terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Agnosticismo

Agnosticismo é a visão filosófica de que o valor de verdade de certas reivindicações, especialmente afirmações sobre a existência ou não existência de qualquer divindade, mas também de outras reivindicações religiosas e metafísicas, é desconhecido ou incognoscível. Agnóstico vem do grego: a-gnostos, ou seja, não-conhecimento, aquele que não conhece. Para um agnóstico, a razão humana é incapaz de prover fundamentos racionais suficientes para justificar tanto a afirmação de que Deus existe quanto a afirmação de que Deus não existe. Na medida em que uma defende que nossas crenças são racionais se forem suficientemente apoiadas pela razão humana, a pessoa que aceita a posição filosófica de agnosticismo irá perceber que nem a afirmação de que Deus existe nem a afirmação de que Deus não existe é racional. O agnosticismo pode ser definido de várias maneiras, e às vezes é usado para indicar dúvida ou uma abordagem cética a perguntas. Em alguns sentidos, o agnosticismo é uma posição sobre a diferença entre crença e conhecimento, ao invés de sobre qualquer alegação específica ou crença. Dentro do agnosticismo existem ateus agnósticos (aqueles que não acreditam que uma divindade ou mais divindades existam, mas não afirmam saber isso) e os teístas agnósticos (aqueles que acreditam que um Deus existe, mas não afirmam saber isso).

Thomas Henry Huxley, um biólogo inglês, cunhou a palavra "agnóstico", em 1869.No entanto, pensadores e trabalhos escritos anteriores já têm promovido pontos de vista agnósticos. Eles incluem Protágoras, um filósofo grego do século V a.C. e o mito da criação Nasadiya Sukta no Rig Veda, um antigo texto sânscrito.Desde que Huxley cunhou o termo, muitos outros pensadores têm escrito extensivamente sobre o agnosticismo.

Etimologia

Agnosticismo derivou-se da palavra grega agnostos, formada com o prefixo de privação (ou de negação) a- anteposto a gnostos (conhecimento). Gnostos provinha da raiz pré-histórica gno-,que se aplicava à ideia de saber e que está presente em numerosos vocábulos da língua portuguesa, tais como cognição, cognitivo, ignorar, ignoto, ignorância, entre outros.

Uso

Muitas pessoas usam, erroneamente, a palavra agnosticismo com o sentido de um meio-termo entre teísmo e ateísmo, ou ainda, que se trata de uma pessoa sem posicionamento sobre crenças. Isso é estritamente incorreto, teísmo e ateísmo separam aqueles que acreditam em divindades daqueles que não acreditam em divindades. O agnosticismo separa aqueles que acreditam que a razão não pode penetrar o reino do sobrenatural daqueles que defendem a capacidade da razão de afirmar ou negar a veracidade da crença teística.

Alguém que admita ser impossível ter o conhecimento objetivo sobre a questão — portanto agnóstico — pode com base nisso não ver motivos para crer em qualquer deus (ateísmo fraco), ou pode, apesar disso, ainda acreditar em algum deus por fé (fideísmo). Nesse caso pode ser ainda um deísta(deísmo), caso acredite em conceitos sobrenaturais como propostos por alguma religião ou revelação, ou um teísta (teísmo), caso acredite na existência de algo consideravelmente mais vago. Existem ateus agnósticos, assim como teístas agnósticos.

História

Pirro de Elis (c360 a.C. - 270 a.C.) filósofo grego nascido em Élida, fundador da escola filosófica, o ceticismo, uma doutrina prática, também conhecida como pirronismo, que se caracterizava por negar ao conhecimento humano a capacidade de encontrar certezas. Filósofo de teorias complicadas, acompanhou Alexandre, o Grande (356-323 a.C.), na conquista do Oriente, ocasião em que entrou em contato com os faquires da Índia. Estudou filosofia com o atomista Anaxarco de Abdera, durante e após esta expedição (334-325 a.C.) e iniciou-se no magistério (324 a. C.), na cidade de Élida. Ao estudar sobre os discursos filosóficos de sua época, concluiu que todas as doutrinas eram capazes de encontrar argumentos igualmente convincentes para a razão. Desdobrou sua filosofia em três questões: qual a natureza das coisas, como devemos portar-nos ante elas e o que obtemos com esse comportamento. Para ele toda intenção de ir além das aparências está condenada ao fracasso pelas deficiências dos sentidos e pela fraqueza da razão. Seu principal seguidor foi o escritor satírico Timón de Fliunte (320-230 a.C.). Seus ensinamentos exerceram influência sobre a Média e a Nova Academia.

Dentro do século XVII voltaram à atualidade em razão da reedição dos livros de Sexto Empírico (150-220), que codificara as obras doutrinárias da escola cética no século III da era cristã.

Conceito

Nas palavras de Huxley, sobre a reunião da Sociedade Metafísica, "eles estavam seguros de ter alcançado uma certa gnose — tinham resolvido de forma mais ou menos bem sucedida o problema da existência, enquanto eu estava bem certo de que não tinham, e estava bastante convicto de que o problema era insolúvel."

Desde essa época o termo "agnóstico" também tem sido usado para descrever aquele que não acredita que essa questão seja intrinsecamente incognoscível, mas por outro lado crê que as evidências pró e contra Deus não são ainda conclusivas, ficando pragmático sobre o assunto.

Se existem ou existiram deuses é considerada uma questão que não pode ser finalmente respondida, ou que no mínimo não foi suficientemente investigada antes que possa considerar satisfatoriamente respondida, pois muitas coisas tidas como relacionadas podem ser frequentemente independentes. Mesmo com a comprovação e aceitação científica da ancestralidade comum universal e do mecanismo de seleção natural, não é possível afirmar que deuses não existam; isso apenas impede a interpretação fundamentalista de diversos relatos de criação. Ao mesmo tempo, uma hipotética refutação científica da ancestralidade comum universal, Big-bang e outros eventos da história do universo, ou mesmo uma eventual comprovação de algo como a vida após a morte, também não seriam provas da existência de algum deus em particular ou de deuses de modo geral.

O agnóstico opõe-se à possibilidade de a razão humana conhecer entidades nas linhas gerais dos conceitos de "deus" e outros seres e fenômenos sobrenaturais (gnose tem a sua origem etimológica na palavra grega que significa «conhecimento»). Para os agnósticos, assim como não é possível provar racionalmente a existência de deuses e do sobrenatural, é igualmente impossível provar a sua inexistência. Isso não é necessariamente visto como problema, já que nenhuma necessidade prática os impele a embrenhar em tal tarefa estéril.

Grupos agnósticos

A principal divisão interna do agnosticismo reside entre o agnosticismo teísta e o agnosticismo ateísta. Diferenciam entre si nos termos dos pressupostos para os quais ambos tendem, os teístas partem do pressuposto que existe um Deus, deuses ou divindades, os ateístas do princípio que tal é de todo inexistente, embora ambos os grupos assumam que faltam provas que comprovem um ou outro lado.

São igualmente considerados os seguintes grupos:

Agnosticismo estrito - (também chamado de agnosticismo forte, agnosticismo positivo, agnosticismo convicto ou agnosticismo absoluto) a ideia de que a compreensão ou conhecimento sobre deuses ou o sobrenatural se encontra totalmente fora das possibilidades humanas e que jamais tal será possível. Um Agnóstico Estrito diria "Eu não sei e você também não".
Agnosticismo empírico (também chamado agnosticismo suave, agnosticismo aberto ou agnosticismo fraco) — A ideia de que a compreensão e conhecimento do divino ou sobrenatural não é até ao momento possível mas que se aparecerem novas evidências e provas sobre o assunto tal é uma possibilidade. Um agnóstico empírico diria "Eu não sei. Você sabe?".
Agnosticismo apático - a ideia de que, apesar da impossibilidade de provar a existência ou inexistência de deuses ou do sobrenatural, estes a existir não teriam qualquer influência negativa ou positiva na vida das pessoas, na Terra ou no Universo em geral. Um agnóstico Apático diria "Eu não sei, mas também para que é que isso interessa?".
Ignosticismo - embora se questione a compatibilidade deste grupo com o agnosticismo ou ateísmo há quem o considere como um grupo agnóstico. Esse grupo baseia-se no fato de que primeiramente é preciso definir Deus, para apenas posteriormente discutir sua existência. Para cada definição de Deus, pode haver uma discussão diferente e diferentes grupos de ateus, teístas e agnósticos referentes àquela definição particular. Um ignóstico diria "Não sei. O que considera "Deus"?".
Agnosticismo modelar — A ideia de que questões metafísicas e filosóficas não podem ser verificadas nem validadas, mas que um modelo maleável pode ser criado com base no pensamento racional. Esta vertente agnóstica não se dedica à questão da existência ou não de divindades. Um agnóstico modelar diria "Eu não sei. Mas podemos criar um".

Agnosticismo e a crença ou descrença em deuses

A relação entre a postura agnóstica e a crença (ou não) em algum deus é quem vai determinar se o agnosticismo é teísta, deísta ou ateísta.

Agnosticismo teísta

Um agnóstico pode acreditar apenas por fé em algum deus ou deuses, ao mesmo tempo em que admite não ter conhecimento sobre a existência do(s) mesmo(s), podendo ser teísta se acreditar nos conceitos de deuses como descritos por alguma religião, ou deísta se for algo diferente desses moldes.

Um agnóstico pode também através de experiência própria acreditar no sobrenatural, porém, sem poder prová-lo, já que é impossível provar uma experiência pessoal desse tipo.

Agnosticismo ateísta

Contrariamente ao agnóstico teísta, o agnóstico ateísta é alguém que assume não ter conhecimento da existência de deuses e não tem fé na existência de qualquer um.

Fé e conhecimento

De acordo com a tradição filosófica, é considerado conhecimento uma crença que seja verdadeira e adequadamente justificada. Dessa perspectiva, dizer que acredita em algo sem alegar que isso constitua conhecimento não é contraditório; é apenas incomum, já que normalmente se supõe que as pessoas com determinada crença afirmem que ela seja necessariamente verdadeira (e a parte da justificação costuma ser simplesmente esquecida). Entretanto, alguns chegam à afirmar que ausência de evidência, não é evidência de ausência (frase de Carl Sagan).

É importante destacar também a crise do conhecimento exato, causal ou científico. Hoje a crença em verdades justificáveis perderam popularidade na medida em que a verdade também pode ser concebida como a "substituição de erros grosseiros por erros menos grosseiros", segundo as palavras de um conhecido filósofo. Ou que "o conhecimento pode ser entendido como o eterno questionamento do mesmo".

Conhecimento no agnosticismo

No agnosticismo, postula-se que a compreensão dos problemas metafísicos, como a existência de Deus, é inacessível ou incognoscível ao entendimento humano na medida em que ultrapassam o método empírico de comprovação científica. Assim, o conhecimento da existência de Deus é considerado impossível para agnósticos teístas ou ateístas.

Sofia


Sophia (em grego: Σοφία) é um conceito presente na religião e filosofia helenística, Platonismo, Gnosticismo, Cristianismo Ortodoxo, Cristianismo Esotérico e no Cristianismo místico. Significa, literalmente, a que detém a "sabedoria" (em grego: σοφός; "sofós"). Na tradição gnóstica, Sophia é uma figura feminina, análoga à alma humana e simultaneamente um dos aspectos femininos de Deus. Os gnósticos afirmam que ela é a sizígia de Jesus (veja a Noiva de Cristo) e o Espírito Santo da Trindade. Ocasionalmente é referenciada pelo equivalente hebreu Achamōth (em grego: Ἀχαμώθ) e como Prouneikos (em grego: Προύνικος, "A Libidinosa").

É considerada ainda como a responsável pela criação do mundo material, ou uma das responsáveis, dependendo da tradição gnóstica.

Prouneikos ("Lasciva")

No sistema gnóstico descrito por Ireneu em Contra Heresias, o nome Prouneikos por várias vezes substitui o de Sophia na história. O nome Prouneikos também é dado a Sophia no relato do sistema irmão borborita, apresentado no capítulo anterior do mesmo livro de Ireneu. Celso, que aparenta ter tido contato com algumas obras ofitas, também mostra familiaridade com o nome Prouneikos (Contra Celso) , um nome que Orígenes reconhece como sendo valentiano. Que este nome ofita tenha realmente sido adotado pelos valentianos é evidenciado por sua ocorrência num fragmento valentiano preservado por Epifânio. Ele também introduz Prouneikos como um termo técnico no sistema dos simonianos (seguidores de Simão Mago) , a quem ele descreve como estando sob o comando dos nicolaítas e ofitas.

Nem Ireneu nem Orígenes indicaram saber algo sobre o significado desta palavra e não temos nenhuma informação melhor sobre o assunto, exceto uma conjectura de Epifânio. Ele afirma que a palavra significa "impudica" ou "lasciva", pois os gregos tinham um epíteto para um homem que tivesse devassado uma garota, Eprounikeuse tautēn. Porém, Epifânio estava profundamente convencido da podridão da moral gnóstica e frequentemente interpretava a linguagem deles da pior maneira possível. Se a frase reportada fosse realmente popular, é estranho não encontrarmos exemplos do seu uso em comédias de autores gregos. Não se nega que Epifânio tenha ouvido a frase como empregada, mas é possível que palavras inocentes venham a ser usadas em um sentido obsceno.

À favor da explicação de Epifânio está o fato de que nos mitos cosmogônicos gnósticos, imagens de paixão sexual são constantemente introduzidas. Parece no todo provável que Prouneikos deve ser entendido no mesmo sentido de propherēs, que tem como um de seus significados "precoce com relação aos atos sexuais". É possível que o nome indique as tentativas de Sophia de atrair a fagulha da luz divina dos poderes cósmicos inferiores. No relato de Epifânio, a alusão à atração pelo ato sexual que está envolvido no nome se torna mais proeminente.

Achamōth

Tem se debatido se o nome Achamōth (em grego: Ἀχαμώθ) deriva originalmente do hebreu Chokhmah (em hebraico: חָכְמָ֑ה), em aramaico Ḥachmūth, ou se significa 'Aquela que dá a luz" - "Mãe". A forma siríaca Ḥachmūth foi utilizada por Bardesanes, já a forma grega é encontrada apenas entre os valentianos: o nome provavelmente deriva da mais antiga forma de gnosis siríaca.

Mitos de Sophia

Quase todos os sistemas gnósticos do tipo siríaco ou egípcio ensinaram que o universo iniciou com um original, impenetrável (ou incognoscível) Deus, chamado de "Pai" ou Bythos, ou como Mônade por Monoimus. Ele também pode ser equiparado ao conceito de Logos em termos estóicos, esotéricos ou teosóficos (a 'Raiz Desconhecida'), assim como ao Ein Sof da Kabbalah e Brahma no Hinduísmo. Deste começo unitário, o Uno emanou Aeons adicionais, em pares de seres progressivamente 'menores' em sequência. Em conjunto com a fonte que os emanou, eles formam o Pleroma - totalidade - de Deus que, portanto, não deve ser entendido como algo distinto do divino, mas abstrações simbólicas da natureza divina. A transição do imaterial para o material, do numenal ao sensível, foi causado por uma falha - ou paixão ou pecado - em um dos Aeons. Na maior parte das versões dos mitos gnósticos, é Sophia que traz instabilidade ao Pleroma, o que por sua vez provoca a criação da matéria. Assim, uma visão positiva ou negativa do mundo depende, em grande medida, da interpretação das ações de Sophia na mitologia. De acordo com alguns textos, a crise ocorreu como resultado de Sophia ter tentado emanar sem sua sizígia ou, em outra tradição, por que ela tentou quebrar a barreira entre ela e o Impenetrável Bythos. Após cair cataclismicamente do Pleroma, o medo e a angústia de Sophia por ter perdido sua vida (assim como ter perdido a luz do Uno) deixou-a confusa e com uma saudade incontrolável. Por causa dela, matéria (hylē', em grego: ὕλη) e alma (psychē, em grego: ψυχή) acidentalmente foram criadas. A criação do Demiurgo (também chamado Yaldabaoth, "Filho do Caos") também foi um erro ocorrido durante este exílio. O Demiurgo prossegue a criação do mundo físico onde vivemos, ignorante da existência de Sophia, que ainda assim consegue infundir alguma fagulha espiritual (Pneuma, em grego: πνευμα) na criação dele. Em Pistis Sophia, Cristo é enviado pelo Uno para trazer Sophia de volta à totalidade (Pleroma). Ele a habilita a ver novamente a luz, dando-lhe o conhecimento do espírito (Pneuma). Cristo é então enviado à Terra na forma de um homem (Jesus) para dar aos homens a Gnose necessária para que se libertem do mundo físico e retornem para o mundo espirítual. Para os gnósticos, o drama da redenção de Sophia através do Cristo (ou o Logos) é o drama central do universo.

Queda

Tentando reconciliar a doutrina da natureza pneumática de Sophia com a morada atribuída a ela nos Provérbios, no reino do "meio", fora portanto do reino superior de luz, foi imaginada uma queda de Sophia de sua morada celeste, o Pleroma, até o vazio (kenōma) abaixo dele. A idéia era a de um confisco ou roubo da luz, ou uma explosão e difusão do "orvalho da luz" até o kenōma, causado por um movimento criador de vida (vivificador) no mundo superior. Porém, ainda que a luz trazida até a escuridão deste mundo tenha sido compreendida e descrita como envolvida em sofrimento, este deve ser considerado como uma punição. Esta inferência é apoiada ainda pela noção platônica de queda espiritual.

Mitos da Alma

Alienadas de sua morada celeste por sua própria falta, as almas afundaram neste mundo inferior sem ter perdido de todo a lembrança de seu estado original. E, preenchidas pela saudade de sua herança perdida, estas almas caídas ainda se esforçam para subir. Desta forma, o Mito da queda de Sophia pode ser entendido como tendo um significado particular. O destino da "Mãe" foi considerado como protótipo do que seria repetido na história de cada alma individual, que, sendo de origem pneumática celeste, caíram de sua morada - um mundo superior de luz - e acabaram sob a influência de poderes malignos, de quem elas precisam aturar uma longa série de sofrimentos até que um retorno ao mundo superior lhes seja novamente possível. Mais ainda que, de acordo com a filosofia platônica, almas caídas ainda retenham a lembrança de sua morada perdida, esta noção foi preservada de outra forma nos círculos gnósticos. Ensinava-se que as almas dos pneumatici (detentores da Pneuma), tendo perdido a lembrança de sua derivação celeste, precisavam novamente se familiarizar com a Gnose, ou conhecimento desta essência pneumática, para que pudessem retornar à luz. E é nesta obtenção da Gnose que consiste a redenção trazida e confirmada por Cristo. Ensinava-se também que Sophia também precisava da redenção trazida por Cristo, por quem ela seria libertada de sua agnoia e sua pathe, e será, no fim do mundo, novamente trazida de volta à sua morada há muito perdida, o Pleroma superior.

Mētra (Útero)

Relacionada a Sophia está a noção amplamente difundida entre as seitas gnósticas sobre o impuro mētra (útero) de onde todo o mundo supostamente nasceu. De acordo com os valentianos italianos, o Uno abre o mētra de Sophia caída do Pleroma (enthymēsis - pensamento) e provoca a formação do universo, personificando assim o próprio mētra. Epifânio reporta que a cosmologia a seguir é a de um ramo dos nicolaítas:

No início existiam a Escuridão (Trevas), o Caos e as Águas (skotos, kai bythos, kai hydōr), mas o Espírito que vive dentro deles e entre eles os separou. Da miscigenação da Escuridão com o Espírito nasceu o mētra que novamente foi aceso com renovado desejo pelo Espírito; ela deu à luz primeiro quatro, e então outros quatro aeons, produzindo assim uma direita e uma esquerda, luz e trevas. Por último nasceu um aischros aiōn, que teve relações sexuais com o mētra. A prole desta relação são os deuses, anjos, demônios e espíritos.
 
— Epifânio, Panarion, sobre os Nicolaítas.
Segundo Hipólito em Philosophumena, os setianos ensinaram que, de maneira similar, da primeira simultaneidade (syndromē) dos três primeiros princípios primais emergiram o céu e terra como uma megalē tis idea sphragidos. Eles têm a forma de um mētra com um Onfalos (umbigo) no meio. O mētra grávido contém em si todos os tipos de formas animais, um "reflexo" do céu e da terra, e todas as substâncias encontradas na região do "meio". Este mētra também é encontrado na grande Apophasis atribuída a Simão Mago onde ele afirma que o local onde o homem foi formado como sendo o Paraíso e o Éden.

Estas teorias cosmogônicas foram precedidas por Tiamat da mitologia síria, a mãe-da-vida de quem Berossus deve tanto, ou no "mundo-ovo" do qual, quando partido, procederam o céu, a terra e todas as coisas.

Seitas gnósticas

Barbeliotas

Muito similar às doutrinas gnósticas relatadas por Ireneu são as crenças dos assim chamados "Barbeliotas". O nome Barbelo, que de acordo com uma interpretação, é o nome da Tétrade superior, originalmente não tinha nada a ver com Sophia.

Segundo eles, Sophia, um Ser posterior, também chamado de Spiritus Sanctus and Prunikos é a prole do primeiro anjo que está ao lado do Monogenes. Sophia vendo que todos os outros tinham sua sizígia dentro do Pleroma, deseja ardentemente encontrar também um consorte para si. Não encontrando nenhum no mundo superior, ela olha para baixo, nas regiões inferiores, e estando ainda insatisfeita, para lá ela desce, contra a vontade do Pai, até as profundezas. Lá ela forma o Demiurgo (o Proarchōn), uma mistura de ignorância e auto-exaltação. Este Ser, por conta dos poderes pneumáticos roubados de sua mãe, segue então criando o mundo inferior. A mãe, por outro lado, foge para as regiões superiores e passa a morar lá, na Ogdóade.

Ofitas

Sophia também aparece na literatura ofita, cujo 'Diagrama' é descrito por Celso e Orígenes, assim como entre várias facções gnósticas ofitas mencionadas por Epifânio. Lá, ela é chamada de Sophia ou Prunikos, a mãe superior e o poder superior, e está entronada sobre a Hebdomad (os sete céus planetários) na Ogdóade. Ela também é ocasionalmente chamada Parthenos e, novamente, é identificada como Barbelo ou Barbero.

Bardesanes

Mitos cosmogônicos também são parte da doutrina de Bardesanes. O locus foedus onde os deuses (ou Aeons) planejaram e construíram o Paraíso é o mesmo que o impuro mētra(útero), que Efrém se envergonhou até de dizer o nome. A criação do mundo aconteceu através do filho "daquele que vive" e de "Rūha d' Qudshā", o Espírito Santo, que é idêntico a Ḥachmūth, mas em combinação com "criaturas", ou seja, seres subordinados que cooperam com eles. Apesar de não estar expressamente indicado, é a inferência mais provável é que assim como a mãe e o pai, também sua prole (filhos "Daquele que Vive" e de Rūha d' Qudshā ou Ḥachmūth) também devem ser consideradas como Sizígias. Ḥachmūth dá a luz à duas filhas, a "Vergonha da terra seca" (mētra) e à "Imagem das águas" (Aquatilis Corporis typus), que é mencionada ligada à Sophia ofita. Ao dela, numa passagem evidentemente em referência a Bardesanes, ar, fogo, água e escuridão são mencionados como aeons. Estas são provavelmente as "criaturas" a quem, em conjunto com o Filho e Rūha d' Qudshā, acredita-se que Bardesanes creditou a criação do mundo. Embora muito ainda permaneça obscuro sobre as doutrinas de Bardesanes, não podemos simplesmente descartar os comentários de Ephraim, que continua sendo a mais antiga fonte siríaca para o nosso conhecimento sobre as doutrinas deste gnóstico siríaco. Bardesanes, segundo Ephraim, também falava sobre a esposa ou virgem que tendo caído do Paraíso Superior, oferece, durante seu abandono, preces pedindo ajuda do alto e, sendo ouvida, retorna aos prazeres do Paraíso Superior.

Escritos bíblicos

Livro dos Provérbios

A filosofia religiosa judaica se ocupou muito com o conceito da divina Sophia, como uma revelação do pensamento interno de Deus e atribuiu a ela não somente a formação e ordenação do universo natural como também a comunicação de toda percepção e conhecimento à humanidade. Em Provérbios 8:1 e seguintes, Sabedoria (substantivo feminino) é descrita como conselheira de Deus que habitava dentro dele antes da Criação do mundo e que faz muitas coisas diante Dele. De acordo com a descrição dada no Livro dos Provérbios, uma morada foi atribuída a Sophia pelos gnósticos e a sua relação com o mundo superior e também com os sete poderes planetários abaixo dela. As sete esferas planetárias (ou céus) eram para os antigos as regiões mais altas do universo criado. Eles eram entendidos como sete círculos subindo um sobre o outro e dominado por sete arcontes. Juntos, estes círculos constituíam a Hebdomad. Acima do mais alto, e sobre ela, estava a Ogdóade, a esfera de imutabilidade, e que estava próximado mundo espiritual. Diz Provérbios:

«A sabedoria edificou a sua casa, Cortou as suas sete colunas;» (Provérbios 9:1)
Estes sete pilares foram interpretados como sendo os céus planetários e a morada de Sophia foi colocada acima da Hebdomad, na Ogdóade. O livro bíblico diz ainda sobre a mesma sabedoria divina:

«No cume das alturas junto ao caminho, Nas encruzilhadas ela se coloca;» (Provérbios 8:2)
Na interpretação gnóstica, isso significa que Sophia tinha sua morada "no cume das alturas", sobre o universo criado, no lugar do "meio", entre o mundo superior e o inferior, entre o Pleroma e a ektismena. Ela se senta "Junto às portas, à entrada da cidade", ou seja, nas vias de aproximação aos reinos dos sete Arcontes e é na "entrada" do reino superior de luz que recebe seus elogios. A Sophia (Sabedoria) é portanto o governante superior sobre o universo visível e, ao mesmo tempo, a intermediária entre os reinos. Ela dá forma ao universo mundano com base nos protótipos celestes e forma os sete ciclos estelares com seus Arcontes e sob o domínio deles é colocado - de acordo com as concepções astrológicas da antiguidade - o destino de todas as coisas terrenas, especialmente o homem. Ela é a "Mãe" ou a "Mãe da Vida". Tendo vindo das alturas, ela é formada pela essência pneumática, a mētēr phōteinē or the anō dynamis,da qual todas as almas pneumáticas se originam.

Escritos apócrifos

Nag Hammadi

Nos textos da Biblioteca de Nag Hammadi, Sophia é o mais baixo dos Aeons ou a expressão antrópica da emanação da luz de Deus. Na obra Sobre a origem do Mundo, Sophia é mostrada como sendo a destruidora final do universo material, Yaldabaoth e todos os seus céus:

Ela Sophia irá jogá-los no abismo. Eles os Arcontes serão obliterados por conta de sua iniquidade. Pois eles serão como vulcões e consumirão uns aos outros até que perecerão nas mãos do principal entre seus pais. Quando ele os tiver destruído, ele irá se voltar contra si mesmo e se destruirá até que deixe de existir. E seus céus irão cair cada um sobre o próximo e suas forças serão consumidas pelo fogo. Seus reinos eternos também serão derrubados. E seu céu irá cair e partir-se-á em dois. Seus [...] irão cair sobre o [...] os suporta; eles irão cair no abismo, e o abismo será derrubado. A luz irá [...] a escuridão e obliterá-la: será como algo que nunca foi
 
— Sobre a origem do Mundo.

Atos de Tomé

Os Atos de Tomé preservaram vários hinos cuja composição é do próprio Bardesanes ou obras de sua escola. Na versão siríaca do texto dos Atos, encontramos o Hino da Pérola, no qual Sophia foi enviada dos céus para capturar uma pérola guardada pela serpete. Uma vez no mundo inferior, ela se esqueceu de sua missão celeste até que relembrada por uma carta da "mãe, pai e irmão", executa então a tarefa, recebe de volta suas vestes gloriosas e retorna para sua antiga casa. Dos demais hinos, que estão preservados em grego e são mais fiéis que a versão siríaca, que sofreu uma revisão católica, o primeiro que merece atenção é Ode a Sophia, que descreve o casamento de uma "virgem" com o seu noivo celeste e a sua introdução no Reino Superior de Luz. Esta "virgem", chamada "filha da luz", não é - como supõe o revisor católico - a Igreja, mas Ḥachmūth (Sophia), acima da qual o "rei", ou seja, o Pai de toda a vida, está entronado; o noivo dela é, de acordo com a interpretação mais provável, o filho do Vivo (ou "Aquele que Vive"), Cristo. Com ela, os Vivos (as almas pneumáticas) entram no Pleroma e recebem a gloriosa luz do Pai Vivo e o adoram juntamente com o "espírito vivo", o "pai da verdade" e a "mãe da sabedoria". A Sophia também é invocada na Primeira Oração de Consagração. Ela é ali chamada de "mãe piedosa", "consorte do masculino", "reveladora dos mistérios perfeitos", "mãe das Sete Casas" (Hebdomad) que "encontra repouso na oitava casa" (Ogdóade). Na segunda Segunda Oração de Consagração ela é chamada de "perfeita Misericórdia" e "Consorte do Masculino", mas é também chamada de "Espírito Santo" (Rūha d' Qudshā) "Revelador de Mistérios de toda Magnitude", "Mãe escondida", "Aquela que sabe os Mistérios dos Eleitos" e "aquela que participou dos conflitos do nobre Agonistes" (Cristo). Há ainda mais adiante um resquício direto da doutrina de Bardesanes quando ela é invocada como a "Pomba Sagrada" que deu à luz os dois gêmeos (as duas filhas de Rūha d' Qudshā).

Pistis Sophia

Um desenvolvimento especial e ricamente escrito aparece na forma mítica de Sophia no livro gnóstico Pistis Sophia. Os dois primeiros livros desta obra, muito bem nomeada Pistis Sophia, tratam em grande parte da queda, arrependimento e redenção de Sophia. Ela tinha, por ordem dos poderes maiores, obtido uma visão breve de sua morada no mundo espiritual, o thēsauros lucis que fica além do décimo terceiro Aeon. Através de seus esforços em direcionar para lá a sua ascensão, ela acaba atraindo a inimizade de Authadēs, Arconte do décimo-terceiro Aeon, e dos Arcontes do décimo-segundo também, que estavam sob ele. Por eles, ela é atraída até as profundezas do caos e atormentada de uma enorme variedade de formas para que perca a sua natureza de luz. No limite de suas necessidades, ela endereça treze preces penitentes (metanoiai) para a Luz Superior. Passo-a-passo ela é erguida até Christus nas regiões mais altas, embora ela ainda esteja ofendida pelos ataques dos Arcontes, e seja, após lhe ser oferecido morada no décimo-terceiro (Metanoia), mais veementemente atacada do que nunca, até que enfim Christus a leva para um lugar intermediário abaixo do décimo-terceiro Aeon, onde ela permanece até o fim do mundo, oferecendo hinos de gratidão aos céus. O trabalho terreno de redenção tendo sido completado, a Sophia então retorna à sua morada celeste.

A característica peculiar desta representação está no desenvolvimento adicional das idéias filosóficas que geralmente já fazem parte do Mito de Sophia. Aqui ela não é meramente, como em Valentim, representativa da saudade que um espírito finito sente pelo conhecimento do infinito, mas também a um tipo de padrão de fé, arrependimento e esperança.

Mais um resquício da Sophia dos antigos sistemas gnósticos também pode ser encontrado em Pistis Sophia na figura da "Donzela-Luz" (ou "Donzela de Luz" - parthenos lucis), que é claramente distinta de Sophia e aparece como um arquétipo de Astraea, a constelação de Virgo.

Livro de Baruque

Um papel similar ao de mētra é desempenhado por Edem, consorte de Elohim no livro gnóstico Baruque, onde aparece como um monstro, com cabeça de mulher e corpo de serpente.

Entre os vinte e quatro anjos que ela dá luz de Elohim e que forma o mundo pelos seus membros, a segunda forma angélica feminina é chamada Achamōs (Achamōth).

Similar a esta história contada no Philosophumena sobre a Gnose de Baruque é a que foi relatada por Epifânio sobre uma festa ofita em que eles inventaram que uma serpente do mundo superior havia tido relações sexuais com a Terra na forma de uma mulher.

Sistemas gnósticos

Simão Mago

O Mito da Alma e sua descida até o mundo inferior, com seus vários sofrimentos e mudanças de sorte até a libertação final aparece também no sistema simoniano sob a forma da "Mãe de Todos" é emitida como primeiro pensamento do Hestōs ou poder maior de Deus. Ela geralmente tem o nome de Ennoia, mas também é chamada de Sabedoria (Sophia), Regente, Espírito Santo, Prunikos e Barbelo. Tendo caído dos mais altos céus até as regiões mais profundas, ela cria anjos e arcanjos e estes, por sua vez, criam e governam o universo material. Aprisionada pelo poder deste mundo inferior, suas tentativas de voltar ao reino do Pai são frustradas. De acordo com uma das representações, ela sofre toda sorte de insultos dos anjos e arcanjos, presos à força seguidamente em renovados corpos terrestre e compelidos por séculos a vagar em cada vez numa nova forma corpórea. De acordo com outro relato, ela é em si incapaz de sofrimento, mas é enviada a este mundo inferior e submete-se à perpétuas transformações para excitar com sua beleza os anjos e poderes, para impeli-los a engajarem-se na luta perpétua e assim privá-los do seu estoque da fagulha (luz) celeste. Em algum momneto, Hestōs desce do mais alto céu num corpo fantasmagórico para libertar a Ennoia sofredora e para redimir as almas presas em cativeiro dando-lhes a Gnosis (Conhecimento).

A forma mais frequente de denominar a Ennoia entre os simonianos é "a perdida" ou "ovelha vagante". As divindades gregas Zeus e Atena já foram interpretados como significando Hestōs e sua Ennoia, e de forma similar, os deuses de Tiro, o deus-sol Herakles-Melkart e a deusa-lua Selene-Astarte. E também a homérica Helena, como sendo a causa da guerra entre os gregos e os troianos, já foi considerada como sendo a Ennoia. A história que os pais da Igreja nos deixaram sobre a relação sexual entre Simão Mago e sua consorte Helena teve provavelmente sua origem nesta interpretação alegórica.

Valentim

O mais importante desenvolvimento do Mito de Sophia é encontrado no sistema valentiano. A queda de Sophia do Pleroma é atribuída à maneira de Platão de "cair", e como causa final desta queda é apontado um estado de sofrimento que penetrou no próprio Pleroma. Sophia ou Mētēr é, na doutrina de Valentim, o último, ou seja, o décimo-terceiro Aeon no Pleroma, do qual tendo caído, num estado de saudade profunda do mundo melhor que ela perdeu, deu à luz os Christus "com uma sombra" (meta skias tinos). Enquanto Christus retorna ao Pleroma, Sophia forma o Demiurgo e todo o mundo inferior, criado a partir do skia, um princípio dual de esquerda e direita. Para a redenção de Sophia, ou o próprio Christus ou o Soter descem para ajudá-la a retornar ao Pleroma e uni-la novamente com a seu syzygos. O motivo da queda de Sophia foi definido de acordo com o ensinado pela escola de Anatólia, de que pelo seu desejo de saber o que havia além dos limites do cognoscível, ela se colocou num estado de ignorância e sem forma. Seu sofrimento então se estendeu por todo o Pleroma. Por isso, ela acabou separada dele e deu à luz fora dele (através da sua ennoia, suas lembranças do mundo superior), ao Christus, que imediatamente ascende ao Pleroma. Em seguida, ela produz um ousia amorphos, a imagem de seu sofrimento, do qual o Demiurgo e o mundo inferior se originam. Por fim, olhando para cima em sua condição miserável e implorando pela luz, ela finalmente dá a luz a spermata tēs ekklēsias, as almas pneumáticas. Na sua obra de redenção, o Soter desce, acompanhado por anjos masculinos que deverão se tornar os futuros syzygoi das almas (femininas) dos Pneumatici. Então, ele introduz Sophia e estes Pneumatici na câmara nupcial celeste.

Ptolomeu

A escola italiana destacou uma Sophia dualista, a ano Sophia e a katō Sophia (ou Achamoth). De acordo com a doutrina de Ptolomeu e de seus discípulos, a primeira se separou de sua syzygos, o thelētos, por causa de seu corajoso desejo de uma Comunhão imediata com o Pai de tudo, caiu para uma condição de sofrimento e iria derreter-se totalmente neste desejo, não tivesse Horos a purificado de seu sofrimento e a restabelecido no Pleroma. A sua enthymēsis, por outro lado, o desejo que ganhou controle sobre ela e o sofrimento causado por ele se tornaram um amorphos kai aneideos ousia, que também é chamado de ektrōma, foi separado dela e colocado num lugar além dos limites do Pleroma.

Maniqueísmo

A "Donzela-Luz" (parthenos tou phōtos), de Pistis Sophia, também é encontrada entre os maniqueístas excitando os desejos impuros dos demônios e assim libertando a luz que até então tinha sido aprisionada pelos poderes das trevas[52] . Por outro lado, o lugar da Sophia gnóstica entre os maniqueístas é tomado pela "Mãe da Vida" (mētēr tēs zōēs) e pela Alma do Mundo (psychē hapantōn), que frequentemente se distingue da Mãe-Vida, e é considerada como difundida em todas as criaturas vivas, cuja libertação do reino das trevas constitui toda a história do mundo.

Gnosticismo Siríaco

O Mito de Sophia sofreu uma série de tratamentos nos vários sistemas gnósticos. O mais antigo, o Gnosticismo siríaco, se refere a Sophia como a formação do mundo inferior e a produção de seus regentes, os Arcontes, e também atribui a ela a preservação e propagação da semente espiritual.

Como descrito por Ireneu, a grande Mãe do universo aparece como a primeira mulher, o Espírito Santo (rūha d'qudshā) se movendo sobre as águas, também chamada de Mãe da Vida. Abaixo dela estão quatro elementos materiais: água, escuridão, abismo e caos. Com ela, se fundem as duas luzes supremas masculinas, o primeiro e o segundo homem, o Pai e o Filho, este último sendo chamado de "Ennoia" do Pai. Desta união nasce uma terceira luz imortal, o terceiro homem, Cristo. Mas incapaz de aguentar a abundante plenitude da luz, a Mãe - no nascimento do Cristo - deixa uma parte desta luz escapar para a esquerda. Então, enquanto Cristo, como dexios (O do lado direito) sobe com sua Mãe aos céus, a outra luz que transbordou do lado esquerdo afunda no mundo inferior e lá dá origem à matéria. E esta é a Sophia, chamada também de Aristera (A do lado esquerdo), Prouneikos (A libidinosa) e a masculina-feminina.

Não há neste mito uma compreensão de "queda" propriamente dita, como no sistema valentiniano. O poder que transbordou à esquerda desceu voluntariamente nas águas inferiores, confiando na posse da fagulha da luz verdadeira. Adicionalmente, é evidente que embora mitologicamente diferente da humectatio luminis (ikmas phōtos, em grego: ἰκμὰς φωτός), a Sophia é ainda nada mais que uma fagulha vinda de cima, entrando neste mundo material e se tornando aqui a fonte de toda criação, tanto das formas superiores quanto inferiores de vida. Ela navega sobre as águas e coloca sua até então imóvel massa em movimento, dirigindo-as ao abismo e toma para si a forma corporal de hylē (matéria). Ela viaja por todos os lados e é carregada com todo tipo de peso e substância material até que, com exceção da fagulha da luz, ela afunda e se perde na matéria. Presa ao corpo que ela assumiu e pesada por causa dele, ela luta em vão para escapar das águas profundas e correr para sua mãe celeste, no alto. Não tendo sucesso nesta empreitada, ela procura preservar, pelo menos, a fagulha de luz de ser danificada pelos elementos inferiores, para isso elevando-se por seus próprios poderes até a região mais alta e se espalha por toda ela, formando com seu próprio corpo o firmamento visível, ainda que mantendo sua aquatilis corporis typus (Imagem das Águas). Finalmente, tomada por uma saudade enorme da luz superior, ela encontra em si, depois de muito esforço, o poder de elevar-se acima do céu de sua própria criação e de abandonar complemente sua existência corporal. O corpo abandonado é chamado de "Mulher da Mulher".

A narrativa prossegue contando sobre a formação dos sete Arcontes pela própria Sophia, sobre a criação do homem, que "a Mãe" (não a primeira mulher, mas Sophia) se utiliza como um estratagema para retirar dos Arcontes sua parte na fagulha de luz, sobre o perpétuo conflito da parte de sua mãe contra os esforços dos egoístas dos Arcontes e sobre a contínua luta de Sophia para recuperar a fagulha de luz escondida na natureza humana. Finalmente, Cristo vem em seu apoio e, em resposta às suas orações, coleta todas as fagulhas para Si, une-se com Sophia como noivo e noiva, desce em Jesus, que tinha sido preparado por Sophia como um "veículo mais puro" para recebê-lo, e retira-se novamente antes da crucificação, ascendendo com Sophia até um mundo imortal. Neste sistema, o significado cosmogônico de Sophia ainda permanece em destaque. A antítese de Cristo e Sophia, como "Ele do lado direito" (ho dexios) e "Ela do lado esquerdo" (hē aristera), como masculino e feminino, não é mais do que a repetição da primeira antítese cosmogônica em outro formato. A Sophia em si nada mais é do que uma cópiada "Mãe da Vida" e é, portanto, chamada "Mãe". Ela é a formadora do céu e da terra, pois a mera matéria só recebe forma através da luz que, vinda de cima, interpenetrou as águas escuras do hylē.

Pleroma


Pleroma (Grego πλήρωμα) geralmente se refere à totalidade dos poderes divinos. A palavra significa plenitude (do grego πληρόω, "Eu preencho"), comparável a πλήρης que significa "cheio"e é usada em contextos teológicos cristãos, tanto Gnósticos quanto por Paulo de Tarso em Colossenses 2:9.

Pleroma no Gnosticismo

O Gnosticismo ensina que o mundo é controlado por Arcontes, dentre os quais está, segundo algumas versões do Gnosticismo,a divindade do Antigo Testamento, que mantém cativos alguns aspectos humanos, acidentalmente ou de propósito. O Pleroma celeste é a totalidade de tudo o que é considerado pela nossa compreensão como "divino". O Pleroma é muitas vezes referido como sendo a luz que existe "acima" do nosso mundo, ocupado por seres espirituais que se emanaram do Pleroma. Estes seres são descritos como Aeons (seres eternos) e, algumas vezes, como Arcontes. Jesus é interpretado como um Aeon intermediário que foi enviado, juntamente com a sua contraparte Sophia (gnosticismo), do Pleroma. Com a ajuda deles, a humanidade seria capaz de recuperar o conhecimento perdido de suas origens divinas e assim recuperar a unidade com o Pleroma. O termo é, portanto, um elemento central da cosmologia religiosa Gnóstica.

Textos Gnósticos enxergam o Pleroma como aspectos de Deus, o eterno Princípio Divino, que só pode ser parcialmente compreendido através do Pleroma. A cada Aeon (aspecto de Deus) é dado um nome (às vezes vários) e uma contraparte feminina (o Gnosticismo enxerga a divindade e a plenitude em termos da unificação masculino / feminino - veja Sizígia). O mito de criação Gnóstico continua contando como Sophia (Sabedoria) se separou do Pleroma e formou o Demiurgo, dando à luz assim ao mundo material.

Uso contemporâneo

Pleroma também é utilizado na língua grega em geral e pela Igreja Ortodoxa Grega, pois aparece na Epístola aos Colossenses. Proponentes da visão de que Paulo seria de fato um gnóstico, como Elaine Pagels da Universidade de Princeton, entendem que a referência na Epístola como algo a ser interpretado no sentido gnóstico.

Carl Jung

Carl Jung utilizou a palavra no trabalho místico não publicado de 1916, Sete Sermões aos Mortos, que finalmente foi publicado em Resposta a Jó (1952) e depois num apêndice da segunda edição de sua autobiografia, Memórias, Sonhos, Reflexões (1962). De acordo com Jung, Pleroma é "ao mesmo tempo o tudo e o nada. É infrutífero pensar sobre o Pleroma. Nisto, tanto pensar quanto ser cessam, pois o eterno e o infinito não possuem atributos.

Neoplatonismo e Gnosticismo

John M. Dillon, no seu "Pleroma and Noetic Cosmos: A Comparative Study"  declara que o Gnosticismo importou o seu conceito de "reino ideal" ou Pleroma do conceito platônico de Cosmos e Demiurgo em Timeu e o conceito de Cosmos Noético de Fílon de Alexandria em contraste com o Cosmos estético. Para chegar nesta conclusão, ele contrasta o Cosmos Noético com passagens da Biblioteca de Nag Hammadi, onde os Aeons são expressados como pensamentos de Deus. Dillon afirma que o Pleroma é uma adaptação de idéias gregas, pois antes de Fílon não há nenhuma tradição judaica que aceite que o mundo material (ou Cosmos) foi baseado num mundo ideal que também existe.

Mônada


Em muitos sistemas gnósticos (e heresiológicos), o Ser Supremo é conhecido como Mônade, o Uno, o Absoluto Aiōn teleos (O Perfeito Aeon, αἰών τέλεος), Bythos (Profundidade, Βυθός), Proarchē (Antes do Início, προαρχή, Hē Archē (O Início, ἡ ἀρχή) e Pai inefável. O Uno é a fonte primal do Pleroma, a região de luz. As várias emanações do Uno são chamados "Aeons".

Dentro de algumas variações do Gnosticismo, especialmente as inspiradas por Monoimus, o Mônade era o mais alto deus, que criou todas as demais divindades inferiores ou os elementos (similares aos Aeons). Algumas versões mais antigas do Gnosticismo, especialmente as da escola valentiana, uma divindade inferior chamada Demiurgo teve um papel central na criação do mundo material, complementar ao papel do Mônade. Nestas tradições, o Deus do Antigo Testamento é frequentemente considerado como sendo o Demiurgo e não o Mônade, sendo que em algumas passagens ele pode se referir a ambos.

Demiurgo



Demiurgo (grego, δημιουργός, demiourgos), significa "o que trabalha para o público, artífice, operário manual", demios significando "do povo" (como em demos, povo) e -ourgos, "trabalhador" (como em ergon, trabalho.)

No sentido de "trabalhador para o povo", a palavra foi usada em todo o Peloponeso,com exceção de Esparta, e em muitas partes da Grécia, como sinônimo de um alto magistrado.
No pensamento cosmogônico de Platão, o termo designa o artesão divino - causa da alma do mundo - que, sem criar de fato o universo, dá forma a uma matéria desorganizada imitando as essências eternas, tendo os deuses inferiores, criados por ele, como tarefa a produção dos seres mortais.No pensamento gnóstico, o demiurgo, criador do mundo é distinto do Deus supremo e em geral considerado mau .

Platonismo e Neoplatonismo

O uso filosófico e o substantivo próprio derivam do diálogo Timeu escrito por Platão em 360 a.C., a causa do universo, de acordo com a exigência de que tudo que sofre transformação ou geração (genesis) sofre-a em virtude de uma causa. Diferente do deus cristão, o demiurgo não cria ex nihilo mas a partir de um estado preexistente de caos, tentando fazer seu produto assemelhar-se ao modelo eterno das Formas , assim a atividade do demiurgo compreende observar as Formas, desejar que tudo seja o melhor ou mais similar possível ao modelo eterno e perfeito.

A meta perseguida pelo demiurgo platônico é o bem do universo que ele tenta construir. Este bem é recorrentemente descrito em termos de ordem, Platão descreve o demiurgo como uma figura neutra (não-dualista), indiferente ao bem ou ao mal, mas apesar de bom, sofre limitações na coordenação criativa do cosmos, por isso, só é bom até um ponto, enquanto manter correspondência absoluta ao modelo ideal, assim Platão apela para o princípio de "causa errante", que por natureza produz movimento e tempo.Platão entende a "carência total de finalismo" (a mera disteleologia), isto é, algo indeterminado, anômalo, casual, a desordem em sentido global. Eis o que significa justamente "causa errante", ou seja, "causa que age ao acaso e de modo anômalo".

Médio platonismo

De acordo com Proclo, Numênio considerou que havia uma espécie de trindade, ou três princípios supremos: o "Primeiro Deus", chamado Pai, O Primeiro, Nous, O Um e O Bem, é o ser absoluto, perfeitamente transcendente e autônomo. Ele é pai do "Segundo Deus", o Demiurgo que também se chama Nous, ele é igualmente bom, porque compartilha do bem do Primeiro Deus, mas possui uma inclinação a matéria.Numênio também alegou que as três divindades eram na verdade uma só.

Enquanto os deuses menores do Timeu de Platão são responsáveis por acrescentar uma alma mortal à alma racional imortal entregues pelo demiurgo, o demiurgo de Numênio é responsável apenas pela encarnação e reencarnação das almas mortais, que são, elas próprias, de origem superior.Numênio considerou ainda um demiurgo dualista, sua parte contemplativa é a alma do mundo benévola e a parte da criação, porque se preocupa unicamente com a matéria, é a alma do mundo má.

Neoplatonismo

Plotino não interpreta a criação do mundo através do demiurgo platônico de modo literal, mas ainda assim, uma interpretação figurativa do demiurgo é usada, ele introduz uma separação entre realidade inteligível e realidade sensível.

Segundo Proclo, Plotino considerava que o primeiro demiurgo é o que contempla o paradigma, o segundo é o que dispõe o resultado da contemplação em ação, primeiro criando o universo e então o governando. A parte elevada deve ser chamada Cronos e parte inferior, a ação, traz o nome de Zeus. O reino de Cronos e o intelecto de Zeus, juntamente constituem o nível intermediário entre O Um e o universo.

Jâmblico equaliza todo o cosmos a Demiurgo,concordando com Plotino, ele afirma ainda que apenas o demiurgo contém o ser e o inteligível.

Gnosticismo

Os gnósticos acreditavam que o Criador ou demiurgo era uma entidade do mal, o que contrasta com o conceito platônico.Segundo o gnosticismo existe incompatibilidade entre a esfera divina, que é luz, e o universo de nossa experiência, que é terreno e desprovido de sentido, esse dualismo, inspirado por uma visão pessimista do mundo e de sua história, não é eterno como para os maniqueus, pois o mal só apareceu com a criação, atribuída à hìbrys de um demiurgo, e há de desaparecer um dia.

Em textos gnósticos como no Apócrifo de João e Da origem do Mundo, demiurgo, o filho de Sophia recebe nomes que definem a sua natureza: Yaldabaoth ("filho dos caos" ), Sakla (do aramaico, "tolo"), Samael ("deus cego") ou ainda Nebruel (ou Nebro).É ainda no Apócrifo de João que descrevem o demiurgo Yaldabaoth com um ser que tem o rosto que se assemelha a um leão.

No apócrifo Hipóstase dos Arcontes, Yaldabaoth e Sabaoth são entidades diferentes, esta última seria o filho do primeiro mas mesmo nessa versão Sabaoth tem função semelhantes, seu trono é uma imensa carruagem de querubins rodeada por anjos ministeriais. O nome Yaldabaoth exercitou a ingenuidade dos estudiosos por um bom tempo, este arconte foi igualado a Yahweh (Javé) do Antigo Testamento, mas não há indícios no hebraico para tal significado.

No Sistema de Ptolomeu de Valentim, o demiurgo é descrito como um anjo, semelhante a deus, que elevou-se até o sétimo céu que circunda a terra, acima deste está o oitavo céu e acima dele o Deus Supremo, que fica completamente distante do mundo. Anjo guardião da esfera inferior, o demiurgo foi designado como o criador do mundo, o chefe dos arcontes pelos quais Achamoth, a mãe, deu à luz (Ogdoad). Por trás do demiurgo, há uma reunião de forças subordinadas, os arcontes, que são seus colaboradores.A teoria Valentiniana elabora que da Achamoth (he káta sophía ou sabedoria menor), originaram-se três tipos de substâncias, o espiritual (pneumatikoi), o animal (psychikoi) e o material (hylikoi). O Demiurgo pertence ao segundo tipo, por ele ser fruto da união da Achamothcom a matéria.

A descrição do demiurgo, pelos setianistas é ainda mais negativa do que no sistema valentiano e seu status é inferior ao do Deus Supremo, como citado no Evangelho de Filipe, mas ele alcançou o status de criador dos arcontes e do mundo natural , tornando-se arrogante disse "Eu sou o Pai, e acima de mim não há nenhum outro", (como em Isaías 45:5 e Isaías 46:9), de acordo com o Apócrifo de João, uma voz divina, ultrajada com a reivindicação arrogante de Yaldabaoth, dá a resposta e o refuta, a voz ressoa: "A humanidade existe, assim como o filho da humanidade".

Marcião contrapunha o deus do Antigo Testamento ao deus de Jesus Cristo, para ele a criação era obra de um deus maligno, o Demiurgo, apresentado na Bíblia judaica. Segundo Marcião, o Pai de Jesus não tinha nada em comum com o Deus judaico do juízo e da guerra, o deus do Antigo Testamento, juiz potente, justo, colérico, cruel, mesquinho, capaz de afirmar: «Eu formo a luz, e crio as trevas; faço a paz, e crio o mal; eu sou Jeová que faço todas estas coisas.» (Isaías 45:7), esse deus não poderia ser o mesmo pai de Jesus Cristo.Coerente ao seu pensamento, Marcião não só rejeitou a Bíblia judaica como Escritura Sagrada, na luta pela mensagem pura, mas também os escritos do neotestamentários em que predomina a tradição judaica.

Abraxas



A palavra Abrasax (grego ΑΒΡΑΣΑΞ, que é muito mais comum nas fontes que a forma variante Abraxas, ΑΒΡΑΞΑΣ) era um palavra de significado místico no sistema gnóstico de Basilides, aplicada nele ao "Grande Arconte" (grego: megas archōn), o príncipe (princeps) das 365 esferas (grego: ouranoi).Na cosmologia gnóstica, as sete letras que compõem o nome representam cada uma um dos sete "planetas" clássicos (Sol, Lua, Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter e Saturno).

A palavra é encontrada em textos gnósticos, como o Evangelho Copta dos Egípcios e nos Papiros Mágicos Gregos. Ela também era gravada em algumas gemas por isso chamadas de Pedras de Abraxas, que eram usadas como amuletos. Como se soletrava inicialmente 'Abrasax' (Αβρασαξ), a forma 'Abraxas' encontrada atualmente provavelmente se originou em alguma confusão entre as letras gregas Sigma e Xi na transliteração para o latim. Abrasax pode também estar relacionada a Abracadabra, embora outras explicações existam.

Há diversas similaridades e diferenças entre estas gravuras em reportes sobre os ensinamentos de Basilides, antigos textos gnósticos, as grandes tradições mágicas greco-romanas e os modernos escritos mágicos e esotéricos. Opiniões não faltam sobre Abraxas, que em séculos recentes foi entendido como um deus egípcio e um demônio.O psicólogo suíço Jung escreveu um breve tratado gnóstico em 1916 chamado os Sete Sermões aos Mortos, que tinha Abraxas como um deus acima do Deus Cristão e o Diabo, que combinaria todos os opostos num único Ser.

Significado

Como um Arconte

No sistema descrito por Ireneu, o "Pai não-nascido" é o progenitor do Nous, e dele Nous Logos, de Logos Phronesis, de Pronesis Sophia e Dynamis. Destes, principados, poderes e anjos, o último dos quais criam o "primeiro céu".

Estes, por sua vez, originam uma segunda série, criando um segundo céu. O processo continua de maneira similar até que 365 céus existam, sendo os anjos deste último (o céu visível) os criadores do nosso mundo. o "governante" (principem, ou ton archonta) dos 365 céus "é Abraxas e, por isso, ele contém em si mesmo 365 números".

Hipólito fala sobre Abraxas na Refutação de todas as heresias,que parece ter seguido a Exegetica de Basilides. Após descrever a manifestação do Evangelho na Ogdóade e na Septóade, ele acrescenta que os Basilidianos têm um longo relato sobre as inúmeras criações e poderes nos diversos 'estágios' do mundo superior (diastemata), no qual relatam sobre os 365 céus e argumentam que "seu grande arconte" é Abrasax, pois seu nome contém o número 365, o número de dias do ano. Ou seja, a soma dos números representados pelas letras gregas em ΑΒΡΑΣΑΞ é 365:

Α = 1, Β = 2, Ρ = 100, Α = 1, Σ = 200, Α = 1, Ξ = 60

Como um deus

Epifânio de Salamis parece seguir parcialmente Ireneu e parcialmente o "Compêndio de Hipólito", agora perdido.Ele conceitua Abrasax distintamente como o "poder acima de tudo e o primeiro princípio", "a causa e o primeiro arquétipo" de todas as coisas e menciona que os seguidores de Basilides se referiram ao número 365 como sendo o número de partes no corpo humano além do número de dias no ano.

O autor do apêndice do livro Prescrição contra heréticos, de Tertuliano,que também devem ter seguido o Compêndio de Hipólito acrescentam algumas particularidades: que 'Abraxas' deu à luz Mente (Nous), o primeiro numa série de poderes enumerados por Ireneu e Epifânio; que o mundo, assim como os 365 céus, foi criado em homenagem a 'Abraxas'; e que Cristo foi enviado não pelo Criador do mundo, mas por 'Abraxas'.

Nada pode ser inferido das vagas alusões de Jerônimo, que afirmava que 'Abraxas' significava "O Deus maior" para Basilides,"Deus Todo-Poderoso" e "O Senhor Criador" (Comentários sobre Amós, cap. III.9, e sobre Naum, I.11, respectivamente). As aparições em Teodoreto ("Haereticarum fabularum compendium", I.4) e Agostinho de Hipona (Haer IV e Praedestinatus I.3) não tem valor como fontes independentes.

Como um Aeon

Mesmo com a disponibilidade de fontes primárias, como as da Biblioteca de Nag Hammadi, a identidade de Abrasax ainda permanece obscura. O Livro Sagrado do Grande Espírito Invisível, por exemplo, se refere a Abrasax como o Aeon vivendo com Sophia e os demais Aeons do Pleroma na luz do luminar Eleleth. Em diversos textos, Eleleth é o último dos luminares (Luzes espirituais) de destaque e é o Aeon Sophia, associado a ele, que encontra a escuridão e acaba envolvida na cadeia de eventos que levam ao reinado do Demiurgo neste mundo e à tentativa de salvação que se segue.

Assim, o papel de Aeon de Eleleth, e também de Abrasax, Sophia e outros, é característico da camada exterior do Pleroma, a que toca a ignorância do mundo da Vontade, e que reage para corrigir o erro da ignorância no mundo das coisas materiais.

As Pedras de Abrasax

Um grande número de pedras gravadas existem, as há muito chamadas de "Pedras de Abrasax". Um exemplo particularmente bom foi encontrado dentre os artefatos do Tesouro de Thetford, do século IV dC, encontrado em Norfolk, UK. Os personagens são mitológicos, majoritariamente grotescos, com várias inscrições, dentre as quais ΑΒΡΑΣΑΞ frequentemente é encontrada, sozinha ou acompanhada de outras palavras. Algumas vezes, todo o espaço é tomado com a escrição. Em certos textos mágicos obscuros de origem egípcia, ἀβραξάς ou ἀβρασάξ é encontrado associado com outros nomes frequentemente dados à gemas;e é também encontrado no metal grego tesseræ entre outras palavras místicas. O significado destas lendas raramente pode ser compreendido, apesar das gemas serem tidas como amuletos.

Arconte


Arconte no singular, (Grego ἄρχων, pl. ἄρχοντες, "alto oficial", "chefe", "magistrado") seria qualquer um dos seres que foram criados juntamente como mundo material por uma divindade subordinada chamada o Demiurgo (Criador). Os gnósticos eram dualistas religiosas, que considerou que a matéria é má e o espírito bom e que a salvação é alcançada através do conhecimento esotérico, ou gnose. Porque os gnósticos do segundo e terceiro séculos - geralmente originadas dentro do cristianismo - consideravam o mundo material como definitivamente mal ou como o produto de erro, os arcontes eram vistos como forças maléficas.

O termo aparece como uma designação para seres sobrenaturais nos escritos judeus, cristão, no neoplatonismo e no gnosticismo. Os arcontes podem ser tanto bons ou maus, mas frequentemente o termo designa seres que são hostis ou malévolos.
Hebdomad

Uma característica fundamental da concepção gnóstica do universo é o papel representado em quase todos os sistemas gnósticos pelos sete arcontes criadores-de-mundos, conhecidos por Hebdomad(ἑβδομάς). Certamente há exceções; por exemplo, Basílides acreditava na existência de um "grande arconte" chamado Abraxas que reinava sobre 365 arcontes; no sistema Valentiano, os Sete são, de certa forma, substituídos pelos Aeons. Estes Sete, portanto, são poderes semi-hostis na maioria dos sistemas e são reconhecidos como as últimas e mais baixas emanações da Divindade; abaixo deles - e frequentemente considerado como derivado deles - vêm o mundo dos poderes demoníacos de fato.

A antiga astronomia ensinava que acima das sete esferas planetárias estava uma oitava, a esfera das estrelas fixas. Na oitava esfera, estes autores ensinam, vive a mãe a quem todos estes arcontes devem sua origem, Sophia ou Barbelo. Na língua destas seitas a palavra Hebdomad não se refere apenas aos sete arcontes, mas também às regiões celestes regidas por eles; enquanto Ogdóade (gnosticismo) é utilizado como o conjunto das sete com aquela supracelestial.

Os Ofitas aceitavam a existência destes sete arcontes; uma lista quase idêntica é dada no livro Sobre a origem do mundo:

Yaldabaoth, chamado também de Saclas, Saklas e Samael
Saturno.
Nome feminino: Pronoia (Premeditação) Sambathas, "semana".
Profetas:Moisés, Josué, Amós, Habacuque.
Do Hebreu yalda bahut (Tohu va bohu), "Criança do Caos"? O mais externo que criou os seis outros e portanto o regente chefe e Demiurgo par excellence. Chamado o "Cara de Leão", leonteides, similar ao Mitraico Leontocephaline.
Iao
Júpiter.
Nome feminino: Senhora.
Profetas: Samuel, Natã, Jonas (profeta), Miqueias.
Talvez de Yahu, Yahweh, Mas também possivelmente do grito mágico iao nos Mistérios.
Sabaoth
Marte.
Nome feminino: Divindade.
Profetas: Elias (profeta), Joel, Zacarias.
O título "Senhor dos Exércitos" no Antigo Testamento era entendido como um nome próprio, daí Jupiter Sabbas (Yahweh Sabaoth).
Astaphanos, ou Astaphaios
Vênus.
Nome feminino: Sophia (Sabedoria).
Profetas: Esdras, Sofonias.
Astraphaios é sem dúvida o planeta Vênus, pois gemas gnósticas com a figura feminina e a legenda ASTAPHE, cujo nome é também usado em encantos mágicos como o nome de uma deusa.
Adonaios
O Sol.
Nome feminino: Realeza.
Profetas: Isaías, Ezequiel, Jeremias, Daniel (profeta).
Do termo hebraico para "o Senhor", usada referenciando Deus;Adônis dos Sírios representando o sol de Inverno na tragédia cósmica de Tamuz. No sistema Mandeano, Adonaios representa o Sol.
Elaios, ou Ailoaios, ou às vezes Ailoein
Mercúrio.
Nome feminino: Inveja.
Profetas: Tobias, Ageu.
De Elohim, God (El).
Horaios
A Lua.
Nome feminino: Riqueza.
Profetas: Miqueias, Naum.
De Jaroah? ou "luz"? ou Horus?

Na forma helenizada do Gnosticismo ou todos ou alguns destes nomes foram substituídos por vícios personalizados. Authadia (Authades), ou Audácia, é uma descrição óbvia de Yaldabaoth, o presunçoso Demiurgo, que tem a cara-de-leão assim como o arconte Authadia. Dos arcontes Kakia, Zelos, Phthonos, Errinnys, Epithymia, o último obviamente representa Vênus. O número sete é obtido colocando um proarconte ou arconte chefe no comando. Que estes nomes são apenas um disfarce para a "Sancta Hebdomas" é claro, pois Sophia, a mãe deles, retém o nome de Ogdóade, Octonatio. Ocasionalmente (por exemplo, entre os Naassenos) encontra-se o arconte Esaldaios, que é evidentemente El Shaddai (Deus todo-poderoso) da Bíblia, e ele é descrito como o arconte "número quatro" (harithmo tetartos).

No sistema dos Gnósticos mencionado por Epifânio de Salamis podemos encontrar como os Sete Arcontes:

Iao
Saklas (o principal demônio do Maniqueísmo)
Seth (ou Sete)
David
Eloiein
Elilaios (provavelmente "En-lil", o "Baal" de Nipur, o antigo deus da Babilônia)
Yaldabaoth (ou número 6 Yaldaboath, número 7 Sabaoth)

O último livro de Pistis Sophia contém o mito da captura dos arcontes rebeldes, cujos líderes aparecem como um quinteto:

Paraplex
Hécate
Ariouth (femininas)
Tifão
Iachtanabas (masculinos)

Arcontes Mandeanos

No Mandeísmo, encontramos uma concepção diferente e talvez mais primitiva dos Sete, de acordo com a qual eles, junto com sua mãe Namrus (Ruha) e seu pai (Ur), pertence, inteiramente ao mundo das trevas. Eles e sua família são vistos como prisioneiros do deus da luz (Manda-d'hayye, Hibil-Ziva), que os perdoa, os coloca em carruagens de luz, e os designa regentes do mundo.

Arcontes Maniqueístas

Os Maniqueístas prontamente adotaram o costume Gnóstico; e seus arcontes são invariavelmente seres malignos. Eles contam como o ajudante do Homem Primordial, o espírito da vida, capturou os arcontes malignos e os amarrou ao firmamento, ou de acordo com outro relato, os esfolou e formou o firmamento com suas peles. Esta concepção está intimamente ligada ao Mandeísmo, embora nesta tradição o número "Sete" de arcontes se perdeu.

Origens

Como planetas

Ireneu de Lyon|Ireneu diz: "Sanctam Hebdomadem VII stellas, quas dictunt planetas, esse volunt.". Portanto, é seguro considerar os sete nomes Gnósticos como designando as sete "estrelas", o Sol, a Lua e os sete planetas. No sistema Mandeísta, os Sete são introduzidos com os nomes babilônicos dos planetas. A conexão dos Sete com os planetas é também claramente estabelecida pelas exposições de Celso e Orígenes e igualmente pelas páginas já mencionadas de Pistis Sophia, onde os arcontes, aqui mencionados como cinco, correspondem aos cinco planetas (sem o Sol e a Lua).

Assim, como em diversos outros sistemas, os restos dos sete planetários foram obscurecidos, mas dificilmente em algum tenha sido totalmente obliterado. O que chegou mais perto foi a identificação do Deus dos Judeus, o Legislador, com Yaldabaoth e sua designação como "criador do mundo", enquanto que anteriormente os sete planetas juntos reinavam sobre o mundo. Contudo, essa confusão foi sugerida pelo fato de que ao menos cinco dos sete arcontes têm nomes de Deus do Antigo Testamento: El Shaddai, Adonai, Elohim, Jeovah e Sabaoth.

Wilhelm Anz (Ursprung des Gnosticismus, 1897) também apontou que a escatologia Gnóstica, que consiste na batalha da alma contra arcontes hostis na sua tentativa de alcançar o Pleroma, tem íntima semelhança com a ascensão da alma na astrologia Babilônica, através dos reinos dos sete planetas até Anu. A religião Babilônica mais tardia pode ser definitivamente apontada como origem destas idéias.

No Zoroastrismo

O Bundahishn nos conta sobre o conflito primordial de Satã contra o mundo-luz. Sete poderes hostis foram capturados e transformados em constelações nos céus onde eles eram vigiados por poderes estelares benéficos e impedidos de fazerem o mal. Cinco dos poderes malignos são os planetas, ainda que aqui o Sol e Lua obviamente não sejam reconhecidos como tais pela simples razão de que na religião oficial Persa eles apareciam invariavelmente como divindades benéficas. É preciso notar também que os mistérios de Mitra, tão intimamente conectados com a religião persa, são familiares com esta doutrina da ascensão da alma pelas esferas planetárias.

Utilização

No Judaísmo e no Cristianismo

O Novo Testamento menciona diversas vezes a palavra "príncipe" (ἄρχων) "dos demônios" (δαιμονίων), ou "do [deste] mundo", ou "do poder do ar"; mas não usa a plavra verdadeiramente em nenhum sentido cognato. No Levítico (LXX), Αρχων (uma única vez como οἱ Ἄρχοντες em Levítico 20:5) representa, ou melhor, traduz Molech. A verdadeira origem desta utilização porém é Daniel 10:13-21 (seis vezes na tradução de Teodócio; uma claramente na LXX), onde o arconte (שַׂ֣ר, "príncipe") é anjo patrono de uma nação ("Espírito Territorial") da Pérsia, Grécia ou Israel; um nome lhe foi dado apenas no último caso (Miguel).

O Livro de Enoque (vi. 3, 7; viii. 1) denomina 20 "arcontes dentre os" 200 anjos "vigilantes" que pecaram com as "filhas dos homens", como aparece em um fragmentos gregos. O título não é de fato utilizado absolutamente (τ. ἀρχόντων αὺτῶν, Σεμιαζᾶς, ὁ ἄρχων αὐτῶν, bis: conforme ἱ πρώταρχος αὐτῶν Σ.), exceto talvez uma única vez (πρῶτος Ἀζαὴλ ὁ δέκατος τῶν ἀρχόντων), onde o Copta não tem correspondente: mas ele evidentemente acabou se tornando um nome próprio e pode explicar pelo uso peculiar de ἀρχή na Epístola de Tiago (Tiago 1:6).

Os Cristãos logo seguiram o precedente do Judaísmo. No século 2dC, o termo aparece em diversos escritores estranhos ao Gnosticismo. A Epístola de Diogneto (7) fala de Deus enviando aos homens "um ministro ou anjo ou arconte" etc. Justino entende o comando em Salmos 24:7-9 (ἄρατε πύλας οἱ ἄρχοντες ὑμῶν na LXX) para abrir as portas do céu como endereçado "aos arcontes apontados por Deus nos céus". O primeiro espúrio conjunto de epístolas de Inácio de Antioquia enumera "os seres celestes e a glória dos anjos e os arcontes visíveis e invisíveis" , e novamente "os seres celestes e as arrumações angélicas e as constituições arcônticas" (ou seja, ordem de províncias e funções), "coisas visíveis e invisíveis" ; o sentido sendo desconhecido no tempo do interpolador, que em um caso retira a palavra e em outros, dá a elas um sentido político. As Homilias Clementinas (I Clemente, II Clemente) adotam e estendem (ἐν ᾅδῃ . . . ὁ ἐκεῖ καθεστὼς ἄρχων) o uso do Novo Testamento; e ainda chamam os dois "poderes" bom e mau ("esquerda e direita"), que controlam o destino de cada homem, "regentes" (arcontes), embora mais frequentemente "líderes" (ἡγεμόνες).