terça-feira, 4 de fevereiro de 2025

Dra. Anna Kingsford - Cristo, a Realização no Homem de Suas Próprias Potencialidades Divinas

 

 Do que vimos nos capítulos anteriores, o Cristo da Bíblia, o Cristo de Deus, o Cristo da Natureza e o da Gnose não é nenhum personagem único, anormal, inconcebível, de constituição híbrida e desordenada, tal como é aquele Cristo apresentado pelo Sacerdotalismo.

            Sendo o equivalente, no homem, do Logos na Deidade, Ele é a Perfeita Razão de Deus na manifestação. Ele é o cumprimento, e não a subversão, da ordem natural-divina, a realização, tanto para o indivíduo quanto para o universal, das divinas potencialidades próprias e comuns a todos, em virtude de sua origem e constituição, pela lei imutável da Hereditariedade; o fruto maduro da semente implantada em todo homem, a semente de sua própria regeneração; a demonstração da “jóia preciosa” da divindade “nascida na fronte do sapo”, símbolo alquímico da matéria. E Nele, definido dessa forma, é devolvido ao homem o Salvador, o qual lhe foi privado pelos seus sacerdotes.

            Geração, degeneração, regeneração – esses são os três termos da história espiritual do homem. O primeiro e o último são obras de Deus; o segundo é obra do próprio homem. Pois todas as coisas se dão pela geração, a qual é o produto da interação entre a Força e a Substância, Pai e Mãe, respectivamente, o resultado dependendo da vontade do gerador.

            Uma vez gerado, o homem é livre para se degenerar, até que chegue seu tempo de ser regenerado. Suas possibilidades de regeneração dependem do uso que fez de seu período de liberdade. A evolução se dá por meio da geração; mas a escada da mesma pode ser descida até que se alcance uma condição na qual a regeneração é impossível, e a extinção, inevitável. O período da Graça subentendido na expressão “setenta vezes sete” expirou para ele.

            As assim chamadas expressões “denunciatórias” da Bíblia e do Credo, são simplesmente afirmações da necessidade da observância das leis do ser para a salvação. Isso tanto para a vida espiritual como para a vida física. As condições essenciais à vida devem, em ambos os casos, ser respeitadas. E do mesmo modo que o fisiologista, se expressando na linguagem técnica de sua ciência, fala de forma afirmativa quando declara que se não for pelo cumprimento de certas funções pelo sistema físico do homem, ele sem dúvida perecerá; assim também falam de forma afirmativa aqueles que dizem o mesmo a respeito do sistema espiritual do homem. As condições da vida eterna, assim como as da vida passageira, estão fundamentadas na natureza das coisas; e não há nada de arbitrário na afirmação dessas condições por aqueles que as conhecem, mesmo que a linguagem usada seja técnica e não compreendida pelos ignorantes. O dogmatismo consiste tão somente na afirmação positiva daquilo que a própria pessoa que afirma não conhece positivamente.

            A Bíblia especifica dois pecados como tendo um caráter especialmente hediondo e fatal, cuja natureza seus expositores oficiais falharam em compreender, ou pelo menos em tornar conhecido. Eles são chamados de “Anti-Cristo” e de “Blasfêmia contra o Espírito Santo.” Eles são essencialmente de uma mesma espécie, ainda que suas manifestações sejam diversas.

            A chave agora restaurada acusa o Sacerdotalismo, desde seu começo, de representar o cometimento sistemático desses pecados em todas as suas manifestações.

            “É Anti-Cristo aquele que nega o Pai e o Filho.” [1 João 2:22] O Pai e o Filho são negados quando se nega a Mãe. Pois excluir, da forma que o Sacerdotalismo excluiu, o princípio feminino da divindade – a Substância – é tornar impossível a relação simbolizada pelos termos Pai e Filho, tendo em vista que eles implicam e envolvem Esposa e Mãe.

            Algo semelhante ocorre em relação ao pecado contra o Espírito Santo. Tanto em repouso como em atividade, na Divindade e na manifestação, a unidade divina deve compreender a dualidade, Força e Substância, Pai e Mãe, para tornar possível aquela eterna geração por meio da qual se dão a criação e a redenção, e nisso a manifestação de Deus em Cristo.

            Que o pecado dessa negação com respeito ao Espírito Santo “jamais será perdoado, nem no mundo de hoje, quer naquele que está por vir” [Marcos 3:29], é porque, sendo um pecado contra o princípio essencial, tanto da Existência Atual como Daquilo que Será, ele carrega sua própria punição consigo. Ao negar que o Universo é gerado por Deus, e constituído pela própria força e substância de Deus, nega-se que o Universo seja uma manifestação de Deus; nega-se, portanto, aquela correspondência entre Deus e a criação em virtude da qual “coisas invisíveis de Deus são claramente vistas, sendo compreendidas pelas coisas de que são feitas” [Romanos 1:20].

            E isso nega a regeneração como o processo da manifestação de Deus através da individuação do homem, e negar isso é negar Cristo como o coroamento da evolução e, portanto, da criação.

            Postulando como o material da existência algo que – não sendo essencialmente Deus – é irreal e não relacionado a Deus, tal negação constitui a negação de qualquer relação vital entre Deus e o Universo, tal como a de paternidade e filiação, ao ponto da exclusão da idéia do dever de um para com o outro, em ambas as direções. E considerar Deus apenas como Força, e não Substância; Vontade apenas, e não Amor; coloca no lugar de um Deus vivo e de um Universo vivo tão somente causa e efeito mecânicos e inconscientes.

            A frase de Jesus: “meu Pai e vosso Pai, meu Deus e vosso Deus” [João 20:17], é uma afirmação da divindade da substância e, consequentemente, da consubstancialidade de Deus e do homem. Foi tão somente o Sacerdotalismo que transformou o homem em um “filho do diabo”. Ao fazer isso o Sacerdotalismo atribuiu ao homem precisamente a paternidade que Jesus atribui ao próprio Sacerdotalismo, como quando dirigindo-se aos seus perseguidores e assassinos sacerdotais, ele diz: “Vós sois do vosso pai, o diabo”. [João 8:44]

Dra. Anna Kingsford - Homem, a Expressão Individualizada de Princípios Existentes em Deus

 

     Seria um erro censurar essa doutrina como antropomorfismo supondo que ela atribua limitações humanas a Deus. Não se trata de antropomorfismo uma doutrina que reconheça Deus como os princípios dos quais o homem é expressão e manifestação individualizada. E quando a Bíblia diz, como ela o diz através de São Paulo, que as “coisas invisíveis de Deus, desde a criação do mundo, são claramente vistas, sendo compreendidas pelas coisas que estão feitas, até mesmo Seu poder eterno e Divindade” [Romanos 1:19-21], e acrescenta que aqueles que falham em assim discernir a natureza de Deus a partir de Suas obras “não tem desculpa”, censurando aqueles que, ao negarem a correspondência entre Deus na Seidade de Deus e Deus na criação, fazem de Deus algo essencialmente distinto e diferente do homem, ao ponto de negarem qualquer relacionamento e semelhança entre eles.

            Que a doutrina da Dualidade na Unidade tem sido, sob a denominação de “biunidade”, gravemente desfigurada por alguns que, dizendo reconhecê-la, visam apenas apresentá-la de uma maneira calculada para desacreditá-la, muito longe de ser uma razão para rejeitar essa doutrina, é uma razão para uma mais enfática afirmação e mais exata definição da mesma. Pois isso prova a importância atribuída a ela, como meio de redenção do homem, por aqueles – os reais autores da perversão – que buscam desse modo servir, não ao homem, porém seus próprios propósitos maléficos.

            Aquilo que no plano físico é chamado sexo, é a manifestação em última instância do dualismo que, subsistindo na Divindade como Força e Substância originais, constitue Deus o Pai-Mãe universal. E ao invés dessa correspondência implicar qualquer menosprezo à Divindade, ela deve servir para a redenção do sexo da baixa consideração comumente atribuída a ele, ao elevar o exercício de suas funções ao nível de um sacramento. Não é pelo repúdio do natural que o homem eleva a si mesmo em direção ao divino, mas pela purificação. E para o cumprimento desse objetivo não há método mais eficaz do que o reconhecimento do natural como a expressão do divino, conforme sugerido na prescrição Paulina de tudo realizarmos “para o Senhor”. [p. ex: Romanos 14:8]

            O dualismo representado pelos termos masculino e feminino, nem se origina no material, nem termina com o material; ele é derivado por meio do material a partir do substancial e divino. Pois ele representa a potência dual do espírito, tão somente em virtude da qual Deus encontra manifestação na Criação. Pois Criação é manifestação, e a manifestação se dá por geração, e a geração não é de um, mas de dois; embora, como na humanidade, os dois subsistem no um. E que tal dualismo constitua o homem pai e mãe no derivado e no individual, é somente porque ele constitui Deus Pai e Mãe no original e no universal.

            Dá-se o mesmo em todos os planos da existência. Pois “há uma lei, e Aquele que opera é Um”. O método de Deus é invariável assim como a natureza de Deus, e em todos os lugares a dualidade na Unidade de Deus encontra expressão. Unicamente é a palavra de Deus aquilo que “penetra até o que separa alma e espírito, juntas e medulas, e discerne as disposições e intenções do coração” [Hebreus 4:12] e distingue entre os dois fatores, o dual, na unidade divina. Vontade e Amor, Sabedoria e Compreensão, Espírito e Alma, Mente e Consciência Moral, Intelecto e Intuição – cada dualismo representa a conjunção das duas potências representadas pelos termos masculino e feminino, e seus fatores são masculinos e femininos um para o outro. E precisamente à medida que, e somente à medida que, como o produto de qualquer um deles representa sua mútua interação, e isso exercido em um espírito puro, é tal produto “nascido de Deus”, e é divino. “No celestial todas as coisas são pessoas”; e o método divino, da mesma forma para a criação como para a redenção, é por geração. E que a última seja chamada regeneração, é porque consiste na nova geração do indivíduo a partir do dualismo espiritual de seu sistema, sua Força e Substância, Espírito e Alma, os quais são divinos porque sendo puros são Espírito Santo e Virgem Maria, Pai e Mãe do Cristo-Jesus dentro dele. E sem tal regeneração não há qualquer salvação; porque “Vós deveis nascer de novo, da água e do Espírito”. “O Espírito de Deus se move sobre a face das águas” de Deus como individualizado na alma do homem, dando origem à Palavra – “Deus disse” – onde Deus encontra expressão e manifestação, como tão somente assim pode se dar, através da dualidade na unidade do Espírito.

            De onde segue-se que, sendo capazes como são todas as coisas, não importa quão puras em si mesmas, de serem degradadas, e certo como são de serem degradadas, por mentes que são elas mesmas degradadas; e excelentes como podem ser, e às vezes o são, os indivíduos que rejeitam – e os motivos que os impelem a rejeitar – a doutrina que está sendo exposta, a real fonte da objeção não se origina do que é elevado, mas sim do que é inferior. Pois ela é induzida pelo desejo de criar entre Deus e o homem uma tão absoluta diferenciação, tanto quanto à substância como quanto à constituição, de tal modo que essa diferenciação efetivamente afaste o homem do reconhecimento e, consequentemente, da realização das potencialidades divinas as quais, como sua inalienável herança, lhes chegam inevitavelmente a partir da relação que, em virtude de tal identidade, subsiste entre ele e Deus.

            É com referência, precisamente, a essa insidiosa introdução de erro fatal, sob o plausível véu dos excelentes motivos, que “Satã” é mencionado como sendo “transformado em um anjo de luz”. E é exatamente a negação da substância, e da divindade dessa, que se constitui, em sua modalidade mais flagrante, a “blasfêmia contra o Espírito Santo”; aquele pecado de caráter odioso e imperdoável, do qual as condições atuais do mundo são a demonstração; a responsabilidade disso recaindo sobre o Sacerdotalismo como o agente e o perpetuador da Queda.

Dra. Anna Kingsford - Mistério da Redenção, e o Cristo como o Supremo Resultado desse Mistério

 

O “Novo Evangelho da Interpretação” efetivamente afasta a invenção eclesiástica – não menos monstruosa do que alheia às escrituras – que, deificando Jesus e o apresentando como Deus, o remove da categoria de humano e o identifica com o Ser Supremo, e representa de forma ímpia aquele Ser como morrendo na Cruz para satisfazer Sua própria ira implacável. No entanto, isso de fato mantém e reforça o símbolo que é sustentado pelo Sacerdotalismo como confirmação de tal doutrina. Pois ela apresenta o Credo como um epítome da história espiritual, não de qualquer ser individual, mas de todos aqueles que, sendo “filhos da Intuição”, se tornam, por meio disso, “filhos de Deus”, e o Credo reconta os estágios daquele processo de regeneração do qual o Cristo é a culminância, mostrando que esse processo se fundamenta na própria natureza do ser, e está aberto, portanto, igualmente para todos os homens.

            Mas, mesmo assim, não é a Jesus, o homem, que se devem honras divinas. Ele é somente o veículo da manifestação Divina, e apenas um dentre muitos desses veículos, a diferença entre os quais é unicamente de grau, sendo que a natureza e a história espiritual de todos eles é a mesma. Pois, onde quer que Deus encontre manifestação dentro e através do homem, lá, em Seu grau, está Cristo.

            “Reconhecendo plenamente aquilo que Jesus foi e fez, o “Novo Evangelho da Interpretação” apresenta a salvação como dependendo, não do que qualquer homem tenha dito ou feito, mas no que Deus perpetuamente revela. Pois, de acordo com o “Novo Evangelho”, a Religião não é uma coisa do passado, ou de qualquer época em particular; mas é uma sempre presente realidade, que ocorre a todo instante; a qual é para todo homem apenas uma e a mesma: – um processo completo em si mesmo para cada homem; e que para ele existe independentemente de qualquer outro homem. Desse modo ele reconhece como atores, nesse drama crucial da alma, somente duas pessoas, o próprio indivíduo e Deus.” (1)

            Da mesma maneira pela qual todos os outros homens são salvos, é salvo aquele que se tornou um Cristo. Sua função é mostrar aos homens o caminho, tendo ele próprio aprendido esse caminho através da experiência.

            Ao fazer isso, a “Nova Interpretação” reconcilia a religião com a razão, e a fé com o conhecimento, restaurando para esse fim os textos sagrados originais a partir dos quais a própria Bíblia foi escrita, obtendo-os diretamente da fonte primária e eterna depositária da gnose divina à qual eles pertencem, a Hierarquia da Igreja Celestial, a qual, na plenitude da época apontada, agora se encontra, uma vez mais, em aberta relação com a Terra. Tal é o caráter e a origem reivindicados pela exposição que segue do “Mistério da Redenção”: –

            “Todas as coisas no Céu e na Terra são de Deus, tanto as invisíveis como as visíveis.

            Assim como é o invisível, também é o visível, pois não há linha divisória entre o espírito e a matéria.

            A matéria é espírito tornado exteriormente cognoscível pela força da Palavra [ou Verbo] Divina [o].

            E Deus renovará todas as coisas pelo amor, o material se resolvendo no espiritual, e haverá um novo Céu e uma nova Terra.

            Não que a matéria venha a ser destruída, pois ela veio de Deus, e é de Deus, indestrutível e eterna,

            Mas ela se recolherá ao interior e se resumirá em seu verdadeiro ser.

            Ela afastará a corrupção, e permanecerá incorruptível.

            Ela afastará a mortalidade, e permanecerá imortal.

            De modo que nada seja perdido da Divina substância.

            Ela era entidade material: e será entidade espiritual.

            Pois não há nada que possa sair da presença de Deus.

            Essa é a doutrina da ressurreição dos mortos: ou seja, a transfiguração do corpo.

            Pois o corpo, que é matéria, é apenas a manifestação do Espírito: e a Palavra [Verbo] de Deus a transmutará em seu ser interior.

            A vontade de Deus é o crisol alquímico: e a impureza que é depositada dentro dele é matéria.

            E a impureza se tornará ouro puro, sete vezes refinado – o próprio perfeito espírito.

            Ela não deixará nada para trás: mas será transformada na Divina imagem.

            Pois ela não é uma nova substância: mas sua polaridade alquímica é alterada, e ela é convertida.

            Mas a menos que fosse ouro em sua verdadeira natureza, ela não poderia se transformar no aspecto do ouro.

            E a menos que a matéria fosse espírito, ela não poderia se reverter ao espírito.

            Para produzir ouro, o alquimista deve ter ouro.

            Mas ele sabe ser ouro naquilo que os outros consideram impureza.

            Entrega-te à vontade de Deus, e te tornarás como Deus.

            Pois tu és Deus, se tua vontade for a vontade divina.

            Esse é o grande segredo: é o mistério da redenção.” (2)

            Mas o processo da redenção é complexo e multifacetado, tal como é o próprio homem, e possui muitas etapas, se constituindo numa escada. Todo esse processo, imenso como ele é, está dentro do homem. Essa escada é ao mesmo tempo da Evolução e da Regeneração – sendo involutiva e espiritual – por meio da qual o homem ascende “do pó do chão ao trono do Altíssimo”, a qual tem Cristo como seu ápice. Os passos são assim apresentados na “Nova Interpretação”, tendo por base a apresentação hebraica.

            “Agora, os membros do microcosmo são doze: três membros são do sentido, três da mente, três do coração, e três da consciência.

            Pois do corpo há quatro elementos; e o signo dos quatro é o sentido, no qual há três portais;

            O portal da visão, o portal da audição, e o portal do tato. (3)

            Renuncie à vaidade, e seja pobre: renuncie ao reconhecimento, e seja humilde: renuncie à luxúria, e seja casto.

            Ofereça a Deus um sacrifício puro: permita que o fogo do altar chegue a ti, e prove tua fortaleza.

            Purifique tua visão, tuas mãos, e teus pés: conduza o incensório da tua adoração aos recintos do Senhor; e que teus votos se dirijam ao Altíssimo.

            E para o homem magnético (4) há quatro elementos: e a cobertura dos quatro é a mente, na qual há três portais;

            O portal do desejo, o portal do trabalho, e o portal da iluminação.

            Renuncie ao mundo, e aspire às coisas do céu; trabalhe, não para a carne que perece, mas peça a Deus teu pão de cada dia: acautela-te das doutrinas que te desviam, e permita que a Palavra [Verbo] do Senhor seja tua luz.

            A alma também possui quatro elementos: e a morada dos quatro é o coração, no qual, do mesmo modo, há três portais;

            O portal da obediência, o portal da oração, e o portal do discernimento.

            Renuncie à tua própria vontade, e deixe que apenas a lei de Deus esteja dentro de ti: renuncie à dúvida: ore sempre e não fraqueje: também seja puro de coração, e verás a Deus.

            E dentro da alma há o espírito: e o Espírito é Uno, e, no entanto, ele possui, do mesmo modo, três elementos.

            E esses elementos são os portais do oráculo de Deus, que é a arca da aliança;

            O cajado, a hóstia e a lei:

            A força que dissolve, e transmuta, e profetiza: o pão do céu que é a substância de todas as coisas e o alimento dos anjos; a tábua da lei, que é a vontade de Deus, escrita com o dedo do Senhor.

            Se esses três estiverem dentro de teu espírito, então o Espírito de Deus estará dentro de ti.

            E a glória estará com o que se sacrifica, no sagrado lugar de tua oração.

            Esses são os doze portais da regeneração: através dos quais, se o homem entrar, ele terá o direito à árvore da vida. (5)

            A “Nova Interpretação”, contudo, não se restringe à apresentação hebraica. Ela reconhece a Oriental, a Egípcia e a Grega, e ao fazer isso demonstra ao mesmo tempo a verdade da definição que torna o Cristianismo uma síntese dos mistérios sagrados que já se encontravam no mundo, e repreende o Sacerdotalismo cristão por ter suprimido esses mistérios, uma supressão que tem sido feita ao ponto de acusá-los de “satânicas imitações com o objetivo de antecipadamente desacreditar o Cristianismo.” E isso foi feito pelo Sacerdotalismo, não obstante o reconhecimento conferido a esses mistérios por Jesus, conforme adiante será explicado, e conforme foi explicado por São Paulo na sua descrição de Moisés como considerando a repreensão do Cristo [Hebreus 12] como contendo riquezas maiores do que os tesouros do Egito – uma expressão que mostra que a sabedoria que Moisés aprendeu no Egito compreendia, e era, a doutrina do Cristo, a gnose suprimida pelo Sacerdotalismo.

            Embora descreva o próprio processo de regeneração em termos derivados dos mistérios hebraicos, a “Nova Interpretação” celebra os supremos resultados daquele processo em um ritual que pertence aos mistérios gregos – que é uma das várias similaridades recuperadas pela “Nova Interpretação”. Trata-se de um hino devotado ao “Primeiro dos Deuses”, ou o Elohim criativo, o Espírito de Sabedoria, conforme representado por seu “Anjo”, o “Anjo do Sol”, e representante “daquela luz que Adonai criou no primeiro dia”, sob sua designação grega de Febo Apolo. Como se verá, este hino exala tanto o espírito como a letra da Bíblia, do Gênesis ao Apocalipse, de tal modo que indica, inequivocamente, a identidade, em substância e origem, dos mistérios hebraicos e cristãos com os outros mistérios e escrituras sagradas da antiguidade. E, como também veremos, seu tema é a divindade potencial do homem como ser humano, e não a divindade exclusiva de um dado indivíduo humano em particular.
Hino a Febo

            “Forte e adorável és tu, Febo Apolo, trouxestes vida e cura em tuas asas, coroastes o ano com tua generosidade, e destes o espírito da tua divindade aos frutos e às coisas preciosas de todos os mundos.

            Onde estaria o pão da iniciação dos filhos de Deus, se tu não tivesse feito o milho florescer, ou o vinho de seu cálice místico, se tu não tivesse abençoado a vinha?

            Muitos são os anjos que servem nas cortes das esferas celestiais: mas tu, Mestre da Luz e da Vida, és seguido pelos Cristos de Deus.

            E teu sinal é o sinal do Filho do Homem nos céus, e do Justo tornado perfeito;

            Cujo caminho é como uma luz brilhante, brilhando mais e mais até a mais interna glória do dia do Senhor Deus.

            Teu estandarte é vermelho carmesim, e teu símbolo é um cordeiro branco-imaculado, e tua coroa é de puro ouro.

            Aqueles que reinam contigo são os Hierofantes dos mistérios celestiais; pois a vontade deles é a vontade de Deus, e eles conhecem como eles são conhecidos.

            Esses são os filhos da esfera mais interna; os Salvadores dos homens, os Ungidos de Deus.

            E o nome deles é Cristo Jesus, no dia de sua iniciação.

            E diante deles todo joelho se dobrará, tanto das coisas do céu e como das coisas da Terra.

            Eles são produto de grande tribulação, e são colocados para sempre à direita de Deus.

            E o Cordeiro, que está no meio das sete esferas, lhes dará de beber do rio da água vivente.

            E eles comerão da árvore da vida, que está no centro do jardim do reino de Deus.

            Eles são teus, Ó Grande Mestre da Luz; e esse é o domínio que a Palavra [Verbo] de Deus te designou desde o princípio:

            No dia em que Deus criou a luz de todos os mundos, e separou a luz das trevas.

            E Deus chamou a luz de Febo, e as trevas Deus chamou de Píton.

            Agora, havia trevas antes da luz, como a noite antecedeu a aurora.

            Esses são a noite e a manhã do primeiro ciclo dos Mistérios.

            E a glória desse ciclo é como a glória dos sete dias; e aqueles que nele habitam são sete vezes refinados;

            São os que purificaram a vestimenta da carne nas águas viventes;

            E transmutaram tanto o corpo como a alma no espírito, e se tornaram virgens puras.

            Pois eles foram compelidos pelo amor a abandonar os elementos externos, e a buscar o mais interno, que é indiviso, chegando mesmo à Sabedoria de Deus.

            E Sabedoria e Amor são Unos.” (6)

NOTAS

(1) The Perfect Way (O Caminho Perfeito), I, 42.

(2) Clothed with the Sun (Vestida com o Sol), II, ix.

(3) O paladar e olfato sendo considerados modos de toque.

(4) Ou seja, a parte magnética ou astral do homem, que é considerada uma pessoa ou sistema em si mesmo.

(5) Clothed with the Sun (Vestida com o Sol), II, v.

(6) Clothed with the Sun (Vestida com o Sol), II, xi.

Dra. Anna Kingsford - Verdadeira e Esotérica Doutrina da Encarnação Divina

 

Da mesma forma que Deus é espírito puro, assim também o espírito puro é Deus: e eles não são menos do que isso por estarem individualizados em uma alma humana, ou porque, quando assim individualizados, essa alma esteja vestida com um corpo humano.

            Assim é a verdadeira doutrina – simples, óbvia, inexpugnável – da divina encarnação. E o Evangelho que Jesus veio ensinar e demonstrar com o seu exemplo, é aquele que ensina que todos os homens possuem igualmente as potencialidades Divinas, as quais lhes pertencem em virtude da natureza dos princípios que os constituem.

            Jesus foi um homem que havia se aperfeiçoado através do sofrimento das experiências de muitas vidas e tinha alcançado a plenitude de Cristo. Ele não tinha, portanto, nenhuma necessidade de retornar ao corpo em seu próprio benefício. (1) Mas ao voltar, por puro amor, para redimir, por meio de mostrar aos outros que eles também tinham em si o mesmo potencial para se tornarem, ele foi UM Cristo, e como chefe da ordem, O Cristo.

            E o fato de que ele foi um redentor, não foi em razão de ele sofrer no lugar de outros – “por”, nesse sentido, não significa “no lugar de” – mas sim por sofrer dentro dos outros e com os outros, através da plenitude de sua compaixão – por meio da demonstração da perfeição de seu amor – que ele foi capaz de conquistá-los para também amar.

            Pois o amor que de forma imediata salva o homem não é o amor por ele, mas o amor dentro dele. Esse amor dentro dele é Deus dentro dele. Pois “Deus é amor”. E Deus no homem é Cristo. Cristo é o novo homem nele; seu próprio ser regenerado, que “carrega os pecados” de sua própria existência passada envolvida com o mal, que agora já não é mais assim, e que é, portanto, sua “unificação” e “sacrifício”, tornando-o uno com a sua própria divindade, a qual habita dentro dele, e, através disso, tornando-o uno com a Deidade universal. Desse modo é o homem “salvo por Cristo”.

            Nossa língua foi enriquecida com a apropriação do termo oriental “Karma”, que representa sucintamente aquilo que está implicado na afirmação: “Tu não sairás dali enquanto não pagares o último ceitil” [Mateus 5:26]. Quando compreendida corretamente, essa doutrina não é inconsistente com aquela da redenção por meio da regeneração e perdão dos pecados.

            O amor cobre e varre uma multidão de pecados naquele em quem a chama do amor é acesa. E para aquele que chega a amar muito, muito é perdoado. Sua operação é retrospectiva. Seria injustiça se não fosse assim. Pois o homem não é mais o mesmo que aquele que pecou, e prolongar a punição seria punir a pessoa errada. Por essa razão, não há uma rígida e imutável relação de credor e devedor entre Deus e o homem.

            E a doutrina que rejeita o esforço redentor “sob pena de interferir no Karma”, é uma doutrina das profundezas, desenvolvida expressamente para se afastar do exercício do amor, resultando em perda tanto para o doador como para quem recebe. Ao ignorar o amor e seu poder regenerador, ela ignora Cristo. Não há nem pode haver nenhum conflito real entre o amor divino e a justiça divina.

            O homem necessita apenas ser convencido de suas próprias possibilidades divinas para empreender todos os esforços para realizá-las. Sabendo disso, Jesus restringiu sua mensagem em grande parte à afirmação dessa suprema verdade.

            Uma vez que os homens estejam certos de que seu direito de nascença é a divindade, é Deus, tudo o mais, cada detalhe na vida e na prática, irá se harmonizar de acordo com isso. A aspiração na direção desse ideal experimentará a sua própria realização.

            Qualquer ensinamento diferente disso; qualquer insistência em modos de vida particulares, tais como os que dizem respeito à dieta, ou da relação do homem com os animais, por essenciais que possam ser, teriam falhado em obter resposta de um mundo tão rude e insensível como o mundo romano daqueles tempos.

            Além disso, o que quer que Jesus possa ter dito sobre esses e outros assuntos semelhantes, somente ficou registrado aquilo que os seus biógrafos julgaram adequado registrar, e apenas sobreviveu aquilo que o Sacerdotalismo permitiu sobreviver. Mais ainda, os Evangelhos declaram que o mundo não acreditaria nos livros que fossem escritos sobre ele, seus dizeres e seus feitos; e é enfaticamente afirmado no “Novo Evangelho da Interpretação” que a segunda destruição da biblioteca de Alexandria foi realizada por instigação sacerdotal, expressamente visando suprimir as evidências que ela continha sobre a falsidade da apresentação sacerdotal do Cristianismo. (2)

            E, além de tudo isso, o próprio Jesus declarou que ele ocultava muitas coisas de seus discípulos porque eles naquele momento não as suportariam, não estando eles suficientemente avançados em sua percepção das coisas espirituais, e predisse o advento de um Espírito de Verdade que deveria guiá-los para todas as verdades – uma previsão e uma promessa cujo cumprimento a Igreja tem até agora esperado.

            Quanto mais distante se está do infernal, mais próximo se está do celestial, no que diz respeito à condição do homem. De modo semelhante, quanto mais distante for o afastamento do sacerdotalismo, maior será a proximidade com o divino, com relação à verdade.

            As idéias principais da doutrina que é a um só tempo a doutrina da Bíblia e a de Cristo, são precisamente os princípios mais fortemente anatematizados pelo Sacerdotalismo, ou seja, os princípios do Panteísmo e a da Evolução, estando a condenação da última compreendida em sua condenação da doutrina da divindade da Substância como sendo uma heresia mortal.

            Do mesmo modo que o próprio Cristianismo, esses princípios só foram colocados diante do mundo de forma distorcida. Todas as coisas são Deus enquanto princípios constituintes, mas não enquanto condição, por causa da criação. Deus – o Deus que o homem tem em si como potencial para tornar-se – é o produto da Evolução. Tendo a sua origem em Deus por meio da emanação, o homem retorna a Deus por meio da evolução. Assim, seu ponto de chegada está em seu ponto de partida. Esse é o verdadeiro Panteísmo.

            A verdadeira evolução se dá nesse sentido. Em virtude da divindade dos princípios constituintes da existência – sua força e sua substância – em seu atributo essencial a existência é divina. A evolução é a manifestação desse atributo essencial, o impulso para a evolução sendo a tendência em reverter para uma condição divina perdida.

            Por essa razão a Divindade é a meta da evolução. A evolução é o método da individuação da divindade; e seu processo não está concluído até que a divindade seja alcançada. Deus é o direito hereditário de cada criatura; e não há nenhuma barreira à realização de Deus, a não ser a vontade do indivíduo. “Até destas pedras Deus pode fazer nascer filhos para Abraão” [Lucas 3:8]. Tudo que é necessário é que o espírito aprisionado na matéria seja libertado para operar. Pois “Cada mônada da substância divina possui a potencialidade de duplicação.” E a alma – que é o indivíduo – uma vez gerada, é indestrutível, salvo através de sua própria vontade perversa. “O espírito por si mesmo é difuso, e a chama nua está passível de se fundir a outras chamas. Mas a chama que está envolta em substância se torna uma individualidade que não é difusível”, que é capaz de sobreviver a todas as alterações de forma e condição, e que sempre vai assumindo formas e condições mais elevadas através do desenvolvimento de suas capacidades; e para esse desenvolvimento, tanto do individual como do universal, não há nenhum limite. E o produto desse desenvolvimento, por mais sublime como possa ser, sempre é “Cristo”. Pois Cristo é Deus em manifestação por meio da individuação. E o manifestado nunca exaure o não manifestado: mas sempre, na manifestação, o “Pai é maior do que o Filho”.

            Ao fazer de Cristo a encarnação do "Filho” na Trindade da Divindade, ao invés de sua contraparte no homem, o Sacerdotalismo confundiu o Manifestado com o Não Manifestado, e fez do Espírito Santo o Pai da “Pessoa” por meio da qual ele tem a sua processão (3). Esse é um artifício sutil para privar o homem de suas potencialidades divinas, e para exaltar a Ordem que reivindica o poder de converter os elementos eucarísticos em real Divindade.

NOTAS

(1) Aperfeiçoado, quer dizer, em relação à sua seidade espiritual, a qual, por ser o verdadeiro e permanente indivíduo, é a única que reencarna; e, em virtude de tal perfeição da alma, é capaz de realizar a plena regeneração de sua natureza corpórea, que, por derivar de pais humanos, eles mesmos apenas parcialmente regenerados, necessariamente carecia de certos graus de regeneração. Daí a "fraqueza” através da qual, como diz São Paulo, ele foi crucificado. Ver Clothed with the Sun (Vestida com o Sol), I, xxiv.

(2) Clothed with the Sun (Vestida com o Sol), I, xxxii.

(3) N.T.: Na teologia católica, procedência do Filho do Pai e a do Espírito Santo de ambos, no mistério da Santíssima Trindade.

Dra. Anna Kingsford - A Queda, Ocasionada pelo Sacerdotalismo Atuando sob Controle Satânico, por Meio da Perversão da Consciência Espiritual

 

Para a Bíblia, então, em seu sentido esotérico e divinamente pretendido, a “mulher” através da qual o homem cai, e a “mulher” através da qual ele é redimido, são uma e a mesma coisa, a diferença entre elas sendo apenas de condição. Nenhuma delas é uma mulher. Mas ambas implicam aquele princípio no homem que, por ser de natureza e potência feminina, a Bíblia chama de “a Mulher”: ou seja, a alma e sua faculdade de intuição. Isso porque, como um livro da alma, a Bíblia trata de princípios e se dirige à alma, provando, desse modo, que sua inspiração é de origem Celestial e Divina.

            O Sacerdotalismo, ao contrário disso, em razão de sua falta de qualquer senso de coerência, de sua ignorância quanto aos princípios e processos da alma, bem como do significado da simbologia da Bíblia, tem – por meio de seu tratamento da “Mulher” – provado que sua inspiração é de origem astral e infernal; uma vez que seus métodos tão exatamente reproduzem aqueles das influências assim designadas.

            E daí tem-se que, ao invés de ver que o processo da Redenção deve necessariamente ser o exato inverso daquele da Queda, e que ambos devem ser espirituais, e não pessoais, o Sacerdotalismo atribuiu a Queda a uma mulher, e jogou toda a culpa da Queda sobre ela e seu sexo, marcando-a com o estigma da inferioridade e da servidão, com o qual as mulheres têm, desde então, sido amaldiçoadas, e ignorou completamente o fato de que a Queda foi causada inteiramente pelo próprio Sacerdotalismo, através de sua sistemática deturpação de tudo o que ela [a Mulher] representa.

            Assim sendo, ao invés de buscar – trabalhando em prol do seu soerguimento – reparar os efeitos da Queda, o Sacerdotalismo a tem mantido subjugada para que ela não pudesse ser reerguida, tornando-a, desse modo, sua própria escrava desprezível.

            E o Sacerdotalismo tem confundido e obscurecido ainda mais a percepção do homem sobre a verdade a respeito da Mulher, primeiramente tornando-a a mãe física do homem Jesus, ao invés da mãe espiritual do Cristo no homem – relacionando absurdamente sua “virgindade” ao corpo, ao invés da alma, corrompendo de forma blasfematória as concepções do homem, tanto em relação ao método divino como em relação à sua própria natureza. E, mais ainda, ao identificá-la com a Igreja, significando o próprio Sacerdotalismo, perverteu as condenações do Apocalipse a respeito do Sacerdotalismo, transformando-as em glorificação de si mesmo.

            Pois, ainda que seja verdade que a “Mulher” – a quem a Escritura exalta ao atribuir-lhe a redenção do homem – se refira, em um de seus aspectos, à Igreja, não se refere à Igreja tal como constituída e definida pelo Sacerdotalismo, mas sim à Igreja da coletividade das almas dos homens redimidos do poder do Sacerdotalismo, por meio de sua própria restaurada intuição da verdade, o que acarreta na exposição e derrocada do Sacerdotalismo.

            A rejeição da Intuição pelo mundo de nossos dias se deve, em grande parte, à crença de que ela afirmaria a posse de conhecimentos adquiridos independentemente da experiência. No entanto, a definição que já foi dada aqui quanto à natureza da Intuição aponta o erro dessa crença, mostrando que ela está baseada em um completo equívoco.

            Em razão desse equívoco e de suas conseqüências, o Sacerdotalismo tornou-se o responsável por suprimir a verdade quanto a natureza da alma e sua pré-existência, suprimindo também a verdade acerca das conseqüentes oportunidades da Alma adquirir conhecimentos por meio da experiência. Pois aquilo que a intuição representa é precisamente aquele conhecimento positivo que a alma adquiriu por meio da experiência, a respeito de Deus, do mundo e do homem, durante as longas eras de seu passado como um ente individual.

            Muito longe de ser um mistério, e muito longe de o conhecimento assim adquirido, por meio de tal organon [instrumento], ser abominável, impensável, inacreditável ou mesmo obscuro e ininteligível – crença cuja aceitação e afirmação involve o suicídio intelectual e moral, que o Sacerdotalismo impõe aos seus devotos – esse conhecimento da Intuição representa o próprio bom senso do homem em sua modalidade mais elevada.

            Isto porque se trata daquela verdade que no mais íntimo de seu coração ele sempre sentiu e almejou, e quase acreditou, mas a qual – devido ao véu de sangue lançado pelos seus sacerdotes, tanto sobre o universo como sobre a sua própria visão – ele se tornou incapaz de ver. Pois ela é aquela perfeita verdade e perfeita bondade que, não fosse pela afirmação dos sacerdotes em sentido contrário, o homem teria acreditado se tratar de Deus.

            E é por meio da “mulher”, a Intuição, que o homem alcança seu bom senso [em inglês: common sense], nesse que é seu nível mais elevado. E que esse seja, com toda verdade, seu nível mais elevado, é porque a conclusão que ele compreende é a concordância entre, não apenas de todos os seres humanos, mas entre todas as partes do ser humano.

            E sendo isso, ele é a concordância, ao mesmo tempo, do Homem Completo, e do homem íntegro, do homem sadio e, nesse sentido – como só ele pode ser – do homem lúcido. Pois ele é a conclusão, não de uma maioria, por maior que ela possa ser, constituída de homens rudimentares em razão de sua falta de desenvolvimento, ou de homens mutilados pela supressão daquela metade essencial do sistema humano, a intuição.

            Não se trata, portanto, da conclusão alcançada por seres humanos “subjugados sob o altar” e “na prisão” de seus elementos inferiores; não por uma maioria de trogloditas espirituais enterrados profundamente nas cavernas da materialidade e incapazes de aspirar para além do inferior e do corpóreo. É, sim, a conclusão do homem substancial e real; do homem emancipado, livre e desenvolvido em relação à consciência de todas as múltiplas esferas e modalidades do Ser, de onde a infinita e eterna Plenitude Se diferencia e Se distribui no universo para tornar-se individualizada no ser humano. Ela é a conclusão, em suma, do homem que, reconhecendo Deus tanto como a Força quanto como a Substância da Existência, O reconhece igualmente como Pai e Mãe, e tem, nesse sentido, buscado, pelo desenvolvimento em si mesmo de todos os princípios, propriedades, qualidades e atributos, respectivamente masculinos e feminos, do Ser, tornar-se realmente – visto que espiritualmente – o que foi descrito com "feito à imagem de Deus, homem e mulher" [Gênesis 1:27], adicionando ao intelecto, a intuição, à mente, a consciência moral, e à vontade, o amor – representando assim, ao mesmo tempo, o Humano Completo e a Deidade Completa.

            Tal é o bom senso [common sense], e tais são os resultados, acrescidos ao homem através dela, a mulher mística das Escrituras, tão desprezada e rejeitada pelos sacerdotalismos do mundo, tanto da religião como da ciência; desde que ele observe as condições prescritas em relação a ela.

            Essas condições são aquelas que, por serem indispensáveis para que o homem alcance sua própria perfeição, são atributos do Cristo. Como quando se diz que “ele vem atando o seu burrico à videira, e o filho da sua jumenta à videira seleta, e lava suas roupas em vinho e a sua vestidura em sangue de uvas” [Gênesis 49:11]. Assim montado e assim purificado, ele cavalga como rei em triunfo para dentro da cidade sagrada de seu próprio sistema regenerado.

            Pois aquilo que essas metáforas representam é a união dos dois modos da mente, o Intelecto e a Intuição, num espírito puro. Ao preencher essas condições, o homem se torna, como também é dito, um “sacerdote para sempre segundo a ordem de Melquisedeque” [Hebreus 17:7]. Pois aquilo que esse nome denota é o perfeito equilíbrio dessas duas faculdades, como rei e rainha no sistema mental do homem.

            Ao possuir uma mente como essa, o homem tem “a mesma mente que estava em Cristo Jesus” [Filipenses 2:5], e é “ungido de Deus”, estando repleto do Espírito, e não mais sujeito às limitações da matéria. E estando assim reconstituído dos elementos de seu sistema – sua substância e sua vida – em sua condição divina, uma vez que pura, ele é descrito como sendo “renascido da água e do espírito”, e tendo por pais a “Virgem Maria e o Espírito Santo”, e como sendo ao mesmo tempo filho de Deus e do Homem, e sendo portanto “Deus-Homem”. Pois o ser assim divinamente gerado no homem é Deus tornando-se homem, e homem permanecendo Deus. Tal e tão simples, óbvia, razoável e divina, quando interpretada em seu sentido verdadeiro, é a doutrina que o Sacerdotalismo tornou a um só tempo incompreensível e blasfematória.

            Não foi apenas do processo indispensável a outros que Jesus falou quando Ele disse, como por exemplo a Nicodemus: “Deveis nacer novamene da água e do Espírito”. Nisso declarou como Ele próprio foi gerado. Pois “água e o Espírito”, “água e o sangue”, “Espirito e Noiva”, “Espírito de Deus se movendo sobre a face das águas”, “Virgem Maria e Espírito Santo” – todos esses são apenas diversas maneiras de significar o mesmo dualismo existente no Ser, o dualismo da Força e da Substância, em virtude do qual Deus é igualmente Pai e Mãe, e criação e redenção se dão pela geração.

            Os dois aspectos são igualmente Espírito, pois de nenhum outro modo poderia haver relação harmônica entre eles. E sendo espírito eles são substância viva, e sendo substância viva eles são chamados de “sangue” – significando o sangue divino da vida divina, a vida que é Deus, mesmo o próprio ser de Deus, que Deus está sempre emanando por igual para a criação, a sustentação e a redenção do universo.

            E é em consonância com essa vida e substância espirituais que o amado Apóstolo, que é o único que as compreende e as registra – aquele a quem no fim o Cristo, como Filho da “Mulher”, a Intuição, entrega sua "Mãe” – contempla verter do lado perfurado de seu Mestre, o “Cristo interno”, e não o Cristo “segundo a carne”, como aquele expoente dos místicos e ocultistas, o Apóstolo Paulo, declara claramente.

            Agora, com relação à regeneração, é necessário dizer o que segue: – Por se dar a partir de fora do corpo, o processo deve ser realizado, pelo menos em grande parte, enquanto no corpo. E por ser longa e gradual, ela se estende por muitas vidas terrenas. A doutrina da multiplicidade das vidas terrenas, anteriormente chamada de transmigração e de retorno das almas, e agora de reencarnação, era universal nas Igrejas pré-cristãs, e está implícita ao longo de toda a Bíblia, sendo que algumas vezes também explicitamente.

            Mas o Sacerdotalismo, ao assumir o estilo e o título de cristão, achou conveniente ocultá-la e refutá-la. A razão disso não é difícil de achar, agora que a fonte e os motivos que inspiram o Sacerdotalismo estão revelados. A reencarnação é a condição para a regeneração, tornando-a possível ao oferecer as oportunidades necessárias de experiência. E a regeneração se dá por meio da purificação interior, sendo esse o segredo e o método do Cristo. Mas os controladores do Sacerdotalismo queriam sangue para si mesmos. Assim, a regeneração foi engavetada para dar espaço para a sua substituição. Como os seres infernais sabiam, e o evento se provou verdadeiro, dê aos homens um Deus que ame o sangue, e eles inundarão a terra com sangue para Sua glória. Pois, “assim como no céu” – a concepção do homem acerca de Deus – “também na terra”. O homem sempre se fez segundo a imagem na qual ela faz de seu Deus.

            Não que a doutrina do sacrifício seja falsa, mas somente aquela do sacrifício vicário. Pois, como diz o “Novo Evangelho da Interpretação”, enfatizando e reforçando o velho Evangelho da Bíblia – não há tal coisa como uma redenção vicária, pois ninguém pode redimir a um outro por meio do derramamento de sangue inocente. A justiça não pode ser saciada com a punição do inocente pelo culpado, mas na verdade, o inocente é com isso duplamente ultrajado.

            Nenhum homem pode assumir o pecado de outro, nem deve ele pagar pela transgressão de seu irmão; mas cada um deve carregar seu próprio pecado, e ser purificado por sua própria correção. Remover o sofrimento do homem é remover seus meios de redenção. Tão somente se, através do próprio sofrimento, ele se arrepender, poderá receber perdão. “A alma que peca, ela própria morrerá”, e nenhuma outra em seu lugar. E ele não se libertará do estado de ser no qual pecou – até ter pago o último vintém; porém retornará a esse estado, repetidamente, até que tenha conquistado sua própria salvação, e não esteja mais propenso a pecar. É por isso que, "desde Adão até Cristo”, desde a Queda até a Redenção, há tantas "gerações". Elas são os degraus para o progresso do próprio homem. É verdade que o homem, considerado como a personalidade exterior, não sabe que ele está pagando pelas faltas de suas vidas passadas. Nem tampouco ele propriamente está fazendo isso; pois como personalidade exterior ele não tem vidas passados, sendo renovado a cada nova encarnação.

            Mas o homem considerado com a individualidade interior conhece isso e sua responsabilidade existe na medida em que ele negligencia ou atenta ao conhecimento, que é a voz da consciência falando nele. Tal sacrifício constitui também um ato de unificação. Pois por meio dele o homem se torna uno com o Espírito Divino dentro dele, alcançado após longo tempo o estado de Cristo. E o princípio em virtude do qual isso ocorre nele, e o processo correspondente, são ambos “Cristo”. Pois por Cristo se representa não apenas uma pessoa, uma posição e um estado espiritual, mas também um princípio e um processo. De modo que, mesmo que o homem seja salvo por “Cristo”, ele não é salvo vicariamente, no sentido eclesiástico.

Dra. Anna Kingsford - A “Mulher” Não é uma Mulher, Mas Sim a Alma e a Intuição

 

   É a hostilidade inveterada entre os poderes ocultos do mal e a “Mulher” das Escrituras que está representada na passagem do Apocalipse na qual aparece o dragão, “quando soube que já não tinha muito tempo”, ao “despejar água de sua boca como uma enchente para levá-la embora”.

            A iminência da restauração da intuição reconhecida pelo dragão, que não é outra senão sua velha sedutora no Éden, se deve ao início do reinado de Miguel, “o grande príncipe que defendeu os filhos do povo de Deus”. Isso porque, como o representante do principio da equidade ou equilíbrio, em relação aos fatores masculino e feminino na natureza humana, Miguel representa a restauração da Intuição a seu devido trono; é por meio da qual se dá o discernimento do espírito e, assim, da verdadeira natureza do dragão como sendo a antítese do Espírito.

            A negação da Intuição é uma característica marcante do Sacerdotalismo, seja ele religioso ou científico. E a Intuição nunca esteve tão flagrantemente ausente de ambos os tipos do Sacerdotalismo quanto nos dias de hoje.

            Mas a pergunta que deve ser respondida em primeiro lugar é quem, ou o que, é a intuição precisamente. E como não há ninguém tão competente para responder a isso quanto ela própria, é nas palavras em que ela revelou a si mesma novamente – expressamente para os propósitos da “Nova Interpretação”, representada por essa Sociedade – que a resposta será dada.

            Como veremos, desde o início a Intuição restaura a doutrina – Universal nas Igrejas pré-cristãs, mas suprimida pelo Sacerdotalismo ao assumir a denominação de Cristão – que é a única que a torna, ou a Bíblia, ou a própria existência inteligíveis. Essa é a doutrina da multiplicidade das vidas terrenas.

        “Intuição é experiência inata; aquilo que a alma sabe dos idos e antigos anos.

            “Conhecimento inato e percepção das coisas, essas são as fontes da revelação: a alma do homem o instrui, já tendo aprendido pela experiência.

        “Ninguém é profeta, a não ser aquele que sabe: o instrutor do povo é um homem de muitas vidas.

            “E a Iluminação é a Luz da Sabedoria, pela qual o homem percebe os segredos celestiais.

            “Essa Luz é o Espírito de Deus dentro do homem, mostrando-lhe as coisas de Deus”. 

            “Os Livros Místicos tratam apenas de entes espirituais? Nem o próprio Tentador é matéria, mas antes aquele que dá precedência à matéria. Adão é antes a força intelectual: ele é Terreno. Eva é a consciência moral: ela é a Mãe dos que Vivem.

            “Então, o intelecto é o princípio masculino, e a intuição, o princípio feminino. E os Filhos da Intuição, ela própria caída, finalmente recuperarão a verdade e redimirão todas as coisas.

            “Por sua culpa, de fato, que a consciência moral da humanidade tornou-se sujeita à força intelectual, e que dessa forma proliferam todo o tipo de maldade e confusão, já que o desejo dela está direcionado para o intelecto e, até agora, ele exerceu domínio sobre ela.

            “Mas o Fim profetizado pelo Vidente não está muito longe. Então, a Mulher será exaltada, vestida com o Sol e levada ao Trono de Deus. E seus Filhos farão Guerra ao Dragão, e alcançarão a Vitória sobre ele.

            “A intuição, desse modo, pura e sendo como uma Virgem, será a Mãe e a Redentora de seus Filhos caídos, os quais ela mantinha como Escravos do seu Esposo, a Força intelectual.”

            “Moisés, portanto, conhecendo os Mistérios da Religião dos egípcios, e tendo aprendido com seus Ocultistas o valor e a significação de todos os Pássaros e Animais sagrados, os transmitiu como Mistérios para o seu próprio Povo. (...) Ele ensinou a seus Iniciados o Espírito dos Hieróglifos celestiais e ordenou-lhes que quando celebrassem Festivais diante de Deus carregassem em procissão, com música e dança, aqueles dos Animais sagrados que, por suas significações interiores, estivessem relacionadas com a ocasião.

            “Agora, desses Animais, ele selecionou principalmente os Machos do Primeiro Ano, sem Mancha ou Defeito, para significar que é necessário, acima de todas as coisas, que o homem dedique ao Senhor seu intelecto e sua razão, desde o princípio e sem reserva alguma. E fica evidente – pela história do mundo em todas as épocas, principalmente nestes últimos tempos – que ele foi muito sábio ao ensinar isso. Pois, o que foi que levou os homens a renunciar às realidades do espírito e a propagar falsas teorias e ciências corrompidas, negando todas as coisas que não sejam a aparência que pode ser apreendida pelos sentidos externos, e desse modo a se transformar no próprio Pó da Terra? É o seu intelecto que, não estando santificado, os desviou do caminho reto; é a força da mente neles que, estando corrompida, é a causa de sua própria ruína e da de seus seguidores.

            “Então, assim como o intelecto está apto a ser o grande Traidor do Céu, assim também é ele a força pela qual os homens, seguindo sua intuição pura, podem também compreender a verdade. Por essa razão está escrito que os Cristos são submissos a suas Mães. De modo algum isso quer dizer que o intelecto deva ser desonrado; pois ele é o Herdeiro de Todas as Coisas, desde que tão somente ele seja verdadeiramente gerado e não um Bastardo.

            “E, além de todos esses símbolos, Moisés ensinou seu Povo a ter, acima de todas as coisas, Repúdio à Idolatria. O que é, então, a Idolatria e o que são os Falsos Deuses?

            “Criar um Ídolo é materializar Mistérios espirituais. Os Padres, desse modo, são Idólatras, os quais, chegando depois de Moisés e entregando-se a escrever aquelas coisas que ele, pela Palavra de Boca a Ouvido, tinha transmitido à Israel, substituíram as verdadeiras coisas significadas, pelos símbolos materiais, e derramaram sangue inocente nos puros Altares do Senhor.

            “Também são Idólatras aqueles que compreendem as coisas dos sentidos, onde tão somente as coisas do espírito estão referidas, e que escondem as verdadeiras Feições dos Deuses por meio de representações materiais e falsas. Idolatria é materialismo, o compartilhado e original Pecado dos Homens, que substitui o Espírito pela Aparência, a substância pela ilusão e conduz tanto o ser moral como o intelectual, ao erro, de forma que substituem o inferior pelo superior e o que está no Fundo pelo que está no Alto. É o falso Fruto que atrai os sentidos externos, a Tentação da Serpente do Começo do Mundo. Até que o Homem e a Mulher Místicos tenham comido desse Fruto, conheciam apenas as Coisas do Espírito, e as achavam suficientes. Mas após sua Queda, começaram a apreender também a Matéria e a ela deram a Preferência, tornando-se Idólatras. E seu Pecado, e a Mácula gerada por aquele falso Fruto, corromperam o Sangue de toda a Raça dos Homens, de cuja Corrupção os Filhos de Deus os teriam redimido.” 

            “Tudo que é verdadeiro é espiritual. (...) Nenhum dogma é real se não for espiritual. Se for verdadeiro e, contudo, lhe parecer ter uma significação material, saiba que não o resolveu. É um mistério: busque sua interpretação. Aquilo que é verdadeiro é tão somente para o espírito.

            “Pois a matéria perecerá, e tudo que a ela pertence, mas a Palavra do Senhor continuará a existir para sempre. E como ela poderia perdurar se não fosse puramente espiritual, uma vez que, ao perecer a matéria não mais seria compreensível?” (3) 

            A Igreja tem toda a verdade; mas os sacerdotes a materializaram.

Em seu sentido real as doutrinas são verdades divinas, fundamentadas na natureza do Ser. Mas apresentadas segundo o sacerdotalismo elas são absurdos blasfemos. Elas são verdadeiras de acordo com o significado dado por Deus; não conforme o significado dado pelos padres.

            A Bíblia foi escrita por pessoas de intuição, para pessoas de intuição, e do ponto de vista das pessoas de intuição. Ela tem sido interpretada por pessoas superficiais, para pessoas superficiais, e do ponto de vista das pessoas superficiais. Mesmo sendo o mais oculto e místico dos livros, ela tem sido exposta por pessoas sem conhecimento oculto ou percepção mística.

Dra. Anna Kingsford - A Bíblia Afirma que o Sacerdotalismo É de Origem Diabólica


Mesmo que fosse um fato que a feitiçaria tivesse deixado de ser praticada pelos sacerdotes, o Sacerdotalismo ainda assim representaria a sobrevivência do sistema que foi originado e desenvolvido por meio de feitiçaria.


            As seguintes expressões estão entre aquelas com as quais as Escrituras se referem à prática e às influências representadas pela feitiçaria. Estas expressões até o momento têm confundido os teólogos:

            “Príncipe das potestades do ar” [Efésios 2:2];

            “Principados e Autoridades”; [Efésios 6:12]

            “Regentes das trevas desse mundo” [Efésios 6:12];

            “perversidade espiritual em lugares elevados” [Efésios 6:12];

            “sinagoga de Satã” [Apocalipse 3:9]; (1)

            “aquela velha serpente que enganou toda a Terra” [Apocalipse 12:9];

            “aquela grande cidade, Babilônia, por meio de cuja feitiçaria todas as nações foram enganadas” [Apocalipse 18:23];

            “a besta que surge da Terra [Apocalipse 13:11], fazendo grandes milagres, e enganando àqueles que nela habitam por meio de milagres que ele (o Sacerdotalismo) teve o poder de realizar [Apocalipse 19:20] diante da besta que surgiu do mar” [Apocalipse 13:1].

            Essas expressões se referem à consciência espiritual deturpada da Igreja, a qual, após receber uma “ferida mortal” [Apocalipse 13:3 e 13:12] das mãos de Cristo, recuperou-se para operar tais horrores sobre a Terra que o vidente, vendo-os com antecipação, “chorou, pois não achou nenhum homem digno o suficiente para abrir e ler o livro” [Apocalipse 5:4] que expunha de antemão todo o mistério, cuja compreensão teria salvado o mundo da terrível história que foi a do Cristianismo sob o domínio do sacerdotalismo – pois essa compreensão abriria os olhos dos homens para sua verdadeira fonte e caráter.

            É à origem diabólica do Sacerdotalismo que Jesus se refere quando, se dirigindo à toda ordem daqueles que buscaram matá-lo, e que por fim o mataram, ele os chama de “geração de víboras” – se referindo à descendência da Serpente do Éden – e diz: “Sois do diabo, que é vosso pai” [João 8:44], e adiciona, ao identificar o sacerdote com o princípio representado por Caim, que “ele foi um mentiroso e um assassino desde o princípio” [João 8:44].

O mesmo vale para as seguintes expressões:

            “aquele perverso”;

            “o homem do pecado”;

            “o mistério da iniqüidade”; e

            “filho da perdição”;

            “aquele que exaltou a si mesmo acima de tudo, e que se opõe e se levanta contra tudo que é chamado de Deus, ou é objeto de adoração, de modo que se assenta no santuário de Deus, apresentando-se como Deus; [2 Tessalonicenses 2:4]”

            “o mistério da impiedade já está agindo, e agirá, até que seja afastado aquele que o retém” [2 Tessalonicenses 2:7]; e

            “aquele a quem o Senhor destruirá com o sopro [espírito] de Sua boca, e o suprimirá pela manifestação de Sua vinda” [2 Tessalonicenses 2:7]. 

            Essas são expressões que – consideradas em conexão com a declaração de que tal vinda se dará nas “nuvens do céu, com poder e grande glória” [Daniel 7:13] – implicam no advento de um novo “Evangelho da Interpretação”, que será tão potente na sua lógica, e tão luminoso na sua exposição que conquistará a plena convicção das mentes dos homens, resultando no completo desbaratamento do Sacerdotalismo e seus apoiadores. Pois, as “nuvens do céu” representam a compreensão restaurada do homem a respeito das coisas espirituais, que se seguirá à restauração da “mulher” – a intuição.

            Mas, na medida em que são as situações extremas do homem que se constituem na oportunidade divina – pois enquanto ele se considera como estando sadio ele não buscará nenhum médico – foi necessário primeiro que as “duas bestas”, o Sacerdotalismo e sua aliada, a Feitiçaria, tivessem feito tudo o que podiam de pior na criação de uma humanidade que, tendo sido feita inteiramente à imagem da negação de Deus, é descrita como portando na testa e na mão – isso é, mostrando em pensamento e em ação – a “marca da besta”, o símbolo do homem não apenas rudimentar e não regenerado devido à falta de evolução, mas degenerado ao máximo pela auto-degradação e não mais um homem, mas um demônio, como ele se transformou em tão grande medida, e fadado a ser rejeitado pelo cosmo planetário, e conduzido à extinção na esfera mais externa. Daí ser identificado pelo número 666, a soma de 1 até 36, que é o número de decanatos do zodíaco.

            Enquanto isso, o Sacerdotalismo, descrito como a “mulher enfeitada” – não vestida com o “linho branco”, que representa uma intuição pura – vestida com as cores “púrpura e escarlate”, que representam um império baseado no derramamento de sangue, que mantém relações com os “reis da terra”: os baixos desejos do homem. Mulher essa montada na besta – cujas sete cabeças e dez chifres representam os sete pecados capitais e as imagens invertidas, e tornadas diabólicas, dos dez Elohim, ou dez Sefirás de Deus – e que porta na fronte o talismã letal, o instrumento que o Sacerdotalismo sempre usou com enorme sucesso para tornar impotente a mente humana, e o adotando, por essa razão, tanto ao operar no campo da ciência, quanto, em não menor escala, ao operar no campo da religião.

            Assim, está na Escritura:

            “Mistério, Babilônia a Grande Mãe das meretrizes e abominações da terra” [Apocalipse 17:5]. Pois, quer se escreva “Mistério” ou “O que não pode ser conhecido”, se trata da mesma coisa; e aquilo que ele representa é a dupla blasfêmia: primeiro contra o homem, por negar-lhe qualquer faculdade para a compreensão; e, depois, blasfêmia contra Deus, negando-Lhe o poder de auto-manifestação, auto-revelação, auto-individuação, que está implícito na negação de tal faculdade.

            E uma vez que essa é aquela “abominação que causa desolação” [Daniel 9:27], cujo reconhecimento como “estando no lugar sagrado” do Espírito, foi declarado tanto por Daniel como por Jesus como o sinal do fim dos tempos, ao dizer “Quando o vires, então o fim estará próximo, estará às suas portas”, pois ela sempre esteve lá, não percebida, desde a Queda – deve-se concluir sem dúvida que o fim agora é eminente.

            Quando se considera que a descrição em questão é aquela feita pelo próprio Jesus – falando por meio de seu “anjo”, através do discípulo chamado “o amado” e “o divino” – revela sobre o futuro de sua própria igreja, e que, além disso, descreve o Sacerdotalismo como “embriagado com o sangue dos santos e dos mártires de Jesus” – filhos, como ele mesmo, da “mulher” intuição – a falha, até aqui, em reconhecer a questão, diante de um retrato tão exato, somente é explicável com a hipótese de algum encantamento irresistível emitido das “profundezas”, expressamente lançado para cegar os olhos do homem a seu respeito.

            Que uma exposição como a aqui feita tenha se tornado finalmente possível, é mais uma prova da proximidade do fim. Pois ela prova que os poderes do mal enfraqueceram de tal modo que não mais são capazes de cegar e silenciar. É a revolta moderna contra o Sacerdotalismo na religião que fez isso.

            Enquanto mantiveram um controle unificado, as forças das profundezas foram invencíveis. Pois o homem não podia se tornar receptivo ao celestial. Mas a revolta do intelecto contra o Sacerdotalismo sob uma forma, ainda que o restabeleça sob outra forma, a da ciência, o transforma em uma casa dividida contra si mesma, com o resultado usual, tornando possível a reabertura daquele intercâmbio com o celestial, que é aquilo que o infernal se esforça particularmente por impedir.

            A condição de tal intercâmbio divino é aquela descrita como o “secar do rio Eufrates, de modo que o caminho dos reis do Oriente seja preparado”. Pois pelo Eufrates se representa, tanto no último como no primeiro livro da Bíblia, a vontade humana, e pelos “reis do Oriente”, os princípios por meio dos quais o homem conhece e compreende. (2) Apenas quando aquele “grande rio”, o rio da vontade humana tiver “secado”, ao ser sublimado e se unificado à vontade divina, terá ele acesso à luz que nasce no “Oriente” espiritual, que é a forma que a Bíblia sempre representa a glória divina como chegando.

            Agora, o princípio que distingue o espiritual do infernal, e, portanto, por meio do qual seus correspondentes terrenos podem ser conhecidos, é a afirmação da Força ou Vontade, como sendo o único fator na existência. Em outras palavras, os espíritos infernais negam absolutamente o princípio essencial do Ser, representado pela Mulher.

            Essa é a negação que envolve os dois pecados capitais chamados de o “Anti-Cristo” e a “Blasfêmia contra o Espírito Santo”, como será mostrado pelas definições que a seguir serão dadas a respeitos desses pecados. Onde também ficará claro que a Bíblia responsabiliza o Sacerdotalismo por esses dois pecados, desse modo também o identificando com os poderes do mal implícitos no termo Feitiçaria.

NOTAS 

(1) Como o Sétimo dos Elohim criativos, o “Espírito de Temor ao Senhor” [Isaías 11:2], ou Reverência, e o anjo, portanto, da esfera mais externa do Cosmo. O princípio chamado Satã é reconhecido na Bíblia sob dois aspectos opostos, o bem e o mal. Na presente obra ele é mencionado apenas sob esse último aspecto. Para uma exposição completa da importância e funções de Satã, e da distinção entre Satã e o “Diabo”, veja Clothed with the Sun (Vestida com o Sol), II, XV (O Segredo de Satã), e The Perfect Way (O Caminho Perfeito), III, 9-15.

(2) Os quatro rios do Éden são os quatro princípios constituintes do Cosmo, o Espírito ou Vontade, a Alma ou Substância, o Astral ou Magnético e Mental, e o Material ou Corpóreo e Físico. Eles têm sua correspondência nos quatro elementos. Ver The Perfect Way (O Caminho Perfeito), VI, 4-7, e seguintes.

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