sábado, 12 de janeiro de 2019

Epicurismo


O epicurismo é o sistema filosófico que prega a procura dos prazeres moderados para atingir um estado de tranquilidade e de libertação do medo, com a ausência de sofrimento corporal pelo conhecimento do funcionamento do mundo e da limitação dos desejos. Já quando os desejos são exacerbados podem ser fonte de perturbações constantes, dificultando o encontro da felicidade que é manter a saúde do corpo e a serenidade do espírito, ensinado por Epicuro de Samos, filósofo ateniense do século IV a.C., e seguido depois por outros filósofos, chamados epicuristas. Epicuro também é conhecido como o Filósofo do Jardim, pois "O Jardim" foi como ficou conhecida a escola por ele fundada e que consistia numa comunidade de amigos e seguidores. Lá, escreveu com detalhes a filosofia que iria se tornar conhecida como epicurismo.

Segundo Epicuro, para ser feliz seria necessário controlar os nossos medos e desejos de maneira que o estado de prazer seja estável e equilibrado, com um consequente estado de tranquilidade e de ausência de perturbação.

No Jardim, em Atenas, Epicuro escreveu mais de 300 trabalhos, dos quais nenhum sobreviveu; deles restam apenas notícias de seus discípulos ou alguns fragmentos. Sua filosofia é de cunho materialista, não havendo espaço para a imortalidade.  O filósofo acreditava que o maior bem era a procura de prazeres moderados de forma a atingir um estado de tranquilidade, chamado de ataraxia, e de libertação do medo, assim como a ausência de sofrimento corporal, conhecida como a aponia; por meio do conhecimento do funcionamento do mundo e da consciência da limitação dos desejos. A combinação desses dois estados constituiria a felicidade na sua forma mais elevada.

A finalidade da filosofia de Epicuro não era teórica, mas bastante prática. Buscava sobretudo encontrar o sossego necessário para uma vida feliz e aprazível, na qual os temores perante o destino, os deuses ou a morte estavam definitivamente eliminados. Para isso, fundamentava-se em uma teoria do conhecimento empirista, em uma física atomista e na ética.

No mundo mediterrânico antigo, a filosofia epicurista conquistou grande número de seguidores. Foi uma escola de pensamento muito proeminente por um período de sete séculos depois da morte do fundador. Posteriormente, quase relegou-se ao esquecimento devido ao início da Idade Média, período em que se perderam a maioria dos escritos deste filósofo grego.

A ideia que Epicuro tinha era a de que, para ser feliz, o homem necessitava de três coisas: liberdade, amizade e tempo para filosofar. Na Grécia Antiga, existia uma cidade na qual, em todas as paredes do mercado, se havia escrito toda a filosofia da felicidade de Epicuro, procurando conscientizar as pessoas de que comprar e possuir bens materiais não as tornariam mais felizes, como elas então acreditavam.

O epicurismo foi uma corrente filosófica surgida durante o período da Antiguidade conhecido como helenismo, que se inicia no final do século IV a.C. "Trata-se, portanto, do período iniciado com a formação dos reinos que dividiram entre si o império de Alexandre, o Grande, e que durou até a conquista romana, em 146 a.C., quando a Grécia foi declarada província romana. Segundo alguns historiadores, esse período iria até o advento de Augusto e a definitiva consolidação do Império Romano (aproximadamente 20 a.C.)." 

Como figura notória deste período, tem-se Alexandre III da Macedônia, que ficou conhecido historicamente como Alexandre, o Grande. Educado por Aristóteles e familiarizado com a cultura grega, Alexandre foi responsável por conquistar a Mesopotâmia, a Pérsia, a Fenícia, a Palestina e o Egito. Uma de suas técnicas de dominação era realizar a manutenção das instituições culturais dos vencidos, o que resultou na fusão dos elementos culturais gregos e orientais; a esta nova cultura chamou-se de helenismo. A conquista do Oriente provocou uma série de alterações políticas e culturais, e as tendências filosóficas do período são a expressão dessas mudanças, como no caso do epicurismo. 

Princípios filosóficos
Epicuro viveu as contradições deste novo mundo. Sua filosofia se opôs à metafísica de Aristóteles, cuja origem ele chama de espiritualismo de Platão, que defendia a ideia de uma dimensão além do sensível, supra-real, ao qual seria o fundamento que constituiria o mundo que vemos, tocamos e participamos. Com uma filosofia Não determinista , Epicuro defende a ideia de que nada está além dos nossos sentidos, e que não existiria nenhuma realidade que não poderia ser entendida com auxílio dos nossos cinco sentidos, princípio denominado "naturalismo radical". Para esclarecer este fundamento, que é compreendido por três tomadas de consciência do indivíduo e funciona como um caminho para a felicidade, divide-se ele em três postulados, segundo o estudioso Juvenal Savian Filho:

Compreensão dos deuses
Segundo a crença dos gregos, os deuses estariam preocupados com o ser humano, sendo responsáveis pelas suas vitórias ou desgraças, o que acarretaria num medo inerente ao homem, que temeria ser punido a qualquer momento por um de seus atos. Epicuro critica esta ideia e defende que os deuses existem, mas não estão preocupados conosco. Afinal, como afirma em sua metodologia do conhecimento, os juízos que temos dos deuses não se baseiam em prolepses, isto é, em imagens formadas pelas repetições, que produzem veracidade, e nos permitem chegar em conclusões sobre o real. Os deuses, para alguns estudiosos da filosofia de Epicuro, não tomam consciência dos humanos, afinal, na perfeição não poderia caber a imperfeição, sequer por conhecimento. Se os deuses não se encarregam de nosso destino, benção ou maldição, cabe a nós mesmos a responsabilidade. A felicidade ou o sofrimento depende das escolhas de cada um.

Compreensão da morte
Para acabar com o temor da morte, Epicuro defende a ideia da morte como sendo o nada. A dor e o sofrimento residem nas sensações, na vida como fardo, e se a morte é o total aniquilamento do "viver", o sábio de nada tem a temer. A lógica é que se é a vida e as sensações que causam o sofrimento do indivíduo, a morte existiria para cessar as sensações, ser o nada, a privação total. Portanto, é inadmissível aceitar que ocorreria sofrimento, pois a morte ocasionaria o extermínio das sensações.

Compreensão dos desejos
É necessário compreender a distinção entre os desejos naturais e desejos inúteis, infundados ou também chamados de frívolos. Para Epicuro, o desejo se origina de uma falta, que pode partir da natureza (desejo natural) ou de uma opinião falsa (desejo frívolo). Os desejos podem ser divididos em:

Desejos naturais e necessários: são os desejos que livram o corpo da dor da fome e da sede;
Desejos naturais e não necessários: são os desejos que surgem da vontade de variar, por exemplo o alimento ou a bebida, para variar também o prazer do corpo;
Desejos não naturais e não necessários: são os que nascem de uma opinião falsa sobre o mundo, incentivados por sentimentos de vaidade, orgulho ou inveja.
Epicuro tem uma finalidade concreta: a eliminação das dores e a busca dos prazeres. O sábio deveria desejar os objetos simples e naturais e saber que, por ser imperfeito, sentirá dor, inevitavelmente.

O sábio é, portanto, aquele que toma consciência da própria existência e destino, não aceitando o determinismo de nenhum deus. Para ele, o importante na busca é a saúde física e a serenidade interior, ocasionadas pela escolha de quais desejos deverão ser saciados. A felicidade reside, então, na saúde do corpo e da alma, que não pode ser entendida, obviamente, como metafísica, mas parte fundamental da própria existência corpórea. Ser feliz é ter pleno domínio destes prazeres, o que pode ser alcançado com a compreensão da natureza dos deuses, da morte e dos desejos.

O caminho do conhecimento
A teoria do conhecimento epicurista caracteriza-se pela valorização da experiência imediata, ou seja, para Epicuro, todo o conhecimento tem como origem as sensações e impressões dos sentidos e todas as sensações são sempre verdadeiras. Por exemplo: um remo, se visto dentro da água, possui uma imagem retorcida, porém, se visto fora dela, possui aparência reta e plana. Neste caso, qual das sensações estaria correta? Para Epicuro, não há erro, apenas uma precipitação. O remo sempre aparentará ser retorcido, caso visto de dentro da água. Para esclarecer isto, o filósofo utilizou do termo "prolepse", que pode ser entendido como um resquício de percepção anterior, uma espécie de "arquivo de nossa memória." Será a repetição das percepções que irá determinar qual a "verdadeira" forma do remo e construir o conhecimento dentro da ética epicurista.

Diferença entre epicurismo e hedonismo
Embora o epicurismo seja uma doutrina muitas vezes confundida com o hedonismo, já que declara o prazer como o único valor intrínseco, a sua concepção da ausência de dor como o maior prazer e a sua apologia da vida simples tornam-no diferente: o hedonismo, além de levar em conta os prazeres sexuais, incentiva o prazer intensamente, enquanto no epicurismo o prazer possui papel passivo, na ausência de paixões e na eliminação de qualquer fator que cause o sofrimento ou temor, como a morte. 

Os aforismos de Epicuro
No livro Máximas Principais , João Quartim de Moraes, professor aposentado da Universidade Estadual de Campinas, traduz os principais aforismos que apresentam a ética das ideias de Epicuro. Em síntese, na forma como foram traduzidos pelo estudioso, com um breve comentário:

Aquele que é plenamente feliz e imortal não tem preocupações, nem perturba os outros; não é afetado pela cólera ou pelo favor, já que tudo isso é próprio à fraqueza.
Para Epicuro, os deuses existem, mas não se preocupam conosco. Como seres perfeitos de nada necessitam, nem de ninguém. Sentir ódio, raiva e medo é condição própria de seres imperfeitos, não dos deuses, cuja condição divina não permite que careçam de algo além de si mesmos.

É impossível viver prazerosamente sem viver prudente, bela e justamente, nem viver prudente, bela e justamente sem viver prazerosamente. Aquele que está privado daquilo que permite viver prudente, bela e justamente, não pode viver feliz, mesmo se for correto e justo.

"É preciso ser sábio, não para ter prazer (todos os experimentam), mas para viver prazerosamente". Para Epicuro, a vida prazerosa exige paz de espírito, não sendo somente a totalidade dos prazeres da vida. A principal diferença, portanto, do epicurismo e do hedonismo é que o primeiro considera o prazer do repouso, a experiência psíquica da lembrança também é um prazer; enquanto a segunda considera apenas a experiência prazerosa no momento de sua fruição.

Nenhum prazer é em si mesmo um mal, mas aquilo que produz certos prazeres acarreta sofrimentos bem maiores do que os prazeres.

Nenhum prazer é, por essência, ruim: é o que produzimos com ele que, dependendo do tamanho de seu sofrimento, ditará se realmente valerá ser saciado. O prazer de tomarmos um copo de água quando estamos com muita sede é tão verdadeiro quanto o sofrimento de ser afogado pelas águas do mar. As drogas, por exemplo, usadas sem critério médico, podem produzir um mal muito maior que a euforia ou bem-estar que causam quanto ao prazer imediato que proporcionam. Em síntese, o prazer e o sofrimento resultam da relação do corpo com os objetos circundantes.

Aqueles desejos naturais que quando permanecem insatisfeitos não provocam padecimento, mas suscitam forte tensão, são produto de uma vã opinião, e quando não se dissipam não é por causa de sua natureza própria, mas da futilidade humana.

"Epicuro considera naturais e necessários os desejos que suprimem o padecimento, por exemplo, de beber quando temos sede, ao passo que por naturais e não necessários ele entende aqueles que apenas diversificam o prazer sem remover o padecimento" (MORAES, 2010, p. 47). A passagem é um escólio de Diógenes Laércio, que esclarece um ponto fundamental do aforismo quanto a diferenciação dos desejos ditos "naturais e necessários" e outros "naturais e não necessários." Por serem desejos naturais, logo, não deveriam nos perturbar. Se isso realizam, são baseados em opiniões vazias, ocas. É comum chamarmos de "futilidade" o vício de seguir esse tipo de opinião.

Paradoxo de Epicuro

O paradoxo de Epicuro é um dilema lógico sobre o problema do mal atribuído ao filósofo grego Epicuro que argumenta contra a existência de um deus que seja ao mesmo tempo onisciente, onipotente e benevolente.

O paradoxo
A lógica do paradoxo proposto por Epicuro toma três características do deus judaico, omnipotência, onisciência e onibenevolência como, caso verdadeiras aos pares, excludentes de uma terceira. Isto é, se duas delas forem verdade, excluem automaticamente a outra. Trata-se, portanto, de um trilema. Isto tem relevância pois, caso seja ilógico que uma destas características seja verdadeira, então não pode ser o caso que um deus com as três exista.

Enquanto onisciente e onipotente, tem conhecimento de todo o mal e poder para acabar com ele. Mas não o faz. Então não é onibenevolente.
Enquanto omnipotente e onibenevolente, então tem poder para extinguir o mal e quer fazê-lo, pois é bom. Mas não o faz, pois não sabe o quanto mal existe e onde o mal está. Então ele não é omnisciente.
Enquanto omnisciente e omnibenevolente, então sabe de todo o mal que existe e quer mudá-lo. Mas não o faz, pois não é capaz. Então ele não é omnipotente.

Deus no Epicurismo
Epicuro não era um ateu, apenas rejeitava a ideia de um deus preocupado com os assuntos humanos. Tanto o mestre quanto os seguidores do Epicurismo negavam a ideia de que não existia nenhum deus. Enquanto a concepção do deus supremo, feliz e abençoado era a mais popular, Epicuro rejeitava tal noção por considerar um fardo demasiado pesado ter de preocupar-se com todos os problemas do mundo. Por isto, os deuses não teriam nenhuma afeição especial pelos seres humanos, sequer saberiam de sua existência, servindo apenas como ideais morais dos quais a humanidade poderia tentar aproximar-se. Era justamente através da observação do problema do mal, ou seja, da presença do sofrimento na terra que Epicuro chegava à conclusão de que os deuses não poderiam estar preocupados com o bem estar da humanidade.

Atribuição e variações

Embora tenha caído no agrado da escola cética da filosofia grega, é possível que o paradoxo de Epicuro tenha sido erroneamente atribuído a ele por Lactâncio que, de sua perspectiva cristã, enquanto atacava o problema proposto pelo grego, o teria considerado como ateu. Há sugestão de que tenha sido de fato obra de um filósofo cético que antecedia Epicuro, possivelmente Carnéades. De acordo com o estudioso alemão Reinhold F. Glei, está claro que o argumento teodiceico é de uma fonte acadêmica não epicurista, mas talvez até anti-epicurista. A versão mais antiga ainda preservada deste trilema aparece nos escritos do cético Sexto Empírico.

Charles Bray, em seu livro A Filosofia da Necessidade de 1863, cita Epicuro sem mencionar sua fonte como autor do seguinte trecho:

Seria Deus desejoso de prevenir o mal mas incapaz? Portanto não é omnipotente. Seria ele capaz, mas sem desejo? Então é malévolo. Seria ele tanto capaz quanto desejoso? Então por que há o mal?
N. A. Nicholson, em seu Philosophical Papers de 1864, atribui "as famosas indagações" a Epicuro, utilizando as palavras anteriormente fraseadas por Hume. A frase de Hume ocorre no livro décimo de seu aclamado Diálogos sobre a Religião Natural, publicado postumamente em 1779. A personagem Philo começa sua fala dizendo "As antigas perguntas de Epicuro continuam sem resposta". A citação que Hume faz provém do influente Dictionnaire Historique et Critique de Pierre Bayle, que cita Lactâncio atribuíndo as perguntas a Epicuro. Esta atribuição ocorre no capítulo 13 de "De Ira Dei" de Lactântio, que não fornece fontes.

Hume postula:

O poder [de Deus] é infinito: o que quer que ele deseja é executado. Mas nem homem nem qualquer outro animal é feliz. Portanto ele não deseja sua felicidade. Sua sabedoria é infinita: ele nunca erra em escolher os meios para qualquer fim: mas o curso da natureza tende a ser contrário a qualquer felicidade humana ou animal: portanto não é estabelecido para tal propósito. Através de toda a história do conhecimento humano, não há inferências mais certas e infalíveis do que estas. Em que ponto, portanto, sua benevolência e misericórdia lembram a benevolência e misericórdia dos homens?

Bibliografia
SPINELLI, Miguel. Epicuro e as bases do epicurismo. São Paulo: Paulus, 2013

Hedonismo


O hedonismo (do grego hedonê, "prazer", "vontade") é uma teoria ou doutrina filosófico-moral que afirma ser o prazer o supremo bem da vida humana. Surgiu na Grécia, e seu mais célebre representante foi Aristipo de Cirene. O hedonismo filosófico moderno (utilitarismo de Stuart Mill) procura fundamentar-se numa concepção mais ampla de prazer entendida como felicidade para o maior número de pessoas.

Hedonismo filosófico
O hedonismo é muito confundido com o epicurismo, apesar de eles possuírem divergências claras. O epicurismo surge através de Epicuro, que, levando em conta o hedonismo que o antecede, irá, segundo suas concepções, aperfeiçoá-lo, salientando que o prazer deverá ser regido pela razão, o que resulta em moderação.

Antiguidade
Aristipo de Cirene (ca. 435-335 a.C.), contemporâneo de Sócrates, é considerado o fundador do hedonismo filosófico. Ele distinguia dois estados da alma humana: o prazer (movimento suave do amor) e a dor (movimento áspero do amor). Segundo ele, o prazer, independentemente da sua origem, tem sempre a mesma qualidade e o único caminho para a felicidade é a busca do prazer e a diminuição da dor. Ele afirma inclusive que o prazer corpóreo é o próprio sentido da vida. Outros defensores do hedonismo clássico foram Teodoro de Cirene e Hegesias de Cirene.

É importante notar que o hedonismo cirenaico diferencia-se da filosofia Epicurista, sobretudo no que diz respeito à avaliação moral do prazer. Enquanto a escola cirenaica preceitua que o prazer é sempre um bem em si e que será melhor quanto mais tempo durar e quanto mais intenso for, a filosofia epicurista determina que o prazer, para ser um bem, precisa de moderação (em grego, phronēsis).

A Idade Moderna
Julien Offray de La Mettrie, iluminista francês, atualizou o hedonismo e seu discípulo, Donatien Alphonse François de Sade, radicalizou-o, transformando-o em amoralismo, transformando o ideal de "serenidade" em "frieza" diante de outras pessoas.

Posteriormente, as teses hedonistas foram retomadas pelos autores utilitaristas Jeremy Bentham e Henry Sidgwick. Este último autor distingue entre hedonismo psicológico e hedonismo ético: hedonismo psicológico é a pressuposição antropológica de que o ser humano sempre procura aumentar o seu prazer e diminuir seu sofrimento e que, assim, a busca do prazer é a única força motivadora da ação humana; já hedonismo ético é uma teoria normativa que afirma que os homens devem ver o prazer (os bens materiais) como o mais importante em suas vidas.

Aqui, diferenciam-se o egoísmo hedonista, no qual o indivíduo busca somente o seu próprio bem, e o hedonismo universalista ou utilitarismo, que busca o bem de todos (the greatest happiness to the greatest number is the foundation of morals and legislation, "a maior felicidade para o maior número de pessoas é a base da moral e das leis"). É a ideia de que é possível a realização do máximo de utilidade com o mínimo de restrições pessoais, numa perspectiva que reduz o direito a uma simples moral do útil coletivo. Libertando-se deste critério quantitativo da aritmética dos prazeres, Stuart Mill assume o critério da qualidade e formula a lei do interesse pessoal ou princípio hedonístico: cada indivíduo procura o bem e a riqueza e evita o mal e a miséria. Desta forma, a moral do interesse individual de Bentham aproxima-se de uma moral altruísta ou social.

Atualmente, as teses hedonistas são defendidas por filósofos como o francês Michel Onfray.

Estoicismo


O estoicismo foi uma escola de filosofia helenística fundada em Atenas por Zenão de Cítio no início do século III a.C.

Os estoicos ensinaram que as emoções destrutivas resultavam de erros de julgamento, da relação ativa entre determinismo cósmico e liberdade humana e a crença de que é virtuoso manter uma vontade (chamada prohairesis) que está de acordo com a natureza[necessário esclarecer]. Devido a isso, os estoicos apresentaram sua filosofia como um modo de vida e pensavam que a melhor indicação da filosofia de um indivíduo não era o que uma pessoa diz, mas como essa pessoa se comporta.Para viver uma boa vida, era preciso entender as regras da ordem natural, uma vez que ensinavam que tudo estava enraizado na natureza.

Mais tarde os estoicos – tais como Sêneca e Epiteto – enfatizaram que, porque "a virtude é suficiente para a felicidade", um sábio era imune ao infortúnio. Essa crença é semelhante ao significado da frase "calma estoica", embora a frase não inclua as visões dos "radicais éticos" estoicos, onde somente um sábio pode ser considerado verdadeiramente livre e que todas as corrupções morais são igualmente perversas.O estoicismo desenvolveu-se como um sistema integrado pela lógica, pela física e pela ética, articuladas por princípios comuns. A ética estoica que teve maior influência no desenvolvimento da tradição filosófica e alguns pensam que chegou a influenciar os primórdios do cristianismo.

Desde a sua fundação, a doutrina estoica era popular com seguidores na Grécia romana e por todo o Império Romano, incluindo o imperador romano Marco Aurélio (r. 121–180), até o fechamento de todas as escolas de filosofia pagã em 529 por ordem do imperador Justiniano (r. 527–565), que os percebeu como em desacordo com a fé cristã. O neoestoicismo foi um movimento filosófico sincrético, juntando-se o estoicismo e o cristianismo, influenciado por Justus Lipsius.

O estoicismo floresceu na Grécia com Cleantes de Assos e Crisipo de Solis, sendo levado a Roma no ano 155 a.C. por Diógenes da Babilônia. Ali, seus continuadores foram Marco Aurélio, Sêneca, Epiteto e Lucano.

O estoicismo foi uma doutrina que sobreviveu todo o período da Grécia Antiga, até o Império Romano, incluindo a época do imperador Marco Aurélio, até que todas as escolas filosóficas foram encerradas em 529 d.C. por ordem do imperador Justiniano, que percepcionou as suas características pagãs, contrárias à fé cristã.

A escola estoica preconizava o cultivo da equanimidade frente à dor de ânimo causada pelos males e agruras da vida. Reunia seus discípulos sob pórticos ("stoa", em grego) situados em templos, mercados e ginásios. Foi bastante influenciada pelas doutrinas cínica e epicurista, além da influência de Sócrates.

Princípios básicos do estoicismo
A filosofia não visa a assegurar qualquer coisa externa ao homem. Isso seria admitir algo que está além de seu próprio objeto. Pois assim como o material do carpinteiro é a madeira, e o do estatuário é o bronze, a matéria-prima da arte de viver é a própria vida de cada pessoa.
—Epiteto

Os estoicos apresentavam uma visão unificada do mundo consistindo de uma lógica formal, uma física não dualista e uma ética naturalista. Dentre estes, eles enfatizavam a ética como o foco principal do conhecimento humano, embora suas teorias lógicas fossem de mais interesse para os filósofos posteriores.

O estoicismo ensina o desenvolvimento do autocontrole e da firmeza como um meio de superar emoções destrutivas. Defende que tornar-se um pensador claro e imparcial permite compreender a razão universal (logos). Um aspecto fundamental do estoicismo envolve a melhoria da ética do indivíduo e de seu bem-estar moral: "A virtude consiste em um desejo que está de acordo com a natureza".Este princípio também se aplica ao contexto das relações interpessoais; "libertar-se da raiva, da inveja e do ciúme" e aceitar até mesmo os escravos como "iguais aos outros homens, porque todos os homens são igualmente produtos da natureza".

A ética estoica defende uma perspectiva determinista. Com relação àqueles que não têm a virtude estoica, Cleanto uma vez opinou que o homem ímpio é "como um cão amarrado a uma carroça, obrigado a ir para onde ela vai". Já um estoico de virtude, por sua vez, alteraria a sua vontade para se adequar ao mundo e permanecer, nas palavras de Epicteto, "doente e ainda feliz, em perigo e ainda assim feliz, morrendo e ainda assim feliz, no exílio e feliz, na desgraça e feliz", assim afirmando um desejo individual "completamente autónomo" e, ao mesmo tempo, um universo que é "um todo rigidamente determinista".

O estoicismo tornou-se a filosofia mais popular entre as elites educadas do mundo helenístico e do Império Romano, a ponto de, nas palavras de Gilbert Murray, "quase todos os sucessores de Alexandre [...] declararem-se estoicos."

Características do estoicismo
Virtude é o único bem e caminho para a felicidade;
Indivíduo deve negar os sentimentos externos;
O prazer é um inimigo do homem sábio;
Universo governado por uma razão universal natural;
Valorização da apatheia (equanimidade);

História

Por volta de 301 a.C., Zenão de Cítio ensinou filosofia no Pórtico Pintado, lugar a partir do qual o nome da filosofia se originou. Ao contrário de outras escolas de filosofia, como a dos epicuristas, Zenão escolheu ensinar a sua filosofia num espaço público, que era uma colunata com vista para o local central de manifestação da opinião pública, a Ágora de Atenas.

As ideias de Zenão desenvolveram-se a partir do cinismo, cujo fundador, Antístenes, foi um discípulo de Sócrates. O seguidor mais influente de Zenão foi Crisipo de Solis, responsável pela moldagem do que actualmente é denominado estoicismo. Estoicos posteriores, da época do Império Romano, focaram o aspecto da promoção de uma vida em harmonia com o universo, sobre o qual não se tem controlo directo.

Os acadêmicos dividem, normalmente, a história de estoicismo em três fases:

A primeira (estoicismo antigo) desenvolveu-se no século III a.C., com Zenão de Cítio, Cleanto, Crisipo de Solis e Antíprato de Tarso, se preocupando com a lógica, a física, a metafísica e a moral.
Na segunda (estoicismo médio), o pensamento estoico combinou-se com o espírito romano. Foi representado por Panécio de Rodes (180 - 110 a.C.) e Possidónio (135 - 51 a.C.).
A terceira (estoicismo imperial ou novo estoicismo), com representantes como: Caio Musónio Rufo, Sêneca (nascido no início da era cristã e falecido em 65 d.C., Epicteto (50 - 125 d.C.) e Marco Aurélio (121 - 180 d.C.), que foi imperador romano em 161 As obras de Sêneca, Epicteto e Marco Aurélio propagaram o estoicismo no mundo ocidental. A última época do estoicismo, ou período romano, caracteriza-se pela sua tendência prática e religiosa, fortemente acentuada como se verifica nos "Discursos" e no "Enquirídio" de Epiteto e nos "Pensamentos" ou "Meditações" de Marco Aurélio. A obra de Sêneca, Cartas morais a Lucílio, pode ser vista como um excelente curso de estoicismo.
Não sobreviveu, até a actualidade, qualquer obra completa de um filósofo estoico das duas primeiras fases. Apenas textos romanos da última fase nos chegaram completos.

Epistemologia

Os estoicos acreditavam que o conhecimento pode ser atingido por meio do uso da razão. A verdade pode ser distinguida da falácia, embora, na prática, apenas uma aproximação possa ser conseguida. De acordo com os estoicos, os sentidos recebem constantemente sensações: pulsações que passam dos objectos através dos sentidos em direcção à mente, onde deixam uma impressão na imaginação (phantasia). Uma impressão originária da mente era designada de phantasma.

A mente tem a capacidade de julgar (sunkatathesis) — aprovar ou rejeitar — uma impressão, permitindo que possa ser feita uma distinção entre uma verdadeira representação da realidade de uma falsa. Algumas impressões podem ter um assentimento imediato, enquanto que outras podem apenas atingir diferentes graus de aprovação hesitante, que podem ser chamadas de crenças ou opiniões (doxa). É apenas através da razão que podemos atingir uma clara compreensão e convicção (katalepsis). A certeza e o conhecimento verdadeiro (episteme), alcançável pelo sábio estoico, podem apenas ser atingidos pela verificação da convicção com a experiência dos pares e pelo julgamento colectivo da humanidade.

Produz para ti próprio uma definição ou descrição da coisa que te é apresentada, de modo a veres de maneira distintiva que tipo de coisa é na sua substância, na sua nudez, na sua completa totalidade, e diz a ti próprio se é seu nome apropriado, e os nomes das coisas de que foi composta, e nas quais irá resultar. Pois nada é mais produtivo para a elevação da alma, como ser-se capaz de examinar metódica e verdadeiramente cada objecto que te é apresentado na tua vida, e sempre observar as coisas de modo a ver ao mesmo tempo que universo é este, e que tipo de uso tudo nele realiza, e que valor todas as coisas têm em relação com o todo.
—Marco Aurélio

Filosofia social

Uma característica distintiva do estoicismo é o seu cosmopolitismo: todas as pessoas seriam manifestações do espírito universal único e deveriam, de acordo com os filósofos estoicos, em amor fraternal, ajudarem-se uns ao outros de maneira eficaz. Nos Discursos, Epicteto comenta sobre a relação do ser humano com o mundo: "cada ser humano é, primeiro, um cidadão da sua comunidade; mas também é membro da grande cidade dos homens e deuses..." Esse sentimento ecoa o de Diógenes de Sínope, que disse "Eu não sou nem ateniense nem coríntio, mas um cidadão do mundo."

Os estoicos da época promoviam a ideia de que as diferenças externas, como status e riqueza, não são importantes nas relações sociais. Em vez disso, advogavam a irmandade da humanidade e a natural igualdade do ser humano. O estoicismo tornou-se a mais influente escola do mundo greco-romano e produziu uma grande quantidade de escritores e personalidades de renome, como Catão, o Jovem e Epiteto.

Em particular, os estoicos eram notados pela sua defesa à clemência aos escravos. Sêneca exortava: "Lembra-te, com simpatia, de que aquele a quem chamas de escravo veio da mesma origem, os mesmos céus lhe sorriem, e, em iguais termos, contigo respira, vive e morre."

Misticismo


Misticismo (do grego μυστικός, transliterado mystikos, "um iniciado em uma religião de mistérios") divindade, verdade espiritual ou Deus através da experiência direta ou intuitiva.

No livro de Jakob Böhme "O Príncipe dos Filósofos Divinos", o misticismo se define como um tipo de religião que enfatiza a atenção imediata da relação direta e íntima com Deus, ou com a espiritualidade, com a consciência da Divina Presença. É a religião em seu mais apurado e intenso estágio de vida. O iniciado que alcançou o "segredo" é chamado um "místico". Os antigos cristãos empregavam a palavra "contemplação" para designar a experiência mística.

Visão geral
A palavra "místico" foi empregada pela primeira vez no Mundo Ocidental nos escritos atribuídos a Dionysius, o Areopagite, que apareceu no final do século V. Dionysius empregou a palavra para expressar um tipo de "Teologia", mais do que uma experiência. Para ele e para muitos intérpretes, desde então, o misticismo tem se baseado em uma teoria ou sistema religioso que concebe Deus como absolutamente transcendente, além da Razão, do pensamento, do intelecto e de todos os processos mentais.

A palavra, desde então, tem sido usada para os tipos de "conhecimento" esotérico e teosófico, não suscetiveis de verificação. A essência do misticismo é a experiência da comunicação direta com Deus.

A palavra "misticismo" tem origem no termo grego μυστικός = "iniciado" (nos Mistérios de Elêusis, μυστήρια = "mistérios", referindo-se as "Iniciações") é a busca para alcançar comunhão ou identidade consigo mesmo, divino, Verdade espiritual, ou Deus através da experiência direta, intuição ou insight; e a crença que tal experiência é uma fonte importante de conhecimento, entendimento e sabedoria. As tradições podem incluir a crença na existência literal de realidades empíricas, além da percepção, ou a crença que uma "verdadeira" percepção humana do mundo trancende o raciocínio lógico ou a compreensão intelectual.

O termo "misticismo" é, frequentemente, usado para se referir a crenças que são externas a uma religião ou corrente principal, mas relacionado ou baseado numa doutrina religiosa da corrente principal. Por exemplo, Kabala é a seita mística dominante do judaísmo, sufismo é a seita mística do Islã e gnosticismo refere geralmente a várias seitas místicas que surgiram como alternativas ao cristianismo. Enquanto religiões do Oriente tendem a achar o conceito de misticismo redundante, e o conhecimento tradicional e ritual são considerados como esotéricos: por exemplo, vajrayana e budismo.

Uma definição de misticismo não poderia ser ao mesmo tempo significativa e de abrangência suficiente para incluir todos os tipos de experiências, que têm sido descritas como "místicas".

Por definição natural, misticismo é a crença através da prática, estudo e aplicação das leis que unem o homem à Natureza.

Desta forma, a mística se distingue da religião por referir-se à experiência direta com a divindade, transcendendo sem a necessidade de intermediários.

Na teologia
Conjunto de práticas religiosas que levam à contemplação dos atributos divinos. Estado natural ou disposição para as coisas místicas, religiosas; religiosidade.

Lista de místicos

Místico é aquele que se dedica ao estudo ou à prática do Misticismo. Esta é uma Lista de Místicos famosos por ordem alfabética:

A
Agostinho de Hipona (354-430)
Alice Bailey
Aleister Crowley (magick e Thelema)
Allen Ginsberg
Angelus Silesius (1624-1677)
Annie Besant, teósofa
C
Carlos Castaneda
Chico Xavier
Clemente de Alexandria (? - 216)
D
Dinis de Portugal (o Rei-Poeta)
E
Elias Ashmole
Emanuel Swedenborg (1688-1772)
F
Francis Bacon
Francisco de Assis (1181-1226)
Franz Bardon (1909-1958)
G
George Fox (1624-1691)
H
Harvey Spencer Lewis (AMORC)
Helena Petrovna Blavatsky
Hildegarda de Bingen (1098-1179)
J
Jacob Boehme (1575-1624)
Jiddu Krishnamurti
João da Cruz (1542-1591)
Joseph Beuys
L
Leonardo da Vinci
Louis Claude de Saint-Martin
M
Max Heindel (1865 - 1919)
Mestre Eckhart (c. 1260 - 1327/8)
Michael Maier
P
Paracelso
Plotinus (Neo Platonismo)
R
Ralph Waldo Emerson
Ramon Llull
René Descartes
Robert Fludd
S
Santo Anselmo (1033-1109)
T
Teresa de Ávila (1515-1582)
Thomas Merton (1915-1968)
W
Walt Whitman
William Blake (1757-1827)
William Shakespeare

Cristianismo Esotérico


O cristianismo esotérico é a dimensão da tradição cristã que se ocupa do campo dos mistérios, da antiga sabedoria e de métodos de realização espiritual destinados àqueles com vocação para aprofundar sua fé. Historicamente, esta dimensão esotérica ortodoxa, que não se afastou dos princípios e diretrizes fundamentais da tradição cristã, manifestou-se em confrarias como a dos Cavaleiros Templários (séculos XII a XIV), dos "Amigos de Deus" (Der Gottesfreund, séculos XIV a XVI) e Fedeli D'Amore (séculos XIII a XV). 

Trata-se de um segmento minoritário, uma vez que não se dirige às massas nem faz proselitismo, e não é estruturado em igrejas, apesar de a maioria dessas correntes possuírem cerimônias e rituais particulares, além daqueles que compartilham com a tradição cristã em geral. A esta dimensão esotérica do Cristianismo pertencem escolas como as citadas acima, que foram lideradas, respectivamente, pelas carismáticas figuras de São Bernardo de Claraval (Templários), Mestre Eckhart (Der Gottesfreund) e Dante Alighieri (Fedeli D'Amore).

A doutrina
As bases da doutrina esotérica cristã se diferenciam segundo as escolas e correntes. Segundo a escola contemporânea da filosofia perene de René Guénon e Frithjof Schuon, os fundamentos teóricos do esoterismo cristão estão nos próprios ensinamentos de Jesus, como expressos especialmente no Sermão da Montanha e no Evangelho de São João. Outras correntes mais afastadas da religião advogam conceitos como reencarnação e evolucionismo, que são heterodoxos em relação à doutrina tradicional.

Quando se fala de esoterismo cristão, pode tratar-se de três coisas. Em primeiro lugar, segundo Schuon, pode ser a gnose cristã, baseada na pessoa, nos ensinamento e dons do Cristo, beneficiando-se ocasionalmente de conceitos platônicos. Esta gnose crística se manifestou em particular, apesar de que de maneira desigual, em escritos como os de Clemente de Alexandria, Orígenes, Dionísio, o Areopagita , Scotus Erigena e Mestre Eckhart.

"Em segundo lugar, pode se tratar do esoterismo greco-latino incorporado ao cristianismo: pensamos aqui acima de tudo no Hermetismo e nas iniciações de ofício. Este esoterismo cosmológico ou alquímico cristianizado era essencialmente vocacional, dado que nem uma ciência, nem uma arte podem ser impostas a todo mundo."

"Em terceiro lugar, e mesmo antes de tudo, e deixando de lado toda consideração histórica ou literária, podemos e devemos entender por 'esoterismo cristão' a verdade pura e simples – verdade metafísica e espiritual – na medida em que ela é expressada ou manifestada mediante os dogmas, rituais e outras formas do cristianismo. Este esoterismo é a totalidade dos símbolos cristãos na medida em que eles expressam ou manifestam a pura metafísica e a espiritualidade una e universal." (Schuon)

Assim como as demais vertentes cristãs, considera-se a Bíblia e, especialmente os Evangelhos como fontes de autoridade dos mistérios de Deus. Algumas correntes mais heterodoxas consideram a Bíblia não como "palavra de Deus", nem deve ser interpretada literalmente, ou considerá-la à prova de erros. Outras escrituras que não foram incluídas na Bíblia também são consideradas, entre as quais os evangelhos apócrifos. Cristo é considerado o Logos, o "Verbo de Deus", o intermediário entre Deus e os homens, como o líder da humanidade e governante do Universo, sendo omnipresente como Deus, e por isso tendo uma centelha dentro de cada forma vivente (o chamado "Cristo Interior").

Algumas correntes, como os Fedeli d'Amore, organização esotérica cristã liderada por Dante Alighieri na Idade Média, sustentaram as teses tradicionais cristãs acerca dos mundos post-mortem, como as três moradas do Paraíso, do Purgatório e do Inferno. Outras tendências advogam que se trata de "símbolos", ou, pelo menos, que não sejam eternos. Cada pessoa paga por aquilo que praticou, na exata proporção. A todos é concedida a oportunidade de reencarnação, para o aperfeiçoamento do caráter; e a salvação será dada a toda a humanidade - alguns em mais tempo, outros em menos tempo.

Em algumas escolas cristãs esotéricas não existem sacerdotes na hierarquia outras não têm simplesmente hierarquia entre "irmãos". Algumas escolas geralmente se compõem de um ou mais instrutores, mas que não ministram qualquer tipo de sacramento. O único sacramento reconhecido é a chamada iniciação, que pode não ocorrer dentro das escolas, mas, segundo afirmam os cristãos esoteristas, é um processo de ordem espiritual.

Algumas escolas sustentam que existem nove iniciações menores e quatro iniciações maiores, a Hílica, a Psíquica, a Pneumática e a Gnóstica. Cada nível de iniciação corresponde a um nível de identidade própria e a um elemento e uma descrição gnóstica diferente. Em O Livro do Grande Logos, Jesus oferece aos seus discípulos "os mistérios dos três batismos por água, ar e fogo. O batismo pela água simboliza a transformação da pessoa hílica, que se identifica exclusivamente com o corpo, num iniciado psíquico que se identifica com a personalidade ou a psique. O batismo pelo ar simboliza a transformação do iniciado psíquico num iniciado pneumático que se identifica com o Eu superior. O batismo pelo fogo representa a iniciação final que revela ao iniciado pneumático a sua verdadeira identidade como o Daemon Universal, o Logos, o Cristo em si.

Segundo alguns, nas iniciações maiores o homem adquire o poder da magia, tendo, entre outras faculdades, a de falar todos os idiomas como se fosse nativo e constituir um corpo físico sem passar pelo processo de gestação. Nem todas as iniciações aconteceriam numa mesma encarnação, sendo que poderia haver crianças "excepcionais", de inteligência muito acima da média, que já teria sido iniciada em vidas anteriores.

Conversão
Não há proselitismo religioso dentro do cristianismo esotérico. Os membros das escolas cristãs esotéricas, tal como os membros das outras vertentes religiosas esotéricas, entendem que todas as religiões são provenientes de Deus, que as teria apresentado conforme as necessidades espirituais e o nível de evolução de cada povo. Alguns sustentem que o cristianismo é a religião preparada para os mais avançados da humanidade, na escala de evolução espiritual; outros argumentam que isso é um etnocentrismo sem qualquer fundamento. Também não existem impedimentos àqueles que desejarem se converter, desde que a conversão seja por livre e espontânea vontade. Não há juramentos especiais e os convertidos podem livremente manter contato com suas religiões de origem.

Notas históricas
O cristianismo esotérico remonta às palavras e ações de Jesus Cristo quando habitou entre os homens, na Palestina do século I. Do ponto de vista histórico, se expressou pelos escritos e exemplos de vida de sábios como João, o Evangelista, Orígenes, Clemente de Alexandria, Dionísio, o Areopagita e Mestre Eckhart, entre outros. Manifestou-se também em escolas exemplares como a dos Templários, dos Fedeli d'Amore, dos "Amigos de Deus" (Gottensfreund, liderados por Eckhart na Alemanha e na Suíça medievais). Outros creem atribuir suas origens aos essénios. Eles são descritos como um terceiro grupo que existiu para além dos outros dois mencionados no Novo Testamento, os hipócritas fariseus e os materialistas saduceus. Os essénios não são mencionados no Novo Testamento e evitavam qualquer referência a si próprios e aos seus métodos de estudo e de adoração. Jesus, de acordo com algumas tradições cristãs esotéricas, foi um elevado iniciado educado pelos essénios, até aos trinta anos de idade, e alcançou um estado muito elevado de desenvolvimento espiritual. É possível que a sua educação haja sido conduzida entre os essénios nazarenos de Monte Carmelo, uma comunidade na zona da Galileia.

Outros creem que a existência histórica de Cristo não é o mais importante, embora não neguem necessariamente a historicidade dos evangelhos, mas a natureza alegórica da sua história não deve ser confundida com a sua historicidade, mas ser entendida nos seus muitos níveis. A história de Jesus,nome construído de forma a igualar em guemátria o número místico 888, pode ser visto como um mito de iniciação mística que conduz à ressurreição espiritual ou como representando o Daemon universal que foi desmembrado e precisa de ser remembrado, etc.

Os ensinamentos ocultos Cristãos referem que a maior fonte viva da tradição Cristã esotérica, no decorrer do desenvolvimento da civilização ocidental, teve início no século XIV com a constituição de uma irmandade secreta de homens santos designada por Ordem Rosa-cruz, que se expôs a si mesma pela primeira vez na profunda obra esotérica Fama Fraternitatis R.C. Esta Ordem abriu a Iniciação nos Mistérios, naquele tempo e nos séculos que se seguiram, aos indivíduos com maior preparação e mérito, qualidades alcançadas por esforço dos próprios. Por volta dessa época começa também a idade da Alquimia, expressando o conhecimentos oculto através de escritos herméticos, do tipo criptográfico, para evitar a perseguição e o mau uso dos ensinamentos sagrados por parte do homem. Nos seus Manifestos do início o século XVII, a Ordem Rosa-cruz menciona "nós reconhecemo-nos verdadeiramente e sinceramente professar Cristo (…) viciamo-nos na verdadeira Filosofia, levamos uma vida Cristã" (in Confessio Fraternitatis, 1615) e estabelece o tempo e o modo como viria a apresentar publicamente ao mundo o seu conhecimento, num esforço para trazer uma "Reforma da Humanidade" através de uma mais avançada fase da religião cristã. O Cristianismo Rosacruz, começado no início do século XX em Monte Ecclesia relaciona-se a si próprio com este renascimento público da ordem.

A teosofia cristã clássica, que precede a Sociedade Teosófica e o martinismo, inclui alquimistas conhecidos, através dos seus escritos, como estando ligados ao movimento rosa-cruz. Entre os cristãos teosofistas encontramos homens letrados como Valentin Weigel, Heinrich Kunrath, Johann Arndt, Johann Georg Gitchel, Jakob Böehme, Gottfried Arnold, Jan Baptist van Helmont, Robert Fludd, John Pordage, Jane Leade, e Pierre Poiret.

Mais tarde, é especialmente reconhecido Emanuel Swedenborg porque uma igreja seguiu os seus ensinamentos desde 1787: a New Church e a Swedenborgian Church of North America. Martines de Pasqually, Louis-Claude de Saint-Martin e Jean-Baptiste Willermoz são três das mais influentes figuras do martinismo, que data do início do século XVII e continua a existir até aos dias de hoje.

Outras perspectivas modernas sobre o cristianismo esotérico incluem a Ordem Hermética da Aurora Dourada e suas principais ramificações, os Builders of the Adytum, a Society of the Inner Light e os Servants of the Light. Paul Foster Case, W. E. Butler, Dion Fortune e Gareth Knight em particular, são autoridades desses ramos que contribuíram para a literatura dedicada a um cristianismo esotérico. Alguns dos modernos neo-templários e neo-essénios são também dignos de nota.

Escritos do século XX
"Quando se fala de esoterismo cristão, pode tratar-se de três coisas: em primeiro lugar, pode ser a gnose cristã, baseada na pessoa, nos ensinamento e dons do Cristo, beneficiando-se ocasionalmente de conceitos platônicos. Esta gnose crística se manifestou em particular, apesar de que de maneira desigual, em escritos como os de Clemente de Alexandria, Orígenes, Dionísio o Areopagita , Scotus Erigena, Mestre Eckhart, Nicolau de Cusa, Jakob Böhme e Angelus Silesius.
Em segundo lugar, pode se tratar do esoterismo greco-latino incorporado ao cristianismo: pensamos aqui acima de tudo no hermetismo e nas iniciações de ofício. Este esoterismo cosmológico ou alquímico cristianizado era essencialmente vocacional, dado que nem uma ciência, nem uma arte podem ser impostas a todo mundo.

Em terceiro lugar, e antes de tudo, e deixando de lado toda consideração histórica ou literária, podemos e devemos entender por “esoterismo cristão” a verdade pura e simples – verdade metafísica e espiritual – na medida em que ela é expressada ou manifestada mediante os dogmas, rituais e outras formas do cristianismo." (Frithjof Schuon: O Esoterismo como Princípio e como Caminho, pp. 29-30)

Os rosacruzes sustentam que nem o judaísmo nem o "cristianismo popular", mas sim o verdadeiro cristianismo esotérico será a religião mundial. (Max Heindel in Conceito Rosacruz do Cosmos, 1909; Fraternidade Rosacruz)
Este é o caminho da Sabedoria Divina, da verdadeira teosofia. Ela não é, como alguns pensam, uma versão diluída do hinduísmo, ou do budismo, ou do taoismo, ou de qualquer religião particular. Ela é tão verdadeiramente cristianismo esotérico como é budismo esotérico, e pertence igualmente a todas as religiões, e a nenhuma com exclusividade. (Annie Wood Besant in Cristianismo Esotérico ou Os Mistérios Menores , 1914; Sociedade Teosófica)
No cristianismo, também, especialmente no que concerne ao seu ponto central, o Mistério do Gólgota, nós temos de fazer uma distinção entre concepções esotéricas e conhecimento esotérico. Uma contemplação esotérica do cristianismo, acessível a todo o mundo, está contida nos Evangelhos. Lado a lado com esta contemplação esotérica, sempre houve um cristianismo esotérico para aqueles que tinham vontade - como eu disse antes - de preparar os seus corações e mentes de uma forma adequada para a recepção de um Cristianismo esotérico. (Rudolf Steiner, Cristianismo Esotérico e Esotérico , 1922, Sociedade Antroposófica)
Se este doutrina interior foi sempre resguardada das massas, das quais por um código simples foi dividida, não é altamente provável que os expoentes de cada aspecto da civilização moderna—filosóficos, éticos, religiosos, e científicos-sejam ignorantes do verdadeiro significado de todas as teorias e postulados em que as suas crenças são fundadas? Encobrem as artes e ciências que a raça herdou de nações mais antigas por debaixo do seu justo exterior um mistério tão grande que só o mais iluminado intelecto pode alcançar a sua importância? Tal é sem dúvida o caso. (Manly Palmer Hall, Os Ensinamentos Secretos de Todas as Eras , 1928, Philosophical Research Society)

Cristianismo místico


Cristianismo místico é a vertente mística do cristianismo que ensina verdades espirituais inacessíveis por meio do intelecto apenas. Essas verdades são aprendidas por varias técnicas de meditação e oração, como a oração contemplativa, oração da união, a lectio divina, oração de quietude e a oração de Jesus.

Fundamentos bíblicos
A Bíblia apresenta várias passagens que se relacionam com o Misticismo e seu objetivo máximo: O Encontro com Deus e consequentemente consigo mesmo, mas através do sacrifício de Jesus Cristo.

No Evangelho de São Matheus, Jesus Cristo nos chama a ser perfeito como Deus é Perfeito (Cap. 5, versículo 48). Tanto no Novo Testamento (Evangelhos, cartas Paulinas e Apocalipse) quanto no Antigo Testamento (sobretudo nos cinco primeiros livros que formam a Torah judaica) se encontram comandos, ensinamentos e chaves para a ascensão mística de imenso valor. Cabe a cada pessoa que deseja seguir esse caminho estudar a Bíblia e encontrar nela as chaves e os passos para o encontro místico.

Oração
Cristãos místicos

Alguns exemplos de cristãos místicos:

Ana de Jesús
São João Evangelista (? -101)
São Clemente de Alexandria (? -216)
Agostinho de Hipona (354-430)
Gregório I (590-604)
Santo Anselmo (1033-1109)
Hugo de São Vítor (1096-1141)
Santa Hildegarda (1098-1179)
São Francisco de Assis (1181-1226)
Santo Antonio (1195-1231)
Mechtild de Magdeburg (1210-1279)
Marguerite Porete (? - 1310)
Mestre Eckhart (c. 1260 - 1327/8)
Gregory Palamas (1296 - 1359)
Santa Brígida da Suécia (1302-1373)
Julian of Norwich (1342-c.1416)
Malinda Cramer
Emma Curtis Hopkins
Margery Kempe (c.1373-1438)
Santa Teresa de Ávila (1515-1582)
São João da Cruz (1542-1591)
Santa Maria Madalena de Pazzi (1566-1607)
Jakob Boehme (1575-1624)
Joana d'Arc
Sir Thomas Browne (1605-1682)
Angelus Silesius (1624-1677)
George Fox (1624-1691)
Sarah Wight (1632-?)
Emanuel Swedenborg (1688-1772)
John Woolman (1720-1772)
William Blake (1757-1827)
Anna Catarina Emmerich (1774-1824)
Jakob Lorber (1800 - 1864)
Max Heindel (1865 - 1919)
Thomas Merton (1915-1968)
Santa Margarida Maria de Alacoque (1647-1690)
Madre Virgínia Brites da Paixão (1860-1929)
Beata Maria do Divino Coração Droste zu Vischering (1863-1899)
Beata Alexandrina de Balazar (1904-1955)
Padre Pio de Pietrelcina (1887-1968)
Joel S. Goldsmith (1892-1964)

Ascética


Para a teologia cristã há uma ascética, com um sentido amplo, e uma ascese, com sentido mais restrito.

A Ascética consiste no esforço metódico e continuado, com a ajuda da graça, para favorecer o pleno desenvolvimento da vida espiritual, aplicando meios e superando obstáculos. Aqui actuam e organizam-se os grandes meios e práticas da vida espiritual: oração, penitência, retiro, exame de consciência, direcção espiritual, sacramentos. Como também uso de métodos, projectos, disciplina interior, para um maior aproveitamento da graça e dos meios. Este sentido amplo é o que normalmente tem a palavra, quando se encontra em títulos de manuais, ou se contrapõe a Mística. Ascese, em sentido mais restrito, é o conjunto dos exercícios mortificantes, aplicados directamente a eliminar vícios, dominar e reorientar tendências desordenadas, robustecer a liberdade. É o que normalmente se expressa em termos como abnegação, mortificação, penitência, renúncia.

O filósofo Platão aprofundou a diferença entre corpo e alma. O corpo para ele era uma sede dos desejos e paixões que desvia o homem do caminho para o bem. Desta forma, Platão defendia o ascetismo como meio de purificação do mundo para alcançar o bem.