quarta-feira, 1 de junho de 2016

Biografia Vlad Tsepesh


Na Transilvânia, a uma altitude vertiginosa acima de uma paisagem selvagem, toda florestas e ribeiros, eleva-se uma cidadela inacessível onde, enclausurado voluntariamente, vivia noutros tempos um príncipe.

Este solitário não tinha senão um único fim: transpor os limites da morte e entrar vivo na eternidade. Drácula, eis o nome deste amante das ciências malditas. Nosferatu, isto é: o «não morto», aquele que não morre nunca.

Como ele, outros senhores poderosos transformaram os seus castelos romenos em ninhos de águias, ficando discípulos do Anjo Negro. Esses sim, praticam o verdadeiro vampirismo, alquimia do sangue e da morte.

Nosferatu pode escrever-se só no plural porque não há só um nosferatu. Se Drácula, o príncipe Vlad Drakul, cuja história romena recorda, é considerado como o soberano dos adeptos da noite, ele não é único «não morto». Outros pertenceram ou ainda pertencem a essa cadeia onde os segredos do sangue se transmitem do mestre para o discípulo.

Os vampiristas conhecem o ritual de chamamento à vida, o ritual do despertar que se pode encontrar no Livre Sacré d’ Abramelin le Mage. Foi a partir deste manuscrito que formou a primeira cadeia dos «não mortos» que se espalharia pela Europa inteira.

No âmbito da magia e terror tal como se passa com os elfos, os papões, as fadas, o lobisomem etc., nós vimos o vampiro aparecer com rara constância nas lendas e tradições populares. No entanto, a lenda não é somente uma «crença popular», uma vaga superstição de que nos lembramos. Ela pertence sempre a uma realidade esquecida, temerosa.

A história revela-nos que o conde Drácula não era conde mas príncipe e que reinou em Valáquia, província dos Cárpatos,de 1456 a 1462. É também conhecido pelo nome de Vlad Tepes, o que quer dizer vlad o empalador. O historiador Florescu descreve-o como especialista em empalamento e tortura, homem sanguinário e destemido guerreiro.

«Ele empregava», escreve ele, «estacas e lanças que precisavam ser afiadas, para que as perfurações não provocassem imediata agonia e antes intensificassem o sofrimento dado o tipo de chaga alargada que daí resultava.»

A Romênia – especialmente a Transilvânia de século XV tem a marca do vampiro. Tudo, desde a busca mágica do príncipe Drácula, a criação da Ordem do Dragão por Segismundo I da Hungria que se tornou ponta de lança da cavalaria das trevas, uma ordem vampírica a que toda a aristocracia da Transilvânia aderiu, os Drácula, os Garai, Cillei e outros, tudo ali existe.

A crueldade de vlad ficou na lenda.

«Ele foi vlad Tepes, o tirano. Nada o satisfazia tanto como ver os seus inimigos no estertor e sofrer quando empalados. Conta-se que no meio dos moribundos suspensos de estacas ele se fazia servir das mais lautas refeições, para mostrar que o espetáculo cruel e a forma de matar os inimigos não lhe roubava o apetite.» (F. R. Dumas.)

Em Târgoviste ele empalou, na Páscoa de 1459, quinhentos Boyards. A 24 de Agosto de 1460, os anais da Romênia precisam que ele matou – após torturas e suplícios – 30 000 prisioneiros em Anilas:

«Assassinou alguns fazendo passar por cima deles os rodados de carros. A outros, despojando-os das suas roupagens, arrancou a pele até às entranhas. Assou alguns sobre brasas, atravessados por espetos e a tantos perfurava-lhes as nádegas com estacas que saíam pela boca... e parra que nada fosse esquecido, quanto a atrocidades possíveis, espetou, a uma mãe, os dois seios colocando-lhe por cima o filho ainda bebê.»

Enfim, matou de muitas e diversas maneiras, torturando com a ajuda de utensílios, fazendo atrocidades que só o mais tirano dos tiranos poderia conceber.

O papa Pio li ficou horrorizado. O bispo d’ Erlau, em 1475, secundou a acusação de que o número de vítimas do príncipe Drácula se elevava a mais de cem mil pessoas.

Sendo ele cristão ortodoxo, a sua excomunhão tê-lo-ia atirado para os infernos! E não foi citado que, após ter conquistado Kroonstadt, fez dos seus habitantes prisioneiros levando-os para a capela de S. Jacques, para a Igreja de S. Bartolomeu e para o mosteiro de Holtznetya onde, depois de roubar os paramentos e os cálices, deitou fogo aos edifícios com as pessoas lá dentro, matando todos os que ali se encontravam.

Com a aparição de um tal Eleazar, chegado do Egito, detentor do famoso Manuscrito de Abremelin, é que tudo afinal começou...

Uma seita do Egito revelou-lhe os mistérios da morte e as técnicas que permitiriam obter-se um aspecto de imortalidade. Chegado a Veneza, transmitiu para a escrita tudo o que ouvira da boca de Abramelin, no Egito. É em Veneza que põe em prática a sua ciência sobre os mortos... de um modo eficaz e terrífico. Alguns jovens mais ousados agruparam-se à sua volta e formaram o primeiro elo desta cadeia européia. Este saber vinha das práticas de Osíris, o deus dos mortos-vivos do Egito, aquele que foi desmembrado antes de se tomar imortal.

Nas primeiras páginas do manuscrito maldito, Abramelin revela através da escrita de Eleazar: «Imagina a que ponto a nossa seita se tornou maldita que ultrapassa o gênero humano... de tal modo que em ti , não se manterá para além de uns setenta e dois anos... e outra virá continuar-lhe caminho.»

O discípulo de Abremelin deixou Veneza, onde ficou um grande número de partidários que se instalou na ilha de Lagune, ilha essa onde noutros tempos se orara ao dragão das águas, o que prova que nada se escolhe por acaso...

Eleazar chegou à Hungria, onde se tornou conselheiro, em matéria de ocultismo, do imperador Segismundo, iniciando-o nas práticas de Abremelin.

O imperador da Hungria acabava assim de descobrir uma resposta para as suas angústias, um remédio para o seu temor à morte. Aconselhado por Eleazar fundou a Ordem do Dragão na mitologia do sangue.

Vlad o Diabo, príncipe da Valáquia e pai de Drácula, pertencera a esta Ordem, onde foi iniciado nos mistérios do sangue segundo os ritos de Abremelin.

A seguir à morte de Vlad, Drácula subiu ao trono de Valáquia. Segismundo da Hungria doou-lhe as terras, feudos de Almas e Fagaras situados na outra vertente dos Cárpatos e é sob a bandeira do Dragão que ele combate os turcos, depois de prestar vassalagem ao grão-mestre da Ordem.

Na Ordem do Dragão vamos encontrar os grandes adeptos vampiros da Romênia, homens de armas e ao mesmo tempo praticantes da velha magia. As famílias Garai e Cillei, são conhecidas pela sua crueldade e despotismo, autênticas «eminências pardas» do imperador Segismundo. Hermann de Cillei foi o exemplo vivo desta aristocracia infernal!

As relações pervertidas que mantinha com a irmã bárbara tornaram-se do domínio público mas Hermann de Cillei gozava com o escândalo para o qual ele e sua irmã viviam.

Foi nessa altura que Segismundo I tentou a grande experiência do livro de Abramelin. Ele estava apaixonado por bárbara de Cillei que, ainda nova, cansada pelos seus excessos debochados, acabava de se envenenar.

bárbara de Cillei fora por muito tempo das cúpulas da ordem. Segismundo serviu-se do ritual próprio para ressuscitar esta jovem, segundo nos conta Eleazar através dos seus documentos.

O castelo de Drácula
Bárbara foi enterrada em Gráz, na alta Síria. Algum tempo depois, os seus despojos foram transportados para o castelo de Varazdin. Foi ela a inspiradora da obra prima da literatura vampiresca do século XIX: Carmila, de Shéridan Le Fanu.

Bárbara Cillei, a quem chamavam «a Messalina alemã», perturbou durante muito tempo a sua região, a acreditar-se nas crônicas da época.

O seu duplo ter-se-ia manifestado em 1936, em Varazdin, na atual Jugoslávia, e causou a morte a seis pessoas muito novas da aldeia. Na Transilvânia, a natureza oferece à vista profusão desordenada de montanhas que protegem estreitos vales, tornando assim o acesso muito difícil. Os cumes desnudados ergem-se sobre as aldeias, como que para lembrar as glórias antigas na época em que os enormes penedos suportavam verdadeiras fortalezas de muralhas sombrias, de maciças torres.

Foi aí que, fechado no seu ninho de águia, Hermann de Cillei escreveu a sua Pratique de Vampirisme, deixando às gerações futuras um verdadeiro manual de técnica (o segredo da «horrível transformação» transmitia-se entre as famílias da nobreza da Transilvânia, os Garaï, e os Dráculas, todos nobres da Ordem do Dragão).

«O vosso corpo imortal já existe», escreve Hermann Cillei. «Fazei crescer esta outra realidade em vós, tornai-vos confiante, deixai-vos possuir pelo Real. Sede aquele que nunca dorme, não sucumbe aos automatismos, nunca se esquece de si próprio nem um segundo, um ser que vence o coma e a morte. O vosso corpo prosseguirá. Como poderia ele resignar-se à lei da decomposição? O vosso espírito despertado retém as moléculas da carne. A partir de então o corpo não soçobrará, pois é a falta de vitalidade, de força anímica, que fazem o corpo tornar-se em pó. E o mesmo que tirar as pedras de cunha a uma casa.

»Em primeiro lugar é preciso agir sobre o nosso duplo astral, torná-lo autônomo, forçá-lo a sair do corpo, ensiná-lo a errar no plano astral, ensiná-lo a viver sem depender do corpo e dos seus hábitos. Logo que o duplo se souber governar perfeitamente, pode então a consciência abandonar o corpo e vir habitar o duplo. Depois da morte continuará a errar. Deveis pois alimentá-lo com a vitalidade que o vosso sangue contém.»

Pode imaginar-se facilmente Hermann Cillei metido numa das torres do seu castelo, fixando a chama hipnótica da vela, escrevendo o manual de vampirismo, já entre este mundo e o outro. Ouve vozes confusas vindas do passado, vê cenas terríveis de que as montanhas foram testemunhas... O vale está povoado por seres fantásticos, sombras que deslizam ao cair da noite... olhos que espreitam entre a escuridão...

A maldição plana como um abutre sobre os castelos da Transilvânia. Bárbara de Cillei morreu envenenada. A mulher de Drácula atirou-se do alto da torre do castelo, em 1462. Drácula voltou a casar-se – sem a bênção da igreja – e vive então na fortaleza de Sibiu. O filho, Mihnea, é tão mau como o pai. Alcunharam-no de Mihnea, o Mau. Também ele pratica decapitações, carnificinas, cortes de orelhas, empalamentos e estuda as «ciências» malditas para fugir à morte.

O príncipe Drácula – vlad Drakul – foi morto pelos turcos numa emboscada perto de Bucareste. Tinha 45 anos, e «foi enterrado subrepticiamente no mosteiro de Snagov sob uma laje sem inscrição. Quando em 1931 foi aberta a sepultura constatou-se que os seus despojos tinham desaparecido».

Que é que se passou? pergunta Ribadeau-Dumas: «Os monges do mosteiro de Snagov, na floresta de VIasie, no meio de um grande lago, como existe um em Bucareste, mergulharam o caixão nessas águas ao ver chegar os turcos vitoriosos. Depois de afundado nunca mais se encontrou o caixão. Conta-se que no momento em que o mergulharam na água, teria surgido uma tempestade violenta, deitando árvores abaixo, rebentando os diques do lago, incendiando o mosteiro que desabou em seguida. Aos camponeses pareceu-lhes ouvir durante muito tempo tocar os sinos da igreja, igualmente arrasada nesta onda de destruição. Aquele lago ficou amaldiçoado!

»No século XX reconstruíram a igreja do convento, mas a nave abateu aquando de um tremor de terra em 1940. Hoje, apenas um monge ora nesta ilha, pelo repouso da alma do príncipe Drácula.»

Para se chegar ao castelo de Drácula, na Transilvânia, é preciso transpor o vale de Ollul, trepar o desfiladeiro da «Torre Vermelha», onde ainda existem ruínas de uma fortaleza militar. Estas ruínas levantam-se sobre a margem direita de uma ribeira, no alto de uma enorme falésia perpendicular à estrada. Encontramo-nos nas nascentes do Arges, por cima das quais brilha a neve dos montes Fagaras.

As aldeias são pobres, as casas modestas, os habitantes mais duros e menos sociáveis e hospitaleiros que os de outras províncias da romênia. A uns trinta quilômetros a jusante encontra-se a aldeia de Arefu onde lá em cima se ergue o ninho de águia de Drácula.

Numerosas lendas relatam a construção do castelo do terror. As crônicas da época dizem que Vlad Draklul reuniu trezentos nobres romenos na sala grande do seu palácio de Târgoviste, oferecendo-lhes um banquete suntuoso. Durante a festa, colocara à volta da sala os seus arqueiros que, a uma ordem sua, aprisionariam os convidados. E, como um rebanho, fez seguir os seus convidados até Arefu, onde chegaram dois longos dias depois.

Numerosas mulheres e crianças, diz a crônica, não agüentando a caminhada, pereceram a meio. Os que sobreviveram, logo se agarraram ao trabalho sob as ordens do príncipe Drácula. E assim construíram a fortaleza de Curtes de Arges, que seria mais tarde o ninho de águia do príncipe.

«A história não esclarece quanto tempo levou esta construção. Escravizados, acabaram por ver suas roupas cair, continuando a trabalhar nus; prosseguiram até tombar mortos pela fome, fadiga, frio e esgotamento...»

Foi assim com sangue que se construiu a fortaleza. Como se o suor, o sangue, a carne dos cadáveres tivessem servido de argamassa a esses pedregulhos.

O caminho que vai de Arefu ao castelo é duro. Uma hora a andar, antes de se atingir algumas pedras daquilo que foi uma das mais poderosas fortalezas de Valáquia. A vista é vertiginosa, distinguindo-se a mancha vermelha das aldeias espalhadas pelos contrafortes alpinos. Lá longe, para norte, luzem os picos de neve dos montes Fagaras.

No pátio do castelo o visitante apercebe-se dos vestígios de uma abóbada, toda coberta de vegetação. Muito perto, vê-se a parte de cima de um poço, cheio de pedras, como se as muralhas do antigo castelo tivessem sido aspiradas pelo abismo, obstruindo para sempre a entrada do mundo subterrâneo.

Ao lado do poço há uma escada enterrada no solo, sem dúvida uma passagem secreta, de que muitos relatos falam, com acesso a uma gruta que os camponeses de Arefu chamam Privnit (A cave), situada na margem de uma torrente. Passados alguns metros de escuridão surge um montão de pedras que barram o subterrâneo.

Os camponeses da região comentam muitas vezes sobre o castelo maldito mas hesitam em ir até lá, pois que o sombrio herói de Bram Stoker assombraria para sempre aqueles lugares.

Para Radu Florescu – o histonador romeno –. «Além da águia e do morcego, as ruínas são frequentadas pelas raposas que procuram os ratos e alguma ovelha ou carneiro que, extraviados do rebanho, caíram num buraco e, prisioneiros no matagal, ali venham a morrer.

»O regougar que os cães selvagens soltam à Lua, sobretudo quando respondem aos uivos, resulta num concerto noturno que não se ouve sem um calafrio. De vez em quando também um urso ou um lince descem os montes Fagaras até aí; mas os visitantes verdadeiramente perigosos são os lobos. Se Bram Stoker escoltasse a parelha de Drácula com as matilhas uivantes para os lados de Borgo, aqui, no alto vale de Argens, as pessoas seriam com certeza atacadas, pois a desolação de Inverno torna esses animais raivosos. Compreende-se assim que pernoitar no castelo de Drácula seja considerado um desafio à morte e mesmo os mais ousados raramente o fazem».

Diz-se que em Arefu os raros aldeões que de noite vão ao castelo, só se aventuram levando consigo um velho missal que, afirmam eles, afasta «os espíritos do mal que rondam pelas alturas».


O vale dos imortais
 No seu romance Drácula, Bram Stoker garante ter encontrado, em 1880, um professor Arminius, da universidade de Bucareste que lhe entregou um dossier «respeitante a V1ad V, filho de V1ad, o Diabo» atestando que depois da morte brutal, da sua inumação na ilha de Snagov, seguido do famoso cataclismo que arrasou a ilha, Drácula reapareceu como «vampiro».

«Pedi ao meu amigo que pusesse em ordem o seu dossier. Todas as fontes de informação levam a pensar que Drácula foi um voïvode que ganhou o seu apelido ao combater os turcos no grande rio, sobre a fronteira da terra turca. Sendo assim, não se trata de um homem vulgar, porque no tempo dele e nos séculos seguintes foi considerado o mais inteligente, o mais ardiloso e valente entre todos os que existiam para além das florestas (Transilvânia), Levou para o túmulo esse poderoso cérebro e um caráter de ferro que ‘utiliza agora contra nós’. Os Drácula, diz-nos Arminius, foram uma grande e nobre raça, ainda que certos descendentes seus (segundo os contemporâneos) tivessem pacto com o diabo. Aprenderam o segredo de Satanás no Scholmance, entre montanhas, sobre o lago Hermanstadt, onde o demônio se reclama, por direito, o décimo erudito.

»No manuscrito encontram-se palavras como estrgoica (feiticeira), Ordog (Satanás), polok (inferno), e ainda se diz neste momento que Drácula, era wampir».

Nos contrafortes dos Cárpatos, nos vales da Transilvânia, as aldeias fazem a época histórica dos Drácula. De longe em longe destinguem-se granjas de madeira, para onde o camponês conduz o seu atrelado. O caminho é escarpado, todo exposto ao sol ao longo das encostas íngremes que levam a cumes solitários. Umas vezes aparece uma cabana de caçadores, um cal vário... meio engolido pela vegetação. Outras vezes surge alguma ruína imponente coroando a colina, os muros de uma antiga fortaleza colocada de sentinela à entrada de uma garganta profunda, ao fundo da qual brilham como um espelho as águas de uma ribeira.

E fácil compreender por que este território inacessível foi noutros tempos a pátria dos Dácios, «o vale dos imortais», que os antigos gregos veneraram.

Num livro misterioso, chamado L’ lcosameron Giacomo Casanova – gentil-homem veneziano, libertino, filósofo e mágico – conta-nos de um povo que vivia no subsolo da Transilvânia, os Mégamicres, bebendo sangue para se tornarem imortais:

«Que belo alimento era o leite dos Mégamicres!... Pensamos que nada de fabuloso nos ensinara a mitologia, que estávamos no verdadeiro domicílio dos imortais e que o leite sugado por nós representava o néctar, a ambrósia, que iria sem dúvida dar-nos a imortalidade de que todos deviam desfrutar... Esta refeição durou uma hora e penso que teríamos ainda continuado não fora verificarmos com pavor algumas gotas que caíram dos seus mamilos para o nosso peito. Pela cor percebemos que era sangue.

»Intermináveis corredores ligam o mundo subterrâneo dos Mégamicres à região do lago Zirchnitz, na Transilvânia, que Casanova descreve como um ‘reino de grutas e de trevas’.»

Quais são os deuses venerados pelos Mégamicres, em Icosameron? Lendo a descrição que Giacomo Casanova nos faz, pensamos nos vampiros que povoam a tradição de Europa central:

«...Os deuses dos Mégamicres são répteis. Têm a cabeça muito parecida com a nossa, mas SEM CABELO. Nada é tão doce e sedutor como o seu olhar, quando se fixa. De dentes são brancos e bicudos, mas nunca se vêem por eles terem sempre os beiços fechados. A voz é apenas um horrível silvo que faz ranger os dentes e gelar o coração. O povo dos Mégamicres dedicam-lhe 1m culto religioso.

»A vida e a morte de Casanova continuam misteriosas. Foi preso em Veneza, pela Inquisição, acusado de magia e fechado nos esgotos do Palácio ducal, donde conseguiu fugir e correr a Europa. Manuzzi – espião dos inquiridores de Veneza, conseguiu apoderar-se de livros e documentos manuscritos em sua casa, tais como as Clavicules de Salomon, as obras de d’Agripa, e o Livre d’Abramelin le mage (publicado em Veneza).

No seu L’ Icosameron, Casanova revela que os Mégamicres são os inimigos do envelhecimento, e que nunca envelhecem:

«O sono profundo», escreve ele, «uma tão perigosa languidez, que é visível que nos faz envelhecer e acelera o ritmo das nossas vidas...»

Sabe-se que Drácula foi enterrado na ilha de Snagov, à entrada da igreja do mosteiro, e procedeu-se as várias buscas em vão. O túmulo está vazio, acontecendo o mesmo com o de Giacomo Casanova, enterrado no parque do castelo de Dux, na Boêmia, sob uma pedra tumular rodeada por um gradeamento. Depois foi transladado para poucos metros de distância, perto da entrada da pequena igreja de Santo Eustáquio, na margem de um pequeno lago...

Hoje não existem nem as lages sepulcrais nem gradeamento! Que coincidência tão estranha até à morte... Drácula e Casanova!... Coincidências ou conjugações de forças secretas para lá da nossa compreensão?... Os imortais bebedores de sangue de Giacomo Casanova viveram em tempos longínquos na Transilvânia, perto do lago Zirchnitz, numa região de «grutas e trevas».

A Transilvânia foi a pátria dos dácios muito antes da era cristã. Os gregos acreditavam que este enclave de montanhas era o «Vale dos imortais».

A antiga terra dos dácios era pagã. «Aí existiam, governados pela misteriosa deusa Mielliki, as forças dos bosques, enquanto a oeste a montanha de Nadas tinha o vento como único habitante. Havia um deus único, mas nos Cárpatos supersticiosos havia sobretudo o diabo Ordog, servido por feiticeiras que, por sua vez, tinham ao seu serviço cães e gatos pretos. E tudo vinha dos elementos da natureza e de suas fadas... No meio das árvores sagradas, de carvalhos, de nogueiras fecundas, celebravam-se secretamente os cultos do Sol e da Lua, da aurora e do cavalo preto da noite.»

Testemunhas da Grécia antiga recordam ter visto legiões de dácios em pé de guerra, armados de escudos, trazendo a efígie do dragão nas armas de guerra.

Para os raros viajantes da Antiguidade, este povo selvagem corresponderia aos Hiperboreanos da mitologia, os homens-deuses que venceram a morte e reinaram na ilha de Thulé (Os filósofos gregos e pessoas que em viagem citam a Dácia hiperboreana).

Os dácios consideravam-se imortais. Tinham – acreditavam eles – o dom de se transformar em lobo ou em morcego, de voar, de dialogar com os deuses no alto das montanhas. Os lugares escolhidos para os rituais eram sobre os picos rochosos, no interior de grutas inacessíveis. E sobre estes cumes que os grandes senhores – Drácula, Garal, Cillei – construíam seus ninhos de águias.

A suprema autoridade religiosa dos dácios, aquele que detinha os segredos da vida e da morte, viveu, ma das florestas da Transilvânia, no cimo de uma montanha agreste na qual construíram um templo. Supõe-se hoje que tivesse sido o monte Cugu, que se eleva a três mil metros de altitude nos confins de Banat e da Transilvânia.

Para os «padres» dácios, a divindade suprema chama-se Zalmonix. E ela que preside à iniciação.

Entre Zalmonix e os sacerdotes de Transilvânia existem outros seres que servem de intermediários entre os homens e a divindade suprema. Estes seres seriam eventualmente os vampiros ou mortos-vivos, isto é, aqueles que venceram a morte e que têm o poder de voltar ao meio dos homens, segundo a sua vontade.

O príncipe romeno Bursan-Ghica, exilado em Paris desde os anos 50, recorda ainda as velhas lendas da Transilvânia:

«Para comunicar com Zalmonix, os dácios têm de recorrer a mensageiros. Escolhem por isso os irmãos mais avançados em magia, aqueles que ultrapassaram o limiar da iniciação. Estes eleitos são os sacrificados. Os dácios trespassam-nos com as pontas das suas lanças. Mas sete dias depois, os corpos trespassados saem do túmulo e juntam-se aos outros. Tornaram-se imortais e farão de elo entre os Dácios e Zalmonix. Naturalmente que as lanças foram substituídas por agudas estacas que se plantavam na terra. Compreendem agora a realidade secreta da estaca dentro do vampirismo, e a razão por que o Drácula foi alcunhado de vlad, o empalador?...

Para certos ocultistas, fanáticos do vampirismo, o príncipe Drácula não seria um guerreiro sanguinário ao empalar as suas vítimas para seu prazer... antes cumpria as práticas da magia antiga e dos Dácios, seus antepassados, os imortais da Transilvânia.

Em 1462, Vlad Drakul foi preso na Hungria, na torre de Salomão, palácio de Visegrad. Segundo Kurytsint um diplomata russo, Drácula mantinha excelentes relações com os guardas. Fez-lhes um pedido que não deixa de ser curioso! Desejava que lhe arranjassem ratazanas, ratinhos, pássaros e outros animais pequenos.

Que razões secretas o levariam a tal? Kurytsint que estudou Drácula narra que ele empalava estes animalejos e os dispunha em redondo ou em cepa, espetados em raminhos afiados sobre o chão da sua cela. Os cronistas referem as distrações atrozes, de um sadismo monstruoso. As obras recentes acerca do personagem histórico Vlad Drakul (entre eles o livro do historiador Romeno Florescu) são bem o testemunho da opinião do autor quanto a tratar-se de perversões psicopatológicas. Apenas os ocultistas e os adeptos do vampirismo viram nelas o ressurgimento da antiga magia Dácia oferenda oculta único vínculo possível com Zalmonix deus dos vivos e dos mortos nas antigas crenças da Transilvânia

Texto de Jean Paul Bourre