revelado”. Afirma-se que ele foi bastante perseguido pelas autoridades. Por volta do início do século XX, Abbé Julio publicou um livro chamado “Les véritables pentacles et prières” (“Os pentáculos autênticos e orações”). Ele associou e conectou as orações com símbolos concretos, pentáculos mais precisamente. Para ele, o Pentáculo[1] materializa o pensamento, a palavra e a ação, as três fases de qualquer criação.


Em 1901, o Abade é visitado por Joseph-René Vilatte (1854-1929) em sua casa em Fontenay. Vilatte era um Bispo da Igreja Sírio-Jacobita de Antioquia. Alguns anos depois, o Abade se tornaria um dos sucessores de Vilatte no episcopado. Em 4 de dezembro de 1904, Abbé Julio foi consagrado como Bispo da “Eglise Catholique Libre de France” pelo Monsenhor Paolo Miraglia, que havia recebido sua consagração por Vilatte em 1900. Ele também fundou uma review, “L’Etincielle Religieuse, Libérale et Sociale”, organe de l’union des Eglises. Em 1904, o Abade é nomeado chefe da “Eglise Catholique Libre de France”. Em 1907, Vilatte funda a “Eglise Catholique Francaise” em Paris, a igreja foi herdada de Vilatte por Abbe Julio. A Eglise Catholique Francaise é uma igreja oculto-gnóstica. O sonho do Abade de uma Igreja Católica realmente livre é realizado após sua morte em 1912 por seu sucessor direto no episcopado, Monsenhor Giraud. O abade Julio nomeou Dom Giraud oficialmente como seu sucessor em 21 de junho de 1911.


Afirma-se geralmente que Abbé Julio nunca foi membro de nenhuma organização, ordem ou sociedade oculta. Embora ele estivesse em “estreita comunhão” com muitos membros de organizações como a Ordem Martinista de Papus, ele nunca foi membro desta Ordem. Ele admirava e respeitava Maitre Philippe (Philippe Nizier). Milko Bogaard indica que o Abade George Burke, co-fundador da “Rose-Croix Martinist Order”, com sede no Colorado, em seu romance (fictício) “O Caminho do Cálice”, indica a existência de uma Fraternidade Teúrgica fundada por Abbé Julio, a qual infelizmente não floresceu. É claro que o romance de Burke é ficção, mas vários sucessores de Abbé Julio afirmam que o Abade estava realmente envolvido no estabelecimento de algum tipo de fraternidade oculta, possivelmente ligada aos Elus Cohen de Pasqually. Há inclusive alguns que falam que ele recebeu a missão de reestabelecer a ordem Cohen de SIs de sua época, dando uma visão universalista à Ordem, como se este fosse o objetivo original de Pasqually, apesar de sua estrutura e doutrina totalmente judaico-cristã. É claro e evidente que não há como atestar que realmente houve uma fraternidade fundada por Abbé Júlio e que realmente não encontramos nenhuma justificativa para tal afirmação sobre a ordem de Pasqually. Além disso, embora Abbé Julio invocasse todas as tendências espirituais e religiosas, ele visava especialmente a corrente cristã.  Quanto à Fraternidade Universal[2], a “Fraternidade Teúrgica” supra-citada com base na Ordem Elus Cohen, celebram não a ressurreição de um Mestre Arquiteto, mas a de Lázaro através do Cristo. Diz-se que tal fraternidade é constituída conforme a Lei de 1901, criada pelo próprio Abbé Julio.


Louis-Marie François Giraud


Louis-Marie François Giraud ascendeu ao primado da Igreja Católica Nacional da Gália na França em 21 de junho de 1911, quando foi consagrado por Abbé Julio (Mar Julio) como Arcebispo na Antiga Capela Católica de Aire, perto de Genebra, na Suíça. Mons. Giraud, um ex-monge cisterciense/trapista, tornou-se Diácono em 19 de março de 1907 e Sacerdote em 21 de junho do mesmo ano, sob a jurisdição de Dom Joseph-René Vilatte. Em 1928, Giraud, Bispo da Gália e Arcebispo de Almyre na época, foi apontado como “Patriarca da Igreja da Gália”. Isso foi feito para dar à pequena igreja galicana alguma autoridade em relação aos outros assentos patriarcais da cristandade. A Igreja Galicana esforçou-se por uma federação de igrejas ocidentais sob a bandeira da “Union des Eglises Catholiques et Orthodoxes d‘Occident”, algo que apenas teve sucesso parcial. A Igreja Galicana estava intimamente associada com a “Eglise Orthodoxe Chaldéenne” e a “Eglise Arménienne de France” na época. Em 1936 (5 de janeiro), Giraud consagrou Constant Chevillon (Tau Harmonius) como Bispo na “St Pierre Antioche-Église Syrienne”. Como dito anteriormente, tanto o Abade Julio quanto Giraud sempre estavam em estreita comunhão com muitos ocultistas de destaque de sua época.


Igreja Gnóstica Universal (E.G.U.)


A agora “Église Gnostique Universelle” tinha sede em Lyon, cidade natal de Bricaud. O Alto Sínodo, “Le Suprème Conseil du Haut Synode”, consistia em Jean Bricaud e Louis Sophrone Fugairon como Bispos Pimazes (Évêques-Primats), juntamente com Jean Baptiste, Bispo da Rússia, B. Clément, Bispo dos Estados Unidos, Marcel Cotte, Diácono, e Houdja IIetzel, Diaconisa.


Há um escrito de Bricaud que confirma uma afirmação feita anteriormente neste texto em relação a um possível círculo interno ou seção esotérica existente na Igreja Gnóstica. Ele diz que a Igreja Gnóstica é dividida em duas sessões, a exotérica e a esotérica. Esta última dá aos membros da sessão exotérica a possibilidade de receber a Iniciação Gnóstica. Tais membros só são aceitas no círculo interno sob certas condições, as quais ele não revela.


Em 1911, Fugarion, Bricaud (também conhecido como Tau Jean II) e Papus declaram a E.G.U. como sendo a Igreja Oficial do Martinismo[3], unindo oficialmente Igreja Gnóstica e Ordem Martinista.

Em julho de 1913, após uma longa amizade de Bricaud com o Bispo Louis-Marie-François Giraud, um ex-monge trapista cuja sucessão episcopal remonta a José René Vilatte (Mar Timotheos, 1854-1929), este recebe de Giraud a sua consagração também na Igreja Síria Jacobita Ortodoxa, na Igreja Galicana em Saint-Amand. Vilatte era um parisiense que emigrou para a América ainda jovem. Ele era um entusiasta da vida religiosa, mas não conseguia encontrar seus fins dentro das restrições que a Igreja Católica tinha. Então, na América, ele começou a procurar um ambiente religioso mais agradável à sua personalidade e ambições. Ele vagou de grupo em grupo, servindo como ministro congregacionalista, mais tarde sendo ordenado ao sacerdócio dentro no Vétero-Catolicismo[4]. Finalmente, obteve a ordenação episcopal em 1892 pelas mãos do bispo Antonio Francisco-Xavier Álvarez (Mar Júlio I), bispo da Igreja Ortodoxa Sírio-Jacobita e Metropolitano da Igreja Católica independente do Ceilão, de Goa e da Índia, que simultaneamente recebeu a ordenação de Ingatius Peter III, “Pedro, o Humilde”, Patriarca Ortodoxo Jacobita de Antioquia. Vilatte consagrou Paolo Miraglia-Gulotti em 1900, Gulotti ordenou Jules Houssaye (ou Hussay, 1844-1912) em 1904, Houssaye ordenou Louis-Marie-François Giraud em 1911 e Giraud ordenou Jean Bricaud em 21 de julho de 1913.


Tal consagração foi de tremenda importância para Bricaud, pois o colocava em uma válida e documentada sucessão episcopal apostólica, que era inclusive reconhecida pelo Papado como “válida, porém ilícita” já que se encontrava fora de sua estrutura e, portanto, não seria sancionada pelo mesmo[5]. Esta consagração providenciava para Bricaud e seus sucessores a autoridade apostólica necessária para a administração dos sacramentos Cristãos, o que para a Ordem Martinista – que tinha a maioria de seus membros com fé cristã orientada na corrente Católica Romana – representava uma possibilidade de continuidade de suas práticas cristãs[6], mesmo fora da estrutura Romana.


Bricaud era também, como muitos Martinistas da época, discípulo de “Le Maitre Philippe”.


Bricaud estudou os ritos de Willermoz e Don Pernety, Elus Cohen, a Estrita Observância, Philalèthes e Philadelphes. Em 1911, ajudou Téder e Edouard Blitz a desenvolver novas ideias em relação ao recrutamento de membros. Em 1914, Bricaud estabeleceu um “movimento Martinista” baseado nas ideias de 1911, as quais foram baseadas nas regras de Willermoz e seu sucessor, Antoine Pont (Blitz foi o sucessor de Pont nos EUA, Téder e Fugairon foram os sucessores na França), que eram as regras dos CBCS, ‘Chevaliers Bienfaisants de la Cité Sainte’, que incluía os ritos de Elus Cohen. Em 1914, Téder nomeou Bricaud Legado da Ordem para a província de Lyon (Bricaud vivia em Lyon). Bricaud também foi reconsagrado por Albert Rene Laurain de Lignieres em 20 de maio de 1914. Laurain de Lignieres era Bispo (sucessão oriunda de Vilatte) na Igreja Católica Galicana. Bricaud já havia recebido uma consagração na “sucessão de Vilatte” em 1913 por Giraud, então permanece a pergunta por que Bricaud recebeu outra consagração na mesma sucessão, a “Sucessão Apostólica da Igreja Católica Evangélica Independente da Sé Apostólica de São Pedro em Antioquia através da Igreja Ortodoxa Malankara (Malabar) da Índia”…


Bricaud teve grande importância na Ordem Martinista de Papus, com cargos nela e em outras organizações irmanadas como o Rito Antigo e Primitivo de Memphis-Misraim. Isso é de especial atenção porque, a partir de 1912, a autoridade de Papus começa a diminuir na Ordem e Charles Détre (Téder) começou a agir sob o nome de Papus. E, dada a proximidade entre ele e Bricaud, as ideias supracitadas[7] baseadas nos CBCS começaram a tomar forma para posterior utilização no seio das ordens em que participavam.


Charles Détre (Téder)

Como já vimos antes, a Igreja de Bricaud era mais direcionada ao Ocultismo e à Tradição Esotérica Ocidental em geral, enquanto a Église Gnostique de Fabré des Essarts era mais filosófica e “universalista”, incorporando inclusive elementos da metafísica oriental em seu sistema[8]. A Igreja Gnóstica Universal trata a Gnose como um sistema de Esoterismo universal sincrético que aborda as principais tradições do Ocidente porque via a unidade das religiões como um meio para a fraternidade universal, de modo a, no seu sistema, unir as principais Igrejas místicas e gnósticas de sua época: neo-valentinianos, carmelitas e joanitas.


Também era universal porque a sua parte mais exotérica consistia em uma aliança de Igrejas nacionais, governadas por seus próprios Sínodos individuais, mas todas elas suportadas por um Sínodo geral[9].


Bricaud também simplificou o sistema iniciático da Igreja para que ao invés de sete graus fossem quatro[10].


Referências

Referências

↑1 embora, na verdade, os símbolos que ele utiliza são pantáculos.

↑2 Embora historicamente não saibamos se a linhagem realmente existe, fato é que existem grupos que dizem a preservar.

↑3 Aqui vemos uma mudança no paradigma inicial da Ordem Martinista, adquirindo um teor mais religioso por meio desta ligação.

↑4 Teremos um texto posteriormente falando a história da nossa Igreja Joanita. Nele, falaremos sobre as Igrejas Vétero-Católicas.

↑5 Embora não sancionada, a sucessão apostólica existe.

↑6 Já que era comum o Papa excomungar membros que tivessem filiação iniciática exposta.

↑7 As ideias consistiam em uma tentativa de “maçonizar” a Ordem Martinista, o que incluía a proibição do ingresso de mulheres nela e a participação exclusiva de Mestres Maçons. Isso é de especial atenção porque até hoje há ramos que possuem essa ideia mais “maçonizada” e que impossibilitam ou limitam o ingresso de mulheres ou mesmo de não maçons tanto no Martinismo quanto também em ordens associadas a ele que antes não possuíam tais proibições ou limitações. Isto pode incluir a Igreja Gnóstica que, como já vimos, consagrava mulheres em seu seio.

↑8 Como já vimos, ambas vão se aproximando do Esoterismo Ocidental, sendo verdadeiras escolas iniciáticas, mas a Igreja de Essarts tem uma abordagem mais filosófica e a de Bricaud mais ocultista.

↑9 Basicamente temos aqui o espírito do que acontece hoje nos tratados de amizade e reconhecimento. Há uma aliança entre organizações. Todas elas são independentes administrativamente, mas se auxiliam mutuamente como se fossem um corpo, único, mas formado por diversas células.

↑10 Antes: Barborianismo, Cordianismo, Nimfionismo, Estrationismo, Fiobionismo, Zaqueísmo e Barbelitismo (sem contar que a estrutura tinha por base os 33 graus maçônicos). Agora: Aprendiz/Estudante, Companheiro/Discípulo, Mestre/Iniciado, Mestre Eleito/Sacerdote.


Nesta parte, veremos como fica a E.G.U após a morte de Papus e também qual a era a situação da E.G.U fora da França entre 1908 e 1930.


A E.G.U após a morte de Papus


Em 1916 falece Papus e durante um breve período tanto a Ordem Martinista quanto as seções francesas do Rito de Memphis-Misraim e da O.T.O. são capitaneadas por Charles Henri Détré, porém, este também falece (em 1918), sendo sucedido por Jean Bricaud. O tratado de 1911 que reconheceu a E.G.U. como sendo a “Igreja oficia” da Ordem Martinista, havia sido ratificado por um documento manuscrito emitido em 11 de janeiro de 1917, assinado por Téder em nome da “Ordre Martiniste” e Bricaud em nome do E.G.U.


A agora chamada “Ordem Martinista de Lyon” restringiu a filiação à ordem estritamente para Mestres Maçons, como já havia sido pensado. A Ordem Martinista que Téder tinha em mente estava muito mais focada na Teurgia de Martinez de Pasqually e na Maçonaria de Alto Grau. Jean Bricaud levou a ordem ainda mais perto de uma base maçônica. As mulheres martinistas de repente se viram impossibilitadas de frequentar as atividades que já vinham desempenhando. Isto é motivo inicial para o rompimento de alguns martinistas à esta Ordem e o surgimento de outras Ordens, várias ramificações do ramo inicial. Não nos deteremos sobre este ponto por ser de maior atenção nos estudos martinistas. Mas vale refletir se caso a Ordem Martinista não tivesse sido ramificada como se ramificou até hoje ela ainda assim teria crescido tanto. Mas o que é importante no que diz respeito à E.G.U. é o fato de que as “reorganizações” de Bricaud também causaram todos os tipos de problemas dentro da sua Igreja Gnóstica.


Em 5 de maio de 1918, Jean Bricaud/Bispo Tau Jean II consagrou Victor Blanchard (membro do “Suprême Conseil de l ‘Ordre Martiniste” e um “Venerável da Loja Melchissédek nº 208”) como Bispo da E.G.U., carregando o nome de “Tau Targelius”.


Em 18 de setembro de 1919, Bricaud reconsagra Theodor Reuss como Bispo, em um sínodo da E.G.U. realizado em Lyon, de modo a delegar a este também a continuidade apostólica – e o aponta como detentor de todo o Legado Gnóstico da E.G.U. para a Suíça.


Reuss fez de Bricaud “Délegué Générale” da O.T.O. para a França, nove dias antes, em 9 de setembro de 1919. Reuss também concedeu uma autorização para estabelecer o Santuário Soberano Francês Rito de Memphis-Misraim. Em 30 de setembro, Bricaud ativou uma fundação francesa de um “Supremo Grande Conselho de Ritos Confederados, Primitivo Rito Escocês, Memphis e Misraim, Ordem Real da Escócia”. Como afirmado anteriormente, Papus concedeu a Reuss a autoridade episcopal e primacial na “Église Catholique Gnostique”, depois de receber autoridade no Rito de Memphis-Misraim de Reuss.


Como já vimos anteriormente, Reuss se referiu à sua Igreja Gnóstica Alemã como “Gnostische Katholische Kirche” (G.K.K.). Koenig afirma que Reuss se descreveu no posfácio de sua tradução da Missa Gnóstica de Crowley em 1917 como atual Chefe dos Neo-Cristãos Gnósticos, Patriarca Soberano e Primaz da Igreja Gnóstica e, ao mesmo tempo, como apenas Legado Gnóstico da Igreja Gnóstica Universal da França para a Suíça (a sede da OTO de Reuss estava na Suíça na época).


Victor Blanchard

Em 1917, após a morte de Fabre des Essarts, o patriarcado da Igreja Gnóstica de Doinel havia passado para Léon Champrenaud (Tau Téophane), embora inicialmente nenhum dos possíveis candidatos a suceder Synésius estava muito ansioso para tal, o qual foi sucedido por Patrice Genty. Genty por sua vez, em 1921, a favor da Igreja de Bricaud, passa a denominar o ramo Gnóstico de Doinel como l’Église Gnostique de France.


Aparentemente, Genty foi reconsagrado “sob condição” por Horwarth depois de 1922[1] (recebendo a linhagem de Bricaud-Blanchard etc.). Afirma-se que Genty colocou a E.G. da França para descansar em 1926. É dito que em 1926 Genty foi “elevado ao Patriarcado” em um provável contexto sobrenatural (uma visão) que indicava a continuação de uma Igreja Gnóstica sob Genty/Basilides. Sendo assim, até 1926, existia na França a “Église Gnostique de France” e a “Église Gnostique Universelle” de Bricaud. Porém, como já dito, em 1926 Genty põe em adormecido a sua Igreja Gnóstica. Também é sabido que tal adormecimento ocorreu em favor da Igreja de Bricaud.


Bricaud recrutou em Lyon, França, um grupo muito forte de clérigos e fiéis seguidores gnósticos. Como já vimos antes, foi aí que ele consagrou Victor Blanchard. Porém, por volta de 1919, a postura de Blanchard em relação a Bricaud mudou radicalmente. Ele, como muitos Martinistas da época na França e no exterior, não aceitou a suposta Grande Mestria da Ordem Martinista de Bricaud. Blanchard cortou todos os laços com Bricaud e partiu para estabelecer sua própria Ordem Martinista (fundada em 1921, Ordem Martinista & Sinárquica).


Blanchard ordenou pelo menos cinco Bispos gnósticos sob sua própria autoridade, incluindo Charles Arthur Horwath, que mais tarde foi consagrado, sob condição; Patrice Genty (Tau Basilide), o último Patriarca de L’Eglise Gnostique da França, previamente ordenado na sucessão espiritual de Doinel por Fabre des Essarts; e Roger Ménard (Tau Eon II), que logo ordenou Robert Ambelain (Tau Robert) em 1946, o qual fundou seu próprio ramo da Igreja Gnóstica: l’Église Gnostique Apostolique em 1953 – mesmo ano da morte de Blanchard.


Bricaud adoeceu em 1933 e em 21 de fevereiro de 1934 passou para a luz além da sombra.


Um dos órgãos afiliados à F.U.D.O.S.I. foi a “Eglise Gnostique Universelle”, mas esta Igreja certamente não era a E.G. Universelle de Bricaud. A E.G.U. da F.U.D.O.S.I. foi liderada por Tau Bardesane, Lucien Chamuel. Segundo Le Forrestier, há razões para acreditar que existia uma discórdia, senão uma rivalidade, dentro deste ramo da árvore gnóstica. Não se sabe muito sobre esse episódio, mas parece que Lucien Chamuel, que era membro do primeiro Sínodo Sagrado da Eclesia Gnóstica da década de 1890, havia fundado sua própria Igreja[2]. Lucien Chamuel é referido como “Presidente Eleito do Alto Sínodo” na mesma obra de Le Forrestier. Chamuel/Bardesane foi representado por Blanchard/Targelius como “chefe da Igreja Gnóstica” no convento de Bruxelas em 14 de agosto de 1934. Os desenvolvimentos e atividades dos ramos gnósticos entre 1925 e 1940, além da E.G.U. de Bricaud, são bastante obscuros e muito se baseia em especulações ou em dados que não possuem comprovação[3]. Depois de 1945, é quase impossível formar uma imagem coerente das várias igrejas gnósticas e suas afiliações.


Após a morte de Bricaud em 1934, o patriarcado da E.G.U. passa para Constant Chevillon, Grão Mestre da Ordem Martinista, ordenado por Mons. Giraud em 5 de janeiro de 1936 com Tau Harmonius, o qual mantém as atividades da Igreja até 1942, quando então é oficialmente dissolvida durante a segunda Guerra Mundial.


Constant Chevillon

Entre os bispos consagrados por Chevillon estava Arnold Krumm-Heller, o fundador da Fraternitas Rosacruciana Antiqua (F.R.A.), a qual passa a englobar também o legado gnóstico.


Krumm-Heller

As milícias nazistas e francesas sob as ordens da Gestapo de Klaus Barbie, também conhecido como “o açougueiro de Lyon”, mataram Chevillon (Harmonius) em 22 de março de 1944.


Os Delegados Gnósticos no Exterior (1908-1930)


Até agora nos detemos, na maior parte do tempo, à história da Igreja Gnóstica na França, com exceção das breves exposições dos ramos de Reuss e Krumm-Heller. Outros ramos não estão incluídos por falta de informação sobre eles, com exceção daqueles em que há nomeação de Delegados e sobre os quais nos deteremos agora.


Czeslaw Czynski

Por exemplo, Czeslaw Czynski/”Punar Bhava”, que foi nomeado em 1913 por Papus como “Legado da Igreja Gnóstica Universal da Rússia”. O Dr. Czinski já foi nomeado em 1910 como “Delegado Soberano” da Ordem Martinista Russa. Sua nomeação em 1913 como um Legado da E.G.U. na Rússia é uma possível indicação de uma Igreja Gnóstica existente na Rússia na época.


Edgardo Frosini foi nomeado em 1912, junto com Téder, como “Legado Gnóstico da Igreja Gnóstica Universal”. Em 1910, Frosini esteve envolvido no estabelecimento (junto com Reghini) de uma Loja Martinista em Florença. Mas, novamente, não há documentação de quaisquer atividades de um ramo ativo da E.G.U na Itália. Já a Ordem Martinista na Itália foi liderada em 1918 por Alexander Sacchi (Sinesius S ::: I :::, presidente do Gran Consiglio Italiano da Gran Loggia Martinista nazionale). O cisma na França também causou um cisma na Itália, uma parte dos Martinistas Italianos permaneceu leal à Ordem Martinista de Lyon (Bricaud) e era chefiada por Vicenze Soro. Por causa da conexão da Igreja Gnóstica com a Ordem Martinista, é bem possível que os Martinistas Italianos estivessem conectados à E.G.U. Massimo Introvigne se refere em um de seus artigos no site da Cesnur à Chiesa Gnostica d’Italia, que aparentemente também tinha fortes laços com a Maçonaria Italiana, mas o artigo não menciona datas.


Carl William Hansen

Na Dinamarca, Carl William Hansen / Ben Kadosh recebe em 1923 uma patente de Bricaud e após isto a organização de Hansen é reconhecida como “Grand Orient dela vrai et haute Maconnerie esoterique et gnostique de Danmark”. Hansen aparentemente se apresentou como Patriarca e Primaz do Sínodo Gnóstico Naassênico da Escandinávia. Hansen era chefe de uma estrutura que era uma compilação de ordens e sociedades como a OTO (do Reuss), OKR+C, M.’.M.’. etc. Novamente, não há mais informações disponíveis sobre a existência de uma Igreja Gnóstica na Dinamarca[4].


Synésius se referiu a um ramo gnóstico em Praga em sua palestra sobre a conferência de 1908 em Paris. Ele afirmou que esse ramo era um velho ramo boêmio da Igreja liderada por um certo “frère Jérôme”. Milko Bogaard nos revela, citando Koenig, que Sophronius (Fugairon, ex-associado de Synésius) agiu sob Bricaud como “Bispo de Praga”, uma indicação das atividades da EGU na Boêmia.


Clément de Saint-Marcq

Synésius também menciona “um pequeno, mas ativo” ramo da Igreja que estava ativo na Bélgica na época. Há quem fale que esse grupo era de Clément de Saint-Marcq, que residia em Antuérpia na época. Há dúvidas quanto à qual Igreja ele era vinculado, se a da E.C.G. ou a da E.G.U. Caso fosse da E.C.G., é improvável que o ramo que Synésius fala fosse o dele. Independentemente disto, Clément de Saint-Marcq era um gnóstico e um ex-membro da loja KVMRIS, da qual já falamos antes, e mais tarde tornou-se o chefe da Loja Martinista “VISCVM” em Antuérpia. De Saint-Marq foi membro da Igreja Gnóstica de Doinel na década de 1890.


Saint-Marq tinha uma interpretação controversa do conceito católico da Eucaristia. Ele queria dar uma explicação “científica e racional” do conceito de “união com o corpo místico de Cristo”. Segundo Clément de Saint-Marcq, a palavra-chave para todas as referências evangélicas à união mística é sêmen, chegando a dizer que é sob os auspícios do esperma que a carne de Jesus Cristo foi realmente capaz de ser um alimento e seu sangue uma bebida. Mallinger refere-se a Saint-Marcq com um “ex-comandante da Place Forte d’Anvers” (a fortificação de Antuérpia) e diretor de uma importante sociedade espiritualista, não citando qual. Theodor Reuss já chegou a dizer que Saint-Marcq possuía o segredo final da OTO que era, como Milko Bogaard aponta, parafraseando Peter R. Koenig, “quanto mais esperma você come mais a manifestação do Cristo ocorre dentro de você: nenhuma mulher é necessária para isto”.


Como já dá para ter percebido, os vários Patriarcas Gnósticos da França nomearam numerosos “Delegados” de suas respectivas Igrejas Gnósticas. Estes foram representantes delas em vários países da Europa e da América (do Norte e do Sul). Porém, é provável que na maioria dos casos tais congregações contavam apenas com alguns membros. E também, como vimos, alguns chegavam a destoar bastante das ideias da própria E.G.U.


Referências

Referências

↑1 Algumas fontes apontam que tal consagração ocorreu em 1933, na verdade.

↑2 Talvez por discordâncias em relação às novas ideias de Bricaud?

↑3 Sobre este ponto é válido afirmar que os documentos podem ter se perdido com o tempo, principalmente devido às perseguições da Segunda Guerra Mundial, e que muitas coisas que hoje alguns historiadores duvidam que tenham acontecido por falta de comprovação documental não era visto com estranheza na época. Ora, se algo não aconteceu e alguém estava se passando pelo que não era, também deveria haver documentos que comprovassem tal estranheza e, na maioria destes casos, isto não ocorre. Enfim, não é porque não há documentação documental, ou mesmo essa documentação não chegou até nós, que algo não aconteceu, ainda mais se não é relatada estranheza sobre tais afirmações na época. Porém, não há comprovação documental, repetimos.

↑4 a propósito, Kadosh foi registrado como um “luciferiano” na Dinamarca, não como gnóstico



Nesta parte iremos falar sobre as figuras de Reuss, Crowley, Krumm-Heller, Jean-Maine e outras. Por mais polêmica que essa parte possa ser, tais personagens fazem parte da história dos desenvolvimentos gnósticos modernos e, portanto, devem ser citados para a completude deste trabalho. Na próxima parte, continuaremos a história da Igreja Gnóstica na França, com a sucessão de Chevillon.


G.K.K. e Reuss

A história sobre a O.T.O. de Reuss e seu relacionamento com Aleister Crowley é bem documentada e amplamente conhecida, portanto não nos alongaremos nela, até mesmo porque não é o escopo deste trabalho. Irei apresentar nesta sessão apenas um breve resumo das atividades de Reuss e seus “herdeiros” em relação à sua Gnostisch Katholische Kirche, GKK.


Aleister Crowley

Como aconteceu com todas as ordens em que estava à frente, ele incorporou a G.K.K. dentro da Ordo Templi Orientis. Como afirmado anteriormente, diz-se que em 1908 Papus concedeu autoridade episcopal e primacial a Reuss em sua “Église Catholique Gnostique”, que traduziu para o alemão como “Die Gnostische Katholische Kirche”. Em 1917, Theodor Reuss traduziu a “Missa Gnóstica” de Crowley para o alemão, a qual o famigerado mago inglês aparentemente escreveu em 1913 e publicou sob os auspícios da sua OTO. Também conhecida como “Liber XV”, era o ritual da Igreja Católica Gnóstica que ele preparou para o uso na OTO, a cerimônia central de sua celebração pública e privada, análoga à Missa da Igreja Católica Romana. A publicação da “die Gnostische Messe” foi acompanhada por uma introdução escrita por Theodor Reuss (Merlin Peregrinus) chamada de “Os Neocristãos Gnósticos”.


Na época da publicação, em 1917, Reuss morava em Basel, na Suíça. Reuss refere-se a si mesmo como “Carolus Albertus Theodorus Peregrinus, Soberano Patriarca e Primaz da Igreja Católica Gnóstica, Vicarius Solomonis e Caput Ordinis OTO” e afirma que ele, como um “Patriarca Soberano” chefia a Igreja Gnóstica em vários países, tais como Alemanha, Holanda, Áustria, Hungria, Rússia, América, Romênia, Suíça e Turquia. Na mesma publicação, ele também se refere a si mesmo como atual chefe dos cristão neo-cristãos gnósticos e dos templários orientais.


Essa é uma afirmação bastante estranha, pois, ao mesmo tempo, Reuss se descreveu como “Delegado Gnóstico da Igreja Gnóstica Universal da França para a Suíça”, sob a liderança de Joanny Bricaud. Alguns autores afirmam que ele queria criar a sua própria Igreja, mas se trata possivelmente de uma especulação. De qualquer forma, como já vimos, em 1919, Bricaud fez de Reuss “légat gnostique pour la Suisse”, legado da Suíça. Bogaard, citando Peter R. Koenig, afirma que Bricaud queria introduzir[1] a “Missa Gnóstica” de Crowley como “a religião” para os maçons do 18º Grau do Rito Escocês Antigo e Aceito[2]. Reuss foi autorizado a apresentar a ideia em seu “Congresso Mundial de Maçons” em Zurique, na Suíça, em 1920, no qual o principal objetivo dele era estabelecer uma “União Internacional de Maçons”. Reuss falha miseravelmente. O relatório da sessão do Conselho Supremo em tal congresso afirma que nem o Grande Oriente nem seus membros possuem qualquer tipo de conexão com a Missa Gnóstica de Reuss, chamam-no de estúpido e ainda dizem estar tentando desassociar qualquer conexão ainda existente entre o Grande Oriente e o nome de Reuss.


É sabido geralmente que Crowley começou a trabalhar por conta própria desde que partira para a América alguns anos antes e que ele estava lentamente trabalhando para o estabelecimento de sua própria versão do O.T.O[3]. Em 1921, Crowley se auto-proclamou como O.H.O, “Frater Superior da Ordem dos Templários Orientais”. Na sua versão da Missa Gnóstica, diz-se que ela é descendente de outros rituais de união mística além da Igreja, como os Mistérios pagãos. Para Thelema, há uma precessão de Éons e a “fórmula do Deus morto”, isto é, o Cristianismo, era válida e correta no Éon anterior, de Osíris, sendo necessária uma nova fórmula para o novo Éon, o Éon de Hórus.


A questão crítica aqui é como Jean Bricaud, cristão devoto e seguidor de Maitre Philippe poderia aceitar a Missa Gnóstica de Crowley como a religião oficial do 18º grau da Maçonaria Escocesa[4]? Bogaard cita um documento no qual provavelmente Reuss nega o caráter cristão do grau de Cavaleiro Rosa-Cruz, dizendo que havia na verdade um caráter místico-gnóstico[5]. Peter R. Koenig afirma ter os documentos originais que comprovam que quem queria a Missa Gnóstica de Crowley era o próprio Bricaud, mas nunca o revelou. Independentemente de tal documentação existir ou não, é fato que Bricaud e Reuss trabalharam juntos e, pela época em que isto ocorreu, é claro que Bricaud conhecia o aspecto espermo-gnóstico dos grupos de Reuss, caso contrário não teria trocado cartas e dignidades. Koenig também afirma haver relatos, que podem ser reais ou não, que Bricaud e Crowley chegaram a se encontrar por volta de 1924.


Estas afirmações podem gerar mais perguntas sem respostas, se formos parar para analisar. É sabido que supostamente eles queriam incluir a Missa Gnóstica de Crowley na Maçonaria, mas por que não na própria Igreja Gnóstica de Bricaud? Por que foi escolhida a Maçonaria e não a Igreja? Não há evidências de Missas Gnósticas do Crowley sendo realizadas por Bricaud e seus sucessores. Elias Ibrahim afirmou que Bricaud e Chevillon, como continuadores da linhagem Memphis-Misraim, questionaram a conexão de Crowley com suas linhagens da Igreja Gnóstica e deste rito, pois quando a OTO passa para a liderança de Crowley, ela toma um rumo totalmente distinto. Mais tarde, na década de 30, Bricaud e Chevillon se uniram a R. S. Clymer para combater Lewis e sua F.U.D.O.S.I. Clymer classificou Crowley como um “mago negro” e desaprovou sua religião de Thelema, outro fato que fala contra a aceitação da Missa Gnóstica thelêmica pelos franceses. Enfim, a aceitação de uma declaração de que Bricaud, um ex-monge trapista e devoto discípulo de Maitre Philippe, aceitou a Missa Gnóstica de Crowley e Reuss parece muito estranha. Mas temos que entender que a possível proposição foi feita logo após a Primeira Guerra Mundial. Na época, Bricaud era um representante da O.T.O. de Reuss na França. O próprio Bricaud, como cristão gnóstico, demonstrou tolerância em aceitar variações doutrinárias. Não há documentada nenhuma afirmação formal de Bricaud contra Thelema. Talvez ele nem tivesse claro o que seria se dizer um “thelemita” ou mesmo, dado que tal solicitação foi feita quando Reuss ainda liderava a O.T.O., tal estranheza só surgiu quando Crowley encabeçou de vez a ordem de Reuss.


De todo o modo, o raciocínio e ações de Bricaud são bastante intrigantes e não temos como obter uma imagem adequada de sua personalidade e de seus pensamentos. Há a questão do cisma da Ordem Martinita gerado pela afirmação dúbia[6] de que Bricaud foi o legítimo sucessor de Téder. Há também a afirmação que o 66º de Memphis-Misraim[7] usado por Bricaud não alude ao Cristo, coisa que Ambelain, um sucessor de Bricaud, considerou bem estranho[8]. Koenig também afirma que a sede de Bricaud em Lyon trazia a inscrição “Église Chretienne moderne Néognostique”, que lembrava a lenda nos neo-cristãos gnósticos de Reuss.


Por fim, fica claro aqui que a missa da O.T.O. é diferente da missa da Igreja que gerou a sua linhagem. São relacionados por ascendência original, mas diferentes na maioria dos aspectos.


Milko Bogaard nos diz que Reuss e Crowley nunca receberam uma consagração “pessoalmente” na Igreja Gnóstica de Bricaud ou em qualquer outra Igreja regular. Sabe-se que não existe evidência documental de tais consagrações. Porém, não é porque uma documentação não chegou até nós que ela não exista, assim como não é porque não há documentação que algo não ocorreu. Até mesmo porque se isto tivesse acontecido deveriam haver declarações contendo a estranheza quanto a trabalhos sem consagração ou com alegação falsa de consagração e sabemos também que tais declarações não existem.


Hoje há várias ramificações de Igrejas Gnósticas thelemitas, algumas delas contando com linhagens além das de Reuss. Por mais que tal estranheza pareça não ter havido ali na década de 1910, não se vê compatibilidade entre as ideias originais da Igreja Gnóstica e as ideias thelêmicas. Há uma ascendência, mas as diferenças acentuam incompatibilidades.


Dr. Krumm-Heller e a Iglesia Gnostica Catholica


Arnold Krumm-Heller, do qual já falamos brevemente antes, aceitou a lei de Thelema até certo ponto. Para ele, Thelema não era nada mais do que uma nova forma de Gnose que nos permite voltar às raízes do Cristianismo, buscar o Logos dentro de nós mesmos. Krumm-Heller, como mencionado anteriormente, foi discípulo do Bispo Clement (bispo sob a EGU de Bricaud). No final da primeira década do século XX, Papus autorizou Krumm-Heller a estabelecer templos na América do Sul sob a sua jurisdição com o auxílio de Peter Davidson (da I. H. de Luxor). Krumm-Heller posteriormente recebeu a sucessão gnóstica de E. C. H. Peithmann e foi consagrado novamente em 1939 por Constant Chevillon. Depois da morte de Reuss em 1923, Krumm-Heller se considerou o herdeiro dos trabalhos de Reuss, assim como outros como Heinrich Traenker e Aleister Crowley.


Em 1927, Krumm-Heller fundou a “Fraternitas Rosicruciana Antiqua”, uma organização rosacruciana que floresceria principalmente na América do Sul.


Em 1931, Krumm-Heller publicou sua “La Iglesia Gnostica” ou “Die Gnostische Kirche”, livro este que chegou a ser traduzido no Brasil sob o título “A Igreja Gnóstica, Tradição Huiracocha”.


E. C. H. Peithmann

Quando Krumm-Heller morreu em 1949, sua organização continuou sob vários grão-mestres, sem um líder mundial ou qualquer outro tipo de liderança geral. Muitos membros das ordens da Krumm-Heller ficaram inseguros quanto a várias coisas, como o “status” de sua organização. Embora ele considerou-se sucessor da O.T.O. de Reuss, parece ter abandonado a ideia por aparentemente não mencionar isto em sua F.R.A. Há “Grandes Mestres Nacionais” na América do Sul e em alguns países europeus que continuaram a F.R.A. “original” e a O.T.O. Mas a história nos diz que é muito mais provável que Krumm-Heller tenha se dissociado de qualquer trabalho da O.T.O. depois da F.R.A. tornar-se bem sucedida.


Até hoje, aqui no Brasil, muitas lojas da F.R.A. celebram a  “Gnostische Messe” (Missa Gnóstica) de Arnold Krumm-Heller, que é aparentemente derivada da missa de Peithmann.


Várias fontes afirmam que Krumm-Heller nunca nomeou um Patriarca de sua Igreja Gnóstica e que ele aceitou no final de sua vida Robert Ambelain como chefe da Igreja Gnóstica. De acordo com algumas fontes. a única pessoa que recebeu tanto a sucessão da F.R.A. quanto a sucessão da Igreja Gnóstica de Krumm-Heller foi o Dr. Albert Wolf, que foi nomeado pelo Parsival, filho de Krumm-Heller, cinco dias após a morte de seu pai. Parece que o Dr.Wolf foi apontado como sucessor da Krumm-Heller no Brasil. Infelizmente o alegado sucessor morreu dentro de um ano após a morte de Krumm-Heller, em 1950. De acordo com informações derivadas de P.R. Koenig apontadas por Milko Bogaard, a maioria dessas organizações considerava o legado de Krumm-Heller como um tipo de tríade espiritual que consistia na F.R.A., na O.T.O. e na G.K.K./G.C.C. (Igreja Gnóstica Católica ou Iglesia Gnostica Catholica). Novamente, o quadro que emerge é bastante complexo, com várias Igrejas e organizações gnósticas hoje em dia, principalmente na América do Sul, todas alegando ser as sucessoras legítimas do Dr. Krumm-Heller.


Na Europa, as várias Igrejas Gnósticas Alemãs foram continuadas através de E.C.H. Peithmann, que representou uma continuação da “Antiga Igreja Gnóstica de Elêusis” (herdada pela sucessão por Krumm-Heller) e Ernst Tristan Kurtzahn, anunciado como “Ecclesiarch” da “Gnostica Ecclesia Catholica” na publicação nacional de “Der Weltloge”  em 1924. Kurtzahn aparentemente participou da OTO de Reuss na década de 1920. Kurtzahn também participou (através de escritos) do estabelecimento da “Fraternitas Saturni” de Eugen Grosche, uma ordem mágica muito intrigante fundada após o desaparecimento da “loge Pansophia”, uma loja pertencente à organização pansófica, uma ramificação alemã da O.T.O. de Reuss liderada por Heinrich Traenker nos anos 1920-1930 (a Fraternitas Saturni cresceu fora dessa organização em algum lugar entre 1926 e 1928).


Outro dos “herdeiros gnósticos” de Krumm-Heller na Europa foi (supostamente) Herbert Fritsche (contestado por muitos seguidores da F.R.A. na América do Sul), um suposto ex-aluno de Gustav Meyrink. O herdeiro da F.R.A. de Fritsche e sua Igreja Gnóstica foi Hermann Joseph Metzger, da Suíça (Fritsche morreu em 1960). Metzger liderou uma organização suíça que consistia em várias ordens irmanadas, como O.T.O., F.R.A., I.O. (Ordem Illuminati) e a G.K.K, a Igreja Gnóstica. Este grupo ainda existe até hoje.


L. F. Jean-Maine e a Ecclesia Gnostica Spiritualis


Outro ramo gnóstico ativo é a Igreja Gnóstica que faz parte da “Ordo Templi Orientis Antiqua”. A O.T.O.A. deriva sua autoridade de Lucien-François Jean-Maine.


H. F. Jean-Maine (filho de L.F. Jean-Maine)

Segundo Milko Bogaard, citando texto de P. R. Koenig, não há evidências documentais da história destas organizações antes de 1966, e seu labirinto de organizações relacionadas parece ter sido desenvolvido por Marc Lully, Michael P. Bertiaux e Manuel C. Lamparter, e talvez Kenneth Grant, no final da década de 1960. O próprio Milko revela que Hector-François Jean-Maine, filho de L.F. Jean-Maine, recebeu consagrações regulares e válidas de Ambelain e Dupont (E.G.U./E.G.A.) nas décadas de 40 e 50, o que já contradiz o que Koenig fala. Em outras palavras, H. F. Jean Maine era martinista e recebeu várias ordenações da Igreja Gnóstica da França e suas linhagens foram passadas a Michel Bertiaux, que sucedeu H.F. Jean Maine.


Qualquer que seja a verdade, de acordo com a história da O.T.O.A., L.F. Jean-Maine foi supostamente consagrado pelo sucessor de Doinel, Synésius, em 1899 e foi nomeado bispo da Église Ophite des Naaseniens (Ecclesia Cabalistico-gnóstico de Memphis-Misraïm) por Paul-Pierre de Marraga (Orfeo VI) da Espanha. P. P. de Marraga foi supostamente iniciado no Rito de Memphis-Misraim por Manuel Lopez de Brion em 1860. De Brion foi bispo da “Église Gnostique d’Albigois”, embora nenhuma evidência documentada deste ramo foi encontrada. A linha de sucessão de Brion e Marraga supostamente descende de um certo Tau Thesée I da “Église Hieroglyphique des Imagiers” de 1710. Afirma-se que Jean-Maine conheceu Papus em ou por volta de 1900. As fontes afirmam que Jean-Maine teve um background proveniente de um ramo haitiano dos Elus Cohen, estabelecido no século XVIII pelo próprio Martinez de Pasqually. Jean-Maine supostamente também colaborou com os discípulos da Fraternitas Lucis Hermetica de P. B. Randolph e recebeu em 1910 do próprio Papus o grau X da O.T.O. de Reuss. Afirma-se que, em troca, Jean-Maine consagrou Papus nos altos graus da Ecclesia Gnostica de P.-P. de Marraga.


Em 1919, Jean-Maine se mudou da França para a Espanha, onde supostamente consagrou seu sucessor da Ecclesia Gnostica Spiritualis, Martin Ortier de Sanchez e Marraga, da Igreja Gnóstica Espanhola ou “Église gnostique d’Albigeois et des Naaseniens”, que também estava dirigindo seu ramo de Memphis-Misraim. Fora do rito de M.M, desenvolveu outros trabalhos que foram influenciados pela O.T.O., F.L.H. de Randolph, a Ordem Martinista, o Gnosticismo e o Vodu.


Michel Bertiaux

Como já falamos antes quando não havia evidência documental sobre coisa alguma, isto não significa necessariamente dizer que o fato não ocorreu. Como envolve diversos nomes importantes na história da escola francesa de Esoterismo Ocidental, é claro que se não tivesse ocorrido haveria alguma manifestação contrária ao Jean-Maine. Além do mais, como o próprio Milko Bogaard aponta, Koenig foi representante europeu da O.T.O.A. de Bertiaux, mas em 1995 foi removido de sua autoridade pelo próprio Bertiaux…


Por exemplo, o filho de L.F. Jean-Maine, Hector-François Jean Maine, foi ordenado por Robert Ambelain em 18 de novembro de 1949[9] e mais uma vez em 1953, desta vez por Ambelain, Henri Dupont e seu próprio pai, L.F. Jean Maine. Ambelain ordenou-o mais uma vez em 1959 por uma razão desconhecida. Seu sucessor foi Michael Paul Bertiaux, que recebeu várias linhas eclesiásticas de sucessões como, por exemplo, a linhagem de Basilides, a de Valentinus, a da “Igreja Católica Liberal” e da “Ordem Mariavite”, a da “Église Gnostique Universelle” de Bricaud, bem como a da “Ecclesia Gnostica Catholica” de Krumm-Heller. Bertiaux também mencionou uma linhagem ortodoxa russa.


Referências

↑1 Tal afirmação é bastante controversa, pois a visão da Missa Gnóstica de Crowley era muito distinta da visão da Missa Gnóstica da Igreja de Bricaud, como veremos adiante.

↑2 A saber, o décimo oitavo grau do Rito Escocês Antigo e Aceito é o grau de Soberano Príncipe da Rosa-Cruz ou Cavaleiro da Rosa-Cruz. Para alguns autores, o coração do REAA é o seu grau 18, sendo o restante do rito uma moldura para este grau.

↑3 Ou seja, aos poucos Crowley estava inserindo a sua tradição, Thelema, dentro da O.T.O. Utilizando um neologismo, Crowley estava thelemizando a O.T.O.

↑4 Possivelmente também seria incorporada no Rito Antigo e Primitivo de Memphis-Misraim.

↑5 É como se disséssemos que o Cristianismo lá contido é mais simbólico do que religioso, coisa que o próprio autor discorda, afirmando que isto seria uma releitura devido ao grau 18 ser absolutamente cristão (religioso) por natureza. De todo o modo, é perfeitamente possível enxergar o Cristianismo enquanto símbolo e gnose, perpassando a própria religião que se estabelece através dele, coisa que Bogaard estranha aqui.

↑6 Conta-se que Blanchard constatou que o documento era falso. Fato é que há uma divisão aí, o que faz com que acreditemos que houve aqueles que acreditaram na veracidade do documento e aqueles que não acreditaram e romperam com a Ordem do Bricaud.

↑7 Patriarche Grand Consécrateur, Patriarca Grande Consagrador, grau no qual se faz um Bispo Gnóstico neste Rito.

↑8 Uma crítica que pode ser feita é – qual a relevância do grau citar ou não o Cristo? Presume-se que o iniciado já tenha esse conhecimento, além do mais uma compreensão mais universal, histórica e gnóstica das crenças religiosas faz muito mais o tom das Igrejas Gnósticas francesas neste período, como já vimos antes.

↑9 Ele havia sido consagrado como padre em 1949, sendo consagrado como Bispo apenas em 1953.


L’Église Gnostique Universelle – Chevillon


Voltando agora às Igrejas Gnósticas francesas, quando Jean Bricaud (Tau Jean II) morreu em 21 de fevereiro de 1934, foi sucedido por Constant Chevillon. Ele tornou-se o sucessor da organização de Bricaud que, como vimos antes, consistia em várias ordens iniciáticas. Dentre elas podemos citar: S.O.I. (Sociedade de Ocultismo Internacional, Collège d’Occultisme), Eglise Gnostique Universelle, Ordem dos Cavaleiros Maçons Elus-Cohen do Universo, Rito Antigo e Primitivo de Memphis-Misraim, Ordem do Santo Graal, Ordem Cabalística da Rosa-Cruz Gnóstica, Ordo Templi Orientis para a França.


Todas essas ordens foram incorporadas a um “sistema operável” centrado em torno da Ordem Martinista e do Rito Antigo e Primitivo de Memphis-Misraim. A Ordem Martinista, a agora chamada L’Ordre Martiniste-Martineziste de Lyon, que Chevillon herdou, foi dividida em duas organizações, a S.O.I. e os Elus Cohen. Supõe-se que a “International Occult Society” (SOI) correspondia de alguma forma à Ordem Martinista de Papus, com foco nos ensinamentos de Louis-Claude de Saint-Martin, reservando os Elus Cohen a maçons de Alto Grau, ou seja, a maçons do Memphis-Misraim. A OKRC de Guaita e outras ordens foram de alguma forma incorporadas nos ensinamentos da organização.


As informações acima são fornecidas para ilustrar a estrutura de uma organização que foi desenvolvida por Bricaud durante os anos de sua liderança da “OM de Lyon”, onde a sua “Église Gnostique Universelle” foi anexada como sua “Igreja oficial”. O foco da série é, naturalmente, a “Igreja Gnóstica Universal”, da qual Constant Chevillon se tornou seu Patriarca em 1934 sob o nome de “Tau Harmonius” ((“Patriarca neo-gnostique Tau Harmonius”, embora algumas fontes afirmem que Chevillon foi consagrado como Bispo por Giraud em 1936 – ambas as informações podem coexistir, inclusive)). Sabe-se que Chevillon fez algumas alterações na estrutura da organização, como a relação entre a S.O.I. e o M.M./Elus Cohen. A S.O.I. tornou-se uma sociedade independente da qual Chevillon nomeou Madame Bricaud, viúva de Bricaud, como presidente.


As revisões de Chevillion foram principalmente uma reação às relações alteradas entre as várias principais organizações fraternais e iniciáticas do mundo ocidental na época de sua liderança. Em 1934, a F.U.D.O.S.I. havia sido estabelecida em Bruxelas, uma federação internacional de ordens e sociedades iniciáticas. Vários dos órgãos afiliados dessa federação estavam sob jurisdição da organização Bricaud / Chevillon. Isso se aplicava aos dois ritos afiliados de Memphis-Misraim, que estavam sob a jurisdição do rito francês até 1933. Além disso, a F.U.D.O.S.I. também incluía a “Eglise Gnostique Universelle” de Lucien Chamuel como uma de suas organizações afiliadas, representada por Victor Blanchard que era originalmente Bispo da “Eglise Gnostique Universelle” de Bricaud.


Sob Chevillon, o relacionamento entre as ordens que integravam a F.U.D.O.S.I. e os Martinistas de Lyon (complementados com alguns outros representantes europeus da Ordem Martinista original e com oponentes de outros líderes das ordens que a constituía, como Reuben Swynburne Clymer, opositor do Harvey Spencer Lewis, da AMORC) tornaram-se comparáveis aos dias da época da “Guerra das Rosas” (Péladan contra Guaita, Papus etc).


Chevillon também reconsiderou o status da O.T.O. francesa, existente entre 1908 e 1920, que derivou sua autoridade de Reuss. Após a morte de Reuss em 1923, tornou-se indistinto quem liderava a coleção de graus do sistema de Reuss. Em várias correspondências entre Chevillon(Que nunca trabalhou ou usou a O.T.O. para a França.) e Hans Rudolf Hilfiker (Para muitos, o legítimo herdeiro de Reuss) que ocorreu entre abril e julho de 1936, Hilfiker chegou à conclusão de que a O.T.O. poderia ser considerada inexistente.


A relação tensa entre Chevillon e a federação belga culminou na fundação da F.U.D.O.F.S.I. , uma federação na qual a E.G.U. de Chevillon também foi incorporada. A F.U.D.O.F.S.I. (Federation Universelle de Ordres, Fraternites et Societies Initiatique) existia principalmente no papel e nunca realmente se transformou em uma federação ativa devido ao início da Segunda Guerra Mundial como o fora a federação a quem se opunha, a F.U.D.O.S.I.


A “Ordre Martiniste-Martineziste de Lyon” floresceu sob a liderança de Constant Chevillon durante os anos de 1936-1939. Em 5 de janeiro de 1936, L. M. Francois Giraud (1876-1950) consagrou Constant Chevillon como Bispo na “St Pierre Antioche-Église Syrienne”. Giraud foi, como afirmado anteriormente, o “Patriarca da Igreja Galicana” e, através de Giraud Chevillon, também recebeu a chamado “sucessão de Vilatte”.


Dupont

Quando a Segunda Guerra Mundial estourou em 1940, a França foi ocupada pelos nazistas, que proibiram todas as atividades de organizações iniciáticas, especialmente a Maçonaria e outras Ordens, Sociedades e Fraternidades similares. O sul da França era governado pelo marechal Pétain, que foi eleito pelo “Parlamento” em 10 de julho de 1940, que lhe conferia total autoridade e controle. Em 13 de agosto de 1940 foi proclamada uma lei que proibia as chamadas “Sociedades Secretas”. Em 19 de agosto, Pétain assinou o decreto de dissolução do Grande Oriente da França e da Grande Loja da França. Em 27 de fevereiro de 1941, outro decreto dissolveria todo o resto das sociedades e irmandades. Chevillon foi forçado a continuar suas atividades de ordem para ir “para o subterrâneo”. Chevillon foi assassinado a sangue frio pela Vichy-Militia em 23 de março de 1944.


A morte de Chevillon forçou seus seguidores a reestruturar a “organização de Lyon”. Segundo Swinburne Clymer, associado de Chevillon na época, o arquivo completo da organização de Chevillon foi trazido para a América por um certo M. de St. Vincent após a morte de Chevillon. Clymer alegou que o arquivo estava em sua posse. De todo o modo, sendo verdade ou não, Chevillon foi sucedido por Charles-Henry Dupont como Grão-Mestre da Ordem Martinista de Lyon, embora Chevillon (obviamente) nunca tenha nomeado um sucessor. Charles-Henry Dupont foi um associado próximo de Chevillon durante sua vida e um alto dignitário da “O.M. de Lyon” e da F.U.D.O.F.S.I. O rito de Memphis-Misraim encabeçado por Chevillon foi continuado por seus discípulos com a ajuda de Georges Lagrèze, Camille Savoir e René Wibaux.


Pela pena de Robert Ambelain, sabemos que esses três altos dignitários ajudaram na “continuação” do Rito de Memphis-Misraim na França durante a guerra. Ambelain refere-se a Georges Lagrèze como o substituto adjunto do Grão Mestre Mundial. Após a morte de Chevillon, Lagrèze é ‘aclamado’ por Ambelain como o ‘salvador’ do Rito de Memphis-Misraim, um rito que foi dirigido até então por Chevillon como vimos. Sabemos que a relação entre Chevillon e Lagrèze durante os anos 30 era de oposição. Em um documento datado de 1º de março de 1936 ((Este documento foi enviado a todas as lojas do Rito de Memphis-Misraim em todo o mundo informando essas Lojas sobre as atividades de apóstatas belgas e as decisões tomadas por eles.)) Chevillon chama Lagrèze de “plagiador” dos rituais do rito no que diz respeito às atividades de Lagrèze nos ritos de Memphis-Misraim presentes na F.U.D.O.S.I. Chevillon afirma também no documento que Lagrèze considerou ele próprio o substituto do Grão-Mestre do Rito. O objetivo deste documento era declarar o Rito de Memphis-Misraim de Rombauts e Lagrèze como sendo “irregular”, pois Chevillon era o Grão-Mestre Internacional na época. Este documento foi co-assinado por Charles-Henri Dupont.


Lagrèze tinha sido membro da Ordem Martinista original de Papus e recebeu sua iniciação de Téder em 1906. Ele também recebeu uma carta constitutiva do Rito de Memphis-Misraim de John Yarker em 1909 (que o tornou um 33º e 95º). Ambelain provavelmente se referiu a esta carta quando afirmou que Lagrèze era o “Grão-mestre substituto no mundo inteiro”. É geralmente afirmado que Yarker nomeou Lagrèze porque Yarker não estava satisfeito com as atividades de Reuss e Papus na França na época (por volta de 1908). Aparentemente, Lagrèze nunca fez uso desta Carta até 1944, quando nomeou Ambelain como Delegado do Rito (95º).


Segundo Gerard Galtier, parece que Lagrèze aceitou a direção de  Bricaud na década de 1920, mas se alinhou à “Ordre Martiniste et Synarchique” de Blanchard por volta de 1933, da qual ele aparentemente se tornou Grão-Mestre Substituto na época. Ao mesmo tempo, ele se alinhou com Rombauts e os dissidentes belgas e se envolveu nas atividades da F.U.D.O.S.I., o que o tornou automaticamente um oponente da organização de Chevillon. Lagrèze se envolveu mais tarde com a Ordem Martinista Tradicional de Chaboseau, da qual ele se tornou, brevemente, Grão-Mestre em 1946. Ele também esteve em contato próximo com o primeiro Harvey Spencer Lewis e, mais tarde, com o filho, Ralph Maxwell Lewis da AMORC. Lagrèze morreu em 1946.


Embora essas informações não estejam diretamente relacionadas às Igrejas Gnósticas envolvidas, elas se relacionam com vários personagens que desempenhariam um papel importante na continuação da Igreja Gnóstica após a Segunda Guerra Mundial.


O círculo de discípulos que participaram das atividades de Lagrèze, Ambelain, etc. durante a guerra consistiu de homens como André Chabro, Cyrille Novosselhof, Camille Zanolim, André Ouvrard, Charles Muller, Jules Boucher, Robert Amadou, Roger Ménard, René Chambellant etc. Vários desses homens estavam envolvidos com a continuação da Igreja Gnóstica após a guerra (Ambelain, Ménard e Chambellant desempenhariam um papel importante no desenvolvimento pós-guerra da Igreja Gnóstica como Bispos).


Ambelain e a Expansão da Igreja Gnóstica


Com o manto negro da Segunda Guerra Mundial nas costas, a Igreja começou a deixar a França para Portugal, Itália, Bélgica, norte da África e América do Sul, especialmente o Brasil, onde surgiu a sucessão da Igreja Católica Apostólica Brasileira.


Dom Carlos Duarte Costa (1888-1961) estabeleceu a Igreja Católica Brasileira algum tempo depois de junho de 1945. Costa havia sido Arcebispo de Botucatu, mas foi excomungado pela Cúria Católica Ramona em resposta a seus ataques ao Papa Pio XII por dar a bênção às tropas nazistas e fascistas na Praça de São Pedro em 1943. No final da Segunda Guerra Mundial, a proibição papal ao Arcebispo Costa foi levantada, embora o Arcebispo tenha recusado o convite para retornar ao seu posto na Igreja Romana e então ele fundou a Igreja Católica Apostólica Brasileira.


Robert Ambelain havia sido promovido ao trono Patriarcal e iniciou a recuperação da Igreja Gnóstica, que mudou seu nome de Igreja Gnóstica Universal (Católica), conhecida assim desde o Patriarcado de Jean Bricaud (Tau Jean II) e pelo martirizado Constant Martin Chevillon (Tau Harmonius), para Igreja Apostólica Gnóstica, mais conhecida como a Ecclesia Apostólica Gnóstica ou Église Gnostique Apostolique (EGA). Durante o período dos anos 50, Ambelain (Tau Jean II) foi escritor, traduziu muitas obras gnósticas e maçônicas e recuperou os Arquivos Gnósticos. Infelizmente, uma de suas obras mais notáveis, “Jesus e o segredo mortal dos Templários”, foi recebida na Europa com tanta controvérsia que o levou a se afastar da liderança ativa da Igreja. Ambelain, no entanto, também deve ser reconhecido pelo crescente crescimento gnóstico nas Américas. Em 1956, ele ordenou Pedro Freire (Tau Petrus) de Porto Alegre, Brasil, como Bispo Primaz da América Latina, que encomendou Fermin Vale Amesti (Tau Valentinus III), Primaz da Venezuela e América Central. Mais tarde, após sua renúncia como Patriarca na década de 1960, o novo Patriarca Roger Pommery (Tau Jean IV) assumiu o controle do ressurgimento americano.


Ainda em 1960 Charles-Henry Dupont (Tau Charles-Henry) – seu então Patriarca – renuncia sua autoridade em favor de Ambelain, o qual havia conseguido uma grande notoriedade com seus escritos. Ambelain, então, dissolve a E.G.U. em favor da sua já existente l’Église Gnostique Apostolique.


A última parte dos anos 1960 fez a Igreja Gnóstica ter grandes avanços e também enormes desafios. Em 1967, o patriarca Dom Roger Pommery (Tau Jean) sabia que certos Bispos franceses ordenaram uma mulher((Como vimos, originalmente, na Igreja do Doinel, tal prática existia. Aqui já vemos que alguns Bispos viam a ordenação de mulheres como um problema, contrariando algo que existia na origem do movimento.)) no Episcopado e havia chamado um “Sínodo Mundial” dos Bispos da Igreja para discutir essa prática. Este Sínodo não conseguiu resolver esse “problema” e, quando certos Bispos franceses continuaram a prática, os Bispos belgas deixaram a Igreja e formaram uma Igreja oposta conhecida como “Nova Aliança”.


A saúde de Pommery caiu e, após sua morte, a posição passou para Dom André Mauer (Tau Andreas), que a manteve brevemente por causa de sua saúde debilitada, passando posteriormente a posição para o Dr. Pedro Freire, Patriarca do Primado da América Latina, do Brasil. Esta foi a primeira vez na história em que o Patriarcado foi mudado para fora da França, para as Américas. Antes de fazer isso, convidou Willer Vital-Herne (ordenado no ano anterior por Roger Pommery) como Bispo com a Primazia da Igreja no Haiti, nas Índias Ocidentais e nas ilhas do Caribe. Ele também nomeou Pe. Roger St. Victor – Herard como Prefeito Apostólico da América do Norte.


Voltando um pouco para a questão das sucessões envolvidas aqui, é frequentemente afirmado (especialmente pela E.G.A.) que Charles-Henry Dupont (1877-1961) foi o sucessor de Chevillon como Patriarca da “Église Gnostique Universelle”. A linha de sucessão usual usada em muitos artigos históricos da Igreja Gnóstica Francesa é a linha “Bricaud – Chevillon -Chambellant((Foi eleito em 1945 quando a EGU foi ressuscitada, como sucessor de Chevillon.)) – Charles-Henri Dupont((Que sucedeu “Renatus”/Chambellant em 1948.)).


Chambellant

A sucessão de Chevillon por Dupont é afirmada por Robert Ambelain em uma publicação da revista “L’Initiation” de 1964. Segundo Ambelain, Dupont foi consagrado em 15 de abril de 1948 por Antoine Fayolle, membro da Ordre Martiniste-Martinéziste de Lyon, de Chevillon, e um alto dignitário do F.U.D.O.F.S.I.


Ambelain

Segundo Ambelain, Fayolle, foi ordenado por Chevillon alguns anos antes de seu assassinato, uma reivindicação (a ordenação de Fayolle por Chevillon) questionada por outras fontes, especialmente sobre a natureza da suposta ordenação. Parece certo que Fayolle ordenou Dupont na Igreja Gnóstica Universal. De acordo com Dom Charles Artagnan, o que realmente aconteceu foi que Dupont se declarou “Eveque gnostique et patriarche de L’Eglise Gnostique Universelle (Catholique Gnostique)” em um documento assinado por Dupont (Tau Charles-Henry) em 1960. Dupont também afirma neste documento que ele foi o sucessor legítimo e regular dos “Nos Seigneurs regrettés” Tau Constant (Constant Chevillon) e Tau Jean II (Jean Bricaud). O documento dizia respeito à transmissão sucessiva de Dupont a Robert Ambelain (Tau Robert ou Jean III) como Patriarca da “L’Eglise Gnostique Apostolique”. O documento exigia que Ambelain unificasse as duas igrejas. Após a morte de Victor Blanchard, em 1953, Ambelain fundou sua própria “L’Eglise Gnostique Apostolique”, fundindo-se com a “L’Eglise Gnostique Universelle” de Dupont em 1960.


A linha de sucessão que incluía Dupont como Patriarca da Igreja Gnóstica foi mais tarde aceita pelas Ordens que estavam ligadas à Federação das Ordens Martinistas (O.M de Papus do Dr. Philip Encausse, de 1958, O.M. de Lyon de Dupont, O.M. des Elus Cohen de Ambelain). Após 1960, essas Ordens foram incorporadas a ‘O.M. de Paris”, liderada pelo filho de Papus. Em 1962, o “protocolo da União das Ordens Martinistas” foi assinado por Philippe Encausse e Ambelain, um protocolo que menciona os laços tradicionais da Ordem Martinista com a “Église Gnostique Apostolique Universelle”. Em 1968, Philippe Encausse assinou um protocolo que confirmou a aliança((O protocolo era uma confirmação da “aliança de 1911” na qual a Église Gnostique Universelle de Bricaud foi reconhecida como sendo a “igreja oficial dos Martinistas”.)) entre a Igreja Gnóstica Universal e a Ordem Martinista((Na verdade, André Mauer já havia proclamado essa aliança oficial em 1967)).


A sucessão transmitida de Chevillon a Dupont foi conferida por Antoine Fayolle, um membro da E.G.U. chefiado por Chevillon e dignitário da F.U.D.O.F.S.I. Robert Ambelain afirma que Fayolle foi ordenado por Chevillon como sacerdote em 1938. Fayolle, como Ambelain afirma em uma publicação de 1964 de “L’Initiation”, em seguida, consagra Dupont em 15 de abril de 1948. Ambelain também menciona que Fayolle foi o suposto sucessor de Chevillon como patriarca da “Église Gnostique Universelle”. Aparentemente, essas afirmações se baseiam em um documento escrito e assinado por Charles-Henry Dupont, de 1º de março de 1946. Este documento (escrito à mão) consistia em testemunhos de Fayolle e outros, incluindo Dupont. De acordo com este documento, Chevillon havia ordenado quatro membros da “Église Gnostique Universelle” como padres; Lucien Raclet, Charles-Henri Dupont, Antoine Fayolle e René Chambellant. Como Chevillon nunca documentou as supostas ordenações((Ou nunca se teve acesso a tais documentos. Novamente, como já frisamos, não é porque o pesquisador não teve acesso a um documento que ele não exista.)), esses “testemunhos” foram publicados.


A sucessão de Constant Chevillon é tema de um artigo francês ((Uma entrevista com T. Jacques feita por Alain Pédron.)) chamada “Quest-ce que L’Eglise Gnostique”, que apareceu em uma publicação da revista “L’Originel” ((n. 2 -1995.)). Em um artigo com Tau Jacques((Robert Amadou.)) há inclusão de material suplementar e correções feitas por ele complementado com a contribuição de um certo Père Antoine, um padre da Igreja Maronita((Rito oriental da Igreja Católica Romana, com destaque especialmente no Líbano moderno.)) sobre a natureza de uma Igreja Gnóstica exotérica((Até agora nos deparamos com Igrejas Gnósticas “de” e “para” iniciados e aqui vemos pela primeira vez uma Igreja Gnóstica voltada também ao público externo.)).


O artigo original afirma que Constant Chevillon consagrou os quatro sub-diáconos (Raclet, Dupont, Fayolle e Chambellant) no diaconato. Tau Jacques afirma que está quase certo de que Constant Chevillon nunca realmente ordenou alguém como sacerdote de seu Episcopado gnóstico. Se Chevillon pretendia ordenar sacerdotes, isso era impedido pela guerra que estava à mão naqueles dias, como T. Jacques. Seja qual for a verdade, na posição de Amadou, nenhum dos quatro diáconos foi ordenado por Chevillon como sacerdotes em 1938. Chevillon não nomeou um sucessor e aparentemente nunca pretendeu escolher um, porque ele assinou um tratado com três outros líderes de Igreja fora da Igreja Gnóstica, que afirmava que, se um dos quatro líderes da Igreja que assinou o tratado morresse, os outros restantes é que nomeariam um sucessor.


Após o assassinato de Constant Chevillon, esse tratado foi aparentemente encontrado em Paris. Parece que o tratado foi assinado por volta de 1940-1941. Um dos signatários foi Monsenhor Marie-Marcel Laemmer, contatado por um dos ex-discípulos de Chevillon. Acontece que René Chambellant teve o apoio de alguns membros da Igreja Gnóstica de Lyon para se tornar o sucessor de Chevillon. Dom Laemmer aparentemente consentiu em ordenar e consagrar Chambellant como “Eveque gnostique et patriarche de L’Eglise Gnostique Universelle”, mas afirma-se que os outros dois signatários do tratado se opunham a esta nomeação porque esses Bispos se opunham à consagração de um “gnóstico”.


Lucien Raclet e Antoine Fayolle também se aproximaram de Dom Laemmer no que diz respeito a uma possível consagração. A história não teve continuação, embora se afirme que Raclet recebeu sua ordenação um pouco mais tarde de uma Igreja diferente. Quanto a Antoine Fayolle, parece que Fayolle recebeu sua “sucessão” de um Marcel Cotte que recebeu a filiação da “Église Gnostique Universelle Catholique” de Jules Doinel. De alguma forma, a sra. Bricaud, a viúva de Jean Bricaud, está envolvida com a autenticidade da afiliação de Cotte. O artigo afirma que a Sra. Bricaud não atribuiu muita importância à sucessão apostólica, sem a qual a Igreja Gnóstica de seu marido funcionava até 1913 e, portanto, acreditava que a Igreja Gnóstica ainda poderia continuar com Marcel Cotte com a filiação de Doinel((Portanto com a filiação espiritual de Doinel, sem uma sucessão apostólica.)). Quando Fayolle recebeu sua sucessão de Cotte, ele imediatamente se proclamou como “Eveque gnostique” na linha de sucessão que descendia de Bricaud e Chevillon, em outras palavras, Fayolle se proclamou sucessor de Constant Chevillon. Fayolle então consagra Charles-Henry Dupont em 15 de abril de 1948. A consagração é, como afirmado anteriormente, confirmada por Robert Ambelain.


Voltando para as sucessões nas Américas, A l’Église Gnostique Apostolique em 1970, através de linhas sucessórias cruzadas em Tau Pierre (Pedro Freire), passa a caminhar associada à l’Église Gnostique Catholique Apostolique, porém, ambas em 1978 também passam a repousar como organizações internacionais após a declinação ao patriarcado por parte de Fermin Vale-Amesti (Tau Valentinus III).


Embora o ramo americano da l’Église Gnostique Catholique Apostolique tenha mantido suas atividades até 1989, após a morte do Primaz Roger Saint-Victor Herrad (Tau Charles) suas atividades passaram também a se restringir em focos isolados de atividade por parte de Bispos remanescentes.


O Dr. Freire era um homem muito amado e respeitado, não apenas na Eglise Gnostique Apostolique, mas também entre muitos outros sacerdotes dos mais diversos ritos apostólicos em todo o mundo. Dom Antidio Vargas ((Patriarca Titular de Theoupolis e Diretor da Catedral da Santa Igreja Católica Brasileira na cidade de Lajes, no Estado de Santa Catarina, Brasil.)) concedeu-lhe uma magnífica coroação e o instalou no Patriarcado no dia 17 de dezembro de 1970. Dom Vargas, assistido pelos Bispos da Igreja Armênia, ficou famoso por sua própria renúncia à Igreja de Roma, depois de críticas ao Papa Pio XII por colaboração política com as tropas-eixos na Segunda Guerra Mundial, como falamos anteriormente. Dom Vargas era agora o Patriarca da Igreja Vétero-Católica do Brasil.


Ele nomeou o Dr. Freire como Mar Petrus-Johannes XIII, seguindo o estilo católico ocidental mais que o gnóstico. Vale ressaltar que o reinado de Petrus-Johannes XIII pareceu começar uma tendência ao ecumenismo que continuou na carreira de Roger Saint Victor Herard, que havia sido nomeado Primaz da América do Norte em 31 de dezembro de 1970. Infelizmente Petrus-Johannes não conseguiu resolver, em seus sete anos de patriarcado, a profunda divisão entre os Bispos sobre a “problemática” da ordenação de mulheres.


Na década de 70, Ambelain aboliu o Patricardo “geral” e declarou todos os ramos como autocéfalos. Deste modo, cada estrutura é independente, com seus Bispos e seu Sínodo, sem a figura de um Patriarca “universal”.


Há muito mais histórias, principalmente nos ramos agora autocéfalos, mas decidimos pará-la neste ponto, quando podemos considerar o fim de um era da Igreja Gnóstica e começo de uma nova, mais independente e livre, mas ainda séria e tradicional.


Diferenças de Abordagem


Enquanto pontuamos a história dos desenvolvimentos gnósticos modernos, vimos que em cada figura de destaque tínhamos uma abordagem distinta. Podemos, para fins didáticos, dividir a história dos desenvolvimentos da Igreja Gnóstica Francesa em quatro eras – Doinel, Fabre des Essarts e Fugarion, Bricaud e Ambelain. Em cada uma delas há diferentes definições, abordagem e paradigmas do Gnosticismo, das doutrinas, das liturgias e das estruturas iniciáticas.


O foco deste trabalho foi em demonstrar uma linha histórica das principais figuras da Igreja Gnóstica em suas eras, ainda que vimos outras figuras não menos importantes em outros sistemas como Palaprat, Reuss e Krumm-Heller. Muitas vezes tivemos que entrar em nuances das Ordens com as quais estavam envolvidos porque era necessário para uma melhor compreensão de como as suas Igrejas se desenvolveram e se relacionaram. Tentamos não entrar nestas particularidades de definições, doutrinas, liturgias e estruturas, ainda que por algumas vezes o fizemos, para que possamos ver no decorrer de nossos estudos, pois o foco aqui foi na história.


Porém, para finalizar, vejamos o que Mathieu G. Ravignat dispõe sinteticamente sobre as diferenças de ênfase e estrutura dentro de cada era.


Era Doinel. Ênfase: Neo-catarismo, Neo-valentinianismo. Estrutura: simples.


Era Fabre des Essarts e Fugarion. Ênfase: Sincretismo gnóstico/esotérico (incluindo também religiões orientais). Estrutura: muito complexa – sete graus gnósticos associados a sacramentos e ordenações associadas de modo a formar um sistema similar e baseado aos 33 graus do Rito Escocês Antigo e Aceito.


Era Bricaud. Ênfase: Sincretismo gnóstico/esotérico (há uma “catolicização” da Igreja Gnóstica). Estrutura: uma estrutura mais simplificada que a anterior, composta de apenas quatro graus.


Era Ambelain. Ênfase: Origenismo + influência mais pontual da Igreja Romana. Estrutura: nos moldes da Igreja Católica Apostólica Romana, contendo quatro Ordens Menores e três Ordens Maiores.