segunda-feira, 29 de junho de 2020

Sebastianismo e o Esoterismo


Sebastianismo e Esoterismo na Arte do Prognóstico em Portugal (Sécs. XVII e XVIII)
Rui Grilo Capelo
Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.
O presente trabalho integra-se e completa-se na Tese de Mestrado em História Cultural e Política na Época Moderna, “Profetismo e Prognósticos Políticos nos sécs. XVII e XVIII” (Coimbra, 1990).

“Ah quando quererás, voltando,
Fazer minha esperança amor?
Da névoa e da saudade quando?
Quando, meu sonho e meu Senhor?”
“Grandes mistérios habitam
O limiar do meu ser,
O limiar onde hesitam
Grandes pássaros que fitam
Meu transpor tardo de os ver.”
“Que símbolo final
Mostra o sol já desperto?
Na Cruz morta e fatal
A Rosa do Encoberto.”

Fernando Pessoa


1. No âmbito da investigação conducente a uma compreensão mais fundamentada dos prognósticos de carácter mágico-científico, ao longo da nossa Idade Moderna, tivemos forçosamente de fazer a sua integração numa ambiência profética mais lata, de características e origens diversas, mas com um sentido convergente de previsão do futuro mais ou menos longínquo. Se é sabido que a estrutura básica, da cultura europeia é profética e messiânica porque judaico-cristã, também é um dado adquirido, o enorme vinco traçado nessa cultura pelas doutrinas chamadas esotéricas.

Pensamos que em Portugal, tal como na Europa, a “arte” ou “ciência” de fazer previsões para o futuro tem origem na tradição hermética greco-latina e no neo-platonismo, bem como na tradição grega (por via pitagórica) com ligações ao cabalismo hebraico. Hoje, como ontem, misturam-se os conceitos de hermetismo, magia, esoterismo e ocultismo, havendo no entanto, um certo consenso, na sua ligação às histórias das religiões e do pensamento científico.

Por outro lado, o Apocaliptismo e o Milenarismo (já na versão joaquimita, proveniente de Espanha) encontraram no Portugal quinhentista terreno fértil à sua germinação e expansão. Afinal, o prosseguimento de uma onda profética que era Ibérica e Europeia.

Os prognósticos contemplam diversas áreas, procurando, provavelmente, dar resposta à multiplicidade de anseios de uma população diferenciada que os consumia — previsão de aspectos meteorológicos-práticos relacionados com a agricultura, previsão de catástrofes naturais, previsão de acontecimentos vários ligados ao destino individual e ao destino coletivo (saúde, doença, religião, conflitos sociais, guerra, alterações políticas, etc.).

Uma abordagem atenta da documentação, no período maneirista-barroco, permite pôr em evidência prognósticos de temática sebastianista (milenarista-joaquimita), prognósticos de carácter patriótico, prognósticos de tipo mágico-científico (ligações à alquimia, à cabala, à quiromancia, nigromancia, e a outras maneias, sobretudo à Astrologia).

A profusão de documentação astrológica durante o séc. XVII e, principalmente, ao longo de todo o séc. XVIII, afigura-se-nos algo surpreendente, se atendermos quer aos novos desenvolvimentos da ciência astronômica quer ao racionalismo crescente, mas encontramos uma forte correlação com o fenômeno sebastianista que, no mesmo período, se manifesta intensamente através de numerosos testemunhos e de uma prodigiosa produção de manuscritos.
2. Não pretendemos fazer uma análise profunda do fenômeno sebastianista, percorrer todos os seus possíveis enquadramentos e complexidades, mas apenas salientar o seu sentido de previsão do futuro e procurar constatar as suas correspondências com outras formas de elaboração de prognósticos.

O mito sebástico, apesar de muito estudado, explorado e especulado, está longe de se poder considerar esgotado em todas as suas implicações. Provou-o recentemente José Veiga Torres, ao refutar primeiro as ideias românticas do séc. XIX, que consideravam o sebastianismo como um instrumento simbólico de uma Pátria frustrada nas suas ambições imperiais; depois, a leitura comprometida a partir dos finais do segundo decênio do séc. XX, no qual o messianismo nacional constituía uma reserva de virtudes coletivas ancestrais e continha um glorioso desígnio providencial impondo a regeneração da Nação, a reconstrução do império colonial e o cumprimento de uma missão ecumênica que daria a Portugal uma dimensão política privilegiada; finalmente, a visão mais generalizada do fenômeno como expressão da “alma de um povo que sublimava no irreal da esperança as suas decepções de vencido no real da existência”.

Para este autor, o sebastianismo, integrado na corrente joaquimita ibérica e europeia, “foi sempre uma resistência alarmada à transformação cultural e social do país. Resistência que foi eficaz. Funcionou como instrumento de integração social (cristãos-novos) numa zona da geografia social que era crítica sob as pressões econômicas, políticas e culturais sobre ela exercidas. Funcionou como instrumento cultural autônomo de um clero sem fácil acesso a uma cultura racionalista de nível superior e como mecanismo de intervenção (contestação e resistência) na vida social e política. Significa a permanência de esquemas mentais arcaicos numa zona da população portuguesa que julgamos ser a das camadas médias, com influência nas camadas baixas, através do clero. Testemunha finalmente uma coesão e solidariedade de tipo nacionalista, por parte dessas camadas da população, que ajudou a reforçar”.

O conteúdo dos vaticínios de carácter joaquimita-sebastianista apresenta-se bastante constante em relação ao reino messiânico desejado — uma sociedade de paz, amor e justiça, um reino universal de mil anos com a derrota definitiva da potência demoníaca. Entretanto, as variações são já significativas quando analisamos a personagem catalizadora da mudança, o contexto social, político e cultural que determina circunstancialmente a evolução da crença e a fundamentação teórica em que se apoiam os prognósticos.

Os primeiros reveses no Oriente e em África encontram eco nas trovas de Bandarra que profetiza a conquista de Marrocos, o Turco derrotado e o Império Universal. D. Sebastião é considerado o predestinado para a consecução dessas tarefas através, por exemplo, de Diogo de Teive, Frei Miguel dos Santos, Freire de Andrade e por Camões. “As circunstâncias estranhas e trágicas do seu desaparecimento favorecem a mitificação dessa personalidade e também porque as consequências políticas do seu desaparecimento sobressaltaram o nacionalismo das camadas sociais que esperavam o Encuberto“.

Ainda que esta personagem-chave se tenha mantido nas expectativas dos sebastianistas mais tradicionalistas, a Restauração dividiu a corrente profética, com o sentido do seu aproveitamento para atenuar as divisões sociais e “para cerrar fileiras de todo o povo à volta da nova dinastia dos Braganças“.

Manuel Bocarro Francês, alquimista e médico, astrólogo e matemático, “dá o exemplo deste oportunismo patriótico no poema Anacefaleosis da Monarquia Lusitana (1624)* onde prediz o Império Universal sob égide portuguesa”. Na IV Anacefaleosis os prognósticos referem-se “ao duque D. Teodósio de Bragança, em que, sem grande esforço de imaginação, os leitores veriam apontado este príncipe como o esperado encoberto, o rei futuro e salvador do reino lusitano”.
* Como disse, Bocarro publicou em 1624, em Lisboa, um longo poema em 131 oitavas, intitulado Anacefaleoses da Monarquia Lusitana, que dedicou a Filipe III de Portugal. Mas o carácter sebastianista da obra tornou o autor suspeito aos olhos de Espanha, que então dominava em Portugal; dividida em quatro partes ou estados, cantava no Estado Astrológico esperanças de glória e de império universal. A obra publicada acabou por ser apreendida, juntamente com o manuscrito da Anacefaleose IV, dedicada a D. Teodósio, duque de Bragança, pai do futuro D. João IV. Bocarro via em D. Teodósio o Encoberto:

“…………………………………………..

Obrigação te nasce de amparares

Sereníssimo Duque, o Império Triste

…………………………………………….

Eu o uy, Luzitanos, não me engano

Já temos ao Monarcha descoberto

Alviçaras me dai do soberano.”

Apreendida a obra, Manuel Bocarro foi preso, mas libertado pouco tempo depois. Retirou-se para Itália, onde fez publicar a Anacefaleose IV, com o título de Luz Pequena Lunar e estelifera da Monarquia Lusitana. Aí explica os prognósticos feitos anteriormente, e garante a vinda do Príncipe Encoberto em menos de um século após o nascimento de D. Sebastião (Paço da Ribeira de Lisboa, 20 de Janeiro de 1554), portanto, até 1654.
Sob o patrocínio de Bandarra e com o impulso dos jesuítas, principalmente do Padre Antonio Vieira, o sebastianismo é defendido com ductilidade suficiente para identificar o Encoberto com as figuras de D. João IV, D. Afonso VI, D. Pedro II e D. João V. Surge uma literatura político-messiânica em que espíritos esclarecidos forcejaram para fazer crer que a Restauração era a realidade das profecias.

Vieira, para se defender do Tribunal da Inquisição, argumentou com este fato, que conduziu o sebastianismo a sair da clandestinidade e permitiu a livre circulação das trovas do Bandarra.

Embora com efeito mais transitório, os prognósticos sobre o Encoberto caíram sobre personagens menos marcantes do pós-Restauração quando já era patente que as esperanças da primeira hora se não realizavam. Aconteceu com o infante D. Duarte em 1648, com um herói desconhecido das guerras da Itália em 1659, e, finalmente, com D. João de Áustria em 1661. Paralelamente com as trovas, verdadeiro catecismo da crença, surgiram toda uma série de especulações que os sebastianistas atribuíam a individualidades de tempos remotos, algumas criadas só na imaginação — santos, religiosos, visionários, profetas e astrólogos, além de numerosos anônimos. Teixeira de Aragão, como curiosidade, refere que “até a filha de Príamo, morto na destruição de Troia, não deixou de profetizar a vinda de el-rei D. Sebastião“.

António de Sousa Macedo, culto diplomata habituado a viver nas cortes, para legitimar a nova monarquia perante a opinião europeia, não hesita em recorrer a todo um conjunto de vaticínios tradicionais, a previsões suspeitas, de numerosos videntes, casos maravilhosos e prodígios vários.

Lúcio de Azevedo refere que “no séc. XVII a credulidade vestia as roupagens da ciência — teologia, cabala, astronomia (astrologia?) (…) O que depois se agregou ao primitivo cabedal das profecias é o máximo a que poderia rastejar a bronca ignorância dos crentes e a boçalidade dos inventores. Depois de 1820 há ainda quem se ocupe de derrotar o sebastianismo fazendo aparecer o Egrégio Encoberto na pessoa de D. João VI, ao regressar do Brasil”.

A presença das chamadas “ciências esotéricas” em numerosas fontes sebastianistas dos séculos XVII e XVIII está perfeitamente detectada e pensamos que este facto se deve à necessidade de uma fundamentação teórica, um apoio sedutor e rigoroso para uma crença que os espíritos mais ilustrados consideravam perfeitamente irracional.
Uma substancial parte dos prognósticos era retirado do Antigo Testamento e Bandarra afirma-o nas suas trovas. Os elementos bíblicos, no sentido e na linguagem, das trovas, proporcionaram a sua aceitação por parte dos cristãos-novos e até mesmo uma certa identificação do Encoberto com o Messias. Se a tradição milenarista-joaquimita do Encoberto veio de Espanha, também não nos parece demasiadamente arriscado afirmar que já incorporava a esperança judaica. Nas revoltas de Valência, em 1532, o líder da sublevação, judeu, e seus sucessores, intitulavam-se o Encoberto redivivo; por outro lado, a cabala, doutrina mística e esotérica hebraica, está bem presente em Espanha desde a escola de Abraão ben Samuel Abulafia, cujo cabalismo profético teve continuadores ao longo do séc. XIV (Abraão Gikatila) e exerceu influência no pensamento filosófico renascentista.

O crescimento e difusão do Messianismo judaico iria ter grandes repercussões como Teófilo Braga salienta “o gosto e a forma das prophecias Portuguesas do século XVI deve considerar-se como uma influência da cabala conservada entre os cristãos-novos: a Gematria, quarto ramo da Kabala era a mais empregada, considerando-se as letras como números. Nas profecias de Bandarra há esse systema”.

Os prognósticos com fundamento na Cabala e sobre a vinda do Messias, eram frequentes e contemporâneos de Bandarra. São os casos de Isaac Abravanel que anunciava para 1503 a chegada do redentor prometido, Diogo Pires ou Salomão Molco, discípulo do célebre David Rubeni que, por cálculos cabalísticos, interpretava o apocalipse no sentido da chegada do quinto e último império, bem como do próprio Messias para 1540.

As trovas, que se tornaram numa verdadeira Bíblia sebastianista, foram reproduzidas parcialmente e mencionadas em muitos manuscritos dos sécs. XVII e XVIII e também impressas várias vezes até ao século XX. Esta enorme expansão e importância veio inevitavelmente a influenciar outros vaticínios da crença, que não hesitavam em assumir características herméticas, perscrutando o sentido cabalístico da Sagrada Escritura de modo a atingir uma revelação superior, reservada aos iniciados.

Procurava-se, por exemplo, o sentido cabalístico do nome Sebastianus — “é também o nome Sebastianus em si perfeito e completo por toda a regra da arismética a que os Hebreus chamam Cabala (…) Por este modo que as primeiras dez letras contém por unidade, outras dez por dezenas, e as outras que sobejam no abecedário contam por centenas (…) vamos agora ao nome Sebastianus que tomado por cabala faz o número de 628, tirando-lhe os noves, ficam sete número mais perfeito e completo de todos os números em cuja perfeição gastam os Autores muitas páginas (…) Deus depois de seis dias descansou. Os homens depois de seis miliários ou idades do mundo descansaram na sétima idade se é que se pode chamar idade aquilo que é eternidade (…) contudo este tal número (sete) é mais próprio do nome Sebastianus que de nenhum outro; basta por prova sua mesma etimologia; no lexicon do Prapias Litera ‘S’se acham estas palavras ‘Sebá id est septem quod fixum est’, diz que a palavra Sebá sete na língua latina, donde vimos a concluir que sendo o número sete o mais perfeito de todos, sendo Sebá a raiz do nome Sebastianus conserva este vocábulo em si toda a perfeição. Em Sebastião se cumprirão as profecias”.

Também se tomam evidentes, no contexto da crença sebástica, certas coincidências entre as datas prognosticadas pela cabala, para a vinda do Messias judaico e as datas vaticinadas pelos cristãos, para a chegada do Encoberto. No período que se seguiu ao golpe de estado de D. Afonso VI, à crise nacional, correspondia novo surto de messianismo judaico, que esperava o Messias, pela interpretação cabalística do Apocalipse, para o ano de 1666 — “que aquele que tem inteligência conte o número da besta, porque é um número de homem, e é o número 666”.

O padre António Vieira confirma o prognóstico para 1666 — “Aqui chegam agora uns padres de Itália, e dizem que para o ano que vem (1666) se esperam lá grandes mudanças no mundo (…) o céu e a terra parece começam a solenizar as vésperas e expectação do ano de 66 (…) Chama Bandarra a esta era a era dos seis por entrarem nela duas vezes seis, 660, e na era de 666 por entrarem nela três vezes seis, número muito notável e mui notado no Apocalipse”.

Vieira cita Bandarra, pois, efetivamente, encontram-se nas trovas referências ao seis da interpretação cabalística do Apocalipse:

“O Rei novo é escolhido
e elegido…
e nestes seis
vereis coisas de espantar”.
“E depois de eles entrarem
Tudo será já sabido,
Aqueles que aos seis chegarem,
Terão quanto desejarem
E um só Deus será conhecido”.

No entanto, Vieira considera impostoras e fingidas as esperanças judaicas na chegada do Messias para 1666 e refere que “neste mesmo ano é que os sebastianistas com todas as forças dos seus desejos esperavam pelo seu Encoberto”.

Durante grande parte da Idade Moderna, o conhecimento dos princípios básicos de astrologia, fazia parte do universo cultural de todo o homem civilizado. A “ciência” ou arte astrológica, enquanto capacidade de previsão ou adivinhação do futuro, serviu de suporte erudito quer ao sebastianismo tradicional, quer ao sebastianismo aristocrata da Restauração.

Lúcio de Azevedo, interpretando a intervenção de Bocarro Francez na renovação da crença, refere — “aqui a ciência punha-se de acordo com o prodígio, mas, porque falava em nome da razão iluminada, cumpria-lhe corrigir os erros em que laborava a simples fé. Dizia ele que, como sebastianista, acreditava não ter o soberano perecido na batalha.

Rei temos nele, assegurava, não porém em pessoa, mas no sangue da sua raça”.

Para aqueles que adivinhavam o futuro do mundo pelas regras complexas da astrologia, as suas predições não se afastavam das profecias de Bandarra e encontravam nas suas conclusões a confirmação de um futuro de Portugal tal como os sebastianistas esperavam.

O teólogo, filósofo e astrólogo, António Paes Ferraz no Discurso astrológico das influências da maior conjunção de Júpiter e Marte que sucederá neste ano de 1660, observada e calculada para o meridiano desta corte, cabeça de Portugal, previa, através da astrologia judiciária, que o Rei D. Afonso VI cumpriria as promessas concebidas pelos sebastianistas — “A segunda razão é tratar das glórias, felicidades e exaltação do Império Lusitano não só prometido por Cristo ao primeiro ascendente de V. Majestade (…) e por profecias de varões santos e virtuosos, mas ainda conjecturado das influências das conjunções dos Planetas Superiores (…) favoreça V. Majestade com a sua real grandeza estes felizes anúncios aplicados com a pena e o estudo deste seu vassalo”.
Multiplicam-se as referências à utilização da astrologia nos prognósticos sebastianistas. No Jardim Ameno, compilação manuscrita do séc. XVII, pode ler-se “Profecias, revelações e muitos santos e santos religiosos e servas de Deus, varões ilustres e Astrólogos eminentíssimos, que iluminados pelo espírito Santo, escrevem sobre a duração do reino de Portugal a Deo Dato, com sublimação à Dignidade Imperial no Encoberto das Espanhas e Monarquia Universal e última do mundo” e ainda, “sinais que apareceram desde o ano de 1558 até ao ano de 1640 em diversas partes do mundo, no céu e cidades dele”, onde cometas, eclipses e conjunções de planetas prognosticam a próxima chegada do Encoberto.

Verdadeiras listagens de vaticínios atribuídos a “santos, profetas e astrólogos” aparecem em manuscritos dos séculos XVII e XVIII, tendo, grande parte deles, sido interpretados num sentido favorável e adaptado à crença. A previsão de acontecimentos celestes, como eclipses, conjunções de planetas, questões meteorológicas, determinavam, por associação, momentos precisos para a concretização das profecias — “por juízo e prognóstico dos efeitos naturais (…) se faça extensão dos sucessos futuros das monarquias, podendo falar-se de horóscopo e ponto fixo do seu princípio e acertar o auge a que pode chegar a sua grandeza (…) assim se prognostica o fim da intrusão de Filipe II Rei de Castela neste de Portugal (…) e ficar sujeitos à Monarquia Portuguesa que há-de ser a última”.

Se as infiltrações da astrologia nos prognósticos sebastianistas são por demais evidentes, outros fragmentos herméticos onde se manifestam outras disciplinas filosófico-teosóficas, são escassos e de difícil penetração. A alquimia, talvez por necessitar de um mapa do céu favorável às suas realizações, é utilizada nos Anacephaleoses de Bocarro — “é no primeiro anacephaleoses (que intitulo estado astrológico e dedico a Sua Majestade, como o senhor desta Monarquia) mostro astrológicamente como em Portugal há-de ser a última e mais poderosa monarquia do mundo (…) e toco na Pedra Filosofal pela qual se convertem todos os metais em ouro (…) A pedra é medicina tal que as perigosas enfermidades cura os relutantes por oculta virtude em tudo plena, melhor do que Galeno e que Avicena, a gente que perdeu fatal sebasto, (…) cometas pelo Olimpo coruscantes, prognosticaram a fatal ruína”.

Anselmo Caetano Munhoz de Abreu Gusmão e Castelo Branco, a propósito das Conferências Discretas e Eruditas, promovidas pelo 4º conde da Ericeira, refere que este, D. Francisco Xavier de Menezes, afirmou na sua presença, ser a Pedra Filosofal o sebastianismo da Filosofia, “porque todos os homens de grande juízo são crisopeios, assim como os heróis de grande entendimento são sebastianistas (…) estão discretamente comparados os Sebastianistas, com os Herméticos”.

Quer nas Trovas de Bandarra, quer em muitas profecias (sobretudo de anônimos) ligadas à crença sebástica, nota-se um hermetismo que encontra paralelo em Nostradamus (afinal, contemporâneo do Bandarra), médico, alquimista e astrólogo que continua ainda hoje a ser comentado e decifrado.

Estamos convictos que a análise cuidada de obras como A Pheniz de Portugal Prodigiosa…, de Luis Nunes Tinoco, Número Vocal, Exemplar, Catholico e Político…, de Sebastião Pacheco Varela, o conjunto de trabalhos de Anselmo Caetano Munhoz de A. G. e Castelo Branco, trará novos desenvolvimentos à interpenetração do milenarismo sebastianista com fragmentos herméticos, no período maneirista-barroco.
3. Referimos a doutrina profética milenarista-joaquimita e a sua difusão em Portugal através do sebastianismo, corrente que levou à produção de prognósticos durante toda a Idade Moderna.

Procuramos mostrar, nessas previsões, uma frequente interligação entre o sebastianismo e as “ciências” ditas esotéricas; essa associação verifica-se muito íntima desde os inícios do século XVII, como prolongamento dos acontecimentos dramáticos vividos nos finais do século anterior, e estende-se em decrescendo até quase finais do século XVIII, primeiro numa simbiose perfeita entre “ciência e superstição”, depois por caminhos cada vez mais diferenciados devido, principalmente, aos imperativos da razão.

Com efeito, a perda da independência, os movimentos que levaram à Restauração, as mutações econômico-sociais, a intranquilidade da guerra com a Espanha, foram acontecimentos que levaram a um recrudescimento das profecias joaquimitas, que, elaboradas nos conventos, serviam para excitar o povo como uma técnica de captação e propaganda. Esse dinamismo messiânico foi aproveitado por parte do novo poder estabelecido para justificar e reforçar esse mesmo poder, evitar o perigo divisionista e promover a submissão. Com excepção do momento da Restauração, em 1640, não se pode colocar o problema do sebastianismo ao nível dos aparelhos do estado, do poder político, pois “o fenômeno profético e messiânico existe com anterioridade, denunciando um estado de espírito, uma mentalidade, uma representação crítica da vida coletiva que não se pode ligar de imediato a qualquer objetivo político, seja revolucionário seja reacionário”. Sobre as referências ao “sobrenatural” nas sociedades culturalmente religiosas e a impossibilidade de construírem uma consciência coletiva fora da religião, Veiga Torres refere que “este fenômeno pode ser constatado na coletividade nacional portuguesa ao longo do seu tempo histórico, e o sebastianismo mostra-nos que a sociedade portuguesa, ao nível social onde o sebastianismo se produziu e sobreviveu, era uma sociedade que não se compreendia coletivamente senão como uma sociedade religiosa, onde a consciência política era essencialmente uma consciência exigindo um certo comportamento religioso”.

Francisco Manuel de Melo assegura-nos com o seu testemunho que, antes da Restauração, o número de sebastianistas aumentava em proporção do descontentamento geral e, que, em 1637, o profetismo sebastianista teve um papel relevante pela palavra ardorosa dos oradores jesuítas, sustentada pelas “sentenças dos santos, os oráculos dos profetas e o juízo dos Astrólogos”.

Circulava, assim, em Portugal uma vastíssima quantidade de prognósticos sebastianistas que, visando uma esperança no futuro, viviam a expectativa de acontecimentos decisivos, quer com o sonho de reforma do mundo através de D. Sebastião, quer com a sede de independência e de autonomia política. Tanto na corrente sebastianista pura, ou seja, joaquimita, como na versão aristocrática da Restauração, encontramos prognósticos profundamente enredados com a teoria astrológica das grandes conjunções. Esta constatação afigura-se-nos importante, porque outros autores apenas apresentaram hipóteses pouco conclusivas, acerca de uma possível ligação entre o profetismo joaquimita e a teoria das conjunções. Eugênio Garin diz que “as influências recíprocas precisas devem ainda ser examinadas a fundo”, e Patrick Curry refere que na Inglaterra “os almanaques dos finais do século XVIII certamente discutiram e disseminaram as ideias milenaristas”. Situa-se aqui o fulcro do nosso interesse.

Esta teoria espalhada no Ocidente pelas obras dos astrólogos árabes, Alkindi e Albumasar, pretende uma ligação estreita entre alguns fenómenos celestes, como as recíprocas posições de planetas, e as grandes mutações na história da humanidade. “Crises históricas decisivas, tais como mudanças de hegemonia de povos e civilizações, o advento ou o declínio de religiões, a afirmação e a derrocada de reinos e impérios: tudo isto seria medido segundo os movimentos do relógio celeste. Nos céus, nas ‘danças’ dos astros, nos seus encontros, seriam descritas as épocas da história dos homens”.

Genericamente, Bocarro Francez refere que “cinco coisas extrínsecas são as que trazem os astrólogos sobre a mudança dos impérios (…) a primeira é as conjunções dos planetas superiores Saturno e Júpiter, as mudanças dos auges dos planetas e principalmente do Sol, a obliquidade do Zodíaco, o orbe magno (…) As conjunções máximas se fazem em signo de fogo (…) e estas causam na forma declarada as maiores mudanças do mundo, conforme a calculação astrológica que mostra, que todas as grandes mudanças que nele move foram nestas conjunções”.

No Discurso que o doutor Manuel Bocarro Médico, Filózofo e Mathematico Lusitano, fez sobre a conjunção máxima, que se celebrou no anno de 1603, 31 de Dezembro, o autor elabora a sua interpretação sobre a conjunção máxima de Saturno e Júpiter “em 10 graus e 26 minutos de Sagitário, signo que domina em Castela, e se faz na 10 casa, que é de Reis, e Reinos, estando precisamente em rigor geométrico perpendicular a Lisboa, por onde lhe denota exaltação” e concretiza o prognóstico “assim ao Império Romano seguiu-se a Monarquia Maometana e se pode conjecturar que se há-de levantar a última e mais poderosa Monarquia que provarei ser Lusitana (…) Além das razões astrológicas por donde se conjectura que o Império Lusitano se há-de levantar com Suprema Monarquia (…) acho alguns vaticínios proféticos que varões santos e pios deixaram escrito sobre este particular”. Esta previsão pré-restauracionista, joaquimita e conjuncionista visava, como atrás foi dito, o derrube do domínio filipino e a ascensão de D. Teodósio, duque de Bragança.
A mesma conjunção máxima de 1603, serviu para um autor anônimo do século XVII formular um prognóstico, em 1654, de carácter joaquimita-sebastianista puro, onde antevia “que sairia das partes mais ocidentais um príncipe que se intitularia Rei dos Cristãos, de um reino o mais pequeno e menos poderoso do mundo que Deus escolheria para destruição do Turco. O qual Rei, Deus escolheria para esta empresa sendo o menos poderoso para mostrar que obrava nele o poder divino, não o braço humano; Ele faria liga com os príncipes católicos e destruiria o Turco. Nele principiaria novo Império e o do Turco acabaria. Pergunta-se logo em que tempo tinham complemento estas profecias. Responde a profecia que da era de 1645 até à de 1660 se veriam cumpridas, porque durante estes quinze anos continuarão os efeitos da conjunção máxima”.

Outra previsão de tipologia similar mas referente a uma conjunção máxima do ano de 1623, afirma que “estiveram juntos nos seis graus e trinta e cinco minutos de Leão os dois superiores — Saturno e Júpiter (…) dizem os autores que têm experimentado o que por estas referem, nova gente e um grande nome se fortificará sobre a gente (…) um novo Rei e uma nova gente irão dominar o Mediterrâneo dos tártaros no ano de 1625”. O autor, anónimo, tece considerações de natureza astrológica, para justificar as alterações políticas que se irão produzir, apoiando-se em autoridades consagradas como Ptolomeu e Albumasar.

Para além do seu carácter político-religioso tradicional, estes prognósticos assimilam também, dentro da teoria das conjunções, o chamado horóscopo das religiões que lhe é intrínseco — “querem os filósofos que Júpiter na sua conjugação com os outros planetas signifique religiões e fé. E dado que são seis os planetas com que pode conjugar-se, sustém que seis devem ser no mundo as religiões principais (…) Se se conjuga com Saturno, significa os livros sagrados, isto é, o Judaísmo, que é a mais antiga que as outras seitas, como Saturno é o pai dos planetas (…) Se Júpiter se conjuga com Marte, dizem que significa a ‘lei’ caldaica, que ensina a adorar o fogo (…) Se for com o Sol, significa a ‘lei’ egípcia, que quer que se adore a milícia celeste, de que o Sol é o senhor. Se for com Vénus, dizem que significa a ‘lei’ dos Sarracenos, que é completamente voluptuosa e venérea (…) Se for com Mercúrio, a lei mercurial que é a cristã (…) até que venha perturbá-la, última, a ‘lei’ da Lua, que é a seita do Anticristo”.

Assim, depois da ascensão e domínio da religião islâmica, deverá sobrepor-se-lhe a cristã, na qual um guerreiro santo, depois de esmagar as forças maléficas e demoníacas, deverá liderar o seu povo na direção do Reino dos Santos, do Evangelho Eterno.

Já na segunda metade do século XVII, o filósofo e matemático António Paes Ferraz, escreve um prognóstico, que ele próprio intitulou de discurso astrológico, em que, visando fins políticos imediatos — apresentar D. Afonso VI como a concretização das esperanças sebastianistas, num período de instabilidade em que o Conde de Castelo Melhor ultimava o “golpe de palácio” que terminou com a regência de D. Luisa de Gusmão — mostra a força e a implantação da doutrina astrológica judiciária em meios eruditos, constituindo a mais fecunda utilização e profundo conhecimento da teoria das conjunções, face à corrente profética nacional. O autor tem a preocupação de vincar o estatuto de “ciência”, relativamente à astrologia, “ciência que só compete aos grandes príncipes, pois é a mais nobre de todas as que têm por objeto o Material”. Retira-lhe conotações religiosas, defendendo-se, ao mesmo tempo, com a nomeação de figuras da Igreja que a utilizaram com “tanta estima”. Refere que “o senhor D. Manuel Rei de Portugal que por esta ciência senhoreou as partes do Oriente e Ocidente” e que “nesta altura prosseguia o mais sábio por estrela, o sereníssimo príncipe D. Teodósio que Deus tem em glória, irmão de vossa majestade”. Desenvolve, de seguida, o corpo teórico da teoria das conjunções — “Os planetas errantes são sete, convém a saber, começando de cima para baixo Saturno, Júpiter, Marte, Sol, Vénus, Mercúrio e a Lua. Destes sete, os três, a que chamamos superiores, são Saturno, Júpiter e Marte porque estão acima do Sol. Destes planetas se formam certos congressos ou conjunções, cujos nomes são conjunção Máxima, Maior e Magna. Alguns dão quatro conjunções a saber, Máxima, Maior, Média ou Magna (…) A máxima é a que se faz de dois planetas, qualquer dos Superiores em algum dos 4 signos cardeais, como sucedeu no ano de 1453 em que o Turco alcançou o Império de Constantinopla, que se faz de Júpiter e Marte em Capricórnio. A maior é a que sucede de dois destes planetas em qualquer signos fixos e sucedentes aos cardeais; e este influi sobre monarquias, que dominam reinos, que lograram Reis naturais. A conjunção magna é a que se faz dos ditos planetas em qualquer dos signos cadentes, e a sua influência é sobre reinados e potentados”. Pela sucessão de conjunções que implicam mudança, são justificados alguns acontecimentos políticos, como a morte do Cardeal D. Henrique em 1580, a subida ao trono de Filipe I, a aclamação de D. João IV e, especificamente, pela conjunção de 1660, o autor concretiza a sua previsão — “Assim como Marte influiu guerras no espaço dos 20 anos passados, também Júpiter nos influi daqui por diante não só sossego nas armas, mas ainda pazes com os maiores inimigos nossos (…) todas estas boas influências logrará este Reino de Portugal por espaço de 30 anos; será abundante, feliz, rico e pomposo; seus naturais bem afortunados, descansados gozarão felicidades, haverá boas navegações (…) as terras serão férteis e abundantes em seus frutos (…) os comércios felizes (…) o princípio das abundâncias será o ano de 1663 em que os mais dos príncipes da Europa estarão em paz com este Reino e ainda o maior inimigo nosso (…) estes finais e conjecturas são indícios e prognósticos de grandes felicidades, aumentos e exaltação deste Reino de Cristo, no domínio da Real pessoa de S. Majestade e da Rainha Nossa Senhora que veja e logre todas estas felicidades na vida do seu muito amado filho, Rei e Senhor nosso”.
As conjunções planetárias continuaram a influenciar os prognósticos astrológicos, embora em decrescendo a partir dos finais do século XVII; julgamos, também, que o seu estreito relacionamento com a doutrina joaquimita-sebastianista se desvaneceu completamente ao longo do século XVIII, na medida em que os novos parâmetros de racionalidade se impunham.

No exterior desta fecunda relação, outras previsões de raiz astrológica circulavam no conturbado Portugal de seiscentos. Fenômenos celestes, os chamados “sinais do céu” eram utilizados pelos astrólogos em contextos políticos fundamentais: — a perda da independência, o domínio estrangeiro, a Restauração, a consolidação da nova dinastia.

Novamente, Bocarro, adverte para o reconhecimento dos sinais astrológicos: “Eminente perigo seguido de si mesmo atente-se o naufrágio próximo passado. Aí Lusitania não fizeste caso do aviso, que talvez fala o céu por línguas de meteoros, por boca de pecadores: escolher os tempos e temer a Deus, fugir do que ameaçavam os astros, conhecer a sua causa”.

O desastre de Alcácer-Quibir é justificado, posteriormente, pelo aparecimento de estrelas, cometas, eclipses, surgindo, depois, novos sinais que vão prognosticar o derrube do domínio Castelhano e justificar o movimento restaurador. Ainda depois de 1669 se afirmava “apareceu na praia junto ao forte poucos dias antes a infeliz jornada de Africa, um grande peixe espada que do mar lançou a terra como aviso: numa parte tinha esculpido um azorrague e açoite, na outra muito ao claro a era de 1578 tempo em que deu princípio a satisfação das nossas culpas” e o aparecimento de uma estrela extraordinária em 6 de Outubro de 1604 “começou a aparecer uma estrela nova, nunca vista, que durou até ao 29 de Novembro que foi coisa de que se admirarem mais os matemáticos do que quantos sinais até então tinham visto, e começou a desaparecer pelo poente de fronte da barra de Lisboa”. Aqui aparece um elemento novo — o prodígio que, juntamente com o milagrismo, vão ser frequentemente utilizados nos sécs. XVII e XVIII, se bem que com fins políticos e religiosos, também com sentido de previsão do futuro. O milagre de Ourique e a sua consagração oficial nas Actas das Cortes de Lamego, revela uma história nacional próximo da epopeia e do providencialismo miraculoso, exemplo maior de uma verdadeira onda de milagres e prodígios, cuja receptividade, neste período, é sintoma de subsistência de “formas de mentalidade mágica que não se podem confundir, de qualquer maneira, com o misticismo e que se podem encontrar por toda a Europa”.

A observação periódica de cometas, o mistério da sua origem e constituição, cedo levou os homens ao receio e à atribuição de estranhas significações. Em 1615, é bem revelador o tratado de Frei Martinho de S. Paulo, organizado pelo seu sobrinho, João de Araújo Sardinha, em que o autor integra as influências nefastas dos cometas, quer na astrologia natural, quer na judiciária. Depois da referência ao cometa do ano de 1577 “o qual se fez junto do pé direito do Setentrião e feneceu na constelação de Pegazo, a quem se seguiu logo a morte de El-Rei D. Sebastião (…) em África, com destruição do seu exército, e cativeiro do Reino Português na Coroa de Castela”, Frei Martinho mostra, de um modo completo, muito do que o aparecimento dum cometa pode prognosticar — “grandes mudanças e alvoroços, discensões e calamidades (…) causas mortes de Reis, principes e sábios (…) motins, alvoroços, levantamentos, feitos horrendos e espantosos (…) no Verão — esterilidade (…) no Inverno — leis e costumes novos (…) cometa e m tempo de eclipse — destruição de algum reino, impérioou província (…) cometa em tempo das conjunções de Saturno, Júpiter e Marte — males duráveis, dissídios e devastações (…) cometa de tarde — enfermidades, esterilidades, terramotos e inundações (…) a natureza dos efeitos se pode conhecer pelos planetas, signos e estrelas com quem se junta o cometa (…) poucas vezes se viu que depois se não seguisse morte de príncipes e outras muitas mortes, pestes, guerras, ruínas de cidades e reinos”.

Dos inúmeros prognósticos seiscentistas sobre cometas que observamos, vamos apenas mencionar três, quer pelo seu discurso menos repetitivo, quer pelo facto de, dois deles, no mesmo ano, utilizarem as mesmas premissas, isto é, os dois cometas observados no mês de Novembro de 1618. O terceiro reporta-se já aos finais do século.

Pedro Mexia, matemático residente em Lisboa, explica que os cometas procedem de exalações da Terra e que os seus efeitos são da vontade de Deus — “Deus Nosso Senhor é tão misericordioso para o gênero humano que sempre que nos quer enviar algumas aflições e trabalhos devido aos nossos pecados, previne-nos com sinais”. Depois de exemplificar o poder dos cometas com a queda do Império Grego, com a infeliz jornada de Africa e a morte de D. Sebastião “e como veio depois o catarro que tanta gente enviou para o outro mundo”, Mexia, apoiando-se nas autoridades do venerável Beda, de Santo Isidoro de Sevilha, de S. João Damasceno, dos árabes Albumasar e Haly, constrói um prognóstico de “muitas guerras e divisões entre soldados para pedir aos seus superiores coisas impossíveis, muitas inflamações no ar, graves pleitos e contendas entre grandes príncipes e senhores (…) muitos danos à gente rústica”. Finalmente, apresenta uma série grande de países e regiões que sofrerão danos e prognostica o fim do Império Otomano — “poderão os turcos com razão dizer que chegou o tempo de cumprir-se aquela profecia que eles têm e tanto temem, de perder-se o Império Otomano”.

Bocarro Francez, no seu tratado sobre os mesmos cometas de 1618, reconhece o livre arbítrio do homem, mas afirma “que também há nele potências naturais, órgãos corporais e sentidos, no qual não difere dos outros animais e quanto a isto está sujeito ao Sol, à Lua, às estrelas e planetas que tem próximo poder no ar e causam as mudanças deles”. O astrólogo socorre-se de nomes famosos para concretizar as suas previsões (prática muito utilizada, provavelmente uma forma de iludir os inquisidores) — “Por ocupar este cometa o signo da Libra e ser gerado do malévolo Saturno, inimigo do género humano e proceder no nascimento ao Sol, denota (seg. Ptolomeu) a morte de um grande monarca das partes ocidentais, mortes extraordinárias e arrebatadas de senhores príncipes e nobres: inquietação de Reinos, mudança deles e de muitos estados (e em Espanha particularmente) como também queda de muitos poderosos e suas desprivanças, e exaltações de outros e grande confusão destas e outras novidades; e por derradeiro a espiga da Virgem que é estrela benévola junto de Libra, denotaram estas calamidades fim e ver-se Espanha em sua antiga quietação e ócio. Em Itália, terra de Romanos, denota muitas guerras e civis conflitos a acabarem-se uns com os outros (…) nas partes orientais se levantarão os servos contra os seus senhores. E segundo Albumasar assina-la guerras latrocínios gravíssimos e atrozes nas partes sujeitas a Libra e Virgo e a seu triângulo (…) porque não se fará justiça em nenhum caso grave nem a Haverá com poderosos, e assim roubarão publicamente, prevalecendo os maus, que sem vergonha nenhuma cometerão insultos e roubos nunca vistos e se levantarão com as fazendas dos pobres, viúvas e órfãos (…) incitará e provocará a todos, a todo o gênero de fornicação e pecados abomináveis e nefandos, torpezas diabólicas e bestiais e nos ameaça com elas na nossa Europa porque publicamente nas cidades mais populosas e onde houver comércio de diferentes nações, se verão. Denota traidores e amigos fingidos, quebra de mercadores e por padecer Virgo, denota que as senhoras donzelas serão enganadas e desfloradas, pelo que nenhuma se fie em amores se não quiser ficar sem honra porque todos serão enganos (…) grandes águas e tempestades e enchentes no Tejo, nos quais se afogarão muito gado e muitas pessoas”. Procurando evitar o risco do descrédito, Bocarro adverte que “isto é o que acho escrito nos autores graves, aos quais se não há-de dar fé, nem crédito, cuidando que há-de ser assim, mas muitas vezes hão acertado em seus prognósticos, por tanto não se há-de menosprezar o que eles escreveram”.

Apesar do tom impreciso e calamitoso, tão característico deste tipo de prognósticos, é perfeitamente visível uma intenção milenarista, traduzida pelo descontentamento popular, face à situação político-social vigente.

4. Pensamos que o cruzamento do milenarismo joaquimita com as “ciências” divinatórias se toma um fenômeno natural e é bem patente nos documentos sebastianistas dos séculos XVII e XVIII. Ambas as correntes visavam uma incursão no futuro e, se os ideais do “Encoberto” e do V Império eram uma finalidade bem definida, necessitavam, por outro lado, da credibilidade e da força que, por exemplo, a astrologia detinha na época.

A associação da teoria das conjunções astrológicas com o sebastianismo, durante o séc. XVII e princípios do séc. XVIII, bem como as inúmeras referências sebásticas em textos herméticos (cabalistas, alquimistas), constituem prova inequívoca da permanência do fenômeno profético e da longevidade das práticas esotéricas.

O dealbar do séc. XVIII trouxe, contudo, alterações que convém sublinhar. Nos textos sebastianistas verifica-se a preocupação de uma organização lógica do conjunto de profecias, que traduz uma atitude de defesa, face à agressividade de uma sociedade que racionaliza. Essas profecias são já normalmente inseridas num discurso, ou num pretenso diálogo, que procura, através do silogismo escolástico, provar que o “Encoberto” deve ser esperado. As paráfrases, as exegeses, os cálculos, continuam, mas inseridos numa falsa polêmica que denuncia um certo afrontamento com uma sociedade que começa a opor a razão ao imaginário, na concepção da sua organização.

Os avanços de uma nova mentalidade, que pretendia ser científica, técnica, pedagógica, uma nova maneira de conduzir a política, um maior empenhamento na economia, uma maior aproximação do racionalismo europeu, são premissas que permitem concluir que a sociedade se afasta cada vez mais da sacralização tradicional do poder, que o absolutismo real chega ao auge e, com ele, a afirmação de que o poder político é sagrado por si e não por instâncias religiosas. Pombal vai tentar aniquilar definitivamente a “desrazão” sebastianista, associando-a aos jesuítas, como mentores de todas as superstições. Os resultados pretendidos não são alcançados — os sebastianistas verão em Pombal a confirmação das infelicidades que precedem a chegada do salvador, continuarão a resistir às ideias novas (para eles abomináveis) dos racionalistas, liberais, franco-mações e dos jacobinos, e continuarão a desejar sempre uma ordem social e política plenamente sacralizada e tradicionalmente arcaica.

A relação do sebastianismo com o hermetismo desvanece-se completamente, durante a segunda metade do séc. XVIII e, contrariamente à corrente milenarista de cunho nacional, que apenas se calou definitivamente, na sua forma tradicional, com a expulsão das ordens religiosas, a secularização progressiva do clero diocesano e a consolidação das instituições liberais, as “ciências” divinatórias entraram em franca decadência nas últimas décadas do séc. XVIII, através das inovações culturais que, a partir do reinado de D. João V, tiveram um efeito progressivo e, fundamentalmente, pela ação das medidas reformistas de Pombal, as quais correspondiam às exigências culturais e científicas que atravessavam a Europa e que chegavam a Portugal (ainda que com um certo atraso).

Astronomicum



António de Macedo
El ASTRONOMICVM de Manilio y la Ideología del Poder
Domingo Plácido
Universidad Complutense de Madrid
Pecia Complutense. 2016. Año 13. Num. 25. pp. 1-14

Manilio seguía la tradición de la astronomía de Hiparco, o la de Metón, que había establecido un calendario de diecinueve años como heredero de los tradicionales esfuerzos de control del tiempo, tal como aparecen ya en Hesíodo, siempre vinculados a la vida de los agricultores. Más cercanos en el tiempo, Manilio aparece influido por las Geórgicas de Virgilio y por los Fenómenos de Arato de Solos. Éste había adquirido pronto gran prestigio en Roma, no tanto por su valor científico como por su fuerza propagandística del poder personal, lo que marcará en gran medida la obra de Manilio.
El texto de Manilio había sido objeto de estudios sobre todo por parte de especialistas en astrología, como Housman (1898-1930). El autor, en efecto, se encuadra con autores preocupados por este tema: seguía la tradición de la astronomía de Hiparco, o la de Metón, que había establecido un calendario de diecinueve años como heredero de los tradicionales esfuerzos de control del tiempo, tal como aparecen ya en Hesíodo, siempre vinculados a la vida de los agricultores. Éste ya se había convertido en modelo de toda la poesía didáctica, especialmente en el mito de Díke, como aparece en Arato de Solos, Fenómenos, 98-136, a partir de Trabajos, 213-285, con la confluencia de elementos de la ideología estoica, a partir del Himno a Zeus de Cleantes y de los Fenómenos de Eudoxo de Cnido, cuyo sistema de grados adopta Manilio, I 564-602. Todos contienen una descripción del globo terráqueo con sus polos. En la descripción del cielo de Manilio (I 255-531) muchos piensan que tenía a la vista un globo como los que sirvieron a Eudoxo o Arato, que habría mencionado Vitruvio (IX 3) y sería reproducido en el globo Farnesio del siglo II, sostenido sobre los hombros de Atlas. Al parecer reproduce con algunas variaciones la descripción de Hiparco, que había establecido la astronomía estelar, como aparece en Pseudo-Teofrasto, De signis (Περὶ σημείων). El mismo sistema perduró hasta el siglo XVII como modo de comprensión del universo.

Más cercanos en el tiempo, Manilio aparece influido por las Geórgicas de Virgilio, aunque la apertura negativa difiere de la apertura saturniana de Geórgicas, I 121-159, donde se trata de la Edad de Oro, así como por los Fenómenos de Arato de Solos. Éste había adquirido pronto gran prestigio en Roma, no tanto por su valor científico como por su fuerza propagandística del poder personal, por lo menos desde Cicerón, que lo tradujo del griego entre los años 89 y 86. También se había propuesto traducir los Pronósticos según dice en la Carta a Ático II 1, 11. En los Aratea trata de traducir los Fenómenos verso a verso. Arato sirve de modelo igualmente a Germánico, Avieno, Higino. Su contenido se identificaba como Teología astral, entre otros por parte de Posidonio.

 Por otra parte, en Manilio hay ciertos aspectos que parecen originales. El triunfo de la ratio sobre la necessitas, presentada como sollertia (I 95), “aprendizaje”, constituye un argumento propio de Manilio. La búsqueda se lleva a cabo a través de la Astrología. Es la que asciende al cielo (I 96-98), para alcanzar la razón universal, en lo que se diferencia de Lucrecio, con el que mantiene una polémica constante a propósito de la intervención de los dioses y del carácter natural o convencional de los lazos sociales. Defiende la industria y la sollertia frente a la ataraxía. La divinidad de las estrellas se ofrece como base ideológica del sistema que trataba de superar la crisis de la ideología republicana en la Estoa Media (siglos 3 y 2 antes de Jesucristo).

La obra más importante de Arato fueron los Fenómenos, poema astronómico didáctico redactado hacia el 276 a.C., en que aparece Zeus como organizador del orden cósmico, reflejo de las monarquías de la época, como la de Antígono Gonatas, en cuya corte Arato era bien acogido, según su biógrafo Teón de Alejandría; dice éste que el rey le ordenó seguir el escrito de Eudoxo, por lo que algunos dudan del carácter de Arato como astrónomo; son noticias, en cualquier caso, sometidas a crítica. En la época de Arato, Pela vuelve a ser un centro cultural, a donde acuden personajes como Jerónimo de Cardia y el mismo Arato de Solos, que celebró las bodas del rey con un himno que aludía a la victoria sobre los galos gracias al apoyo del dios Pan.

 Los Fenómenos tuvieron gran difusión, con versiones latinas como las de Germánico, que puede estar influida por Manilio, o Avieno. La inspiración estoica es evidente en la existencia de un universo lleno de dioses. Para Avieno, Zeus aparece como alma del universo, en un panteísmo que procura un foedus, un gran pacto universal (v. 15). Sigue a Cicerón y a Germánico en la descripción de las constelaciones. En los versos 273-357, Avieno ofrece un tríptico de las edades de la humanidad sobre Virgo, que rivaliza con Geórgicas y con Manilio (V 538-618). Su modelo es fundamentalmente Virgilio.

 Arato, por su parte, ya le daba protagonismo a Zeus (265), Ζεὺς δ’αἴτιος, como “primera causa”, en relación con la actividad de las Pléyades. Los navegantes suplican que Zeus venga en su ayuda (426-427). Entre las doce figuras siempre se alza el mismo sol (561-562). Los planetas influyen en los caracteres: Júpiter y Juno son benévolos; Saturno y Marte son maléficos; ello se define más en concreto en Manilio, para el que, quien nace cuando Andrómeda sale del mar (V 538-630), será un buen carcelero, capaz de vigilar a los enemigos prisioneros. A partir de Zeus, Arato se propone referirse a los trabajos del campo (8) y los signos del cielo, σημαίνοιεν (12): Zeus marca el día y la época para los trabajos. Los primeros versos atribuyen a Zeus un protagonismo monoteísta. Los humanos somos su génos (5). En general, marca el tiempo para los hombres (13). Tiene toda la tierra equilibrada (ἀτάλαντον) (22). Había una época de Díke, sin guerras ni conflictos (105-113), sin necesidad de importaciones por mar. Época de la raza de oro (114: γένος χρύσειον).

Arato se lo dedicaba a Zeus e iniciaba en él el poema, ἐκ Διὸς ἀρχώμεθα, mientras que Germánico lo sustituye expresamente por el genitor (2), tu maximus auctor, seguramente Augusto divinizado, su abuelo adoptivo. Manilio también dirige el inicio del poema a Augusto (I 7) divinizado, ipse deus (I 9). Ambos se apoyan para su labor en la paz conseguida por el príncipe: no sería posible… si non tanta quies, te praeside…, como en Germánico, Los Fenómenos de Arato, 9.

Germánico declara claramente la divinización de Augusto en 558-560: in caelum tulit, a su muerte. Su impacto parece haber sido fuerte en toda la tendencia dominante en el mundo intelectual que tendía a identificar los astros con la divinidad.
Manilio quiere averiguar los secretos de la astronomía “con ayuda de la razón celeste”, caelestis rationis opus (I 3). Para ello buscaba el apoyo de Augusto, citado como César. Manilio es una figura vinculada a la de Germánico, por el que queda en segundo plano hasta la recuperación en el siglo IV por Fírmico Materno con el panegírico de Constantino. Se basa igualmente en Arato. En Manilio, la estética se superpone a la ciencia, como ocurría en Arato, según Cicerón, De oratore, I 69.

 Así comienza el poema de Manilio: I 1-12, donde ya se une el poder de Augusto con el de la divinidad y los astros en los nuevos cantos, nouis… cantibus (4-5), de la poesía astrológica. El poeta se considera un innovador en esto.

Carmine divinas artes et conscia fati
sidera, diversos hominum variantia casus,
caelestis rationis opus, deducere mundo
aggredior primusque novis Helicona movere
cantibus et viridi nutantis vertice silvas,
hospita sacra ferens nulli memorata priorum.
hunc mihi tu, Caesar, patriae princepsque paterque,
qui regis augustis parentem legibus orbem
concessumque patri mundum deus ipse mereris,
das animum viresque facis ad tanta canenda.
iam propiusque favet mundus scrutantibus ipsum
et cupit aetherios per carmina pandere census.

El propósito de unir poesía y conocimiento se debe a la protección de Augusto, el que da fuerzas para cantar tales temas, ad tanta canenda (10).

Luego proclama que vive en un tiempo favorable para la investigación gracias a la paz: hoc sub pace uacat tantum (13). Con ello se relaciona el protagonismo de las criaturas celestiales. El mundo de las estrellas gobierna el mundo animado (v. 18), por lo que busca conocer quaque regat generetque suis animalia signis “lo que regula y genera a los seres vivos con sus signos”. Éstos se relatan desde 263, incluidos los que se refieren a animales, como Aries. El iniciador de tales conocimientos es Cilenio (30), es decir, el dios Hermes.

El César del verso 7 es Augusto y no Tiberio según Liuzzi. Aunque tal vez Rhodos en IV 764 parece aludir a Tiberio. En I 9 ya se señala la divinización del emperador, deus ipse, como en Eneida, VI, 129-130, y IX, 641-64217, el inspirador.

El mundo mismo favorece su conocimiento y desea desplegar a través de los poemas los censos etéreos (I 11-12). Luego, declara que la investigación astronómica es posible sub pace (13), una de las claves propagandísticas de la fundación del sistema imperial, la pax Augusta. Más adelante, en 20-21, menciona bina altaria… duo templa, a causa de la doble dedicación, el canto y el tema o contenido, carminis et rerum, Apolo y Augusto respectivamente 18, el primero por la inspiración poética y el segundo por las realidades que la mueven. El conocimiento se logra por el don de los dioses, munere caelestum (25-27), como el que defiende Cicerón en De diuinatione, I 125, a partir de la adivinación, tomado de Posidonio, con lo que soluciona los problemas planteados por lo desconocido, en Arato, Fenómenos, 769-771, que no sabía de dónde le llegaba el conocimiento de los fenómenos celestes. Manilio es más optimista que sus predecesores gracias a su confianza en la divinidad y en la figura de Augusto, en la línea de los grandes poetas augústeos.

En I 30, el dios Mercurio, como Cyllenie, epíteto de Hermes que alude a su lugar de nacimiento según el Himno homérico, se define como auctor de la ciencia astronómica a través del apelativo de princeps. El conjunto está cargado de sentido, porque no sólo Octaviano ha sido saludado como princeps por Cicerón, sino que él mismo, en Res gestae Diui Augusti, 34, 3, define su superioridad como auctoritas, más que como potestas. Tal ciencia es propia de regalis animos (41), ciencia que se remontaría a Zoroastro y Belo, que con ella domuere feras gentes (43), misión parecida a la de Augusto según la Eneida, VI 851-853: debellare superbos. La ratio aparece como dominadora del mundo, en el verso 64 (todo el mundo se mueve por una razón eterna), y en otros ejemplos. La ratio arrebata, eripuit, el rayo a Júpiter (104). En 119, el fatorum conditus ordo, el orden establecido que domina el destino, aparece referido al canto, su misión propia, en paralelo con el momento histórico augústeo, que conoce el fatum y lo domina, como ha dicho desde el verso 1, conscia fati.
Canta a la naturaleza para poner el mundo sua… sub  imagine (121), de modo que el chaos… fugit in infernas tenebras (125-127), modelo del Chaos del Paradise Lost (I 10), de Milton, equiparable al reino de Lucifer. De los cuatro elementos se forma un dios (138); en I 142, el conjunto resultante se define como discordia concors, expresión que se encuentra asimismo en Ovidio, Metamorfosis, I 433, donde se refiere a la producción de las contradicciones; y en Horacio, Epístola, I 12, 19. Cualquiera que sea el origen del universo, su cuerpo está organizado con un orden cierto, certo digestum est ordine corpus (148). El espíritu se extiende per inania mundi (154), en el establecimiento del orden. El mundo se rige por aerias leges (201), por leyes celestes. La ratio gubernans está presente, pero bajo la inspiración de la divinidad (251): conspirat deus et tacita ratione gubernat. Es la ratio caelestis del verso 3. Las partes se unen con foedera (252), para recibir fuerzas unas de otras, altera ut alterius uires faciatque feratque (253), en una proyección del sistema imperial, basado en la colaboración entre los pueblos a través de los foedera. Con ello se logra la unidad, la summa que permanece a través de los cambios (254). Todo lo conduce la ratio fatorum (261).

Augusto aparece asociado a Tonante (800), el epíteto de Júpiter civilizador al que Augusto dedicó un templo tras su expedición contra los cántabros, según Suetonio, Augusto, 19, 3, divinidad que simboliza la apropiación de la divinidades indígenas, la manifestación de la misión integradora del Imperio. Se propone adscribir a las estrellas sus uires y cantar fatalia… iura (809-810). Alude el poeta a portentos que anuncian guerras y el robo de las banderas de Varo (899) en la batalla de Teutoburgo el año 9 d.C., interpretada como una ruptura traicionera (foedere rupto, 898), la victoria de Filipos (909), la de Accio (914), frente al yugo femenino de Isis, imagen de Cleopatra (917-919); Augusto imitó a su padre César para vencer a un Pompeyo, Sexto, hijo de Gneo (921). Ahora, bella quiescant (922), las guerras descansan y la discordia queda encerrada con cadenas diamantinas (923). Sit pater inuictus patriae, sit Roma sub illo, y como ha dado un dios al cielo (César) que no falte en la tierra (925-926). “Como es invicto el padre de la tierra, sea Roma gracias a él”.

En el libro II se detectan varias alusiones al tratado anónimo De lo sublime, que se dataría antes del 14 d.C., síntoma de los contactos con los círculos griegos de Roma, como es el caso de Dionisio de Halicarnaso. Tras aludir (11-24) a la evolución hesiódica que parte del Caos a través de la infancia del mundo para llegar a la agricultura, con Baco y Ceres, y a Palas (la vid, los cereales y el olivo), el conocimiento de las luminarias del mundo gracias a la paz (pacis opus), comienza la parte propiamente astrológica, donde se revela la influencia estoica y el protagonismo del fatum. La naturaleza ha dado santos ojos a los ánimos para volverse a sí misma (II 122-123), gracias a la naturaleza divina del hombre (115-116): quien puede conocer la divinidad es parte de los dioses. Lo que es propio del fatum es enseñar la ley del fatum (149): todo está regulado por leyes que el mismo fatum enseña.

Entre 150 y 269 los signos del Zodíaco se clasifican de varias maneras: por géneros, diurnos o nocturnos, acuáticos o terrestres, estaciones. Los astros afectan a los destinos, II 270-432, a través de conjunciones de los astros en formas geométricas variadas según la disposición adoptada (271). Las estrellas están emparentadas entre sí y unidas por lazos de amistad (300) y conservan sus lazos… continuo inter se seruant commercia rerum (346). Entre ellos existe la paz y la guerra (406), pero la naturaleza tiende a asociarlos (411). Desde 453, los signos están relacionados con las partes del cuerpo, Aries, la cabeza, Taurus el cuello, etc., Los astros se relacionan con leyes propias (466), pero dios los lleva bajo sus leyes (475). …iunxit amicitias horum sub foedere certo, pero para otros estableció iras perpetuas (478). Capricornio se admira especialmente pues había lucido en el momento del nacimiento de Augusto, in Augusti felix cum fulserit ortum (509).

 La Astronomía destaca porque estudia lo inmutable, mientras todo cambia… at manet incolumis mundus suaque omnia seruat, ni lo aumenta el día ni lo mengua la vejez (I 518-519). Hay diversas hostilidades entre los astros que engendran odium…et mutua bella (II 571). La naturaleza nunca creó nada mayor y más raro que el pacto de amistad, foedere amicitiae (588). César cayó por fraude nefanda, por lo que Febo abandonó la tierra y sembró la oscuridad. Por no hablar de euersas urbes et prodita templa et uarias pacis clades et mixta uenena insidiasque fori, caedes in moenibus ipsis et sub amicitiae grassantem nomine turbam (596-599), la destrucción de ciudades, los templos violados, etc., lo que parece referirse a la violencia de fines de la República.

 Así pues, el canto III está dedicado a destacar la importancia de la Fortuna, con un detallado examen de los horóscopos. Así se logra el control general del tiempo. La teoría consiste en que la naturaleza hizo que los distintos elementos intercambien alimentos para que rija la concordia y el mundo se mantenga estable en un pacto eterno, ut tot pugnantis regeret concordia causas (54), staretque aeterno religatus foedere mundus (55), para que nada permaneciera exceptum a summa ratione (56), excluido de la razón suprema. El destino (fata) ha quedado dependiente de los astros (58) …, para que el sentido del destino se dirigiera hacia la unidad, uti fati ratio traheretur in unum (66), … sua munera cuique attribuit (71-72) …. y atribuyó a cada uno su propia función, de modo que los colocó en una posición fija, ordine sub certo duxit (73) …, para que nada se confundiera en un movimiento inseguro, ne tamen incerto confunderet omnia motu (82)..
El orden sigue al jefe hasta que el orbe llega al orbe, ordo sequitur ducem donec uenit orbis in orbem (86)…, donde desempeñan su papel los signos para colocar las caras de la realidad: facies rerum per signa locatas (87); donde se esconde la suma total de la fortuna, omnis erit fortunae condita summa (88)… pero el fatum depende de la diuina potentia (90-91). De las suertes la primera es la Fortuna (96), seguida por la militia (102), la tercera se refiere ad urbanos… labores (105), en que destaca la importancia de la fides y de la amicitia (107-108). La quinta es el matrimonio con el foedus que une a los amigos (122). La octava la nobilitas que se equipara al honor y la fama (129-130). Tiene toques de auténtico determinista en los versos 142, 154, donde marca los lugares y los momentos exactos para las decisiones. Los astros se mueven incolumis tamen ut maneat qui conditus ordo est (168), de modo, a pesar de todo, el orden permanece fijo. Todo permanece bajo el dominio de la Fortuna (171). Las sortes derivadas de su actuación equivalen a áthla (172), las acciones propias de los héroes y de los atletas y guerreros. El mejor momento tiene lugar cuando aequo stat foedere tempus (310), el tiempo está equilibrado en un pacto equitativo entre el día y la noche. Se unen en perpetua paz el día y la noche. El resto del canto está dedicado a los signos de Zodiaco en relación con el horóscopo. Tiene en cuenta las diferencias en la duración de los días y piensa que hay que establecer un paradigma en los equinoccios en Alejandría, aunque toma como modelo a Ptolomeo que lo fija en Rodas. Los signos marcan el carácter, pero su conocimiento no basta para conocer al hombre; hay rasgos propios (IV 411).

 El canto IV contiene un mapa en la edición de Liuzzi, titulado “Il mondo di Manilio”, referido a IV 585-817, que empieza: nunc age diuersis dominantia sidera terris, ahora se trata de los astros que dominan las tierras diversas. La Introducción consiste en un proemio que recuerda el segundo proemio del De rerum natura, I 921-951, y Geórgicas, II 458-542, sobre todo 490-491: conocer las causas para evitar el miedo. Luego sigue una historia de Roma, desde Eneas. El Fatum supera siempre el poder humano: fata regunt orbem (14), finisque ab origine pendet (16): el final está fijado desde el origen. El Fatum es el que ha permitido la huida de Eneas. Los libros IV y V tratan en general de la influencia de los astros sobre los temperamentos y la vida de los hombres. El destino se dirige pues hacia la hegemonía romana y el gobierno de Augusto. ¿Cómo se explica que el mundo fuera capturado por un pueblo capturado? …captus et a captis orbis foret? Toda la historia de Roma revela este finalismo, como en la obra de Tito Livio, ab urbe condita. Sólo así se explica que se hayan superado los contratiempos: Guerras Púnicas, Guerras Civiles… Incluso la historia de Grecia: la caída de Creso de Lidia, las conquista y derrota de Jerjes… (64-65), todo va dirigido hacia el mismo fin. Las alteraciones no se explicarían… sine numine fati (56), sin el designio del destino. Non hominum hoc bellum est (84), no se trata de una guerra humana. Esta parte es como la visita de Eneas al Hades en Eneida VI, donde se prevé la grandeza y la centralidad de Roma como motivo augústeo, igual que en Geórgicas, III 136-176; o Vitruvio, VI 1, 11. La conclusión trata sobre Augusto (935): maius et Augusto crescet sub principe caelum, el cielo se hará mayor bajo el principado de Augusto. El dominio de la Fortuna (96) no impide la eficacia de la virtud.

 La distribución del año en este canto IV se considera marcada por el calendario egipcio, que los estudios interpretan como oscuro en su organización. En él también parecen aludir a Augusto los versos 547-552, que se refieren al signo de Libra, que responde al mes de septiembre cuando nació Augusto (22 de septiembre del 63 a.C.): felix aequato genitus sub pondere Librae. / Iudex examen sistet uitaeque necisque / imponet iugum terris legesque rogabit. / illum urbes et regna trement nutuque regentur / uniusque et caeli post terras iura manebunt, feliz el nacido bajo Libra, como juez vigilará la vida y la muerte, impondrá el yugo en la tierra y propondrá la leyes… y sus decisiones permanecerán. Representa el equilibrio impone el yugo, las leyes, las ciudades y los reinos temblarán ante él. Sigue el mismo sistema de la profecía, como hace Virgilio en el Hades.

 Desde IV 585, inicia el recorrido por todo el Mediterráneo, en una descripción del mundo a modo de inventario, como los de Estrabón o Mela, pero en verso. Los pueblos son diferentes y crían animales diferentes. Desde 739 se refiere a los animales: ganados, fieras, elefantes, laniger in medio… mundo, 743: el sol nivela el día y la noche, Cancrum inter gelidumque Caprum per tempora ueris, entre el frío y el verano. Los animales citados tienen que ver con el Zodíaco, salvo los elefantes, mencionados en 740, encerrados en dos lugares de la tierra (et duplici clausos elephantas carcere terrae). El hombre se diferencia de los animales: omnibus una quies uenterque uenusque uoluptas (898), mientras en éstos domina el descanso, el vientre, el sexo y el placer, en el hombre, la razón lo domina todo: …ratio omnia uincit. Así el hombre hace dioses… maius et Augusto crescet sub principe caelum (932-935).

 El canto V se concentra sobre las conjunciones astrales como elementos astrológicos. En V 13, los héroes se colocan en el cielo, lo que se ejemplifica luego en V 298-301, con Teucro, Filoctetes, Héctor. Desde 65 aparecen los signos de animales: Aries (67), Haedi (102), cabritos, desconocido de los griegos, y la constelación del Auriga (Heniochus), junto con Capella (hay quien piensa en una duplicación de Manilio), donde coinciden personajes como Catón, Torcuato, Horacio con otros frívolos, a los que impulsa la libido (112) y la uoluptas. Luego las Hyades, donde surge el tumultus, la seditio, los Graco y el porquero del Laercíada (117-127), Taurus (140). Con Geminis se llega a la Liebre (Leporem) (159), que se cita como constelación en Cicerón, Aratea, 365; y en De natura deorum, II 114, comentando desde 104 los versos de Arato traducidos al latín. La presencia de animales es mayor y parece bastante cercana a Arato, por ejemplo en 156-166 et passim.

 Vuelven a mencionarse a partir de 239 con los peces, y a partir de 282 en una especie de síntesis que coloca los peces en torno al caballo. Cicerón lo integra en una larga exposición desde II 99, donde los animales se incluyen en las maravillas del mundo. Luego, en Manilio, hay una serie de referencias a la caza, con mención de Atalanta, Acteón… Leo desde 234, con las fiestas de la Cratera y del vino (hasta 260), o Spica, de la constelación de Virgo, riqueza de la humanidad, mejor que los metales (270-292) que provocan la luxuria, en la línea estoica de Plinio, que también se detecta al final del canto V a través del concepto de prónoia como base de un estado construido sobre una rígida estructura jerárquica (710-745). Sólo deberían conocerse los metales que sirven para instrumentos agrícolas (276).

 El arco sagittam se encuentra en el cielo con el ave, uolucrem (293-296) y con el piscem (297), aunque menciona asimismo a personajes como Teucro y Filoctetes, beneficiarios del arte. De nuevo aparece haedus en 311. Cuando aparezcan las estrellas de la Lira, Fidis… sidera (409), relacionada con Cycnus (381) y Draco (389), que configuran el triángulo de verano, es el momento en que quaesitor scelerum ueniet uindexque reorum (410), vendrá el castigador de los criminales y vengador de los reos. Casiopea (504) con el nacimiento y los que le dan forma… de donde brillan los regalos augustos para los templos… hinc Augusta nitent sacratis munera templis (509) (la atribución a Augusto en vez de la minúscula augusta se debe a Scaligero), luces de oro que compiten con las llamas de Febo… aurea Phoebeis certantia lumina flammis (511) … hinc Pompeia manent ueteris monumenta triumphi (513). De aquí nace la costumbre de los adornos (516-519), como en Plinio, relacionado con la victoria sobre Mitrídates (510). Casiopea induce a buscar el oro bajo la tierra (523), y a darle la vuelta al mundo el pos de botín…orbemque inuertere praedae (524) …, y sacarlo a la luz contra su voluntas inuitamque nouo tandem producere caelo (526) …, e incluso contará con avidez las amarillas renas ille etiam fuluas numerabit harenas (527). Tras fundir el oro y la plata… aut facti Mercator erit per utrumque metalli (535) / alterum et alterius samper mutabit ad usus (536), o se convertirá en comerciante mediante cualquiera de los metales o cambiará uno u otro para uso de otro. Son las inclinaciones de los que nacen bajo el signo de Casiopea. Su momento culminante es en el mes de noviembre. La Historia de Roma se halla sometida al fatum y a la prouidentia, en línea estoica protagonizada por los individuos de la oligarquía que dirigen el destino hasta culminar en Augusto, el estado de la concordia senatorial y ecuestre, la concordia ordinum de Cicerón, en un cosmos político reflejo del celeste. De este modo Manilio se inserta en el puesto histórico que comparte con los grandes teóricos del Principado, como Cicerón, y los poetas que celebraron el nacimiento de la Roma imperial de Augusto.

O que é o Esoterismo


O substantivo «esoterismo» é de formação relativamente recente, por comparação com o adjetivo «esotérico», de origem grega, donde deriva.

O adjetivo eksôterikos, «exterior, destinado aos leigos, popular, exotérico» já existia em grego clássico, ao passo que o adjetivo esôterikos, «no interior, na intimidade, esotérico» surgiu na época helenística sob o Império romano. Diversos autores os utilizaram. Veremos dentro em pouco alguns exemplos.

Têm a sua origem, respectivamente, em eisô ou esô (como preposição significa «dentro de», como advérbio significa «dentro»), e eksô (como prep. significa «fora de», como adv. significa «fora»). Destas partículas gramaticais (preposição, advérbio) os gregos derivaram comparativos e superlativos, tal como no caso dos adjetivos. Em regra, o sufixo grego para o comparativo é teros, e para o superlativo é tatos. Por exemplo, o adjetivo kouphos, «leve», tem como comparativo kouphoteros, «mais leve», e como superlativo kouphotatos, «levíssimo». Do mesmo modo, do adv./prep. esô obtém-se o comparativo esôteros, «mais interior», e o supuerlativo esôtatos, «muito interior, interno, íntimo».

O adjetivo esôterikos deriva, portanto, do comparativo esôteros. Certos autores, porém, talvez mais imaginosos, propõem outra etimologia, baseada no verbo têrô que significa «observar, espiar; guardar, conservar». Assim, esô + têrô significaria qualquer coisa como «espiar por dentro e guardar no interior».

Platão no seu diálogo Alcibíades utiliza a expressão ta esô no sentido de «as coisas interiores», e no diálogo Teeteto utiliza ta eksô com o significado de «as coisas exteriores». Por sua vez Aristóteles utiliza o adjetivo eksôterikos na sua Ética a Nicómaco, cerca do ano 350 a. C., para qualificar o que ele chama os «discursos exotéricos», ou seja, as suas obras de juventude, de fácil acesso a um público mais geral.

O primeiro testemunho do adjetivo esôterikos encontrámo-lo em Luciano de Samosata (aprox. 120-180 d. C.) na sua obra satírica O Leilão das Vidas, § 26 (também chamado O Leilão das Escolas Filosóficas), composta cerca do ano 166 d.

Mais tarde, os adjetivos eksôterikos e esôterikos passaram a ser aplicados, por engano, aos ensinamentos de Aristóteles por Clemente de Alexandria (aprox. 150-215 d. C.) na sua obra Strômateis, composta cerca do ano 208 d. C.: «As pessoas da escola de Aristóteles diziam que, entre as suas obras, algumas são esotéricas e outras destinadas ao público ou exotéricas». Clemente supunha que Aristóteles era um iniciado e, portanto, seriam «esotéricos» os ensinamentos que facultava no seu Liceu a discípulos já instruídos. Na verdade era apenas um ensino oral e Aristóteles qualificava-o como «ensinamento acroamático», que quer dizer «transmitido oralmente», nada tendo de esotérico no sentido iniciático do termo.

O teólogo alexandrino Orígenes (aprox. 185-254 d. C.), discípulo de Clemente, já usa ambos os adjetivos em conotação com o «oculto», ou melhor, o «iniciático»; contestando as críticas do anticristão Celso, diz Orígenes: «Chamar oculta à nossa doutrina é totalmente absurdo. E de resto, que haja certos pontos, nela, para além do exotérico e que, portanto, não chegam aos ouvidos do vulgo, não é coisa exclusiva do Cristianismo, pois também entre os filósofos era corrente haver umas doutrinas exotéricas, e outras esotéricas. Assim, havia indivíduos que de Pitágoras só sabiam “o que ele disse” por intermédio de terceiros; ao passo que outros eram secretamente iniciados em doutrinas que não deviam chegar a ouvidos profanos e ainda não purificados».

O termo «esotérico» começou a ser usado como substantivo a partir de Jâmblico (aprox. 240-330 d. C.), filósofo e místico neoplatónico que se refere aos discípulos da escola pitagórica nos seguintes termos: «Estes, se tivessem sido julgados dignos de participar nos ensinamentos graças ao seu modo de vida e à sua civilidade, após um silêncio de cinco anos, tornavam-se daí em diante esotéricos, eram ouvintes de Pitágoras, usavam vestes de linho e tinham direito a vê-lo».

O conceito de «esoterismo» é de criação muito mais recente. Johann Gottfried Herder (1744-1803), que se opôs ao racionalismo Iluminista da sua época, foi o primeiro autor a utilizar a expressão esoterische Wissenschaften («ciências esotéricas»), referenciável no tomo XV das suas Sämtliche Werke, e o substantivo l’ésotérisme surgiu pela primeira vez na obra Histoire critique du gnosticisme et de ses influences (1828), de Jacques Matter. Na sequência, deve-se ao ocultista e cabalista Eliphas Lévi (1810-1875) a vulgarização dos termos «esoterismo» e «ocultismo» (este último na sua acepção moderna e mais lata de corpus de «ciências ocultas», diferente da Occulta Philosophia, ou Magia, de Agrippa, por exemplo). A partir de então o termo adquiriu uma voga crescente, sobretudo depois que Helena P. Blsvatsky, A. P. Sinnett, Annie Besant, C.W. Leadbeater, etc., da corrente teosofista da Sociedade Teosófica popularizaram o conceito, desde o último quartel do século XIX e ao longo dos inícios do século XX.
Paralelamente, certos autores começaram a encarar o estudo do esoterismo de um ponto de vista mais acadêmico, não se considerando, eles mesmos, «esotéricos», mais investigadores, quer da história, quer das ideias de determinadas correntes, espirituais, místicas ou ocultas. Entre estes se contam, por exemplo, nos finais do século XIX, George R. S. Mead e Arthur Edward Waite, cujos trabalhos, apesar de tudo, ainda se encontram a meio-caminho entre o «discurso esotérico» e a pesquisa universitária. No primeiro quartel do século XX, Max Heindel (1865-1919) estabeleceu a distinção técnica entre «o oculto» e «o místico», e, embora inserido numa específica corrente esotérica, deu forma consistente, nas suas obras, quer à vertente mística quer à vertente oculta do esoterismo. Por sua vez Rudolf Steiner (1861-1925), igualmente inserido numa corrente esotérica bem definida, abordou o esoterismo segundo um duplo enquadramento, ocultista e científico. René Guénon (1886-1951) trabalhou o esoterismo, genericamente, segundo uma perspectiva mais filosófica do que histórico-crítica, tendo o cuidado de distinguir entre o esoterismo cristão, o islâmico e o védico; todavia, o grande impulso para o estudo do esoterismo de um ponto de vista de investigação acadêmica surgiu a partir de 1928, com a tese de Auguste Viatte sobre o Iluminismo, seguindo-se-lhe as pesquisas e os trabalhos de Will-Erich Peuckert sobre a pansofia e o rosacrucianismo, de Lynn Thorndike sobre a história da magia, da Prof.ª Frances A. Yates sobre o Iluminismo rosa-cruz e o esoterismo renascentista, etc., devendo-se a esta última o principal estímulo para uma pesquisa universitária, rigorosa, incidindo sobre o «território esotérico», o que fez alterar o respectivo panorama investigacional a partir dos anos 60 e 70 do século XX. O prof. Antoine Faivre, mais recentemente, chama a atenção para os estudos de Ernest Lee Tuveson sobre o hermetismo na literatura anglo-saxônica dos séculos XVIII e XIX, e de Massimo Introvigne sobre os movimentos «mágicos» dos séculos XIX e XX, sobretudo pelo fato de proporem abordagens novas, interdisciplinares.

Atualmente, é já bastante vasto o leque de autores que estudam o esoterismo em ambiente de investigação acadêmica, tendo-se tornado consensual a designação de «esoterólogos» para alguns desses investigadores, o que pressupõe uma ciência da Esoterologia que está a ter acolhimento nos curricula de algumas Universidades. Nem todos coincidem, porém, nas suas posições e definições do campo investigacional do «esoterismo», podendo de certo modo, e sem tentar uma conciliação entre os diferentes autores, dizer-se que existem vários «esoterismos».

Por amor à brevidade, limitar-me-ei a salientar alguns esoterólogos contemporâneos cujos trabalhos são de capital relevância para a compreensão do «objeto temático» do esoterismo:

Prof. Antoine Faivre: Director de Estudos da École Pratique des Hautes Études – Section Sciences Religieuses (Sorbonne, França);

Dr. Wouter J. Hanegraaff: Professor de História da Filosofia Hermética e Correntes Relacionadas – Faculdade de Humanidades da Universidade de Amesterdão (Holanda) e orientador de pesquisas sobre História das Correntes Esotéricas – Departamento de Ciência das Religiões da Universidade de Utrecht (Holanda);

Prof. Pierre A. Riffard: Investigador de Metodologia de Esoterismo e professor Catedrático na Université de Novakchott (Mauritânia);

Prof. Massimo Introvigne: Historiador das Correntes Esotéricas Contemporâneas e Director do Centro Studi sulle Nuove Religioni, Turim (Itália);

Prof. Roland Edighoffer: Professor emérito na Université de Paris III (Sorbonne Nouvelle, França);

Prof. José Manuel Anes: Grão-Mestre da GLRP/LP (Maçonaria Regular de Portugal) e professor de História das Correntes Esotéricas no Instituto de Sociologia e Etnologia das Religiões da Universidade Nova de Lisboa (Portugal).

Em termos muito simplificados podemos dizer que duas grandes tendências gerais se perfilam entre estes autores: uma, poder-se-á designá-la por «universalismo pró-esotérico», e outra, por «estruturação histórico-crítica». O prof. Wouter J. Hanegraaff ainda considera uma terceira tendência a que chama «formas de anti-esoterismo», que, por não serem indispensáveis neste breve resumo, me abstenho de considerar aqui.

Na linha do «universalismo pró-esotérico» incluem-se os trabalhos e a atividade universitária de professores como Pierre A. Riffard e José M. Anes, por exemplo. Segundo Riffard, o esoterismo tanto existe no Ocidente como no Oriente, desde a pré-história até aos nossos dias, e tem a ver com o mistério da existência tal como é percebido pelos seres humanos; além disso, Riffard critica certos investigadores acadêmicos que procuram estudar o esoterismo «de fora», como se pudesse existir um «fenômeno cultural esotérico» independentemente do esoterismo em si. Segundo Riffard, a essência do esoterismo é, ela mesma, «esotérica»; na sua monumental obra de perto de 400 páginas, L’ésotérisme, Riffard interroga-se: «Pode alguém ser um esoterólogo sem ser, ao mesmo tempo, um esotérico?» De acordo com este ponto de vista, elabora uma descrição do esoterismo segundo as oito invariáveis que, em sua óptica, o caracterizam:

(1) A impessoalidade do autor;
(2) A oposição esotérico/exotérico;
(3) A noção de «o subtil» como mediador entre o espírito e a matéria;
(4) Analogias e correspondências;
(5) A importância dos números;
(6) As ciências ocultas;
(7) As artes ocultas;
(8) A Iniciação.

Uma posição totalmente diferente é assumida pelos profs. Antoine Faivre e Wouter J. Hanegraaff, por exemplo, defensores da linha «histórico-crítica». Segundo Faivre não se deve falar em «esoterismo», mas em «esoterismos», ou melhor, em «correntes esotéricas e místicas», uma vez que ele considera que não há um esoterismo em si, mas apenas correntes, autores, textos, etc. Para que o esoterismo constitua uma especialidade acadêmica reconhecida pela comunidade científica, Antoine Faivre define-o do seguinte modo, de acordo com a Direção de Estudos da «Section des Sciences Religieuses» (Sorbonne), que ele mesmo integra com outros docentes: um corpus de textos que constituem a expressão dum certo número de correntes espirituais, na história Ocidental moderna e contemporânea, ligadas entre si por um «ar de família», bem como uma «forma de pensamento» que subjaz a essas correntes. Considerado de forma extensiva, esse corpus estende-se da Antiguidade tardia até hoje; considerado de forma limitativa, abarca um período que vai do Renascimento até à época contemporânea.

Isto implica que, ao contrário das teses «universalistas», ficam excluídos do conceito de esoterismo alguns significados que Antoine Faivre enumera de modo a deixar bem claro o que, de acordo com o seu critério, o esoterismo «não é»: (a) Um termo genérico, mais ou menos vago, que serve para os editores e livreiros classificarem coleções de livros ou rotularem prateleiras, e onde cabem o paranormal, as ciências ocultas, as tradições sapienciais exóticas, etc.; (b) Um termo que evoca a ideia de ensinamentos secretos e uma «disciplina do arcano», com diferenciação entre iniciados e profanos; (c) Um termo aplicável a um certo número de processos mais experienciais que racionais, e que se aproxima da ideia de Gnose no sentido universal, propondo-se atingir, mediante certas técnicas experienciais, o «Centro do Ser» (Deus, o Homem, a Natureza, etc.), não se excluindo, desta concepção, uma atitude filosófica que advoga a «unidade transcendente» de todas as religiões e tradições.

Em contrapartida, aquela «forma de pensamento» que Faivre considera como própria do conceito de esoterismo distinguir-se-ia por seis características ou componentes fundamentais, das quais quatro são «intrínsecas», no sentido em que a sua presença simultânea é uma condição necessária e suficiente para que um discurso seja identificado como esotérico, e duas são «secundárias» ou «extrínsecas», e cuja presença pode ou não coexistir ao lado das outras quatro. São elas:

(1) A ideia de correspondência («O que é em cima é como o que é em baixo», segundo a Tábua da Esmeralda);

(2) A Natureza viva (o Cosmos não é apenas complexo, plural, hierarquizado, etc.: é, sobretudo, uma Grande Entidade Cósmica viva);

(3) Imaginação e mediadores (a imaginação é a faculdade superior de penetrar nos códigos que se ocultam nos mediadores, os quais, por sua vez, são os rituais, as imagens do Tarot, as mandalas, etc., etc., símbolos carregados de polissemia cuja decifração cognitiva permite o acesso ao mundus imaginalis definido por Henri Corbin);

(4) A experiência da transmutação (percurso espiritual simbolizado alquimicamente por três graus: nigredo, ou obra em negro, morte, decapitação; albedo, ou obra elevada ao branco; e rubedo, ou obra elevada ao vermelho, pedra filosofal);

(5) A prática da concordância (prática que visa descobrir os denominadores comuns a duas ou mais tradições aparentemente distintas, na expectativa de que, mediante esse estudo comparativo, se alcance o «filão escondido» que levaria à «Tradição primordial», da qual todas as tradições e/ou religiões concretas seriam apenas os «galhos» visíveis da grande «árvore» perene e oculta);

(6) A transmissão (conjunto de «canais de filiação» pelos quais se processa a continuidade de mestre a discípulo, ou de iniciação no interior duma sociedade, no pressuposto de que ninguém se pode iniciar sozinho e que o «segundo nascimento» passa obrigatoriamente por esta disciplina).

Outros autores simplificam a questão considerando que o esoterismo se constituiu no Ocidente como disciplina autônoma, a pouco e pouco, a partir de finais da Idade Média, porque a teologia e a ciência absorveram certos temas que o integravam, eliminando outros que, por serem mais inquietantes ou pertencerem ao imaginário mais perturbador, acabaram, com essa expulsão ou mesmo perseguição, por integrar as correntes esotéricas ocidentais, sobretudo a partir do Renascimento. No Oriente, pelo contrário, a teologia contém os temas esotéricos e, por conseguinte, o esoterismo não precisa de se constituir como disciplina aparte. Segundo este ponto de vista, pode-se falar em esoterismo associado às varias escolas e tendências que se desenvolveram no Ocidente na linha dos ensinamentos de Marsilio Ficino (1433-1499), de Pico della Mirandola (1463-1494) e de Johannes Reuchlin (1455-1522), esoterismo esse que floresceu, sobretudo, na Europa e nos séculos XVI e XVII. A sua principal característica é a rejeição da linguagem comunicativa como expressão da verdade, e a pretensão de que é nas camadas nãosemânticas da linguagem que se oculta a antiga Sabedoria. Em extensão a este conceito, não se pode ignorar a importância do pensamento judaico e dos textos hebreus na Europa, cujo torat hasod (conhecimento esotérico) constituiu um corpo específico de tradições secretas na cultura judaica, no centro do qual, e a partir do século XIII, se encontra a Cabala, que teve uma influência de indiscutível relevo no esoterismo cristão.

Algumas referências:

ANES, José Manuel, Re-Criações Herméticas, Hugin Editores, Lisboa 1996.
ANES, José Manuel, e COSTA, Paula Cristina, «Os Mistérios do Pessoa Oculto», in Portugal Misterioso, Selecções do Reader’s Digest, Lisboa 1998.
ANES, José Manuel, e MENDANHA, Victor, O Esoterismo da Quinta da Regaleira, Hugin Editores, Lisboa 1998.
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Taumaturgia

  Taumaturgia (do grego θαύμα, thaûma, "milagre" ou "maravilha" e έργον, érgon, "trabalho") é a suposta capaci...