Além de suas enfáticas afirmações a favor de um sentido intuicional ou esotérico, e do dever de o buscarmos, a Escritura indica claramente a fonte e a causa do insucesso em compreender esse sentido. Ao mesmo tempo, a Bíblia denuncia veementemente aqueles que negam esse sentido ou o ocultam; e considera em alta estima aqueles que o buscam e o compreendem.
E é precisamente esse sentido intuicional ou esotérico – que é o objeto do conflito entre o sacerdote e o profeta – que é exposto ao longo de toda a Bíblia.
Assim, enquanto que o sacerdote é continuamente acusado de ser o ministro dos sentidos e de ser aquele que degrada materializando as coisas espirituais, o profeta é constantemente exaltado como o ministro da intuição e o redentor da degeneração do materialismo. E isso tanto de acordo com o sentido exotérico como com o sentido esotérico da Bíblia.
A perda da percepção espiritual pela Igreja compeliu os profetas a falar abertamente. Em razão disso, vemos os profetas denunciando abertamente o Sacerdotalismo como representado pelos sacerdotes, por profanarem os altares puros de Deus ao derramarem sobre eles o sangue dos animais que foram usados para simbolizar os dons e graças espirituais que os homens deveriam cultivar e dedicar ao serviço de Deus. Os sacerdotes materializaram esses símbolos, ao invés de cultivarem esses dons e graças.
E assim, os profetas declararam que não havia ordem ou aprovação divina para sacrifícios de sangue; mas que, pelo contrário, os sacrifícios de Deus são espirituais e consistem na retidão e na pureza de coração.
É o Sacerdotalismo que, ao longo de toda a Bíblia, é a “Jerusalém que assassina os profetas”. As duas ordens – a dos sacerdotes e a dos profetas – são simbolizadas por Caim e Abel, e encontram seus representantes culminantes em Caifás e Cristo. Pois Caim é sempre o sacerdote que, cultivando os “frutos do chão” da natureza dos sentidos, mata o Abel que, como profeta, cultiva o “cordeiro” de um espírito puro, e dessa maneira uma intuição pura – o cordeiro que, no final, supera todo o mal.
E não é outro senão o Sacerdotalismo que, servindo como agente da “serpente”, produz a ruína da Igreja Edênica, ao degenerar a faculdade da percepção espiritual representada pela “mulher”.
E até mesmo bem ao final da Bíblia as mesmas influências são apresentadas como constantemente tentando destruir essa faculdade no homem; faculdade que, possuída em elevada medida, faz o profeta, e possuída em sua plenitude faz o Cristo, fazendo com que Ele seja chamado o “filho da mulher”, e ela chamada de uma “virgem”.
E do mesmo modo que o homem encontra sua redenção na restauração e exaltação da “mulher”, o Sacerdotalismo encontrará sua destruição. E “aquela antiga serpente”, que foi sua tentadora através do Sacerdotalismo no Éden, será “aprisionada por mil anos”.
O que, precisamente, essa faculdade é, será devidamente mostrado. Pois, o “Novo Evangelho da Interpretação”, sendo ele mesmo o produto dessa faculdade, está especialmente voltado a explicá-la.
Restauradas pela chave assim recuperada, as estórias do Dilúvio, das Cidades da Planície, do Êxodo, de Ester, do Cativeiro e do Retorno, e muitas outras, revelam o mesmo significado. Em seu sentido esotérico elas são parábolas que demonstram o declínio da Igreja em direção à escuridão espiritual e o aprisionamento à materialidade através da corrupção, pelo Sacerdotalismo, de sua faculdade de percepção espiritual, e sua restauração através da recuperação dessa faculdade.
A densa escuridão que cobriu a Terra na crucificação de Cristo pelo Sacerdotalismo representa o eclipse total dessa mesma faculdade; e Seu segundo advento significa a sua plena restauração.
O céu nas nuvens, do qual Ele virá, é o céu do “reino interno” da restaurada compreensão do homem.
Pois então, para a Igreja e para o mundo, como antes ocorreu dentro Dele mesmo, o “véu do templo será rasgado ao meio de alto a baixo”. E o Evangelho do qual Ele foi a manifestação será sucedido pelo “Evangelho da Interpretação”. Tendo sido cumprida e realizada a hora do “homem”, a hora da “mulher” terá chegado. Pois ela é a intérprete.
Essa é apenas uma breve seleção e resumo dos métodos pelos quais a Bíblia ilustra e intensifica o esforço perpétuo da Igreja Celestial em estabelecer a gnosis de Cristo no mundo, e a tentativa determinada, até o momento bem sucedida, do Sacerdotalismo de impedi-la e de abafá-la.
Isso, no entanto, não quer dizer que a coletânea de escritos que compõem a Bíblia seja toda ela Escritura Sagrada e Palavra de Deus. Pois ela inclui livros que são sacerdotais, históricos e seculares, tanto quanto livros que são proféticos, místicos e espirituais.
Além disso, ela foi submetida a muita alteração, interpolação e mutilação, ao ponto de torná-la mais como um monte de argila, no qual estão incrustados grãos, pepitas e veios de ouro, do que um monte que é todo de ouro.
Sendo, portanto, veículo material de impurezas, bem como metal puro da verdade divina, a Bíblia requer um “espírito de conhecimento e compreensão” para determinar quais porções dela realmente são verdade divina, bem como para compreender essa própria verdade.
É em vista do dano causado pela adoração sem discernimento do livro e da letra da Escritura que a “Nova Interpretação” inclui a Bíblia entre os ídolos que devem ser lançados ao fogo a fim de que seja submetida à purificação indispensável para a revelação da verdade nela contida. E quando se diz, como nestas páginas, que “a Bíblia diz isso e aquilo”, se faz referência àquilo que na Bíblia, sendo divino, a constitui como uma Bíblia, ou seja, como um livro da alma.