quarta-feira, 21 de novembro de 2018

A Porta da Morte

ESPALHADAS em vários dos escritos de Crowley, embora principalmente naqueles que ele considerava não terem sido escritos por ele próprio, mas por Inteligências extra-terrestres que o usavam como um canal, estão sugestões relativas à verdadeira natureza das qliphoth ou Mundos reversos. O Liber 474, por exemplo, é descrito como ‘o Portal do Segredo do Universo’, e, como o número do livro sugere, ele está atribuído a Daäth.100 Segundo o Liber 474, o universo tem que ser destruído. Mas existe uma importante qualificação pois ele diz: ‘por Universo Nós queremos dizer não aquele Universo inferior que a mente do homem pode conceber, mas aquele que é revelado à sua alma no Samadhi de Atmadarshan’. E novamente,através do Portal do Universo Secreto o homem ‘pode entrar em uma real comunhão com aqueles que estão além, e ele será competente para receber comunicação e instrução de Nós mesmos diretamente. Então Nós o prepararemos para a Confrontação de Choronzon e a Ordália do Abismo, quando nós o tivermos recebido na Cidade das Pirâmides’.
As cinco palavras que eu grafei em itálico poderiam parecer singularmente significativas, pois, tendo destruído o ‘Universo’, o que mais resta? Com o que ou com quem pode o iniciado então comungar? Se é lembrado do verso em AL que diz: ‘Eu sou o Senhor da Dupla Baqueta de Poder; a baqueta da Força de Coph Nia – porém minha mão esquerda está vazia, pois eu esmaguei um Universo; & nada resta’. Este é o 72o verso do último capítulo de AL, e o 217o verso do Livro como um todo. Os dois números, 72 e 217, indicam a natureza da Força mencionada. 72 é o número de OB, a Serpente (Aub), o aspecto negativo ou feminino de Od (Aud) que é a própria Luz Mágica(k); ele é também o número da palavra caldaica DBIVN, significando ‘fluxo’ ou ‘gota de sangue’. A palavra deriva do egípcio Typhon ou Tefn, a Mãe de Set. Nos Mistérios Egípcios estes poderes gêmeos, o Ob e o Od, eram representados por Shu e Tefnut, o primeiro significando fogo, o último, umidade ou sangue.101 O número 217 é aquele de ( * ) Seth, que não é apenas o nome do Deus Set, mas [também] da estrela de sete pontas de Babalon, a Mulher Escarlate, cuja imagem é Sírius. 217 é 31 x 7, assim afirmando sua conexão com AL (31), o número Chave do Livro da Lei.
217 é também o número de DBVRH, significando ‘uma abelha’ que é o símbolo específico de Sekhet, cujo nome significa uma abelha. Ela é a deusa da intoxicação e paixão sexual, logo sua conexão com o mel e com sakh, ou sakti, ‘inflamar ou inspirar’ e com ‘bebida fermentada’. A abelha, que é a cópula entre os elementos masculinos e femininos nas flores, era um tipo da alma que é representado nos ideogramas egípcios como o Ba ou Aba-it, que guia as almas dos mortos en route para o Sekhet-Aahru, os Campos de Prados Celestiais ou Mel. Ba, o astral ou duplo é também uma palavra significando ‘mel’ e diz-se que Shu e Tefnut distribuem mel.102 A deusa Sekhet como Sakti é uma força lunar, e, junto com seus atributos de amor e doçura, um símbolo adequado da lua de mel, que indica a natureza sexual da força em questão.
A combinação dos números 72 e 217 resulta 289, o número de PTR, uma ‘abertura’,‘orifício’, ou ‘vazio’. As idéias sugeridas pelos números do verso podem portanto ser resumidas pelo símbolo do útero e suas emanações ofidianas. Isto é confirmado pela palavra ou nome curioso, Coph Nia. Coph ou Koph significa a ‘filha’.103 Este é um nome de Proserpine ou Perséfone, a deusa da destruição. Ela é chamada Koph porque, como Payne Knight o expressa, ela representa a ‘Filha universal,ou princípio secundário geral; pois embora apropriadamente a deusa da Destruição, ela é freqüentemente distinguida pelo título Soteira,Preservadora, representada com folhas (?) de milho sobre sua cabeça,como a deusa da Fertilidade. Ela era, em realidade, a personificação do calor ou fogo que supunha-se penetrar a terra, que foi uma vez considerado como sendo ao mesmo tempo causa e efeito da fertilidade e destruição, como sendo ao mesmo tempo a causa e efeito da fermentação; da qual ambos procediam’.
104 A Segunda parte da palavra ou nome – Nia – é o ain (vazio) ao contrário, que identifica o olho ou útero da filha com o Ob ou Corrente Ofidiana; uma ‘dupla baqueta’ porque Ob é o complemento de Od. A ‘mão esquerda está vazia’, pois eu (o ego) esmaguei um Universo & nada (o ain) resta’. Ain é 61; Nia é também 61, mas se o número for também invertido, obtémse 16, e 16 é Hia (Ela), i.e. a Filha.105 16 é o quadrado de 4 e, no Liber CCXXXI o quarto verso,cuja numeração é 3, 106 declara: A Virgem de Deus está entronada sobre uma concha de ostra; ela é como uma pérola e busca Setenta para seu Quatro. Em seu coração está Hadit a glória invisível.
Três é gimel, a letra atribuída à Sacerdotisa Virgem da Estrela de Prata. Quatro é o número da Esposa; aquela cuja porta107 está aberta.
Buscando Setenta108 para seu Quatro significa que a virgem busca abrir seu olho ou tornar-se desperta. Mais luz é lançada sobre o significado deste verso pelo penúltimo verso de AL: Existe um esplendor em meu nome oculto e glorioso, como o sol da meia noite é sempre o filho.
O sol-filho é Hadit, a glória invisível no coração da virgem.
A identidade do sol-filho é enfatizada pela referência a Khephra – o sol da meia noite – o sol de Amenta, o sol negro de Set.
‘Eu sou’ (o ego) é idêntico com Daäth, pois o ego é a shakti-sombra ou poder ocultador de Kether no momento rápido como o raio de sua bifurcação em Chokmah e Binah (Horus e Set109). Daäth é o espectro, a sombra da realidade, um conceito ilusório que surge na consciência humana mas que não possui existência à parte desta. Ela é conhecida na metafísica hindu como o chit-jada-granthi – o sentido de identidade sutil e ilusório que faz a consciência (chit) imaginar-se em posse de uma mente e corpo individuais que, na realidade, são inexistentes, sem vida, inertes (jada). Granthi é o nó que os liga em aparente identidade.
No simbolismo egípcio a múmia representa o eidolon, uma mera boneca ou fantoche subtraído de auto-consciência exceto quando animado pelo khu ou poder mágico do Adepto.
Por esta razão o corpo humano, que era considerado pelos egípcios como o tipo da múmia, era considerado sem vida ou ilusório. É este corpo morto ou inerte que é ressucitado em Amenta pelo khu vivificante do Adepto. A identidade com este fantasma de ego-consciência, como a múmia, é projetada como uma miragem no Deserto de Set. Ela tem que ser destruída (i.e. esquecida), em consciência, antes que a morte verdadeira seja experimentada nos Pylons de Daäth. Apenas deste modo o Universo é ‘destruído’, e a consciência é libertada da escravidão da existência imaginada. Apenas então pode ‘ele (o Adepto) entrar em uma real comunhão com aqueles que estão além’.
A situação torna-se compreensível quando a verdadeira natureza da mente subconsciente (Amenta) tenha sido sondada. Os três estados de consciência – jagrat, svapna, e sushupti – tem seus paralelos no simbolismo egípcio pelos três estados de vida na terra, vida em Amenta, e o estado de liberação da escravidão da matéria o que é obtido tornando-se um dos khus na esfera celestial das estrelas110 que nunca se põe 111 112. Uma vez que este paralelo seja percebido fica fácil compreender a parte representada por Daäth.
Daäth representa o ego que errôneamente identifica a consciência (que ele reflete mas que ele não produz) com o complexo corpo-mente, desta forma atribuindo a ele a consciência que não pertence à terra113 ou à Amenta,114 mas à consciência amorfa e não condicionada (i.e. cósmica). A múmia era o tipo do corpo funcionando em Amenta; quer dizer, o corpo terreno adormecido ou ‘morto’ e funcionando em níveis astrais de consciência. A morte do corpo implicava portanto no nascimento do espírito em Amenta. Porém não é a morte verdadeira que libera o espírito para sempre. Para fazer isto acontecer uma morte real tem que ser obtida, e esta é a morte total do ego tanto em sua condição pessoal (consciente) quanto em sua condição impessoal (sonho).
A mecânica deste processo está resumida no assim chamado Livro dos Mortos que é o manual mágico da metamorfose do corpo em um khu (espírito glorificado)

Nightside of Eden
Kenneth Grant