segunda-feira, 7 de outubro de 2024

O “Mentalismo” Moderno e Sua Visão Espiritual Deturpada

O estudo do Hermetismo se tornou algo comum na sociedade contemporânea, seja entre os estudantes curiosos e descompromissados, seja entre aqueles que preferem se arriscar na prática esotérica moderna. No cenário brasileiro, não é raro encontrarmos estudantes que se dizem “ocultistas” e que não tem nenhuma prática magística, mas leram obras como “O Caibalion” ou o “Corpus Hermeticum” e repetem seus trechos como verdadeiros “papagaios”. Porém, o que os “ocultistas” brasileiros estão esquecendo é de interpretar devidamente as obras herméticas que estão lendo, e situá-las em acordo com a Magia, enquanto ciência prática. Isso está fazendo com que a interpretação das leis herméticas fique estereotipada e rasteira, especialmente a interpretação que está sendo dada à 1ª e à 2ª lei hermética, as chamadas “lei do mentalismo” e “lei da correspondência”, respectivamente.


O Hermetismo é um corpo filosófico e doutrinário que ganhou espaço a partir da figura de Hermes Trismegistus, lendário sacerdote egípcio que popularizou ciências como a Alquimia, a Magia e a Astrologia.


Entre os ensinamentos herméticos, merecem destaque aqueles ligados às chamadas “leis herméticas”, que narram de que forma o mundo “funciona”, como seus fenômenos físicos podem ser justificados e como devemos nos portar espiritualmente diante deles.


A 1ª lei hermética é a chamada “lei do mentalismo”, e seu texto, descrito no Caibalion, nos diz o seguinte: “o Todo é Mente; o Universo é mental”.


Se analisarmos rapidamente este texto, veremos que ele é curto e que aparentemente seu significado é claro. Porém, analisando o conteúdo do texto em si, percebemos que sua interpretação não é tão simples como se imagina (ou como muitos “ocultistas” brasileiros imaginam), e abre margens para variações interpretativas que muitas vezes podem até distorcer o sentido original do texto. Talvez seja isso que esteja ocorrendo com o significado das leis herméticas e com a interpretação que está sendo feita sobre elas, no que diz respeito à magia.


Atualmente, vejo estudantes de esoterismo falarem abertamente verdadeiras “pérolas” a respeito da prática de magia, como por exemplo:


“Toda magia é mental”


“Todo efeito mágico é apenas uma ilusão, criada pela mente do mago”


Ou mesmo que


“O objetivo da magia é exteriorizar o que há no subconsciente do mago”.


Apesar de sabermos que a maioria dos estudantes que nos brindam com essas pérolas não tem prática mágica nenhuma, chegamos à conclusão de que essa interpretação deturpada da magia e seus efeitos não provém somente da falta de prática, mas do estudo incorreto que estão fazendo do Hermetismo. Geralmente, os estudantes que defendem esse ponto de vista psicológico da magia, usam o texto da lei do mentalismo como tentativa de sustentar seus argumentos. No raciocínio desses estudantes, se a lei do mentalismo diz que “o universo é mental”, então tudo mais que estiver contido no universo também será, e isso inclui a magia. Esse não é um raciocínio totalmente incorreto; porém…pra infelicidade dos “ocultistas” que defendem esse ponto de vista, nem todas as formas de magia são mentais, e em algumas delas a mente não desempenha sequer função primordial para a execução do ato mágico em si.


De uma forma simples, a interpretação moderna que está sendo dada à lei do mentalismo está se guiando pela ideia de que o homem é o centro do universo, e que o sucesso ou fracasso de suas ações depende apenas de seu querer e da força de sua Vontade. Assim, se o texto da lei do mentalismo nos diz que “o Todo é mente”, os ocultistas modernos interpretam esse “Todo” como “Tudo” e o relacionam ao homem; dessa forma, os estudantes modernos concluem que “Tudo é mente” (tudo é “mental”), e sendo assim o homem não precisa recorrer a nada fora de si, já que tem em si tudo de que precisa pra operar magia (sua mente). Só que o erro começa justamente nesse ponto: o “Todo” citado na lei do mentalismo, não significa o “Tudo” que os estudantes modernos interpretam incorretamente. Quando se diz que “o Universo é mental”, e que “o Todo é mente”, na verdade o Hermetismo está deixando claro que a criação do Universo foi um ato mental, pois foi um ato gerado da mente criadora universal (Deus). Porém, isso não quer dizer que o ser humano, mesmo sendo parte direta da criação, pode “criar” apenas a partir de sua mente. Por mais “poderosa” que seja a mente humana, ela não tem capacidade autônoma de criar algo no físico, estando fora da influência do Altíssimo se não fizer uso da Fé, da Técnica e de sua Vontade. Por isso, o fato do “universo ser mental” não faz da magia praticada pelo ser humano, algo meramente psicológico.


O motivo dessa interpretação distorcida da lei do mentalismo é muito claro: há uma diferença nítida entre a lei hermética do mentalismo e a interpretação psiquista que se tem feito dessa lei (o chamado “mentalismo moderno”). E essa interpretação equivocada não ocorre apenas com a 1ª lei hermética; a 2ª lei hermética (lei da correspondência) também sofre com essa mesma distorção na interpretação de seu texto. No Caibalion, o texto da lei da correspondência é claro: “O que está em cima é como o que está embaixo. E o que está embaixo é como o que está em cima”.


A 2ª lei hermética nos diz que, devido os limites do ser humano, ele não consegue enxergar a magnitude do cosmos infinito, e não consegue enxergar nem a si mesmo como representante do Macrocosmo. A lei da correspondência nos diz que as verdades do Macrocosmo também encontram eco no microcosmo, já que “o menor” (o microcosmo) é uma equivalência do maior (Macrocosmo).


Porém, o que o pensamento moderno prega (e os “ocultistas” brasileiros seguem…) é que o homem é “seu próprio deus”, e se ele tem em si tudo que precisa (sua mente, de acordo com a interpretação errada da lei do mentalismo), então ele tem totais capacidades de controlar seu universo do modo como quiser, sendo a única divindade de seu mundo.


Essa interpretação da lei hermética da correspondência não poderia estar mais equivocada. O ser humano é uma correspondência, e não algo igual a Deus. A similitude do homem em relação à divindade vai até o ponto da potência: o homem é um deus em potencial, mas não uma divindade realizada. Todavia, muitos estudantes de esoterismo preferem acreditar que a magia é fruto da “divindade do Homem”, e do fato dele já ter tudo de que precisa pra operar magicamente (sua mente). Talvez por conta disso, muitos estudantes “ocultistas” no Brasil tem sempre o texto da 2ª lei hermética “na ponta da língua”, e repetem exaustivamente a frase “como o é encima, o é embaixo”, como se fossem verdadeiros papagaios…na tentativa de justificar sua própria soberba através de um mentalismo apegado a uma suposta “independência espiritual”.


Vimos nesta 1ª parte do artigo, que a interpretação que está sendo dada às leis herméticas está sendo deturpada e baseada em um raciocínio mentalista rasteiro. Porém, essa distorção interpretativa não está sendo causada apenas por falta de estudo ou de prática mágica dos “ocultistas” brasileiros. Na 2ª parte do artigo, faremos uma revisão histórica para descobrir qual a origem desse pensamento psiquista que tem invadido a magia moderna nas últimas décadas.


Na 1ª parte deste artigo, vimos que o Hermetismo tem sido interpretado de maneira deturpada por parte de muitos estudantes de esoterismo da atualidade, e que as leis herméticas têm sido analisadas sob um viés extremamente psicologizado. A partir de agora, tentaremos entender quando e onde surgiu esse ponto de vista “mental” sobre o Hermetismo e a magia, e como essa visão mentalista influenciou e vem influenciando negativamente a prática mágica na atualidade.


A popularização da Psicologia no século 19 fez com que as abordagens psicológicas ficassem cada vez mais comuns nas Ordens Iniciáticas da Europa. Na foto acima, o famoso psicólogo Carl Jung, usado atualmente como “base científica” em muitas instituições esotéricas.


A origem da interpretação distorcida das leis herméticas tem início no século 18 com o advento do iluminismo (que pregou uma reorientação da visão de mundo dos séculos anteriores, dando mais foco ao homem na terra que a Deus no céu). Porém, essa visão moderna do mentalismo ganhou realmente corpo com a popularização da Psicologia no século 19. A Psicologia rapidamente se popularizou na Europa na metade do século 19, defendendo a ideia de que o homem tem dentro de si estruturas mentais que ele mesmo desconhece, e que influenciam seu comportamento e sua postura diante da vida e de seus problemas. Esse raciocínio psicológico rapidamente ganhou popularidade no meio esotérico e ocultista europeu, que estava ansioso por validar as práticas mágicas e os estudos metafísicos com alguma forma de raciocínio científico que pudesse comprovar a magia como “ciência hermética”. Assim, o raciocínio psicológico de que o homem não conhece sua estrutura mental, abriu margens para que várias Ordens Esotéricas europeias adotassem a Psicologia como “suporte científico” de seus sistemas iniciáticos. Psicólogos como Carl Gustav Jung passaram a ser figuras comuns nos ensinamentos de diversas Ordens, se tornando “base científica” de justificativa para a magia (mesmo que em seus estudos psicológicos, esses psicólogos nunca tivessem citado magia de forma direta). A astrologia tradicional também sofreu com esse sincretismo forçado com a Psicologia, especialmente o movimento de “reorientação astrológica” iniciado na Sociedade Teosófica por Alan Leo, considerado atualmente “o pai da astrologia moderna”.


O sincretismo iniciado no século 19 entre magia e Psicologia aprofundou-se de forma trágica no século 20, gerando a aberração que temos atualmente: a chamada “magia psicológica” (ou “psicologia mágica”), tão defendida entre os estudantes de esoterismo da atualidade, e entre os chamados “ocultistas de balcão” brasileiros. Todavia, será que podemos simplesmente culpar a Psicologia por esse sincretismo forçado? De forma alguma. Se há culpados nesse sincretismo, esses culpados são as Instituições Iniciáticas europeias do século 19, que procuraram misturar e encaixar erroneamente conceitos e filosofias que nem sempre são passíveis de serem encaixados. A Psicologia por si só pode ser útil (e até necessária) no estudo de magia; porém, daí a considerar que a magia e seus efeitos são “frutos psicológicos”, há uma grande diferença. Achar que qualquer efeito mágico é fruto somente do “subconsciente” do mago é desmerecer a magia enquanto Arte sagrada. Todo aquele que pensa dessa forma, esquece-se que um dos pilares do mago é justamente sua Fé naquilo que faz e na divindade. Se o mago não tem Fé naquilo que faz, não há sentido em continuar fazendo aquilo, já que em magia, a racionalidade nem sempre pode justificar todos os efeitos mágicos possíveis. A tentativa de se tentar analisar e justificar a magia sob o viés da razão e da mente, é apenas um reflexo tardio do iluminismo e de seus efeitos sobre a prática mágica ocidental, que tentou transformar a magia em uma ciência puramente verificável através de fatos e dados quantitativos.


Essa visão mágica psicologizada piorou quando famosas personalidades do meio mágico mundial, como Helena Blavatsky, Aleister Crowley, Franz Bardon e mais recentemente Lon Millo Duqette (dentre outros) procuraram respaldar seus sistemas e práticas nesse raciocínio tipicamente “mentalista moderno”, buscando técnicas orientais (yoga) como forma de trabalho mental “propício” a possibilitar o desenvolvimento mágico de alguém. Essa “magia psicológica”, pautada na interpretação errada da lei do mentalismo, mais parece alguma forma de “exibicionismo psíquico” que magia propriamente dita. Quase sempre, esse tipo de “magia” procura enaltecer as “capacidades latentes” do ser humano e seus “potenciais mentais”, se aproximando mais do chamado “Psiquismo”, responsável por popularizar fenômenos como “clarividência”, “premonição” e “telepatia”. Curiosamente, boa parte dos estudantes de esoterismo que defendem essa visão psicológica da magia, também se interessam por esses poderes psíquicos. Para essas pessoas, “tudo se conquista com a mente”, e o querer é a chave de todo sucesso mágico… afinal de contas, como diz o ditado popular, “querer é poder”. Porém, o que esses estudantes esquecem, é que nem sempre esse “querer” gera efetivamente “poder”, pois a mente por si só não é capaz de executar todos os efeitos mágicos que o operador almeja.


Segundo Hyatt (2008), fazer magia é estar disposto a extrair resultados claros e visíveis no plano físico, já que “Magic is the manipulation of hidden forces or intelligences to produce a desired result” (HYATT, 2008, p. 20). Não existem apenas magias cujos objetivos sejam conquistados através da mente; da mesma forma nem toda magia é apenas “astral”. Algumas modalidades de magia são materiais, e seus efeitos são visíveis no plano físico (e não apenas “projeções psicológicas”), mesmo que essas modalidades também façam uso da estrutura mental do operador em certo nível.


Não basta “querer”; é preciso “saber fazer”. A Tradição Espiritual Ocidental é pautada em 4 grandes princípios: Fé, Vontade; Técnica; e Paciência. Eliphas Levi, célebre teólogo do século 19, já expressava esses princípios em suas obras, através do famoso “saber-querer-ousar-calar”. Não basta ao mago ter vontade de fazer uma ação mágica, se não sabe efetivamente fazê-la; não adianta apenas crer que “tudo dará certo”. É o mago que tem de fazer as coisas “darem certo”, através dos quatro princípios mágicos.


Algumas especialidades mágicas não admitem o uso da mente como “centro operativo” do mago: é o caso, por exemplo, da magia cerimonial ou da Teurgia. Nessas modalidades mágicas, não adianta simplesmente “querer” ou “ter Fé”. Acima de tudo, é preciso saber seguir as exigências de cada operação, cada ritual, sendo fiel ao máximo às recomendações de cada sistema ou grimório trabalhado. E é aqui que o uso do mentalismo moderno se torna perigoso. Muitos são os casos de adolescentes ou praticantes desavisados que buscam experimentar operações de magia cerimonial usando o raciocínio tipicamente “mentalista” em ações mágicas tradicionais, como a evocação de espíritos e entidades astrológicas. Esse é um ato extremamente estúpido (além de imaturo), já que a magia cerimonial não segue esse raciocínio moderno e estereotipado de que “a mente contém tudo de que o mago precisa”. Entidades e espíritos evocados, ao contrário do que muitos “ocultistas” brasileiros pensam, não são arquétipos mentais do mago, e suas manifestações físicas não são apenas “efeitos do subconsciente do operador”. Tratam-se na verdade de entidades poderosas e autônomas, com uma existência além da compreensão humana, e com manifestação independente em relação ao mago. É por conta disso que aumentam os relatos de que muitos “mentalistas modernos” sofrem com a obsessão de entidades e a falta de controle emocional, após executarem rituais cerimoniais mal-sucedidos… fruto de suas visões deturpadas da magia e de seus efeitos.


A você leitor, que ainda não tem experiência prática em magia, mas está estudando a teoria e futuramente pretende realizar alguma operação específica, fica a dica: magia não é apenas algo mental; é algo mental também. A estrutura psicológica do mago é importante em certos aspectos, e sua capacidade de visualizar certas imagens astrais pode ajudá-lo m operações mágicas. Porém, nem toda forma de magia é apenas mental. Não caia no “conto popular” dos “ocultistas” brasileiros de que “basta acreditar para acontecer” e que “é preciso confiar na mente”; para que algo mágico aconteça, você mesmo tem de fazer esse algo se manifestar, através de sua Fé no Altíssimo (saber), sua Vontade em querer que aquilo aconteça (querer), sua Ação para que aquilo aconteça (ousar), e sua paciência para que aquilo se manifeste (calar).


Lembre-se: magia não é Psicologia, e da mesma forma, o estudo de Psicologia não é algo mágico. Nenhum efeito mágico justifica-se apenas através dos poderes da mente. A Psicologia ajuda o mago e pode tornar-se inclusive útil para a prevenção de problemas emocionais futuros, decorrentes da prática mágica (a famosa Psicoterapia). Mas isso não significa dizer que o mago pode fazer “o que lhe convir”, que as entidades evocadas num ritual “são aspectos profundos do subconsciente”, ou que “o mago é seu próprio deus”. Essas são lorotas divulgadas no meio esotérico brasileiro, que só levam à ruína do praticante de magia. Seguir ou não esse raciocínio mentalista moderno e deturpado, é um direito de cada um; porém, parafraseando Paulo (Cor, 6) em sua carta aos Coríntios: “Tudo me é permitido, mas nem tudo me convém” (1 Cor, 6).


REFERÊNCIAS:


HYATT, Christopher in LISIEWSKI, Joseph. Cerimonial magic and the power of evocation. New Falcon publications. Arizona: 2008.


NOTAS


Apesar de ser uma “analogia de Deus”, o homem não é igual a Deus, e portanto não é uma divindade autônoma como o pensamento moderno sugere.


“O Universo é mental”. Mas será que a magia também é apenas uma ilusão de nossa mente?


Nem todas as operações de Magia Cerimonial fazem uso de recursos necessariamente psicologizados. Na foto acima, exemplo de círculo mágico amplamente usado em operações de Magia Cerimonial Tradicional. Na prática de Teurgia, nem todos os efeitos mágicos são necessariamente oriundos da psique do operador.


Helena Blavatsky, fundadora da Sociedade Teosófica. A Teosofia de Blavatsky foi a principal responsável por popularizar conceitos orientalistas na Europa no final do século 19, como a yoga. Ela também foi uma das responsáveis pela “psicologização” da magia e da astrologia ocidentais.


A popularização da Psicologia no século 19 fez com que as abordagens psicológicas ficassem cada vez mais comuns nas Ordens Iniciáticas da Europa. Na foto acima, o famoso psicólogo Carl Jung, usado atualmente como “base científica” em muitas instituições esotéricas.


Maçonaria e Igreja Católica: inimigos implacáveis

Quando falamos da natureza e dos fins da associação internacional semirreligiosa conhecida como Maçonaria, discordar é regra, não exceção. Para cada livro que enfatiza a obediência à lei, a filantropia e a tolerância universal das organizações maçônicas, outro as condena por seu papel oculto em reviravoltas políticas da guerra cultural contra a Igreja Católica, outros ainda lhe exaltam ou escarnecem a doutrina esotérica e os ritos elaborados.


Pesquisar sobre o tema é complicado porque a Maçonaria não é uma entidade única, mas um todo conceitual composto de redes regionais de lojas e organizações irmãs, cada uma com rituais, doutrinas e projetos mais ou menos semelhantes aos das outras. É um caso mais ou menos parecido com o do “protestantismo”, pois o que existe é uma multidão de seitas independentes com crenças e práticas mais ou menos aparentadas [i].


A Maçonaria pode ser definida como um “sistema de moralidade encoberto pela alegoria e ilustrado por símbolos” [ii], ou, como diz um manual alemão de 1822, 


a atividade de homens intimamente unidos que, empregando formas simbólicas tomadas de empréstimo sobretudo à profissão de pedreiro e de arquiteto, trabalham pelo bem-estar da humanidade, esforçando-se moralmente para enobrecer a si e a outros e, desta forma, fundar uma liga universal da humanidade, da qual tentam ser reflexo já agora em escala menor [iii].

 


“A origem da Maçonaria é um dos assuntos mais discutidos e discutíveis em todo o mundo da investigação histórica”, afirma Frances Yates.


Devemos separar com cuidado o que se pode comprovar pela investigação histórica séria dos relatos lendários e fantásticos consignados em textos tradicionais, tanto maçônicos como antimaçônicos. A Maçonaria moderna não surgiu na Inglaterra do século XVIII, como se costuma repetir, mas na Escócia do início do século XVII, quando “a contribuição medieval de organizações profissionais e das lendas” foi combinada com “aspectos do pensamento renascentista […] em conjunto com uma estrutura institucional baseada em lojas, rituais e procedimentos secretos conhecidos como a Palavra do Pedreiro” 


Originalmente, as lojas se preocupavam com a vida laboral dos pedreiros (neste aspecto, tal como em relação ao uso do simbolismo religioso e de rituais paralitúrgicos, davam continuidade às precedentes guildas medievais); mas na metade do século XVII um número significativo de membros já não tinha nenhum vínculo real com o ofício, e se reunia com propósitos sociais e rituais. No início do século XVIII, as lojas inglesas, compostas principalmente de cavalheiros, e não de pedreiros, ganharam certa preeminência e começaram a sintonizar sua orientação teórica com a vanguarda do pensamento iluminista. A meados do mesmo século, a vertente inglesa da Maçonaria já se espalhara por todos os cantos da Europa e do Novo Mundo, transformando-se rapidamente num agente de prática e ideologia revolucionárias.


Foi a esta maçonaria iluminista que os Papas se opuseram de forma veemente, tão-logo viram o perigo que ela representava para a integridade da fé e a tranquilidade da ordem [v].


Entre os maçons do século XVIII, os radicais apoiavam abertamente políticas secularizantes, como a dissolução de Ordens religiosas, a expropriação e a redistribuição de bens eclesiásticos, leis para regulamentar o casamento civil e o divórcio, tolerância política para religiões não católicas e educação escolar estatal e compulsória para crianças, pautas que se tornaram marca distintiva do liberalismo continental europeu no século XIX.


A Igreja começou a reagir com determinação durante o pontificado de Clemente XII (1730-1740), o primeiro Papa a condenar a Maçonaria (com a constituição In Eminenti, de 1738). (A título de comparação: a Grande Loja de Londres, símbolo mais notável da organização, foi fundada em 1717, e o primeiro Grão-Mestre Provincial na América do Norte foi nomeado em 1730.) As condenações se repetiram, com severidade crescente e com apelos para que as autoridades civis tomassem medidas concretas, pelos Papas Bento XIV em 1751, Pio VII em 1821, Leão XII em 1825, Pio VIII em 1829, Gregório XVI em 1832 e o Beato Pio IX em diversos documentos (da encíclica Qui pluribus em 1846 à Etsi multa em 1873). 


As objeções papais à Maçonaria podem ser reduzidas a quatro pontos: 


comprometimento com um naturalismo filosófico que resulta inevitavelmente em indiferentismo religioso; 

natureza secreta, que encobre projetos malignos; 

demanda por juramentos de absoluta fidelidade, ainda quando tais juramentos não se possam justificar moralmente; 

o perigo à segurança e à tranquilidade da ordem civil que a existência de sociedades secretas representa.

Das encíclicas papais consagradas ao tema, a mais longa e influente é a Humanum Genus, de Leão XIII (1884). Depois de recordar aos leitores o veredito imutável da Igreja, Leão XIII apresenta um resumo e uma crítica dos princípios filosófico-religiosos e das atividades revolucionárias da sociedade: 


Seu propósito último força-a a se tornar visível — especificamente, a completa derrubada de toda a ordem religiosa e política do mundo que o ensinamento cristão produziu, e a substituição por um novo estado de coisas de acordo com as suas ideias, segundo as quais as instituições e leis hão de fundar-se no mero naturalismo (§ 10). 

 

Como a “doutrina fundamental” desse sistema “é que a natureza humana e a razão humana deveriam ser, em todas as coisas, senhora e guia” (§ 12), “esforçam-se para alcançar este resultado — especificamente, que o ofício de ensinar e a autoridade da Igreja tornem-se sem valor no estado civil” — e “imaginam que os Estados devem ser constituídos sem qualquer consideração pelas leis e preceitos da Igreja” (§ 13). Também afirmam que “o poder é exercido por ordem ou permissão do povo”, de modo que “a fonte de todos os direitos e deveres civis está ou na multidão ou na autoridade governante quando esta é constituída conforme as últimas doutrinas” [isto é, as doutrinas iluministas] (§ 22). 


Leão XIII identifica uma série de doutrinas ou tendências características do pensamento maçônico: 


um humanismo que aspira à irmandade universal desvinculada da obediência a Cristo e à Igreja; 

um pelagianismo moral que nega o pecado de origem e situa a fonte da virtude e da felicidade sobretudo na autonomia da vontade humana; 

um deísmo que aceita a existência de Deus, concebido porém como arquiteto da natureza, com o que rejeita a Revelação, os milagres e a divindade de Cristo; 

um indiferentismo graças ao qual todas as religiões são consideradas de igual valor ou linguagens simbólicas análogas para expressar as coisas divinas. 

Essas opiniões são condenadas inequivocamente pelo Papa como contrárias à fé católica e, não raro, à razão mesma (§ 24) [vi].


Embora promulgada há mais de um século, a Encíclica Humanum Genus não perdeu relevância. Alguém poderia mencionar, por exemplo, sua penetrante análise das consequências dos princípios maçônicos. O que foi predito pelo Papa confirmou-se em todo o mundo ocidental justamente pelas razões por ele apontadas. A crítica é acompanhada pela contraproposta de encontrar no Evangelho o poder libertador da humanidade, procurado embalde nas ideologias. O Papa dá ao lema da Revolução Francesa, autêntico lema da Maçonaria, um sentido cristão:


A liberdade, nós queremos dizer, de filhos de Deus, através da qual podemos ser livres da escravidão a Satanás ou a nossas paixões, os dois mais perversos mestres; a fraternidade, cuja origem está em Deus, o Criador comum e Pai de todos; a igualdade, que, fundada na justiça e na caridade, não anula todas as diferenças entre os homens, mas, a partir das variedades da vida, dos deveres e das ocupações, dá forma àquela união e àquela harmonia que tende naturalmente ao benefício e à dignidade da sociedade (§ 34). 

 


Embora Humanum Genus tenha sido a mais importante, não foi a única manifestação de Leão XIII sobre a Maçonaria, censurada por ele em documentos de 1882, 1890, 1894 e 1902.


No século XX, foram escassos os pronunciamentos específicos contra a Maçonaria, não porque a Igreja tenha mudado de posição, mas porque já não fazia falta nenhum esclarecimento mais depois de Leão XIII. De Clemente XII a Leão XIII, uma única e gravíssima pena foi designada a qualquer católico que se associasse a uma loja: excomunhão latæ sententiæ [isto é, automática]. O Código de Direito Canônico promulgado por Bento XV em 1917 repetiu expressamente este alerta.


Após o Concílio Vaticano II, sugeriu-se a iminência de uma era de reconciliação entre católicos e maçons. A ideia foi levada a sério por bispos alemães que, entre 1974 e 1980, deram início ao diálogo com representantes de lojas maçônicas alemãs. O resultado da consulta foi o que já se previa: “Filiar-se simultaneamente à Igreja Católica e à Maçonaria é impossível” (Amtsblatt der Erbistums Köln, jun. 1980) [vii]. 


Quando o novo Código de Direito Canônico foi promulgado em 1983, houve quem interpretasse o silêncio [da lei] com respeito à Maçonaria como uma atenuação discreta das proibições da Igreja. Para afastar essa falsa interpretação, no mesmo ano a Congregação para a Doutrina da Fé, com aprovação de João Paulo II, publicou uma Declaração em que se afirma: 


Permanece imutável o parecer negativo da Igreja a respeito das associações maçônicas, pois os seus princípios foram sempre considerados inconciliáveis com a doutrina da Igreja e por isso permanece proibida a inscrição nelas. Os fiéis que pertencem às associações maçônicas estão em estado de pecado grave e não podem aproximar-se da Sagrada Comunhão. 

 

Dom Athanasius Schneider prestou outro notável serviço à Igreja ao pôr o tema em evidência em The True Face of Freemasonry [“A Verdadeira Face da Maçonaria”], palestra ministrada em 2017, tricentenário de fundação da Maçonaria moderna em Londres.


Não deveríamos nos iludir e pensar que a Igreja Católica é a única que tem suspeitas em relação à Loja. Deixemos de lado as condenações da Maçonaria por protestantes e cristãos ortodoxos orientais [viii]: monarcas e estadistas dos últimos dois séculos deram muita atenção às chamadas sociedades secretas, pois à primeira vista elas eram suspeitas de apoiar opiniões ou promover projetos de subversão da ordem estabelecida, operando muitas vezes como centros nevrálgicos de intrigas em escala global. As suspeitas confirmaram-se mais de uma vez.


Longe de ser uma vã conjectura, o envolvimento de maçons em empreendimentos revolucionários (particularmente anticlericais) desde o Iluminismo até o século XX pode contar-se entre os fatos fundamentais da história moderna, embora evidentemente não possamos supor que as lojas de cada país estivessem igualmente envolvidas em maquinações políticas (as lojas do Grande Oriente na Europa continental e na América Latina, consideradas “heréticas” pelos maçons ortodoxos de língua inglesa, têm o maior número de membros anticlericais e revolucionários), nem que os membros de graus inferiores soubessem do que faziam os superiores ou por que o faziam. É provável que maioria dos maçons só tenha um interesse superficial na doutrina religiosa e política da Loja. Dada a disciplina de sigilo que tem prevalecido entre os maçons por séculos, muitas linhas históricas de causalidade permanecem obscuras, na melhor das hipóteses, e impossíveis de conhecer, na pior delas.


Contudo, levando-se em conta o que sabemos, não há nenhuma razão para duvidar que os maçons colaboram de forma intencional ou involuntária com o enganador, o pai da mentira, o acusador, o “portador da luz” [Lúcifer]. Um Papa semelhante a Leão XIII será no futuro, mais uma vez, o antagonista implacável deles, e Estados futuros, reformulados sob inspiração cristã, buscarão devidamente a supressão da Maçonaria.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


William J. Whalen, Christianity and American Freemasonry, 3rd. rev. ed. (San Francisco: Ignatius Press, 1998), 169–86 et passim.

Ibid., 15.

Hermann Gruber, “Freemasonry”. In: The Catholic Encyclopedia (New York: Appleton, 1910).

David Stevenson, The Origins of Freemasonry. Scotland’s Century, 1590–1710 (Cambridge: Cambridge University Press, 1988), 6.

Cf. Whalen, op. cit., 136–49.

Cf. “Freemasonry and Allied Societies”. In: E. Cahill, The Framework of a Christian State [1932] (Harrison, NY: Roman Catholic Books / Catholic Media Apostolate, n.d.), 221–41.

Citado em Whalen, op. cit., 144. A obra de Whalen é o melhor livro em inglês sobre a mútua exclusão entre os princípios defendidos pela Maçonaria e os defendidos pela Igreja Católica (N.A.). Embora desatualizada, uma das obras mais bem documentadas sobre a atuação da Maçonaria no Brasil ainda é A maçonaria no Brasil, do Frei Boaventura Kloppenburg (N.T.).

Cf. Whalen, op. cit., 150–68.


Notas


O adepto da Sagrada Tradição Cristã não deve se iludir com a aparente “beleza” do discurso maçônico. Apesar de defender ideais aparentemente “nobres” e “justos”, o grande objetivo da Maçonaria Especulativa pós-século 16 sempre foi se opor à Tradição Apostólica Cristã, oferecendo resistência à Santa Doutrina Católica.


A Maçonaria Especulativa (ou “simbólica”) é a versão iluminista da Maçonaria Medieval, que funcionava como uma corporação de ofício. Na prática, a Maçonaria Especulativa que existe atualmente é uma Instituição esotérica recheada de ideais iluministas, tendo a satisfação do Ego de seus membros como o grande objetivo de seus trabalhos.

O que é a Sagrada Tradição?

Societas Hermetica Salomonica

O conceito de “Tradição” é parte integrante da espiritualidade do Ocidente,  e constitui-se em elemento primordial a todos aqueles que desejam se aprofundar no raciocínio filosófico ocidental. Todavia, também é inegável que esse conceito tem sido usado de maneira deturpada na sociedade moderna, sendo associado a ideais políticos e filosóficos que lhe são completamente alheios.


Segundo Aquino (2013), a Tradição é parte integrante do homem ocidental, e influencia não apenas sua vida espiritual mas também todas as demais facetas de sua existência. Para o doutor angélico a Tradição não depende do tempo, e por isso é chamada também de “Filosofia Perene“; assim, sob a ótica Cristã, a Tradição é sagrada, e sua transmissão  remonta aos tempos dos primeiros apóstolos de Cristo, que se encarregaram de manter os valores Cristãos resguardando-os de deturpações e os divulgando às gerações seguintes, não apenas de maneira escrita (através dos escritos bíblicos), mas essencialmente de maneira oral (através do magistério da Igreja Católica).


Quando falamos de “Sagrada Tradição”, não estamos nos referindo apenas a ideias políticas ou filosóficas; trata-se na verdade de algo mais amplo: a Sagrada Tradição Cristã é a base Moral em que a espiritualidade do Ocidente se sustenta, e sobre a qual o homem ocidental orienta suas ações. Nesse sentido, a Tradição Cristã é algo vivo, dinâmico e presente (e não algo atrelado apenas ao passado); é o conjunto das “verdades reveladas de Cristo, que são imutáveis” (GAUDRON, 2011, p.234).


Por ser algo perene (e transmitido de geração à geração), a Sagrada Tradição foi modulada ao longo da história humana, sendo divulgada inicialmente por Cristo em pessoa, através da divulgação de seus ensinamentos aos apóstolos. Isso faz da pessoa de Cristo, o verbo do Pai Eterno: a manifestação viva da mensagem de Deus-Pai aos Homens.


Antes da Sagrada Tradição ter se manifestado ao mundo, a mensagem divina foi divulgada de maneira antecipada a diversos povos pré-Cristãos, absorvendo posteriormente elementos dessas tradições não-Cristãs e as interpretando sob a ótica da doutrina de Cristo. Assim, a Sagrada Tradição Cristã absorveu também elementos das tradições pagã, egípcia, greco-romana e judaica.  


No caso do Judaísmo, a Santa Doutrina Cristã tem aspectos morais em comum com essa tradição não-Cristã (em virtude do povo judeu ter sido o escolhido para receber Cristo na Terra). Porém, a rejeição judaica à mensagem divina apresentada por Cristo, fez que com a Sagrada Tradição Cristã guardasse diferenças cruciais em relação à espiritualidade pré-Cristã manifestada pelos judeus, acarretando numa individualização egoísta do povo judeu e de sua espiritualidade (MULLER, 2014).


Diante do que foi exposto até agora, o que conhecemos atualmente como “Tradição Espiritual Ocidental” é pura e simplesmente a manifestação e transmissão da Sagrada Tradição Cristã, acrescida dos elementos pré-Cristãos manifestados nas tradições pagã, egípcia, greco-romana e judaica. Essas tradições precederam a Verdade revelada (Cristo), mas foram usadas por Deus Todo-Poderoso como ferramentas para dar vislumbres aos Homens da mensagem maior que ele enviaria ao mundo através da pessoa de Cristo.


Tradição vs Tradicionalismo

O estudante que deseja se aprofundar no estudo da espiritualidade ocidental precisa diferenciar bem o conceito de “Sagrada Tradição”, do movimento “tradicionalista” que se apoderou desse conceito e muitas vezes o deturpou.


A Sagrada Tradição Cristã é a base da Moral ocidental, e é representada essencialmente pelo Catolicismo (RIFFARD, 1990). É através dessa filosofia perene (transmitida ao Homem ocidental por séculos), que a espiritualidade do Ocidente sustenta toda sua Ética e organiza a busca do ser humano pelo sagrado.


Já o “Tradicionalismo” é um movimento filosófico recente (pós-século 19), que defende o resgate de valores tradicionais na vida ocidental através de uma crítica à modernidade e a seus ideais. O movimento tradicionalista sustenta grande parte de seu discurso nas ideias do filósofo francês René Guénon, e na corrente filosófica fundada por ele (o chamado “perenialismo guenoniano”).


Apesar das críticas guenonianas à modernidade terem certa coerência, não se deve confundir o estudo da Sagrada Tradição Cristã com a filosofia defendida pelo perenialismo guenoniano: o movimento tradicionalista de René Guénon defende um indiferentismo religioso influenciado em grande parte, pelo relativismo espiritual divulgado anos antes por Helena Blavatsky e sua “Teosofia” (que era em si mesma, essencialmente anti-Cristã).


O perenialismo guenoniano defende a ideia absolutamente equivocada (e esotérica!) de que a Tradição se manifesta em diversas religiões ao mesmo tempo, e que as religiões consideradas “tradicionais” seriam “equivalentes entre si”, possuindo “pesos espirituais iguais”, uma vez que possuiriam também uma mesma “base espiritual comum”. Por esse motivo, para Guénon, o verdadeiro buscador deveria estudar a fundo todas as religiões que o tradicionalismo guenoniano considerasse tradicionais (Cristianismo, Judaísmo, Islamismo, Budismo e Hinduísmo), já que essas religiões guardariam “aspectos comuns da Tradição”…e quem não aceitasse fazer esse estudo comparativo, estaria na agindo (na ótica de Guénon) de maneira “fanática” e “intolerante”.


Na prática, as ideias apresentadas por René Guénon a respeito de sua interpretação sobre o conceito de “Tradição” são completamente equivocadas, e se assemelham muito a falácias esotéricas. O conceito de “unidade das religiões” era uma ideia amplamente trabalhada nas Ordens Iniciáticas europeias durante o século 19, sendo amplamente defendido por Helena Blavatsky (uma dos pilares do Esoterismo Moderno) em suas críticas ao Catolicismo.


A filosofia perene trabalhada no Ocidente sustenta seus ensinamentos na Moral Cristã, acrescidos de interpretações Cristãs de elementos oriundos de outras tradições não-Cristãs ocidentais, como a tradição pagã, a tradição egípcia, a tradição greco-romana e a tradição judaica.


Diferente do que os tradicionalistas guenonianos defendem, a Tradição “não é a mesma”, e não se manifestou simultaneamente em vários povos. O que ocorreu ao longo da história Humana, é que Deus Todo-Poderoso usou as diversas tradições não-Cristãs para dar vislumbres à humanidade da mensagem que seria enviada ao mundo através da pessoa de Cristo. Esses vislumbres nem sempre foram aceitos pelos povos pré-Cristãos, como os judeus, que rejeitaram a mensagem de Cristo (TANQUEREY, 2018).


O maior erro do perenialismo guenoniano é tratar as diversas religiões ocidentais como “manifestações equivalentes” que podem ser vivenciadas de forma simultânea. Isso só deixa claro a indiferença religiosa que o tradicionalismo guenoniano alimenta em sua filosofia (fruto da influência que sofre da Teosofia de Blavatsky, apesar desta também ser criticada por Guénon), igualando as religiões ocidentais como se fossem fenômenos “semelhantes” ou passíveis de serem “igualados”.


Atualmente, o Tradicionalismo guenoniano vem sendo utilizado por grupos políticos extremistas que tem utilizado as ideias perenialistas de René Guénon para justificar comportamentos elitistas, exclusivistas e intolerantes. Alguns desses grupos sequer são formados por Católicos genuínos (apesar de se apresentarem publicamente como “católicos tradicionalistas”). Por conta disso, a Societas Hermetica Salomonica enfatiza aos buscadores a necessidade de saberem separar o estudo da Santa Tradição Cristã, das ideias de cunho político e filosófico que o movimento tradicionalista guenoniano impõe ao conceito de “filosofia perene”. A Sagrada Tradição não é algo relativo, elitista ou exclusivista: é algo disponível a todos os povos, divulgado a partir da vida e da obra de Cristo, e que encontra no Catolicismo o seu maior canal de divulgação no Ocidente (KREEFT, 2008).   


O que significa ser tradicionalista?


Nos últimos tempos, o termo “tradicionalista” parece ter ganho cada vez mais importância entre os buscadores: é cada vez mais comum encontrarmos relatos espirituais de praticantes que se dizem “tradicionalistas” ou “guardiões da tradição ocidental”, sem que pareçam sequer entender o que realmente significa o termo “Tradição”.


Falando especificamente do contexto brasileiro, vivemos uma onda de conservadorismo que vem se manifestando de forma intensa desde meados de 2016. Esse neo-conservadorismo nacional tem misturado elementos políticos e históricos através de uma espiritualidade que aparenta ser tradicionalista (mas que em sua essência não é), com forte apelo moralista e uma abordagem com ares cristãos (quase sempre de origem protestante).


A onda conservadora que se manifesta no Brasil atualmente não é exclusividade de nosso país: o cenário esotérico americano (tido como um dos maiores do mundo) também não difere muito do discurso neo-conservador brasileiro. E não são poucos os casos de autores  americanos que se apresentam publicamente como tradicionalistas ou adeptos de correntes espirituais “alinhadas à Tradição”, ao mesmo tempo em que misturam elementos de diversas filosofias (forçando um sincretismo espiritual absolutamente sem critérios), enquanto agem de forma arrogante e presunçosa perante o público.


Diante de todo esse cenário que descrevemos, fica-nos claro que o termo “tradicionalista” vem sendo usado de maneira deturpada e sem critérios, tanto no contexto brasileiro quanto no cenário americano. Dessa forma, o objetivo deste ensaio é apresentar a você leitor, uma interpretação sobre o tradicionalismo diferente do que você provavelmente tem lido no Brasil ou em fontes do exterior até este momento. Para isso, iremos analisar o que significa ser alguém tradicionalista, usando a chamada “análise negativa” (muito utilizada na Teologia Apofática): um método de estudo teológico cristão que analisa conceitos e definições não a partir do que esses conceitos representam (afirmações sobre o que são), mas a partir do que esses conceitos definitivamente não podem significar (através de negações). Assim, o objetivo da análise negativa é descrever fenômenos e conceitos através do uso da lógica, partindo-se do que esses conceitos não podem significar através do uso da razão (MONDIN, 1997).


Esperamos que este texto possa mostrar a você leitor, que nem tudo que se diz tradicional é realmente alinhado à Tradição Espiritual do Ocidente, e que nem todos aqueles que se auto intitulam tradicionalistas realmente agem de maneira tradicional. Assim, ficará mais fácil a você  se proteger de discursos pseudo-tradicionalistas, evitando se iludir com instituições ou personalidades aparentemente tradicionais, que na verdade manifestam em suas ações posturas e elementos completamente alheios ao conceito de “Tradição” utilizado no Ocidente.


1. Porque nem tudo que se diz “tradicional” é alinhado à Tradição


Analisar o que significa ser tradicionalista requer necessariamente analisar o que é a Tradição, e qual a importância desse conceito para a espiritualidade do homem ocidental.


Já explicamos aqui que o termo “Tradição” foi deturpado pela modernidade, transformando-se em sinônimo de algo “ultrapassado”, “obsoleto” ou mesmo “intolerante”. Esse discurso anti-tradicional ganhou corpo a partir da reforma protestante do século 16, que abriu precedentes históricos de contestação das religiões que formam a base do pilar judaico-cristão ocidental (Judaísmo e Catolicismo). Assim, foi a partir das ações de Lutero que as ideias do Iluminismo passaram a germinar, incentivando outras pessoas que também tinham um pensamento anti-tradicional a também se manifestarem, mesmo que ainda conservassem um discurso aparentemente moralista (MONDIN, 1982).


Não queremos aqui propor novamente um estudo histórico das influências perniciosas do Iluminismo sobre a espiritualidade do homem ocidental. O que nos interessa agora, é saber que o discurso neo-conservador que se manifesta atualmente no meio espiritual brasileiro (e até no meio espiritual americano), não é um discurso tradicionalista por um motivo muito simples: esse discurso é completamente alheio ao Judaico-Cristianismo, e contraria diretamente a Moral, a Filosofia e a Teologia judaico-cristãs.


No caso do cenário brasileiro, o neo-conservadorismo que presenciamos em nosso país tem ainda um grave fator a mais: trata-se de um discurso de base essencialmente protestante, manifestado por instituições pentecostais e neopentecostais presentes no Brasil, com grande enfoque em questões políticas e econômicas.


Todas essas constatações, por si só já deveriam ser mais que suficientes para demonstrar a você, leitor, que o neo-conservadorismo brasileiro é na verdade um movimento político e religioso de caráter protestante, alheio ao conceito de Tradição e que manifesta forte oposição ao Judaísmo e principalmente ao Catolicismo (Romano e Ortodoxo), que juntos formam o corpo moral e teológico do Judaico-Cristianismo.


Analisando-se o Protestantismo de maneira fria (enquanto movimento histórico e religioso), vemos que ele, por si só, nunca poderia ser considerado algo tradicional; longe disso: do alto de suas “95 teses reformistas”, Lutero sempre deixou claro sua intenção de se opor a qualquer conceito de Tradição, considerada por ele como uma invenção humana (NAVARRO, 2017). Para Lutero, o conceito de Tradição não merece respeito, pois tal conceito (em sua interpretação “reformista”) questionaria a glória de Deus.


Aparentemente, temos aqui uma supervalorização da divindade (o que seria algo louvável do ponto de vista teológico); porém, Lutero não tinha intenções tão nobres assim ao questionar o conceito de Tradição: na verdade, o que o monge alemão pretendia era unicamente questionar a unidade mundial do Cristianismo e dar margem a seus próprios instintos liberais, contrariando diretamente a noção de sucessão apostólica trabalhada dentro da doutrina cristã desde o século 1. Dessa forma, o raciocínio luterano propôs um Cristianismo simplificado através de uma teologia pobre e utilitária, que omitia tudo aquilo que fosse considerado por Lutero como “tradicional” (já que ele classificava esse conceito – de forma correta – como uma característica católica). Diante disso, o Protestantismo abriu mão de discutir questões metafísicas e sobrenaturais, concentrando sua atenção unicamente em assuntos concretos e palpáveis ao Homem, criando assim um pensamento pré-materialista, que se diferenciava dos materialismos posteriores (séculos 17 e 18) unicamente por ter um pano de fundo religioso. Isso aboliu o uso da razão e da filosofia no cenário protestante, já que a metafísica representaria um estudo “inútil”; assim:


A sua profunda desconfiança (protestante) na capacidade da razão para alcançar a verdade nas questões mais importantes, exerceu papel decisivo na evolução da filosofia moderna: contribuiu para fazê-la redimensionar as pretensões metafísicas da razão, levando-a a desembocar na posição kantiana de redução da área da razão ao campo dos fenômenos (MONDIM, 1982, p. 42. Grifo nosso).


Queremos aqui fazer um pequeno desafio a você, caro leitor: tente conversar com algum conhecido seu que seja protestante (evangélico pentecostal ou neopentecostal, luterano, ou de qualquer outra “denominação”). Tente perceber nesse seu amigo, algo de “tradicional” além de seu discurso conservador para questões morais. Mais que isso: pergunte a seu conhecido protestante o que ele acha do conceito de “Tradição”: provavelmente você perceberá que o moralismo de seu conhecido terá limites, e que apesar dele parecer ser “rígido” para assuntos do dia-dia, irá se mostrar muito “progressista” e “aberto” para questões que não envolvam diretamente convicções morais ou hábitos culturais. Assim, não será difícil para você enxergar seu conhecido protestante como alguém “moderno”, “pra frente”, “antenado” ou ávido por “novidades” (especialmente quando a conversa de vocês cair em temas como “Dinheiro” e “Religião”). É bem provável que seu conhecido protestante diga a você que o conceito de Tradição Ocidental “não existe” (ou mesmo que existe, mas que sua importância é “menor”, ou uma mera “formalidade acadêmica”); ou ainda poderá lhe afirmar que a Tradição simplesmente “é invenção dos homens”…


O motivo dos protestantes serem conservadores para algumas questões e “abertos” para outras pode parecer algo contraditório (e é!), mas não representa (do ponto de vista filosófico) nenhum mistério. Essa contradição protestante pode ser facilmente explicada através do uso da razão (tão desprezada por Lutero): o Protestantismo é um ferrenho defensor do Liberalismo, princípio filosófico que defende o pressuposto de que o Homem tem que ser livre para agir como quiser diante de qualquer assunto (inclusive na forma como interpreta Deus!). O Liberalismo protestante defende duas premissas básicas:


1º) O ser humano é imperfeito por conta do pecado original; por isso, nada que faça, materialmente ou espiritualmente (orações, ascese, purificações, etc.) poderá garantir sua salvação. Assim, rezar é algo quase inútil ao protestante (motivo pelo qual você dificilmente o verá orando fora dos cultos), já que somente a graça divina pode salvar o Homem;


e


2º) O ser humano não pode ser punido por nada que faça (nem mesmo pelos seus próprios erros!), exceto por Deus, que é Todo-Poderoso (e portanto, o Único a ter autoridade para punir o Homem).


Essa “defesa liberal” que os protestantes fazem às ações do ser humano, é estratégica: para Lutero, era conveniente defender sua própria liberdade de questionar o pilar judaico-cristão da Tradição Ocidental, propondo assim uma descentralização do Cristianismo e seu posterior enfraquecimento, ao mesmo tempo em que também usava um discurso intolerante e negacionista, rejeitando o livre-arbítrio do ser humano (quando isso era conveniente a seus propósitos) e naturalizando os erros do Homem a tal ponto, que somente sua fé (e não suas ações a partir dos preceitos da Tradição) seria suficiente para garantir sua salvação (NAVARRO, 2017).


Ao leitor, deixamos uma importante dica: não se iluda com o conservadorismo dos evangélicos brasileiros; tampouco tenha receio de se decepcionar com o Cristianismo por conta das atitudes tomadas pelos protestantes nacionais. O moralismo manifestado no discurso neo-conservador dos protestantes brasileiros não tem nada de “tradicional” (e muitas vezes, nem mesmo de “cristão”): trata-se pura e simplesmente de um discurso liberal, com forte viés econômico (outro grande interesse do Protestantismo, que é o “pai” do capitalismo moderno), e que busca pura e simplesmente defender interesses financeiros e religiosos de um grupo em expansão no país. Obviamente, esses interesses protestantes ficam camuflados em meio a um discurso de conservadorismo social e moralismo cristão, que muitas vezes se chocam diretamente aos preceitos teológicos e filosóficos da própria Tradição judaico-cristã ocidental.


Fenômeno curioso ocorre também com muitos adeptos do meio esotérico brasileiro, que atualmente se apresentam como exímios “tradicionalistas” em suas área de atuação. Muitos desses “neo-tradicionalistas” do esoterismo nacional, inclusive, possuem ampla experiência no campo do Esoterismo Moderno (através de passagens por Ordens Iniciáticas e filosofias espiritualistas pós-século 18), manifestando claro apreço por ideais iluministas em seus discursos. Assim, é comum vermos mestres  “neo-tradicionalistas” do esoterismo brasileiro ofertando cursos de Goetia Salomônica, magia Enochiana ou Astrologia Tradicional, ao mesmo tempo em que defendem ideias liberais e relativistas em suas aulas! (caindo em ampla contradição).


No caso do mercado esotérico americano , a situação também não é das melhores (apesar de lá, o mercado editorial ser bem mais intenso que no Brasil):  é comum percebermos no meio espiritualista dos EUA, autores que se apresentam como “neo-tradicionalistas” e que na verdade misturam aspectos de diversas correntes filosóficas e espirituais sem aparentemente terem nenhum propósito nesse sincretismo. Há ainda aqueles “neo-tradicionalistas” que lançam livros e coletâneas textuais como forma de atrair a si algum argumento de autoridade (ainda que acadêmica); e por último (mas não menos comum), há os “neo-tradicionalistas” que oferecem cursos de formação  em diversas áreas, mas que em sua própria vida pessoal manifestam opções religiosas e espirituais que contradizem diretamente os valores do próprio tradicionalismo que dizem seguir…


A essa altura, você leitor pode estar se perguntando: se a situação do cenário espiritual brasileiro e estrangeiro está tão confusa, o que significa realmente ser alguém “tradicionalista”? Quando podemos concluir que alguém é realmente um adepto da Tradição Espiritual Ocidental?


2. O que (não) é ser tradicionalista


Responder a essa pergunta não é algo simples. Para tanto, iremos recorrer ao método de “análise negativa” (Apofática), que consiste basicamente em se analisar um conceito não através do que ele significa, mas através do que ele não pode significar (usando-se a razão como critério lógico de análise). Essa análise será feita a partir de afirmações específicas que negam o tradicionalismo a partir da interpretação que comumente tem sido dada a ele no Brasil e nos EUA. Esperamos com isso, colaborar com o leitor para chegarmos a conclusão de que nem tudo (ou todos) que se dizem “tradicionalistas”, estão realmente alinhados à algum aspecto da Tradição Espiritual Ocidental.


1º Ponto: Ser tradicionalista não é ser elitista


O primeiro ponto a considerarmos é que ser adepto da Tradição Espiritual Ocidental não é ser membro de um “clube exclusivo de praticantes”: esse tipo de raciocínio é comum nas Ordens Iniciáticas do Esoterismo Moderno (como a maçonaria), que a partir do século 18 usaram (de forma presunçosa) o discurso de que o “verdadeiro conhecimento” só estaria disponível a quem fosse membro de alguma instituição iniciática moderna.


Esse tipo de exclusivismo é intensamente presente no meio esotérico americano, repleto de “igrejas iniciáticas” (quase sempre de caráter gnóstico), e de autores “tradicionalistas” que lançam livros e cursos anualmente (valendo-se do amplo mercado editorial dos EUA), e que transformam a espiritualidade num verdadeiro mercado onde cada estudante é disputado como clientela valiosa (e a própria espiritualidade é tratada como um produto a ser oferecido aos “clientes” certos).


É importante deixar claro que o significado do termo “tradicionalismo” é amplo: alguém pode apresentar-se como tradicionalista apenas sob um viés político; ou mesmo pode se classificar como um tradicionalista apenas sob um viés econômico (como os protestantes o fazem). Porém, independente do espectro que cada um desses supostos “tradicionalistas” defenda, ser um adepto da Tradição Espiritual Ocidental é ser um buscador como qualquer outro.


Ainda que o objeto de sua busca (a Tradição) seja infinitamente mais consistente que a espiritualidade moderna (superficial e iluminista), isso não faz de você alguém “melhor” que o próximo. Longe disso: infelizmente, há muitos “tradicionalistas” que agem de forma presunçosa, soberba e anti-ética; e o estudo da Tradição não fez deles pessoas melhores. Assim, o fato de estudar a Tradição Ocidental e suas culturas não torna alguém “melhor” ou “mais tradicional” que outra pessoa; ao contrário: aí é que se torna necessário compartilhar o conhecimento adquirido, pois “ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, se não tiver caridade, sou como o bronze que soa, ou como o címbalo que retine” (1 COR, 13, 1).


2º Ponto: Ser tradicionalista não é ser apegado ao passado


O buscador tradicionalista tem um respeito considerável pelo conceito de Tradição e por tudo que ela representa à espiritualidade do homem ocidental. Isso faz com que todo adepto autêntico da Tradição Espiritual Ocidental (especialmente aqueles que trabalham com o Judaico-Cristianismo), recorram ao estudo de autores e obras clássicas como forma de obter acesso a conhecimentos ignorados pela espiritualidade moderna.


Todavia, o respeito ao passado não pode prender o tradicionalista a aspectos vivenciados em outros momentos da história humana. Dentro da própria Teologia Católica, o ex-papa (emérito) Bento XVI, afirmou em declaração pública, que a Tradição se manifesta como “atualização permanente, na Força do Espírito, e da comunhão eclesial original” (BENTO XVI, ORLF nº 18, 02/05/2006, p.12, Grifo nosso). Assim, pelas palavras do ex-sumo pontífice, percebemos que a Tradição é algo vivo e em constante transmissão.


Vivemos em um período pós-moderno, onde as próprias inovações da modernidade já estão sendo superadas por visões de mundo ainda mais materialistas e desumanas, e por filosofias espúrias que transformam o ser humano numa simples máquina reprodutora de vícios sociais. Dessa forma, o estudo da Tradição Espiritual Ocidental torna-se essencial não como um objetivo em si mesmo, mas como uma arma a ser usada pelo adepto contra os valores iluministas que insistem em se perpetuar na sociedade contemporânea. Por isso, os tradicionalistas autênticos compreendem que a efetividade de seu trabalho junto à Tradição Ocidental só se efetiva mediante uma aplicação útil dos ideais estudados à sociedade em que vive. Não basta estudar a Tradição: é preciso aplicá-la em nossa vida prática (caso contrário, ela torna-se um mero intelectualismo histórico e acadêmico). E prender-se a todas as características do passado não facilita a transmissão da Tradição a outros possíveis buscadores.


3º Ponto: Um tradicionalista não se apresenta publicamente como tal


Outra falha conceitual dos ditos neo-tradicionalistas é a aparente necessidade que tem de apresentarem-se publicamente (e a todo momento!) como “defensores da tradição”. Por isso, caro leitor, duvide essencialmente de alguém que tem um histórico galgado na espiritualidade moderna, mas se apresenta a você como um “guardião dos valores tradicionais”.


Não estamos com isso dizendo que ser tradicionalista é algo inato (que “vem de berço”), ou que certas pessoas simplesmente são tradicionais e outras nunca serão: isso seria recair no mesmo erro de nosso 1º Ponto de análise (defender uma elitização do conceito de tradicionalismo).


Pessoalmente, conheço muitos estudantes do esoterismo contemporâneo que mostraram interesse em se aprofundar na espiritualidade tradicional ocidental, se aproximaram da Tradição e chegaram à conclusão de que a espiritualidade moderna é superficial e falaciosa (abandonando assim, inclusive, seu contato com Ordens Iniciáticas modernas). Logo, chegamos à conclusão de que é possível sim tornar-se um tradicionalista (do ponto de vista espiritual), mesmo que o contato com o conceito de Tradição tenha sido feito de forma tardia.


A grande questão aqui é que “nem tudo que reluz é ouro”: esta máxima se aplica de forma digna aos inúmeros “mestres” do meio esotérico brasileiro, que se dizem ferrenhos “tradicionalistas”, mas que possuíram (e as vezes ainda possuem!) experiências com o Esoterismo Moderno, através de Ordens Iniciáticas ou sistemas filosóficos pós-século 18. Isso, por si só, já representa uma contradição explícita no discurso de alguém que afirma defender uma coisa mas que compactua também com valores que contradizem diretamente o primeiro objeto de sua defesa. E como disse Cristo, em seu sermão da montanha: “Ninguém pode servir a dois senhores, porque ou odiará a um e amará o outro, ou se dedicará a um e desprezará o outro” (MAT, 6, 24). Nesse caso, muitos “neo-tradicionalistas” brasileiros tentam a todo custo servir conscientemente “a dois senhores”, que nitidamente não compactuam entre si…


Uma pessoa tradicionalista simplesmente age de forma tradicional sem precisar recorrer a marketing pessoal em torno de suas ações. É comum que um tradicionalista não aja de forma tradicional apenas em seus estudos espirituais: ele tem também convicções tradicionais em outros campos de sua vida (política, economia, cultura, etc.).


Assim, uma pessoa tradicionalista não precisa anunciar a ninguém que o é; e mesmo assim você ainda o reconhecerá como tal. Isso praticamente exclui desse rol de possibilidades os protestantes, que apesar de parecerem ser tradicionalistas (usando uma roupagem moralista em seus discursos), são na verdade adeptos do Liberalismo, com discurso claramente iluminista.


Para não parecer injusto ou parcial, essa recomendação vale também para minha própria pessoa: por mais tradicionalista que eu possa parecer (e realmente sou), não acreditem em minha palavra simplesmente porque estou lhes dizendo isso neste artigo. Antes disso: investiguem meu histórico; entrem em contato com minha pessoa, e analisem minhas posturas, antes de concluir se minhas palavras podem ou não ser consideradas de alguém tradicionalista.


A Tradição está acima de vaidades humanas ou de interesses individuais: ela não perde sua essência, apesar de tomar roupagens diferenciadas em cada cultura e civilização. Assim, “[…] ainda que alguém – nós ou um anjo baixado do céu – vos anunciasse um evangelho diferente do que vos temos anunciado, que ele seja anátema” (GAL, 1, 8). Não acreditem em discursos tradicionalistas apenas porque alguém os proferiu: antes disso, “as ações falam mais que mil palavras”.


4º Ponto: Ser moralista nem sempre é sinônimo de ser tradicionalista


Aqui, grande parte dos neo-conservadores brasileiros perde sua aura de tradicionalismo (se é que realmente querem ser considerados tradicionalistas).


Conforme já conversamos ao longo deste artigo, ser moralista não é sinônimo de ser tradicionalista. Antes que perguntem: sim; um tradicionalista é, em muitos aspectos de sua vida, alguém moralista; mas nem todo moralista é necessariamente um adepto da Tradição Espiritual Ocidental. E os protestantes são exemplos claros disso, uma vez que se opõem a uma das bases da Tradição no Ocidente (o Catolicismo), manifestando total aversão ao conceito de Tradição e a tudo que seja considerado tradicional.


A Ética defendida pelos tradicionalistas segue os preceitos da Moral judaico-cristã presente nos ensinamentos do Judaísmo e do Cristianismo (em seus 15 primeiros séculos de existência). Já segundo Dawson (2014), o moralismo presente no protestantismo é a mesma Moral judaico-cristã, alterada por uma simplificação tendenciosa de natureza liberal: Lutero e os demais “reformadores” estrategicamente se apresentavam como cristãos, mas só seguiam a Moral judaico-cristã naquilo que lhes era conveniente. Assim, “a força de Lutero sempre repousa no subjetivismo: a afirmação dos direitos de consciência, a certeza da fé individual, e o direito de cada homem interpretar as Escrituras por si mesmo” (DAWSON, 2014, p. 115).


O conservadorismo que vemos atualmente no Brasil em nada tem a ver com o tradicionalismo (ainda que muitos neo-conservadores se apresentem estrategicamente como “tradicionalistas”). Ainda assim, a hipocrisia é uma marca registrada desse conservadorismo, que parece se guiar pela máxima do “faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço”.


Ao leitor, deixo uma última dica: não avalie o grau de tradicionalismo de uma pessoa (se é que isso tem alguma importância no caráter de alguém) pelo seu nível de conservadorismo, mas acima de tudo pelas suas atitudes, convicções pessoais e por seu respeito ao conceito de Tradição. Se alguém é adepto (ou se já tiver sido) de religiões ou filosofias que contrariem os princípios da Tradição, e se acima de tudo ainda se identificar com os ideais dessas correntes por onde passou, essa pessoa provavelmente não será alguém tradicionalista (e nem se enxergará como um tradicionalista). Essa dica vale também para quaisquer instituições iniciáticas ou filosóficas que se apresentem como “tradicionais”.


Considerações Finais


Não se iluda com aparências, caro leitor. A roupagem não faz de uma pessoa alguém necessariamente tradicionalista. E ainda que o seja, o fato de alguém se dizer tradicionalista (ou se apresentar como tal) não é suficiente, por si só, para se dar confiabilidade a seu caráter.


“De boas intenções, o inferno está cheio”.  Infelizmente é a partir desse pressuposto que devemos analisar a polêmica em torno do “ser” ou “não ser” tradicionalista. Ser tradicionalista não faz alguém ser melhor que os demais, e nem mesmo uma boa pessoa: ultimamente o adjetivo “tradicionalista” tem se referido, no meio espiritual brasileiro (e até mesmo no meio estrangeiro) a pessoas moralistas, conservadoras, e que disfarçam um discurso liberal em meio a interesses particulares. Ou seja: a ênfase nesse neo-tradicionalismo parece ter se perdido em meio a um jogo de marketing onde o “parecer ser algo” é mais importante do que o que realmente se é…


Ao leitor do blog, deixo uma convite à reflexão: não confiem em aparências ou em discursos pré-fabricados de tradicionalismo. O estudo da Tradição Ocidental é importante, mas só é válido enquanto ferramenta espiritual, e não enquanto suporte de engrandecimento do ser humano ou ferramenta de estímulo à ideais fúteis, pois “Maldito o homem que confia em outro homem, que da carne faz o seu apoio e cujo coração vive distante do Senhor!” (JER, 17, 5).


REFERÊNCIAS


BENTO XVI, Papa. Vaticano: ORLF nº 18, 02/05/2006.

BÍBLIA SAGRADA. 1ª Carta de São Paulo aos Coríntios, Capítulo 13, Versículo 1.

______ . Carta de São Paulo aos Gálatas. Capítulo 1, Versículo 8.

______ . Livro do Profeta Jeremias. Capítulo 17, Versículo 5.

______ . Evangelho de São Mateus. Capítulo 6, Versículo 24.

MONDIN, Battista. Quem é Deus? São Paulo: Paulus, 1997.

______ . Curso de Filosofia – Volume 2. 6ed. São Paulo: Paulus, 1982.

DAWSON, Christopher. A Divisão da Cristandade. São Paulo: É realizações Editora, 2014.

GAUDRON, Mathias. Catecismo católico da crise na Igreja. Niterói-RJ: Permanência, 2011.


Notas 

O neo-tradicionalismo brasileiro tem uma base essencialmente protestante, usando um discurso liberal e conservador que lhe dão um ar “tradicional”, mas que na prática o afasta completamente da Tradição Espiritual Ocidental, já que o Protestantismo de Lutero nunca admitiu o conceito de Tradição (essencial ao homem ocidental).


O neo-conservadorismo brasileiro tem um espírito exclusivista e elitista, mas esconde diversas contradições filosóficas e teológicas que o afasta do pilar judaico-cristão da Tradição Ocidental.


Um verdadeiro tradicionalista não se apresenta publicamente como tal, pois a auto-afirmação como “tradicionalista” é uma estratégia de marketing muito comum no meio espiritual brasileiro.

O Rosacrucianismo é um movimento tradicional? Existe um Rosacrucianismo “clássico”?

 


O Rosacrucianismo é um movimento esotérico de base totalmente protestante. Na foto acima, vemos uma das árias comprovações da associação entre o movimento rosacruz e a reforma luterana: a semelhança entre o Brasão de Lutero e o selo Rosacruz é explícita.

O Rosacrucianismo é uma das principais correntes esotéricas da modernidade. O movimento rosacruz é parte integrante do Esoterismo Moderno, e as Ordens neo-rosacruzes são quase uma unanimidade aos buscadores que procuram instituições esotéricas que lhes pareçam “sérias” e “tradicionais” (mantendo um ar cristão). Nesse sentido, as Ordens rosacruzes parecem preencher esses quesitos de maneira satisfatória.

Todavia, apesar de aparentar ser uma corrente filosófica clássica, o Rosacrucianismo está longe de ser considerado um movimento espiritual alinhado à Sagrada Tradição: as bases do pensamento rosacruz são, na verdade, completamente alheias à ideia de Tradição, e rejeitam toda e qualquer vestígio da espiritualidade clássica ocidental (BETTENCOURT, 1958). Ainda assim, muitos estudantes sinceros de esoterismo da modernidade se deixam convencer pelo discurso rosacruciano de “autonomia do Homem”, “liberdade espiritual” e “revolução de pensamento”.

O objetivo deste artigo é mostrar ao leitor que, assim como outros movimentos espirituais contemporâneos (que se travestem de um ar “clássico” para arrogar a si  alguma autoridade histórica, sem ter bases de comprovação dessa autoridade), o Rosacrucianismo é na verdade uma corrente esotérica moderna, alinhada aos ideais da Reforma Protestante e do movimento renascentista do século 16.

Inicialmente, apresentaremos ao leitor um pequeno esboço histórico do movimento rosacruz, analisando seus pressupostos filosóficos como maneira de mostrar a você estudante da Sagrada Tradição, porque o Rosacrucianismo nunca poderia ser considerado algo tradicional. Para isso, recorreremos a autores como Churton (2009), Bettencourt (1958) e Guénon (2017).

Finalmente, faremos uma breve comparação entre o neo-Rosacrucianismo do século 19, e o Rosacrucianismo “clássico” do século 17, mostrando a você leitor que apesar de haver diferenças de abordagem da filosofia rosacruz entre esses dois movimentos, ambos continuam sendo correntes esotéricas anti-tradicionais e completamente afastados da Tradição Espiritual Ocidental.  

O teólogo luterano Johann Valentin Andreae é o verdadeiro nome por trás de todo movimento rosacruz “clássico” do século 17. Foi Andreae que produziu os manifestos rosacruzes, usando o movimento como ferramenta de divulgação da Reforma Protestante de Lutero.



Entendendo o movimento rosacruz
O Rosacrucianismo “clássico” foi um movimento de insurreição filosófica inicialmente divulgado na Alemanha e na Holanda, e que foi propagado em outros países europeus nos anos seguintes (Inglaterra, Áustria, Prússia, Hungria, e até na Rússia).

O primeiro “manifesto rosacruz” (a Fama Fraternitatis) é considerado pelos rosacruzes como uma espécie de “bíblia filosófica”, e divulga os pressupostos metafísicos e filosóficos do Rosacrucianismo “clássico”. A Fama Fraternitatis foi inicialmente divulgada no início do século 17, no ano de 1614. A partir desta informação, já temos uma constatação sugestiva a você leitor: o movimento rosacruz “clássico” teve início no mesmo país onde eclodiu a Reforma Protestante (Alemanha), aproximadamente 1 século após a divulgação das teses reformistas de Martinho Lutero (divulgadas em 1517). Seria isso uma coincidência histórica? Para o pesquisador Tobias Churton, não.

Segundo Churton (2009), as bases do pensamento rosacruz são completamente protestantes. Para o autor, a Fama Fraternitatis foi um produto direto da reforma luterana, que já estava em voga na Europa do século 17. Não por acaso a linguagem da Fama Fraternitatis é completamente antropocêntrica, centrada numa visão mágica do ser humano, com clara influência liberal e rejeitando noções teológicas e metafísicas sobre a Sagrada Tradição.

Esse pensamento liberal da Fama Fraternitatis fez o Rosacrucianismo “clássico” adotar uma postura essencialmente panteísta sobre a Criação: para o autor da Fama Fraternitatis, Cristo não podia ser interpretado pela ótica católica; ao contrário: devia ser interpretado por um viés mágico, esotérico, sempre o associando à interpretação pessoal de cada buscador. Assim:

Cristo não estava apenas crucificado sobre o altar, ou além das estrelas fixas à mão direita de Deus. Cristo estava no coração do crente, e uma vez entronizado no centro do ser do Homem, Ele poderia ser encontrado em todos os lugares. (CHURTON, 2009, p. 34).
Como se vê, o pensamento rosacruz “clássico” bebe dos mesmos ideais protestantes de Lutero: como fruto da reforma luterana, o Rosacrucianismo vai procurar fazer alianças filosóficas com toda e qualquer corrente de pensamento e movimento espiritual que se contraponha de alguma maneira ao Catolicismo e à Roma. Assim, não é de espantar que o Rosacrucianismo defenda ideias espirituais de inimigos históricos da Sagrada Tradição, como o Gnosticismo e até mesmo o Islamismo! (considerado pelos rosacruzes como uma “fonte de bom senso e sabedoria”).

Para os rosacruzes, a busca pelo sagrado deve ser uma busca individual e descentralizada (um pensamento claramente gnóstico). Assim, o contato com o sagrado (Cristo) deve ser feito sempre de forma relativizada, da maneira como cada buscador achar conveniente. Na prática, o movimento rosacruz rejeita também a Sagrada Liturgia, uma vez que desconsidera a importância da Tradição nas celebrações, e rejeita quaisquer vestígios tradicionais nas práticas espirituais. Isso deixa mais do que claro que o chamado “Rosacrucianismo clássico” é na verdade um misticismo de caráter protestante (KREEFT, 2008).

Filosoficamente falando, o Rosacrucianismo teve sua divulgação iniciada um pouco antes da explosão do movimento iluminista na Europa. Ainda assim, os manifestos rosacruzes já estavam impregnados das correntes filosóficas que seriam espalhadas na Europa nos anos seguintes: o Relativismo; o Humanismo Antropocêntrico; o Panteísmo (divulgado abertamente na Fama Fraternitatis); o Materialismo (já divulgado de maneira discreta na Reforma Protestante); e principalmente o Liberalismo…uma das correntes filosóficas iluministas mais prejudiciais ao homem ocidental.

Para o teólogo Dom Estêvão Bettencourt, a análise filosófica do movimento rosacruz é relativamente simples, uma vez que

“O Rosacrucianismo não é senão uma das expressões da tendência ao ocultismo e à constituição de sociedades secretas, tendência que aparece no gênero humano desde remotas épocas. […] Ainda hoje se encontram tais sociedades, que constituem verdadeira rede invisível de auxilio mútuo: a cabala medieval, a franco-maçonaria posterior ao século 16, a gnose antiga e moderna e também o Rosacrucianismo não são senão cristalizações mais ou menos densas de tal tendência. (BETTENCOURT, 1958, p. 2).
Outra característica marcante do Rosacrucianismo é a busca incessante por argumentos de autoridade mitológica que dêem ao movimento algum tipo de validade histórica. Para Guénon (2017) essa é uma tendência dos movimentos esotéricos modernos, que justamente por não serem tradicionais precisam sempre recorrer à Tradição como forma de puxarem a si algum tipo de respaldo filosófico.

Os manifestos rosacruzes “clássicos” (Fama Fraternitatis, Confessio Fraternitatis, e Núpcias Alquímicas de Christian Rosenkreutz) alegavam ter sido transmitidos pela figura misteriosa de Christian Rosenkreutz, um iniciado que teria tido experiências místicas em viagens ao Oriente Médio, onde teria tido contato com os povos árabes e recebido “chaves elevadas de iniciação espiritual”. De certa forma, esse era um discurso comum nas Ordens Iniciáticas dos séculos 17 e 18, que já bebiam das ideias reformistas e iluministas que se espalhavam na Europa, dentre elas:

a) A ideia de que o Ocidente estava “corrompido” pelo Catolicismo, e de que a “corrupção moral” católica seria “purificada” pelo Protestantismo, que se apresentava como o “verdadeiro cristianismo” (assim como o Gnosticismo também se apresentava!);

b) A ideia falaciosa (advinda do Renascimento do século 15) de que a Idade Média havia sido um período de “trevas e escuridão”, e de que o Rosacrucianismo serviria para divulgar de forma “sábia” os “ensinamentos” da Reforma, estimulando uma visão particular de ciência paganizada que originou um pré-cientificismo promotor de um culto ao “saber científico” (sob a ótica rosacruz);

c) A relativização de conceitos tradicionais pertencentes à Tradição Espiritual Ocidental, inclusive propondo um questionamento à classificação dos inimigos históricos da Sagrada Tradição. Assim, para o Protestantismo (e consequentemente para o Rosacrucianismo) todos os grandes rivais da espiritualidade clássica do Ocidente não eram tão “maus” assim, e seriam “vítimas” da “difamação” que o  Catolicismo promoveu “deturpando” suas imagens (CHURTON, 2009). Por isso, o Rosacrucianismo dá tanta ênfase à cultura árabe e aos muçulmanos…assim como abraça abertamente ideias gnósticas e protestantes.

Segundo Churton (2009), o mito de uma pretensa origem mítica dos manifestos rosacruzes é desconstruído de forma definitiva quando se comprova o fato de que o personagem Christian Rosenkreutz não possui validação histórica: trata-se pura e simplesmente de uma entidade fictícia construída como pilar de sustentação para a divulgação das ideias rosacruzes do século 17. Esse tipo de estratégia foi utilizado também pela própria maçonaria moderna (também chamada de “maçonaria especulativa” ou “simbólica”), que usou o personagem Hiram Abiff para sustentar o mito de uma origem maçônica lendária (que na verdade teve sua origem pós-século 15).

Tobias Churton vai ainda mais além, e comprova (através de farta documentação histórica) que a verdadeira figura por trás do movimento rosacruz “clássico” é Johann Valentin Andreae (1586 – 1654), um teólogo luterano alemão que criou todo a metafísica rosacruz (assim como os manifestos rosacruzes) e o usou a divulgação desse movimento para enfatizar a propagação das ideias reformistas na Alemanha e na Holanda (CHURTON, 2009).

De certa forma, fica-nos claro aqui que a pretensa “mística” dos manifestos rosacruzes “clássicos” na verdade não tinha nenhuma profundidade teológica ou filosófica; o movimento rosacruz “clássico” não se preocupava em defender uma Metafísica estabelecida ou uma doutrina espiritual coesa: tratava-se na verdade de um movimento mais político que espiritual propriamente dito, e que serviu como braço de divulgação das ideias reformistas luteranas, propondo discussões de caráter pseudo-científico e alheias ao ambiente acadêmico (uma característica de Lutero, que rejeitava abertamente as Universidades). Ao mesmo tempo, O Rosacrucianismo “clássico” misturava ideais pseudo-científicos com um esoterismo vago e ambíguo de caráter anti-tradicional (como veremos a seguir).

As bases do pensamento rosacruz, e a rejeição explícita do Rosacrucianismo à Sagrada Tradição
A esta altura, já deve estar ficando mais claro a você leitor, que o movimento rosacruz não é uma filosofia tão “clássica” assim como propõe ser: trata-se pura e simplesmente de uma corrente esotérica moderna, completamente alinhada aos ideais luteranos e fruto direto da Reforma Protestante (GUÉNON, 2017).

Só essa breve descrição, por si só já deveria ser suficiente para comprovar que o Rosacrucianismo nunca poderia ser uma corrente filosófica pertencente à Tradição Espiritual Ocidental. Porém, ainda assim, muitos rosacruzes da atualidade insistem em defender ideias relativistas sobre o conceito de “Tradição”, e defendem (muitas vezes até de forma sincera, apesar de terem pouco estudo a respeito do tema) que o movimento rosacruz seria uma das diversas “correntes alternativas” da espiritualidade ocidental.

De certa forma, compreendemos a honestidade de intenções de muitos estudantes rosacruzes em suas jornadas espirituais. Gostaríamos de deixar claro que não é intenção deste artigo criticar a opção espiritual desses buscadores, mas sim conscientizá-los de que sua escolha não é necessariamente aquilo que eles julgam ser. Dessa forma, nosso foco principal neste ensaio não é falar dos rosacruzes (muitos dos quais são buscadores honestos de intenção); mas sim falar sobre o Rosacrucianismo propriamente dito (enquanto movimento filosófico), mostrando que suas bases históricas contradizem seu discurso “mitológico”.

Infelizmente falta a muitos estudantes de esoterismo da atualidade (assim como a muitos protestantes) uma base coesa de investigação, através de autores alinhados à Sagrada Tradição que apresentem uma visão digna dos conceitos primordiais que sustentam a espiritualidade clássica do Ocidente. Muitos dos argumentos usados pelos rosacruzes contemporâneos giram em torno de conclusões obtidas da leitura de autores alinhados ao pensamento esotérico moderno, que por ser iluminista, obviamente irá estimular (e divulgar de maneira falaciosa) uma pretensa “justificativa histórica” a correntes esotéricas modernas (e o Rosacrucianismo é uma dessas correntes). Porém, não há como uma corrente esotérica ser moderna e “clássica” ao mesmo tempo…posto que o moderno é, por si só, uma rejeição do clássico (GUÉNON, 2017).

Segundo Churton (2009), dos três manifestos rosacruzes, a Fama Fraternitatis é aquele que possui o texto mais claro em relação aos objetivos do movimento rosacruz: para o autor, o texto da Fama Fraternitatis deixa explícito a todo momento sua completa aversão a tudo que seja considerado “tradicional”, e enfatiza até mesmo o alinhamento ideológico de Christian Rosenkreutz às ideias de Lutero (ainda que Christian Rosenkreutz seja um personagem fictício). Assim, Tobias Churton faz uma análise detalhada de trechos da Fama Fraternitatis, explicitando as ideias reformistas de Johann Valentim Andreae (o verdadeiro autor do texto), como no trecho a seguir:

Após cinco anos, voltou seu pensamento à desejada Reforma; e como duvidasse do apoio e da ajuda de outros, embora fosse ele próprio pleno de vigor e perseverante, resolveu empreendê-la por sua conta, acompanhado apenas de alguns colaboradores (FAMA FRATERNITATIS apud CHURTON, 2009, p. 123. Grifo nosso.)
Aqui, vemos no próprio texto da Fama Fraternitatis que em nenhum momento, Johann Valentin Andreae (autor do texto) nega ou sequer disfarça os objetivos dos manifestos rosacruzes: promover as ideias da Reforma Protestante na Europa, e negar os princípios da Sagrada Tradição rejeitando a Metafísica do Catolicismo.

De acordo com a Fama Fraternitatis, o próprio Christian Rosenkreutz seria uma espécie de “monge decepcionado” com a doutrina católica (um perfil de personagem claramente inspirado em Lutero), que se tornou um “entusiasta” das promessas reformistas luteranas (CHURTON, 2009). Dessa forma, poderíamos nos perguntar: o que o Rosacrucianismo “clássico” realmente propunha, do ponto de vista religioso (além de suas promessas políticas)?

Bettencourt (1958) nos dá um esboço da resposta a esse questionamento: para o teólogo brasileiro, uma das chaves do movimento rosacruz para conquistar a simpatia do público europeu do século 17 foi apresentar o Rosacrucianismo não como uma religião, mas como um movimento espiritual “ecumênico” que iria misturar o melhor de várias correntes espirituais diferentes (obviamente rejeitando apenas a Metafísica católica, representante maior da Tradição Ocidental).

Para Bettencourt (1958), o Rosacrucianismo “diz que fala de Deus e da felicidade do homem, mas de maneira compatível com os credos religiosos” (BETTENCOURT, 1958, p. 5). Assim, o adepto de qualquer religião poderia estudar as ideias da Rosacruz sem ofender a sua fé, como estuda química, música, jurisprudência…

Percebemos aqui uma falácia grandiosa, disfarçada de “benesse”: ao mesmo tempo em que o movimento rosacruz “clássico” se apresentou como algo progressista (em oposição à doutrina católica, classificada como “obscurantista” e “intolerante”), o próprio Rosacrucianismo também exalava uma intolerância gigantesca ao conceito de “Tradição” (a mesma rejeição protestante).

Temos aqui o típico exemplo do “lobo vestido em pele de cordeiro”: os textos rosacruzes “clássicos” propõem uma utopia iluminista que buscava (e ainda busca!) a liberdade total do ser humano em todos os aspectos de sua vida (religião, comportamento, saúde, sexualidade, etc.). Porém, essa busca pela liberdade anda acompanhada de uma rejeição intolerante a qualquer vestígio da Sagrada Tradição, a única capaz de livrar o Homem de seus impulsos mais egoístas (AQUINO, 2001). Assim, com base no pensamento de Santo Tomás de Aquino, não podemos classificar o Rosacrucianismo “clássico” de outra forma que não seja como um movimento egoísta por essência, uma vez que a espiritualidade rosacruz é na prática, a espiritualidade protestante com ares esotéricos.

Na prática, o Rosacrucianismo é um misticismo esotérico protestante que abasteceu o Esoterismo Moderno durante os séculos 17 e 18 (ao lado da maçonaria especulativa), alimentando as Ordens Iniciáticas modernas com ideais aparentemente “nobres” e “tolerantes”. Porém, a base do Rosacrucianismo é justamente a intolerância e a desobediência: desobediência ao que é tradicional; e intolerância ao que é “ultrapassado”.

Por ser uma corrente esotérica de caráter anti-tradicional e reformista, o movimento rosacruz tem um claro apreço também ao Judaísmo…outra clara característica do Protestantismo, que idolatra os judeus considerando a religião judaica como “a religião de Cristo”, e tratando o Cristianismo como uma espécie de “Judaísmo renovado” (KREEFT, 2008).

Da mesma forma, é curioso notar que os manifestos rosacruzes clássicos insistiram na ideia de que não estavam divulgando nenhuma filosofia nova (quando na verdade, estavam!), ao mesmo tempo em que classificavam as ideias reformistas como “ideais espirituais milenares”, divulgados pela “Grande Fraternidade Branca”. Dessa forma, o Rosacrucianismo “clássico” propunha um Cristianismo empobrecido teologicamente (por ser protestante), ao mesmo tempo em que propunha uma filosofia de vida por vezes judaizante e por vezes paganizada. Assim, lemos por exemplo na Fama Fraternitatis: “nossa filosofia não é nova, mas semelhante à que foi recebida por Adão, e que Moisés e Salomão colocaram em prática” (FAMA FRATERNITATIS, 2004, p. 23).

O discurso de “grandiosidade” permeia todo o texto da Fama Fraternitatis: para isso, o manifesto repete várias vezes que várias personalidades dos séculos 16 e 17 eram (ou haviam sido) rosacruzes, como René Descartes, Francis Bacon e Paracelso. Tal estratégia buscava reafirmar a ideia de que o movimento rosacruz seria algo “milenar”, que serviria como “base de formação filosófica” a todos os grandes nomes da ciência iluminista (BETTENCOURT, 1958). Conforme veremos a seguir, esse discurso de “influência espiritual” do movimento rosacruz “clássico” vai ser ainda mais aprofundado no movimento neo-rosacruz do século 19, dando uma abordagem ainda mais caricata e confusa ao Rosacrucianismo, e fazendo dele um quebra-cabeças esotérico que guardou apenas uma fina essência das ideias do movimento rosacruz “clássico”.

O neo-Rosacrucianismo: uma “colcha de retalhos” esotérica
Um dos principais argumentos rosacruzes atuais é apelar para um discurso de autoridade histórica em favor do chamado Rosacrucianismo “clássico”. Para os rosacruzes do século 21, o neo-Rosacrucianismo é um movimento esotérico falho porque se afastou da “verdadeira essência” do Rosacrucianismo “clássico” do século 17.

O leitor que ouve defesas tão apaixonadas à “superioridade” do Rosacrucianismo “clássico” pode até chegar a suspeitar que realmente haja algo de “tradicional” nos manifestos rosacruzes de 1614; porém, a história nos mostra outros fatos.

Como deixamos claro ao longo deste artigo, a ideia de que o Rosacrucianismo “clássico” é algo “milenar”, “mitológico” ou “superior” ao neo-Rosacrucianismo apenas por ser 200 anos mais antigo, é uma falácia esotérica moderna. Do ponto de vista histórico, 200 anos não são suficientes para caracterizar a superioridade filosófica de nenhum movimento espiritualista…uma vez que o alcance da história é muito mais amplo que as considerações humanas (KREEFT, 2008). Com base nisso, não é o fato de pertencer ao século 17 que faz do Rosacrucianismo “clássico” algo melhor que o neo-Rosacrucianismo (ou mesmo algo “tradicional”).

Infelizmente, a discussão que os rosacruzes da atualidade propõem sobre as diferenças entre o Rosacrucianismo “clássico” e o neo-Rosacrucianismo é uma discussão pueril, e lembra-nos muito os debates propostos pelas evangélicos a respeito da “superioridade” das igrejas pentecostais em relação às neopentecostais. Ora: teologicamente falando esse é um debate absolutamente inútil, uma vez que mesmo que o pentecostalismo seja “superior” ao neopentecostalismo, ambos continuam fora do seio da Tradição Espiritual Ocidental, justamente por serem correntes protestantes (DAWNSON, 2014). E o mesmo ocorre com o Rosacrucianismo.

Do ponto de vista filosófico, o Rosacrucianismo nem pode ser caracterizado como uma corrente “clássica” ou “tradicional”, uma vez que rejeita completamente quaisquer vestígios considerados tradicionais ou que se afinizem de alguma maneira à Metafísica do Catolicismo. Na verdade, como fruto direto da Reforma Protestante, seus objetivos eram acima de tudo políticos (e não espirituais): os manifestos rosacruzes divulgados (e produzidos!) por Johann Valentim Andreae eram ferramentas de propagação das ideias luteranas na Europa do século 17, inaugurando o Iluminismo e a divulgação de suas filosofias anti-tradicionais.

Diante de todos esses fatos, precisamos primeiramente entender o que é o movimento neo-rosacruz do século 19, para só então podermos compreender porque o chamado “Rosacrucianismo clássico” não é superior ao neo-Rosacrucianismo.

O neo-Rosacrucianismo é o aprofundamento filosófico do Rosacrucianismo “clássico”, ocasionado a partir do século 19. Segundo Tobias Churton, a principal característica do movimento neo-rosacruz é seu sincretismo: as Ordens neo-rosacruzes misturam elementos de diversas doutrinas e filosofias vigentes no século 19, e não se limitam mais a trabalhar apenas a espiritualidade rosacruciana divulgada nos manifestos rosacruzes “clássicos”. Assim, é comum vermos Ordens neo-rosacruzes que se dizem gnósticas, thelêmicas, e até mesmo espíritas (CHURTON, 2009).

Não iremos aqui citar nomes de instituições, nem mesmo entrar em detalhes sobre os sistemas iniciáticos propostos por cada Ordem neo-rosacruz da atualidade. O que nos interessa é mostrar a você leitor, que o neo-Rosacrucianismo é na verdade um verdadeiro “frankstein esotérico”: um conjunto de ensinamentos difusos e misturados, que muitas vezes se opõem diametralmente entre si e nem mesmo guardam relações filosóficas. Por isso mesmo, o movimento rosacruz moderno guardou pouco da essência protestante do Rosacrucianismo “clássico”, a ponto de algumas Ordens neo-rosacruzes nem mesmo se classificarem como cristãs! (BETTENCOURT, 1958).

De certa forma, o fato do neo-Rosacrucianismo não ter uma identidade sólida não é uma novidade: por ser um movimento originado da Reforma Protestante, o Rosacrucianismo (seja ele o “clássico” ou o moderno) guarda a essência reformista de sempre usar a seu favor tudo aquilo que considere útil à sua doutrina, sem necessariamente sentir nenhum remorso por isso. Assim, o fato de se apoderar de outros elementos (inclusive elementos da Sagrada Tradição) para constituir sua própria filosofia, não constitui um problema para os protestantes (e obviamente para os rosacruzes), uma vez que “Lutero diz que as boas obras não tornam um homem bom, e nem obras más tornam as pessoas más” (DAWNSON, 2014, p. 116).

De qualquer maneira, independente de beber de diferentes correntes filosóficas, o neo-Rosacrucianismo continua sendo um movimento anti-tradicional e avesso à Sagrada Tradição: as Ordens rosacruzes modernas defendem uma interpretação completamente distorcida do conceito de “Tradição”, muitas vezes associando a Tradição a qualquer coisa pagã que se diferencie da Metafísica judaico-cristã. Essa noção paganizada da Tradição é consequência direta da influência do pensamento de Helena Blavatsky sobre o pensamento das Ordens neo-rosacruzes, uma vez que Blavatsky era abertamente anti-cristã e defendia uma noção completamente paganizada da Tradição Espiritual Ocidental.

Segundo Bettencourt (1958), o neo-Rosacrucianismo é um movimento esotérico tão disperso, que

[…] professa uma filosofia que é uma visão integral do mundo; ultrapassa o plano dos métodos práticos de obter sucesso na vida, para dar resposta às questões que qualquer credo religioso considera. Com efeito, a ideologia neo-rosacruciana está estritamente baseada nas teses fundamentais do ocultismo: admite o monismo (uma só substância que se manifesta tanto no homem como na natureza) e a reencarnação (doutrina espírita), onde o indivíduo humano estaria sujeito a ciclos semelhantes aos da história universal; reencarnar-se-ia de acordo com as vibrações cósmicas! (BETTENCOURT, 1958, p. 9).
Considerações Finais

Podemos responder agora às perguntas feitas no início deste artigo: existe mesmo um Rosacrucianismo “clássico”? O movimento rosacruz pode ser considerado algo “tradicional”?

Há sim um movimento rosacruz inicial que deu origem ao Rosacrucianismo, no século 17. Todavia, esperamos ter deixado claro a você leitor, que o Rosacrucianismo “clássico” está longe de ser um movimento espiritual tradicional, e que o neo-Rosacrucianismo não passa do aprofundamento do movimento rosacruz “clássico”, misturado as correntes de pensamento em voga a partir do século 19.

Há diferenças consideráveis entre o neo-Rosacrucianismo e o Rosacrucianismo “clássico”? Sim, há. Porém, as diferenças grandes de abordagem dessas duas correntes rosacruzes repousa mais no modo de abordagem da doutrina rosacruciana, que na essência dessa doutrina propriamente dita (que continua tendo uma base anti-tradicional).

É importante que você leitor conscientize-se do fato de que o Rosacrucianismo é mais uma das correntes esotéricas modernas que se apresentam ao público de maneira “grandiosa” e “mitológica”. Ainda que as Ordens neo-rosacruzes possuam estudantes sinceros e dedicados entre seus membros, a essência do Rosacrucianismo não muda: trata-se de uma corrente filosófica que possui seu alicerce na Reforma Protestante do século 16, e que por isso mesmo não pode ser considerada “clássica” ou “tradicional” (ainda que muitos de seus membros assim a considerem), uma vez que um conceito não pode ser interpretado de duas maneiras diferentes ao mesmo tempo: ou é interpretado de uma forma, ou é interpretado de outra forma. Assim, o moderno não se torna tradicional (GUÉNON, 2017).

REFERÊNCIAS

AQUINO, Tomás de. Suma Teológica: Vol. 1. Edições Loyola. Rio de Janeiro: 2001.
BETTENCOURT, D. Estêvão. O que é a Ordem Rosacruz? Rio de Janeiro, 1958. Disponível em https://www.veritatis.com.br/o-que-e-a-ordem-rosa-cruz/?__cf_chl_managed_tk__=pmd_8_3X5oTZGtCDdaoDWKm3ULHWRC709NWpX7u4pi4s_a8-1633535688-0-gqNtZGzNAvujcnBszRK9
CHURTON, Tobias. A história da Rosacruz: os invisíveis. São Paulo: Madras, 2009.
DAWNSON, Christopher. A divisão da cristandade. É Realizações Editora: São Paulo, 2014.
GUÉNON, René. A crise do mundo moderno. Tradução: Fernando Guedes Galvão. Instituto René Guénon de Estudos da Tradução – IRGET: São Paulo, 2017.
KREEFT, Peter. Manual de defesa da Fé: apologética cristã. Ed. Acadêmico: Rio de Janeiro, 2008.

Assim como outros movimentos esotéricos modernos, o Rosacrucianismo também precisou de um “mito de criação”. Assim, a figura de Chrystian Rosenkreutz ganhou fama no movimento rosacruciano do século 16, como fundador e “pai” da Ordem Rosacruz.

O Rosacrucianismo é um movimento esotérico moderno que usa um discurso liberal e ecumênico como forma de conquistar a simpatia do público. Assim, o Rosacrucianismo apresentou-se à Europa do século 17 como uma filosofia aberta a todos os credos (e não como uma religião). Porém, por trás desse suposto ecumenismo e tolerância religiosa, o Rosacrucianismo sempre guardou a intolerância protestante ao conceito de “Tradição”.

Resposta de um Comentario por Frater MF

Caro visitante, boa tarde!
Lamentamos se você considerou o texto “preconceituoso”. Porém, o artigo que você leu sobre o Rosacrucianismo não está “disfarçado” de verdade histórica; ao contrário: todo o texto é baseado EM FATOS HISTÓRICOS COMPROVADOS.
Se você procura textos que defendam relativismo espiritual, não é em nosso blog que irá encontrar esse tipo de material. O blog Arte Magna trabalha com conteúdos CATÓLICOS, e nosso humilde apostolado é alinhado à Sagrada Tradição Cristã e à Santa Doutrina de Jesus Cristo. E do ponto de vista cristão, o Rosacrucianismo não é uma filosofia espiritual “tradicional”.
O Rosacrucianismo não pode ser tradicional porque sua origem é totalmente pautada na Reforma Protestante; ISSO É UM FATO HISTÓRICO QUE NÃO PODE SER NEGADO. E o Protestantismo rejeita totalmente tudo que é considerado “tradicional” (pois rejeita o próprio conceito de “Tradição Cristã”); tanto que o Protestantismo é o “pai filosófico” do Iluminismo dos séculos 17 e 18. Por isso, não existe um movimento rosacruz “clássico” e um “moderno”: o que existe são tendências rosacruzes que bebem da mesma fonte e guardam diferenças no modo de manifestar sua rejeição ao Catolicismo. O Rosacrucianismo é uma filosofia esotérica, pautada em ideias protestantes.
Isso não significa que os rosacruzes sejam más pessoas; longe disso: há muitos rosacruzes sinceros e dedicados, que tem um bom coração, mas que se enganam (as vezes inconscientemente) achando que participam de uma filosofia espiritual “milenar” ou “tradicional”, quando na verdade participam de um movimento moderno e iluminista. E isso faz muitas pessoas se iludirem com vários caminhos esotéricos modernos…