quarta-feira, 5 de setembro de 2018

Um estudo sobre o karma (Annie Besant)


Entre as muitas dádivas esclarecedoras transmitidas pela Sociedade Teosófica ao mundo ocidental, a que se refere ao conhecimento do karma talvez seja a segunda em importância, depois da lei da reencarnação. O conhecimento do karma afasta o pensamento e o desejo do homem do âmbito dos acontecimentos arbitrários, levando-os para a região da lei, colocando assim o futuro do homem sob seu próprio controle, a partir da extensão do seu conhecimento. 
A principal concepção de karma – “Tal como o homem semeia, assim colherá” – é fácil de apreender. Contudo, a sua aplicação detalhada na vida diária, o método de ação desse princípio e suas consequências a longo prazo são dificuldades que se tornam desnorteantes para o estudante, à proporção que amplia o seu conhecimento. Os princípios em que as ciências naturais se fundamentam são, em sua maioria, facilmente assimiláveis para as pessoas de regular inteligência e instrução comum; contudo, quando o estudante passa dos princípios para a prática, do esboço para os detalhes, descobre que as dificuldades pressionam e que, se quiser dominar totalmente o assunto, será obrigado a tornar-se um especialista e a devotar longos períodos para desembaraçar os emaranhados com que se defronta. O mesmo acontece com a ciência do karma: o estudante não pode permanecer sempre no período das generalidades. Deve estudar as subdivisões da lei primeira, deve procurar aplicá-la a todas as circunstâncias da vida, deve aprender até onde ela o obriga e de que forma é possível a libertação. Deve aprender a observar o karma como lei universal da natureza, e entender também que, ao considerar a natureza como um todo, só poderá conquistá-la e dominá-la obedecendo às suas  leis. 

Leis:naturais ou feitas pelos homens (Annie Besant)


Sobre essa matéria tem havido muita confusão no Ocidente, porque as leis naturais têm sido vistas como algo à parte das leis mentais e morais, embora essas leis mentais e morais sejam parte das leis naturais. Em muitas mentes as leis naturais têm sido confundidas com a lei humana, e o julgamento arbitrário da legislação humana foi transferido para o âmbito da lei natural. Leis que afetam fenômenos físicos livraram-se dessa arbitrariedade através da ciência, mas tanto o mundo mental como o mundo moral ainda são um caos de ilegitimidade. Não é uma ordem arbitrária de Deus, mas a imanência da natureza divina que condiciona a nossa existência, e onde quer que os profetas tenham decretado leis morais, estas foram manifestações de inevitáveis consequências para o mundo moral, conhecido pelos profetas e desconhecido por seus ouvintes ignorantes. Por causa dessa ignorância, os ouvintes transformaram essas manifestações em ordens arbitrárias de um legislador divino, enviadas através dele, em vez de considerá-las simples declarações de fatos concernentes à sucessão de fenômenos morais em uma área tão organizada como a física. 
A lei, em seu sentido social secundário, é um decreto escrito por alguma autoridade considerada legítima. Pode ser o decreto de um autocrata ou o ato de uma assembleia legislativa. Em ambos os casos, a força da lei depende de se reconhecer a autoridade que a impõe. Entre os hindus, encontramos ideias e leis feitas pelo homem como leis naturais. O rei, na concepção de Manu, é um autocrata, e os vassalos devem obedecer, mas acima do rei existe uma lei que atua automaticamente e faz parte da natureza das coisas. A despeito da sua autocracia, o rei fica tolhido pela lei suprema, que o esmagará, se ele a desconsiderar. A fraqueza oprimida – dizem – é o inimigo mais fatal dos reis: porque as lágrimas do fraco podem sabotar a base dos tronos, e o sofrimento da nação destrói o governante. 
Os mundos físico e super físico se interpenetram, e isso faz com que o que aconteça em um deles venha a ter resultados no outro. O rei e o seu conselho, na antiga Índia, faziam as leis do Estado, mas eram leis artificiais, não leis naturais; elas obrigavam os vassalos e eram impostas com penalidades. Eram, porém, leis inteiramente diferentes da lei natural. É uma pena que a mesma palavra deva ser usada para definir duas coisas tão diferentes como leis naturais e artificiais, apesar de elas poderem ser nitidamente reconhecidas por suas características. 
As leis artificiais são mutáveis: os que as fazem podem alterá-las ou revogá-las. 
As leis naturais são imutáveis: não podem ser alteradas nem revogadas, pois fazem parte da natureza das coisas. As leis artificiais são locais, enquanto que as naturais são universais. Em qualquer país, o roubo pode ser castigado com alguma penalidade escolhida pelo legislador. Às vezes, corta-se a mão do culpado, às vezes mandam-no para a prisão, outras vezes o enforcam. Apesar disso, a aplicação da penalidade depende da descoberta do crime. Como se trata de uma penalidade variável e artificial, da qual é possível escapar, não está, obviamente, relacionada, do ponto de vista da causa, com o crime que pretende punir. A lei natural não tem penalidades, mas uma condição segue-se invariavelmente à outra: se um homem rouba, sua natureza torna-se a de um cleptomaníaco, a tendência à desonestidade aumenta, a dificuldade em se manter honesto torna-se maior. Essa consequência aparece em todos os países, e o fato de os outros conhecerem ou não o ladrão não faz diferença. A penalidade, que é local e da qual é possível escapar, prova que a lei é artificial, e não natural. 
A lei natural é uma sequência de condições: quando determinada condição estiver presente, seguir-se-á invariavelmente uma outra. Se quisermos que apareça a condição no 2, devemos procurar ou tornar possível a condição no 1, e então a condição no 2 se seguirá, como consequência invariável. Essas sequências nunca variam quando deixadas à vontade; contudo, se uma nova condição for introduzida, o resultado será outro. Assim, a água corre por um canal em declive, de acordo com a força da gravidade, e se você despejar água na parte mais alta ela sempre correrá pelo declive. Entretanto, você pode obstruir o fluxo colo cando um obstáculo no caminho. Então, a resistência que o obstáculo opõe à força da gravidade a sustenta, mas a força da gravidade permanece ativa, e podemos encontrá-la na pressão que faz contra o obstáculo. A primeira condição é chamada causa; a condição resultante é o efeito. A mesma causa sempre produz o mesmo efeito, contanto que uma outra causa não seja introduzida. Neste último caso, o efeito será o resultado de ambas as causas.